Enferm Bras 2022;21(2):141-153

doi: 10.33233/eb.v21i2.4739

ARTIGO ORIGINAL

Vivência da equipe de enfermagem no enfrentamento da COVID-19

 

Beatriz de Almeida Santos*, Suelen Nunes Suave*, Fernanda Milani Magaldi, M.Sc.**, Monise Moreno de Freitas, M.Sc.**, Sara Rodrigues Rosado, D.Sc.**

 

*Graduanda em Enfermagem pela Universidade São Judas Tadeu (USJT), São Paulo/SP, **Enfermeira, Docente do Curso de Enfermagem da Universidade São Judas Tadeu (USJT), São Paulo/SP

 

Recebido em 19 de abril de 2021; Aceito em 22 de março de 2022.

Correspondência: Fernanda Milani Magaldi, Rua João Antônio de Oliveira, 426/101 Rovigo, Mooca 03111-010 São Paulo SP

 

Beatriz de Almeida Santos: beatrizalmeidasantos@hotmail.com

Suelen Nunes Suave: suelenunes9823@outlook.com

Fernanda Milani Magaldi: fernanda.magaldi@saojudas.br

Monise Moreno de Freitas: monise_moreno@yahoo.com.br

Sara Rodrigues Rosado: sara.rosado@saojudas.br

 

 

Resumo

Objetivo: Compreender e relatar a experiência da equipe de enfermagem ao enfrentar a pandemia do novo coronavírus. Métodos: Estudo qualitativo descritivo e exploratório. Foram entrevistados 11 enfermeiros e 5 técnicos de enfermagem. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semiestruturadas e as narrativas analisadas na perspectiva de Janesick. Resultados: A análise das narrativas possibilitou a elaboração de três categorias: Mudança da rotina de trabalho no enfrentamento da pandemia da COVID-19; Desafios enfrentados na pandemia COVID-19; e Novas perspectivas da equipe de enfermagem. Conclusão: A mudança na rotina ocorreu, e certamente as pessoas terão novas perspectivas após a pandemia. Acredita-se que este estudo contribua para o entendimento da vivência da equipe de enfermagem em uma pandemia sem precedentes.

Palavras-chave: COVID-19; mudança organizacional; pesquisa em avaliação de enfermagem.

 

Abstract

Nursing team experience in coping with COVID-19

Objective: Understand and report the nursing team experience facing the pandemic of the coronavirus disease. Methods: Qualitative, descriptive and exploratory study. 11 nurses and 5 nursing technicians were interviewed. The data collect was done through semi-structured interviews and analyzed narratives by the perspective of Janesick. Results: The analyzed narratives made possible the elaboration of three categories: The change of work routine in the fight against COVID 19 pandemic, challenges in the COVID 19 pandemic; nursing team new perspectives. Conclusion: The routine has changed, and certainly people will have new visions and perspectives after the pandemic. This study contributes to the understanding of the nursing team experience in a pandemic without precedents.

Keywords: COVID-19; organizational change; research in nursing assessment.

 

Resumen

Vivencia del equipo de enfermería en el enfrentamiento de COVID-19

Objetivo: Comprender y relatar la experiencia del equipo de enfermería al enfrentar la pandemia del nuevo coronavirus. Métodos: Estudio cualitativo descriptivo y exploratorio. Fueron entrevistados 11 enfermeros y 5 técnicos de enfermería. La recolección de datos se llevó a cabo a través de entrevistas semi-estructuradas y las narrativas analizadas desde la perspectiva de Janesick. Resultados: El análisis de las narrativas posibilitó la elaboración de tres categorías: Cambio de la rutina de trabajo en el enfrentamiento de la pandemia del COVID-19; Desafíos enfrentados en la pandemia COVID-19; y Nuevas perspectivas del equipo de enfermería. Conclusión: El cambio en la rutina ha ocurrido, y seguramente la gente tendrá nuevas perspectivas después de la pandemia. Se cree que este estudio contribuye a la comprensión de la vivencia del equipo de enfermería en una pandemia sin precedentes.

Palabras-clave: COVID-19; cambio organizacional; investigación en evaluación de enfermería.

 

Introdução

 

Ao final do ano de 2019, chegaram à Organização Mundial da Saúde (OMS) relatos de uma pneumonia de origem desconhecida na China [1]. Em março de 2020 ocorreu uma disseminação para centenas países causando uma moléstia respiratória e milhares de óbitos. Em razão da gravidade, da velocidade na disseminação e dificuldades para contenção, a OMS declarou pandemia pelo novo coronavírus em onze de março de 2020 [2]. No mundo todo o maior desafio continua concentrado em combater essa doença designada COVID-19 (Corona Virus Disease 2019), causada pelo SARS-CoV-2.

Nesse sentido, o desdobramento para a configuração de imunizantes contra o SARS-CoV-2 é fundamental para poder gerir a crise de saúde e conter a disseminação da doença [3]. No entanto, as insuficiências na elaboração de um plano logístico significativo para as administrações de vacinas fazem com que diminua a capacidade de produção, afetando a população, principalmente em países pró-pobres [4]. Portanto, o distanciamento social, o controle do ambiente e as boas práticas de higiene são as medidas utilizadas para combater o novo coronavírus. Resgatamos os princípios e hábitos de higiene concretizados por Florence Nightingale durante a guerra da Crimeia (1853-1856). Em seu livro “Notas sobre Enfermagem” (1860), Florence escreveu que “toda enfermeira deve ter o cuidado de lavar suas mãos muito frequentemente ao longo do dia. Se lavar o rosto, ainda melhor” [5] nesse contexto nota-se que para se adequar ao atual cenário, a equipe de enfermagem precisou retomar a adotar os escritos de Florence [6].

No mundo, existem cerca de 28 milhões de trabalhadores de enfermagem, de acordo com o relatório recente da OMS e do Conselho Internacional de Enfermeiros [7]. No Brasil, há mais de 2 milhões de profissionais de enfermagem disseminados pelas estruturas organizacionais dos serviços de saúde [8].

É notável que a COVID-19 conduziu o mundo a uma nova realidade em que todos foram obrigados a se adequar e criar estratégias de controle de danos, principalmente o sistema de saúde, que sofreu inúmeras alterações, superlotações, escassez de materiais, e, com relação aos profissionais de saúde que se depararam com um desafio complexo de enfrentar um vírus que circulou o mundo, muitas vezes tiveram jornadas exaustivas com desgastes fisiológicos e emocionais [9].

Nessa circunstância foi fundamental que muitos lugares se adequassem, ensinando e revisando as maneiras de paramentação e desparamentação. A comunicação entre a equipe multiprofissional foi virtual quando possível e a rotina mudou desde quando o profissional entrava no local de trabalho até o momento em que se retirava, continuando em casa. A equipe de enfermagem se destacou por estar diretamente ligada à prestação de cuidados, sofrendo mudanças logo no começo. O planejamento alterou, a diversidade de profissionais diminuiu, investimentos na promoção de autocuidado aumentaram [9]. Os profissionais de enfermagem se expuseram mais a COVID-19. Assim como em outros países, no Brasil, milhares de profissionais de saúde se ausentaram de suas atividades laborais por terem se infectado e muitos morreram em decorrência da doença [8]. É importante ressaltar que o acesso ao EPI ficou escasso, tornando uma preocupação constante para a equipe de saúde [10].

Diante desses fatos, observamos a importância dos instrumentos de avaliação dos serviços de saúde por meio de seus colaboradores internos, visto que através das experiências vividas por eles é que se terá o conhecimento a respeito de como as pessoas agem, reagem e interagem em situações de mudança [11]. Neste sentido, este estudo teve como objetivo compreender e relatar a experiência da equipe de enfermagem ao enfrentar a pandemia do novo coronavírus no ano de 2020.

 

Métodos

 

Trata-se de uma pesquisa com desenho qualitativo, descritivo e exploratório. Com foco no objeto de estudo no qual se pretende analisar de forma aprofundada em suas peculiaridades e em experiências individuais.

Os colaboradores para a pesquisa foram onze enfermeiros e cinco técnicos de enfermagem com pelo menos um ano de atuação na unidade, uma vez que para a seleção dos participantes de um estudo qualitativo é necessário que estejam vivenciando o fenômeno sob investigação [13]. Como critérios de inclusão deste estudo, adotou-se: enfermeiros e técnicos de enfermagem, com experiência na assistência às pessoas com COVID-19 e com experiência na assistência pré-pandemia. O critério de exclusão utilizado foi enfermeiro ou técnico de enfermagem que não possuísse experiência com pessoas com COVID-19 ou não tivessem tido experiência prévia na assistência.

A coleta de dados foi realizada durante os meses de setembro de 2020 a fevereiro de 2021, o primeiro contato com o profissional foi feito, através da carta convite, por meio de conhecidos e redes sociais. A entrevista individual foi agendada utilizando uma plataforma virtual de sua preferência. Neste momento, foi lembrado sobre a importância de escolher um lugar que mantenha sigilo do participante e que seja silencioso. A entrevista foi gravada por vídeo, transcrita e será arquivada por cinco anos pelo pesquisador responsável e posteriormente descartada. Durante a entrevista, foram utilizados dois questionários, o primeiro contendo informações sociodemográficas, a fim de caracterizar a amostra com questões como: idade, sexo e outras e o segundo com questões norteadoras sobre assistência de enfermagem na pandemia COVID-19.

As questões norteadoras da entrevista foram: 1) Você sentiu alguma mudança na sua rotina diária? Precisou alterar o turno do seu horário de trabalho durante a pandemia causada pelo novo coronavírus? 2) De alguma forma se sentiu desafiado pelo novo coronavírus? Descreva qual foi o maior desafio que você profissional enfermeiro(a), técnico(a) de enfermagem enfrentou durante a pandemia. 3) Você sentiu medo de ir trabalhar ou de poder contaminar um parente/amigo próximo? 4) Durante a pandemia você sentiu que não conseguiria dar conta pela demanda expressiva de casos de COVID-19? 5. Você precisou abrir mão do término do seu expediente para poder ajudar a sua equipe? 6) Como profissional de saúde, teve a percepção que o seu local de trabalho se adaptou rapidamente às mudanças impostas pelo coronavírus? 7) Você profissional que vivenciou a pandemia, qual foi a sua visão/ percepção do começo da pandemia e qual é a sua visão/percepção com a pandemia agora? 8) Quais mudanças acredita que irão se manter após a pandemia?

Os dados deste estudo foram coletados e analisados simultaneamente, optando pelas fases propostas por Janesick [12]. São elas: localizar na experiência pessoal relatada, frases ou afirmativas relacionadas diretamente ao fenômeno do estudo; interpretar os significados dessas frases ou temas centrais como um leitor informado; obter a interpretação dos participantes, sempre que possível; investigar os significados com o objetivo de verificar o que eles revelam a respeito das características essenciais e recorrentes do fenômeno do estudo; e elaborar prováveis definições ou afirmativas a respeito do fenômeno com base nas características essenciais e recorrentes reveladas [12].

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos (CEP) da Universidade São Judas Tadeu CAE 4.367.830. Após aprovação no comitê de ética, o TCLE foi explicado e assinado.

 

Resultados e discussão

 

Foram entrevistados dezesseis profissionais de enfermagem, onze enfermeiros e cinco técnicos de enfermagem. Sendo dois do sexo masculino (12,5%) e quatorze do sexo feminino (87,5%). A distribuição nos setores de atuação (público ou privado) mostrou que seis dos entrevistados atuam na rede pública de saúde (37,5%) e dez na rede privada (62,5%). A faixa etária apresentou idades entre 23 e 50 anos e a média de idade de 36 anos, considerando o local em que os entrevistados residem se concentra na cidade de São Paulo e grande São Paulo.

A análise das narrativas possibilitou a elaboração de três categorias: Mudança da rotina de trabalho no enfrentamento da pandemia da COVID-19; Desafios enfrentados na pandemia COVID-19 e Novas perspectivas da equipe de enfermagem, as quais são observadas a seguir:

 

Mudança da rotina de trabalho no enfrentamento da pandemia da COVID-19

 

Os enfermeiros são profissionais essenciais que asseguram os cuidados na linha de frente da COVID-19, uma doença contemporânea, desafiadora que necessita de tempo, entendimento, conhecimento para criar experiências, vivências e assim combatê-la.

 

“Me senti desafiado, pois no começo da pandemia não tínhamos total conhecimento sobre o que estava acontecendo. Estávamos aprendendo todos os dias, cada vez era uma experiência nova que servia para compreendermos melhor e melhorar o próximo atendimento”. E4

 

Borges et al. [14] identificaram os desafios relacionados ao trabalho, as buscas por maiores informações, a procura por conhecimento, novos investimentos e evidências científicas pelos enfermeiros de seu estudo durante a pandemia causada pelo novo coronavírus para enfrentar as novas condições impostas pela COVID-19.

A sobrecarga de trabalho se tornou um fator determinante na mudança de rotina dos entrevistados, comprovando que o aumento na demanda de casos fez com que o atendimento fosse realizado com desfalques na equipe.

 

“A demanda aumentou, os colaboradores estavam se contaminando e acabaram se afastando, ou seja, tínhamos que atender um número maior de pacientes com uma equipe menor”. Te1

 

Um grande fator foi a contaminação dos próprios profissionais que atuavam diretamente na assistência de pacientes diagnosticados com a COVID-19. Foi possível associar o aumento da demanda e consequentemente o aumento do tempo de trabalho, com um risco maior de infecção em razão da não realização da higiene correta das mãos [15].

É notório nos estudos dessa análise que a alta demanda e os mínimos recursos foram grandes fatores que sobrecarregam os profissionais, que em muitos casos, pressionados pelo tempo, precisaram transferir os enfermos para terem o suporte necessário à sua moléstia.

 

“Em um certo momento a demanda ficou extremamente grande e tínhamos que pensar em soluções. A demanda era alta e os aparelhos não eram suficientes, uma das soluções foi pronar os pacientes para aguardarem os respiradores. Com o tempo conseguimos transferir para uma unidade que continuasse o tratamento e desse o suporte necessário, mas era angustiante trabalhar vendo o relógio passar e suplicando para não chegar ninguém, porque se chegasse não teríamos recursos para lidar com o paciente”. E7

 

Autores colocam que os problemas de gerenciamento impactam diretamente na qualidade assistencial, falta de recursos, escassez de respiradores mecânicos e estrutura física tornou a realidade dos profissionais ainda mais complexa e foi necessário desenvolver estratégias para o combate A COVID-19 [16].

Em muitos acontecimentos foram observadas novas contratações de emergência e remanejamento dos profissionais da saúde para outros setores que estavam necessitando de auxílio. Nesse caso foi sentida a falta de experiência dos entrevistados por esses novos contratados e remanejados, que em muitas situações, precisam realizar tarefas fora do seu habitual cotidiano.

 

“Sim, teve um momento em que eu estava na UTI e era o único enfermeiro com mais experiência, tinham profissionais que nunca haviam passado pela UTI. Então nesse momento pensei que não daria conta....” E4

 

A literatura aborda que a diminuição de colaboradores em razão da contaminação, o aumento da demanda e a insuficiência estrutural resulta em uma situação emergencial de contratação de novos profissionais de saúde ou mudanças de setores. Se notam novos problemas, tais como: a inexperiência, o desconhecimento de regras e protocolos institucionais e a necessidade de capacitação profissional [15].

O medo foi um fator limitante na mudança de rotina dos entrevistados. Foi observada a angústia dos participantes em ir para o trabalho e serem alvo de discriminação, violências por meio da população pelo medo do contágio.

 

“Tinha muito medo, inclusive de andar de uniforme no transporte público, pois a população foi bem cruel com os profissionais de saúde. O hospital disponibilizou um local para nos trocarmos, mas a situação foi se agravando e acabou tendo que disponibilizar o estacionamento para os profissionais irem de carro. Tive medo de contaminar meus pais” E10.

 

A recorrência de agressões de todos os tipos contra os profissionais da saúde dentro e fora de suas instituições vem sendo notada no mundo. Em vista disso, o medo da equipe de saúde em ser avistados nas ruas, supera o orgulho que deveriam sentir por estarem fazendo um trabalho extraordinário em tempos de coronavírus [17].

Ainda sobre o medo, foi observada a preocupação dos entrevistados da área da enfermagem pela falta dos EPIs necessários para assistir o paciente de forma efetiva, e o aflito em colocar a saúde da equipe em risco.

 

“O medo maior foi de quando eu ou a equipe chegasse para trabalhar, e não tivesse o equipamento necessário para atendermos o paciente. Por conta da falta de insumos, o que foi um fato que aconteceu... Quem providencia os insumos é o enfermeiro, então esse era o meu maior medo porque eu não estaria colocando em risco apenas minha saúde somente, e sim da equipe porque se eu não conseguisse material para a equipe, eles iriam ficar suscetíveis à doença” E1

 

Estudo aborda que a escassez dos insumos são origens de preocupações para a equipe de enfermagem que precisa enfrentar a angústia do adoecimento não só de si, mas de sua equipe [18]. Essa escassez, a falta ou a má qualidade dos EPIs já se tornaram fontes de denúncias ao Conselho Federal de Enfermagem no Brasil, intensificando as inquietações por parte da população e principalmente dos profissionais da enfermagem que continuam zelando por compromissos éticos e cuidados de enfermagem efetivos [19].

Em contrapartida alguns entrevistados ressaltaram inúmeras outras moléstias tão fatais quanto a COVID-19 e não sentiram medo de ir trabalhar, porém grande parte dos entrevistados sentiram medo de contaminar um ente querido.

 

“Medo de trabalhar não tive, pois acredito que todos os dias estamos sujeitos a contrair outras patologias tão mortais quanto ao coronavírus, mas medo de contaminar outras pessoas eu tive. Principalmente meu filho que infelizmente acabou se contaminando junto comigo e chegou até ficar internado”. E4

 

A preocupação de transmitir essa doença a um ente da família se manifesta nesse período de desconhecimento sobre essa doença [14].

 

Desafios enfrentados na pandemia COVID-19

 

A falta de EPIs foi visivelmente exposta pelos entrevistados e, para o ambiente de trabalho se adequar às novas medidas impostas, foi necessário tempo.

 

“Meu local de trabalho não se adequou perfeitamente as mudanças, tivemos muita dificuldade com relação aos EPIs no início da pandemia, pois não tivemos a quantidade necessária de materiais de proteção e demorou um tempo para se adequar e ter o necessário para todos trabalharem com segurança e ainda hoje temos uma escassez, não chegamos a ficar sem o material, mas precisamos nos adequar com o que tínhamos. Já na parte estrutural a instituição se adequou perfeitamente”. Te2

 

A vivência nos setores públicos e privados de saúde do Brasil e do mundo precisou se preparar e adequar rapidamente à nova realidade imposta pela pandemia. A desigualdade dos setores como sempre permaneceu exacerbada, muitas pessoas precisaram de acesso ao judiciário para conseguirem atendimento do SUS, colocando todo o princípio de universalidade em questão [20]. Equipamentos de proteção individual, na maioria das vezes, não são suficientes ou adequados para uso seguro. No Conselho Internacional de Enfermeiros a grande quantidade de óbitos de enfermeiros por Covid-19 está relacionada à falta de EPI [19].

Ainda nos desafios, enfatizamos a adequação e a estruturação do local de trabalho que em muitos casos as descrições dos entrevistados mostraram que foi necessário realizar adaptações nas instituições para assistirem os pacientes de forma eficaz.

 

 “Foi se adequando com o decorrer do tempo, optaram por fazer uma tenda fora do hospital para realizar a triagem dos pacientes suspeitos e após a triagem esses pacientes eram conduzidos ao hospital de campanha que foi montado para auxiliar nos tratamentos de pacientes infectados pelo coronavírus”. Te5

“Todos os setores, estruturas bem adeptas, não teve falta de materiais e nem de equipamentos para a equipe, realmente a logística foi muito bem-feita, tivemos um suporte significativo pela instituição...”. E9

 

Autores colocam que os serviços essenciais dentro dos hospitais, como funcionamento apropriado das instituições hospitalares, limpeza, vigilância, realizados sob inspeção da gestão de qualidade traz benefícios para a instituição, em tempos atuais, com os desafios advindo da COVID-19 a incrementação de tais serviços de forma iminente e eficiente se tornam ainda mais relevantes [21].

 

Novas perspectivas da equipe de enfermagem

 

As perspectivas mais abordadas para o futuro estão relacionadas à confiabilidade da população em relação à ciência e pesquisa do país, o uso de EPIs e a higienização das mãos mesmo após a pandemia.

 

"Espero que tenha muito empenho físico, psicológico e verbal para a ciência e pesquisa brasileira. Em relação ao isolamento, acredito que não vamos seguir tudo, mas sinto que o uso de máscara por profissionais de saúde e higiene das mãos para todos se mantém”. E8

 

A ciência se destacou, ganhando visibilidade e confiança. Segundo pesquisa do IDEIA Big Data mostra que 76% dos brasileiros demonstram interesse em informações de cientistas e pesquisadores. Nota que as pessoas estão mais atentas a qualquer achado científico relacionado a medicamentos ou imunizantes da COVID-19 [22].

Durante a pesquisa diversos entrevistados relataram acreditar que medidas de higiene, como lavagem adequada das mãos e uso de máscaras, irão se manter entre os profissionais de saúde, pois existem ocorrências de pacientes contaminados, com outros tipos de vírus de grande transmissibilidade, chegarem ao pronto socorro e apenas, após análise clínica e laboratorial, os profissionais de saúde ficarem cientes do risco.

 

“Com certeza a paramentação, sem sombra de dúvidas! Agora nós vamos atender toda a emergência pelo menos com uma máscara comum, coisa que não fazíamos, teremos um cuidado maior para não se contaminar, não só com a COVID, mas também com todas as outras doenças”. E1

“Acredito que a máscara se tornará obrigatória em diversas situações, e que irá permanecer durante todo atendimento para aquele determinado paciente, pois não é apenas COVID que pode ser transmissível, existem diversas outras doenças como tuberculose entre outras. E a conscientização da população em relação aos cuidados como o uso do álcool em gel”. Te3

“Acredito que por um tempo a questão da lavagem das mãos, uso do álcool em gel e máscara irá continuar sim”. E5

 

Frente a capacidade de contaminação da COVID-19, diversos estudos afloram efeitos e os modos de combate ao novo coronavírus, mostrando a evolução no contágio das equipes de saúde em razão da cultura da higienização inadequada das mãos, se tornando um fator significativo para o aumento na contaminação dos funcionários [23]. A utilização de máscaras minimiza a transmissão do aerossol, pois pode conter a propagação de moléstias respiratórias, inclusive o novo coronavírus, contudo, não garante proteção suficiente caso não esteja associada a higienização correta das mãos [24].

 

Conclusão

 

O presente estudo permitiu descrever vivências de uma amostra da equipe de enfermagem que enfrentou a COVID-19. O cenário da pandemia é um marco na vida de todos que vivenciaram a difícil experiência de um momento histórico no mundo. Vem desafiando a todos profissionais da saúde, pela insegurança, pelas evidências na escassez de materiais de proteção e pelos ambientes de saúde que necessitam se adequar e se estruturar com o decorrer da evolução da doença no mundo. A mudança na rotina de fato ocorreu, e certamente as pessoas terão novas perspectivas após a pandemia.

Acredita-se que este estudo possa contribuir para o entendimento da vivência da equipe de enfermagem em uma pandemia sem precedentes, no âmbito dos desafios enfrentados, mudanças de rotina e novas perspectivas pós-pandemia.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento 

Não houve fonte de financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Santos BA, Suave SN, Magaldi FM; Coleta de dados: Santos BA, Suave SN, Magaldi FM; Análise e interpretação dos dados: Santos BA, Suave SN, Magaldi FM, Rosado SR, Freitas MM; Redação do manuscrito: Santos BA, Suave SN, Magaldi FM; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Santos BA, Suave SN, Magaldi FM, Rosado SR, Freitas MM 

 

Referências

 

  1. World Health Organization. Rolling updates on coronavirus disease (COVID-19) [Internet]. Geneva: WHO;2020 [cited 2020 Ago 25]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/events-as-they-happen
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo de Tratamento do Novo Coronavírus (2019-nCOV). Brasília: Ministério da Saúde; 2020. [cited 2020 Ago 25]. Available from:https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/05/Protocolo-de-manejo-clinico-para-o-novo-coronavirus-2019-ncov.pdf
  3. Almeida SLAC et al. Uma análise crítica das vacinas disponíveis para Sars-cov-2. Brazilian Journal of Health Review 2021;4(2):4537-55. https://doi.org/10.34119/bjhrv4n2-044 4 [Crossref]
  4. Oliveira SF, Xavier CR, Vieira VF, Reis RF, Quintela BM, Rocha BM, et al. Nota Técnica 04 - Como um esquema sólido de vacinação pode controlar a pandemia de Covid-19 no Brasil [Internet]. PGMC/UFJF, 2021. [cited 2021 Abr 14]. Available from: https://www2.ufjf.br/noticias/wp-content/uploads/sites/2/2021/02/note-tcnica04_covid19_pgmc_ufjf_ufsj-1.pdf
  5. Bater R. Florence Nightingale: a pioneer of hand washing and hygiene for health. England: The Conversation; 2020 [cited 2020 Ago 25]. Available from: https://theconversation.com/florence-nightingale-a-pioneer-of-hand-washing-and-hygiene-for-health-134270
  6. Souza AR, Olímpio A, Cunha CLF. Enfermagem em contexto de pandemia no Brasil: docilidade dos corpos em questão. [Internet] 2020 [cited 2020 Ago 25]. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/3499
  7. World Health Organization (WHO). State of the world’s nursing 2020 [Internet]. Genebra; WHO; 2020 [cited 2020 Apr 08]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331673/9789240003293-eng.pdf
  8. Medeiros EA. A luta dos profissionais de saúde no enfrentamento da COVID-19. Acta Paul Enferm 2020;33:e-EDT20200003. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020EDT0003 [Crossref]
  9. Parreira ST, Ribeiro G, Coelho J, Borges L. Cuidados de enfermagem em tempos de pandemia: uma realidade hospitalar [Internet]. Lisboa, 2020 [cited 2020 Ago 31]. Available from: https://www.gazetamedica.pt/index.php/gazeta/article/view/335/215
  10. Word Health Organization. Rational use of personal protective equipment (PPE) for coronavirus disease (COVID-19) [Internet]. Geneva; WHO; 2020. [cited 2020 Ago 25]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331498/WHO-2019-nCoV-IPCPPE_ use-2020.2-eng.pdf
  11. Melleiro MM, Magaldi FM, Parisi TCH. A implantação de uma estratégia de intervenção em um serviço de saúde. Acta Paul Enferm 2008;21(2). https://doi.org/10.1590/S0103-21002008000200006 [Crossref]
  12. Janesick VJ. The choreography of qualitative research design. In: Denzin NK, Lincol YS, editors. Handbook of qualitative research. 2nd ed. London: Sage; 1995. p.379-99.
  13. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 3a ed. São Paulo: Hucitec; 1994.
  14. Borges EMN, Queirós CML, Vieira MRFSP, Teixeira AAR. Perceptions and experiences of nurses about their performance in the COVID-19 pandemic. Rev Rene 2021;22:e60790. https://doi.org/10.15253/2175-6783.20212260790 [Crossref]
  15. Teixeira CFS, Soares CM, Souza EA, Lisboa ESA, Pinto ICM, Andrade LR, Espiridião MA. A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Coletiva 2020;25(9). https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.19562020 [Crossref]
  16. Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Adamy EK, Toso BRGO, Souza JB. 200 Years of Florence and the challenges of nursing practices management in the COVID-19 pandemic. Rev Latinoam Enferm 2020;28:e3358. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4576.3358 [Crossref]
  17. Aydogdu ALF. Violência e discriminação contra profissionais de saúde em tempos de novo coronavírus. J Nurs Health [Internet] 2020 [cited 2022 Apr 4];10(n.esp.):e20104006. Available from: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2020/05/1095922/3.pdf
  18. Oliveira KKD, Freitas RJM, Araújo JL, Gomes JGN. Nursing Now e o papel da enfermagem no contexto da pandemia e do trabalho atual. Rev Gaúcha Enferm 2021;42(esp):e20200120. https://doi.org/10.1590/1983- 1447.2021.20200120 [Crossref]
  19. Oliveira AC. Desafios da enfermagem frente ao enfrentamento da pandemia da Covid-19. REME - Rev Min Enferm 2020;24:e-1302. https://doi.org/10.5935/1415 2762.20200032 [Crossref]
  20. Costa DCAR, Bahia L, Carvalho EL, Cardoso AM et al. Oferta pública e privada de leitos e acesso aos cuidados à saúde na pandemia de COVID-19 no Brasil. Saúde Debate 2020;44 (spe4). https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.1316 [Crossref]
  21. Mastelli WF, Manfredini LFF. Hotelaria no contexto hospitalar pandêmico [Internet]. Rev Qualidade HC. São Paulo, Brasil [cited 2021 Mar 12]. Available from: https://www.hcrp.usp.br/revistaqualidade/uploads/Artigos/300/300.pdf
  22. Guenther M. Como será o amanhã? O mundo pós-pandemia. Revista Brasileira de Educação Ambiental [Internet]. 2020 [cited 2021 Mar 12];15(4):31-4. Available from: https://periodicos.unifesp.br/index.php/revbea/article/view/10766
  23. De Paula DG, Francisco MR, Freitas JD, Levachof RCQ, Fonseca BO, Simões BFT, et al. Hand hygiene in high complexity sectors as an integrating element in the combat of Sars-CoV-2. Rev Bras Enferm 2020;73(Suppl2):e20200316. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0316 [Crossref]
  24. Oliveira AC, Lucas TC, Iquiapaza RA. O que a pandemia da COVID-19 tem nos ensinado sobre a adoção de medidas de precaução? Scielo Preprints [Internet] 2020. [cited 2021 Mar 15]. Available from: https://www.scielo.br/pdf/tce/v29/pt_1980-265X-tce-29-e20200106.pdf