Enferm Bras. 2023;22(6):996-1012

doi: 10.33233/eb.v22i6.4749

REVISÃO

Indicadores empíricos para consulta de enfermagem à pessoa idosa em situação de violência

 

Elismar Pedroza Bezerra1, Rafaella Queiroga Souto2, Luana Rodrigues de Almeida2,

Susanne Pinheiro Costa e Silva2

 

1Universidade Federal de Campina Grande, PB, Brasil  

2Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

 

Recebido em: 15 de maio de 2022; Aceito em: 25 de setembro de 2023.

Correspondência: Elismar Pedroza Bezerra, elismarpedroza@hotmail.com

 

Como citar

Bezerra EP, Souto RQ, Almeida LR, Costa e Silva SP. Indicadores empíricos para consulta de enfermagem à pessoa idosa em situação de violência. Enferm Bras. 2023;22(6):996-1012. doi: 10.33233/eb.v22i6.4749

 

Resumo

Objetivo: Identificar os indicadores empíricos relacionados à pessoa idosa em situação de violência que podem ser utilizados na consulta de enfermagem. Métodos: Trata-se de revisão integrativa de literatura com busca nas bases de dados Web of Science; Medline/PubMed; Scopus; Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Bases de Dados de Enfermagem (BDENF). Resultados: A revisão abrangeu 10 estudos, sendo sete no idioma inglês e 3 em português. Identificaram-se alguns indicadores empíricos para consulta de enfermagem à pessoa idosa em situação de violência, e os principais foram: abrasão, laceração, fraturas, queimaduras, hematomas, medo, confusão ou apatia, tristeza, passividade, isolamento, desamparo, sangramento vaginal ou anal inexplicável, infecções genitais recorrentes e ferimentos em volta dos seios. Conclusão: Na perspectiva de contemplar à consulta de enfermagem ao idoso em questões concernentes à violência, denota-se que é imprescindível o conhecimento sobre o assunto, o que possibilita ao enfermeiro organizar estratégias de atendimento voltadas especificamente para a situação de violência abordada. Isso, certamente, possibilitará uma assistência de enfermagem individualizada.

Palavras-chave: Enfermagem; consulta; sinais e sintomas; abuso de idosos.

 

Abstract

Empirical indicators for nursing consultation to elderly people in situations of violence

Objective: To identify empirical indicators related to elderly individuals in situations of violence that can be utilized in nursing consultations. Methods: This is an integrative literature review encompassing 10 studies, with 7 in English and 3 in Portuguese. These studies were sourced from the Web of Science databases, Medline/PubMed, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), and Nursing Databases (BDENF). Results: Several empirical indicators were identified for nursing consultations with elderly individuals in situations of violence. The primary indicators include abrasions, lacerations, fractures, burns, bruises, fear, confusion or apathy, sadness, passivity, isolation, helplessness, unexplained vaginal or anal bleeding, recurring genital infections, and wounds around the breasts. Conclusion: From the perspective of contemplating nursing consultations with the elderly on issues concerning violence, it is clear that knowledge on the subject is essential, which allows nurses to organize care strategies aimed specifically at the situation of violence addressed. This approach is crucial for providing individualized nursing care.

Keywords: nurses; signs and symptoms; mistreatment of the elderly.

 

Resumen

Indicadores empíricos para la consulta de enfermería a ancianos en situación de violencia

Objetivo: Identificar indicadores empíricos relacionados a personas mayores en situaciones de violencia que puedan ser utilizados en consultas de enfermería. Métodos: Esta es una revisión bibliográfica integradora que abarca 10 estudios, con 7 en inglés y 3 en portugués. Estos estudios fueron obtenidos de las bases de datos de la Web of Science, Medline/PubMed, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) y Nursing Databases (BDENF). Resultados: Se identificaron varios indicadores empíricos para las consultas de enfermería con personas mayores en situaciones de violencia. Los indicadores principales incluyen abrasiones, laceraciones, fracturas, quemaduras, contusiones, miedo, confusión o apatía, tristeza, pasividad, aislamiento, desamparo, sangrado vaginal o anal inexplicado, infecciones genitales recurrentes y heridas alrededor de los senos. Conclusión: Desde la perspectiva de contemplar las consultas de enfermería con ancianos sobre cuestiones relativas a la violencia, se evidencia que el conocimiento sobre el tema es fundamental, lo que permite al enfermero organizar estrategias de atención dirigidas específicamente a la situación de violencia abordada. Este enfoque es crucial para brindar atención de enfermería individualizada.

Palabras-clave: enfermeros; signos y síntomas; maltrato a las personas mayores.

 

Introdução

 

O crescimento populacional dos idosos vem ocorrendo de maneira acelerada com destaque em vários aspectos, incluindo-se a vulnerabilidade. No Brasil, o número de idosos aumentou de três milhões em 1960 para 14 milhões em 2000, o que representa um acréscimo de 500% em 40 anos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa (IBGE), o número absoluto de pessoas com mais de 60 anos cresceu em média nove vezes mais que nos séculos anteriores. Esse aumento acelerado é, também, reflexo do aumento de expectativa de vida do brasileiro nos últimos anos [1-3].

Com o avanço da longevidade, surge também a violência contra pessoas idosas, bem como as violações sociais. Apesar da violência contra idosos estar presente desde os primórdios da humanidade, a abordagem do tema só foi introduzida no Brasil nas duas últimas décadas [4,5].

A ocorrência da violência apresenta variações regionais. A Ásia, por exemplo, exibe uma prevalência de aproximadamente 14%; a Índia e a China de 36,2%; a Croácia de 61,1%; os EUA de 10% e o Peru de 79,7% [6]. Na Europa, Portugal é o que mais se destaca pelos índices de violência contra o idoso, com 39,4% [7]. No Brasil, entre os anos de 2009 e 2017, foram notificados 94.087 casos de violência contra pessoas idosas, sendo a região Sudeste com maior número de casos notificados, com 48% dos registros [8,9].

A detecção da violência contra o idoso é uma tarefa complexa e, muitas vezes, encoberta pelas próprias vítimas. A sua baixa detecção tem muitas causas, dentre as quais se encontra o fato de que ela ocorre principalmente na esfera familiar. Muitas vezes a vítima nega e não a relata por medo de retaliação, sentimento de culpa e vergonha. Outro obstáculo vem do agressor, que nega a existência da violência, impede o acesso aos serviços de saúde e rejeita as intervenções [4].

Outrossim, a assistência à saúde da população mais envelhecida, vítima de violência, reveste-se de grande preocupação, considerando que o envelhecimento apresenta necessidades específicas que se caracterizam pela sua cronicidade, instabilidade e complexidade, o que interfere fortemente na sua qualidade de vida e demanda atenção adequada [1]. Em vista disso, o atendimento de enfermagem ao idoso em situação de violência deverá ser uma ação sistemática, holística e qualificada, tendo como foco principal a prestação de cuidados específicos e a reformulação do processo de trabalho [10].

A investigação qualificada e sistemática dos maus tratos feita por todos os profissionais que lhes prestam serviço, através de um instrumento específico e eficaz, pode facilitar o reconhecimento da violência ou do risco do idoso sofrê-la. Por conseguinte, ajuda a desvendar um número maior de vítimas, dando visibilidade epidemiológica, importante para subsidiar a tomada de decisão da gestão na implementação de políticas públicas e assistenciais, diminuindo o sofrimento [11].

Isso envolve a necessidade do profissional enfermeiro ter conhecimento abrangente a respeito da problemática, pensamento crítico, tomada de decisões seguras, fundamentadas em evidências científicas e contextualizada para que possa assistir de maneira integral, acolher e direcionar os idosos em situação de violência [12]. O conhecimento e as estratégias adotadas frente aos casos de violência são importantes para estabelecer condições necessárias para que o cuidado de enfermagem seja realizado e a prática profissional devidamente sistematizada através do Processo de Enfermagem, modelo metodológico que favorece e fornece base para prática da enfermagem segura [10].

Infere-se, pois, que apesar dos elevados índices de violência contra o idoso em âmbito mundial e os efeitos negativos que o agravo pode configurar ao indivíduo, há pouca produção científica acerca dessa temática. Assim sendo, para que a enfermagem possa atuar com perícia frente ao idoso em situação de violência, o profissional deverá conhecer os principais indicadores empíricos, sinais e sintomas afetados e ter conhecimento da enfermagem forense, área pouco explorada e importante para a condução dos casos, o que pode ser alcançado por meio da elaboração de manuais, protocolos e cooperação entre a Academia e a Sociedade Civil no que concerne ao aprimoramento técnico e científico acerca da temática em evidência.

Os indicadores empíricos são condições experimentais empregadas na análise ou mensuração dos conceitos de uma Teoria, e utilizado como subsídio para construção desta ferramenta teórica que dá suporte à Consulta de Enfermagem [11].

Diante destas considerações, surge a seguinte questão: quais os indicadores empíricos que podem ser utilizados na consulta de enfermagem relacionados à pessoa idosa em situação de violência? Destarte, este estudo de revisão integrativa objetivou identificar os indicadores empíricos e analisar a produção científica relacionada à pessoa idosa em situação de violência que podem subsidiar a Consulta de Enfermagem. Justifica-se a construção do presente artigo com foco nos indicadores empíricos e sua contribuição para a consulta de enfermagem na identificação de casos de violência sofrida por idosos

 

Métodos

 

Revisão integrativa da literatura com abordagem metodológica descritiva, que possibilita a análise de resultados de pesquisa relevantes que dão suporte para à prática clínica e permite a inclusão de estudos com diferentes delineamentos. Esse método proporciona ampla abordagem metodológica referente às revisões e compreensão completa da temática estudada. Combina tanto os dados da literatura teórica como empírica e acomoda a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática [13].

As etapas percorridas na elaboração deste estudo foram: formulação da questão de pesquisa; escolha dos descritores; definição dos critérios de inclusão e exclusão de estudos; busca de estudos nas bases de dados; extração de dados; análise crítica dos estudos incluídos; síntese dos dados extraídos; discussão dos resultados e apresentação da revisão [14].

A fim de selecionar a amostra, foram adotados critérios de elegibilidade, sendo considerados para inclusão: artigos científicos de dados primários, com texto completo disponível; estar de acordo com a temática abordada que apresente os indicadores empíricos, nos idiomas inglês, português, francês ou espanhol. Não foi utilizado limitador de tempo para a busca. Foram excluídos os estudos que se apresentaram em duplicidade nas bases de dados.

A busca do material ocorreu no mês de março de 2020 por meio do Portal de Periódicos da Capes. Os estudos foram provenientes de periódicos indexados nas seguintes bases de dados: Web of Science; Medline/PubMed; Scopus;Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL); Bases de Dados de Enfermagem (BDENF). 

Para conduzir a questão de pesquisa e nortear a coleta de dados, seguiu-se aestratégia PCC, que é um mnemônico que auxilia a identificar os tópicos-chave: População, Conceito e Contexto. A partir de cada item dessa estratégia, delimitou-se a População (Enfermeiros), Conceito (Indicadores Empíricos) e Contexto (Idosos em situação de violência), sendo efetuada consulta aos Descritores em Ciência da Saúde (DeCS) e ao Medical Subject Headings (MeSH),e palavras-chave para a seleção dos artigos. Utilizou-se a estratégia de busca, sendo identificados e utilizados: Enfermeiros AND Enfermagem AND Consulta de Enfermagem AND Maus-tratos ao Idoso AND Sinais e sintomas AND Nurses AND Nursing AND Nursing Care AND Nursing Process AND Office Nursing AND Data gathering AND Nursing Theory AND Forensic nurses AND Signs and Symptoms AND Empirical indicators AND Elder Abuse AND Physical Abuse AND Elder Neglect AND Aged Abuse AND Elder Mistreatment. 

Os critérios e procedimentos de seleção dos artigos científicos ocorreram em etapas. A primeira delas consiste na construção da busca formada pela combinação dos descritores. Isso feito, os títulos e descritores foram lidos com o objetivo de verificar se os artigos correspondiam à questão de pesquisa. Logo após, foi feita a leitura do resumo de cada artigo para identificar se estava de acordo com os critérios de inclusão. Finalizando, os artigos pré-selecionados foram lidos na íntegra, identificando-se com mais precisão sua adequação à questão de pesquisa e se contemplavam os critérios para a sua inclusão. 

Para a análise na íntegra dos artigos selecionados, foi utilizado o método de leitura científica, desenvolvendo-se em três etapas: leitura de reconhecimento geral, visando aproximação do tema do estudo; leitura reflexiva e crítica dos artigos selecionados e escolha dos conteúdos principais relacionados ao tema; leitura e interpretação dos dados apresentados nos estudos [15].

A extração de dados foi realizada a partir da leitura integral dos artigos por meio do preenchimento de um banco de dados no software Excel. Os dados seguiram na ordem em que foram compilados no banco: número de identificação; ano de publicação; idioma em que foi publicado; país de origem; revista de publicação; identificação dos indicadores empíricos para consulta de enfermagem à pessoa idosa em situação de violência e principais conclusões dos estudos.

Nesse contexto, para continuidade da análise das produções científicas encontraram-se como principais indicadores empíricos: abrasão, laceração, fraturas, queimaduras, hematomas, medo, confusão ou apatia, tristeza, passividade, isolamento, desamparo, sangramento vaginal ou anal inexplicável, infecções genitais recorrentes e ferimentos em volta dos seios.

O número de identificação foi registrado sequencialmente conforme ordem de leitura dos artigos e da coleta. Após extração dos dados, foi realizada a síntese e discussão dos resultados, através da descrição das características dos estudos e identificação dos Indicadores Empíricos.

 

Resultados

 

Mediante as buscas realizadas, foram recuperados 25 artigos para leitura do texto completo. Ao serem submetidos aos critérios de inclusão, compuseram a amostra 10 artigos, que foram incluídos nesta revisão. Os resultados obtidos em cada etapa foram sintetizados no Fluxograma (Figura 1).

 

 

Figura 1 - Fluxo do processo de seleção dos artigos incluídos na revisão integrativa. João Pessoa, PB, 2021

 

O Quadro 1 apresenta o ano de publicação do estudo, o título do artigo, o país onde o estudo foi realizado e a revista de publicação da pesquisa. Observa-se que a maioria dos artigos foram desenvolvidos nos Estados Unidos da América, com produções concentradas em revistas médicas e de enfermagem.

 

Quadro 1Metadados dos estudos incluídos na revisão integrativa. João Pessoa, PB, 2020

 

Quanto a características metodológicas, 50% dos estudos eram de tipo Qualitativo, com tamanho das amostras variando entre 10 a 16.814 participantes. Em 80% deles, o enfermeiro (a) foi escolhido para abordagem. Além deste, estudantes de enfermagem, médicos e psicólogos também participaram das etapas de coleta de dados. O Quadro 2 apresenta as características metodológicas dos estudos incluídos nesta revisão.

 

Quadro 2 - Características metodológicas dos estudos incluídos. João Pessoa, PB, 2021

 

 

O Quadro 3 retrata a descrição dos indicadores empíricos para consulta de enfermagem à pessoa idosa em situação de violência. Demonstra também as principais conclusões dos artigos incluídos nesta revisão. Observa-se que alguns indicadores empíricos apareceram repetidamente, sendo identificados pela seleção dos termos que representam os sinais e sintomas de violência contra o idoso com foco no cuidado de enfermagem. Foram escolhidos aqueles identificados como os mais relevantes em cada estudo desta revisão. Ressalta-se que o levantamento dos indicadores empíricos a partir da literatura científica é considerado importante para fundamentar futura construção de instrumento específico para a enfermagem.

 

Quadro 3 – Indicadores empíricos e conclusões dos estudos incluídos nesta revisão. João Pessoa, PB, 2021

 

Quanto à identificação da violência e, consequentemente, dos indicadores empíricos, 30% dos estudos relataram que os profissionais de enfermagem têm dificuldade em fazê-lo, passando, muitas vezes despercebida na consulta.

Encontrou-se em 20% das pesquisas apontamentos acerca da preocupação sobre a capacidade de enfermeiros e estudantes de enfermagem, profissionais da linha de frente que lidam com pessoas mais velhas, em reconhecerem situações de violência neste público.

Na presença de indicadores de violência contra o idoso, 40% dos estudos assinalaram que o profissional deverá oferecer um ambiente seguro e organizar estratégias de comunicação que possibilite à pessoa idosa expressar o que aconteceu, realizando uma avaliação geral que incluiu a observação do paciente, do cuidador e interação paciente-cuidador.

Em 70% das investigações, os indicadores empíricos de violência física foram: quedas e lesões inexplicáveis; abrasão, laceração, fraturas, queimaduras e hematomas em lugares incomuns ou de tipo incomum; cortes, marcas de dedos ou outras evidências de dominação física; evidência de cuidados inadequados ou padrões precários de higiene e queixas de ter sido fisicamente agredido.

Os indicadores comportamentais e emocionais como insônia; medo, confusão ou apatia; passividade, depressão; desamparo, desesperança ou ansiedade; declarações contraditórias que não resultam de confusão mental, tristeza e isolamento social foram encontrados em 40% estudos.

Já os indicadores de violência financeira foram abordados em 30% das pesquisas e incluía a retiradas de dinheiro que são incomuns ou atípicas do idoso; mudança de testamento ou de títulos de propriedade para deixar a casa ou bens para parentes; bens que faltavam; atividade suspeita em conta de cartão de crédito e falta de conforto quando o idoso poderia arcar com ele.

 

Discussão

 

Um dos principais entraves relacionados à violência contra o idoso é a negação, já que muitas vezes o idoso insiste em defender e justificar as atitudes do seu agressor, recusando-se a denunciar aquele quem o maltrata [16-18].

Relacionado ao abuso sexual, os indicadores empíricos mais encontrados nos artigos foram as queixas de ter sido sexualmente agredido, mudanças de comportamento inexplicáveis, tais como agressão, automutilação, queixas frequentes de dores abdominais, sangramento vaginal ou anal inexplicável; infecções genitais recorrentes ou ferimentos em volta dos seios ou da região genital [16,18-20, 22].

Os dados sobre abuso sexual de idosos são escassos. Em investigações sobre o tema, os achados variam de acordo com o grupo populacional estudado. Esse problema é agravado pela subnotificação de dados de abuso sexual e uma grande proporção de relatórios sem fundamento [18].

A violência contra a pessoa idosa ganhou notabilidade inicialmente em países desenvolvidos, onde aconteceu a maioria dos estudos. Demonstra-se, com isso, que as pesquisas sobre violência na população idosa estão concentradas em localidades com maior nível de desenvolvimento humano. Em outro estudo de revisão sobre violência contra pessoas idosas, a maioria dos estudos primários ocorreu em países desenvolvidos, corroborando a presente revisão [6,23].

As ações ou comportamentos violentos crescem gradativa e silenciosamente na rotina das pessoas da terceira idade, podendo acarretar vários danos à saúde, dentre eles pode-se citar: ansiedade, dor crônica, desordem de estresse pós-traumático, transtornos alimentares, comportamento suicida, isolamento social, consumo de álcool e drogas [24]. Muitas vezes, é expressada pelo desrespeito aos idosos, intolerância, exploração, negligência e desamor [25].

Alguns dos indicadores discutidos podem ser observados no corpo, como é o caso de ferimentos e contusões, enquanto outros são descrições ou conclusões baseadas em observações subjetivas. O abuso sexual é uma situação que pode resultar da observação e avaliação vaginal ou contusão abdominal, e uma conclusão de negligência pode resultar da observação de falta de higiene. Alguns dos indicadores também são fatores de risco em potencial, como a autonegligência, problemas de saúde cognitiva, mental e abuso financeiro [26].

Em um estudo que examina o conhecimento entre médicos legistas da Geórgia acerca do abuso de idosos, mais da metade dos 116 entrevistados indicou que sabe “quase nada” ou apenas “um pouco” sobre distinguir sinais de abuso físico àqueles próprios do envelhecimento. O desconhecimento se estende à categoria de enfermeiros, assim como de outros profissionais da saúde [27].

Um indicador empírico de trauma é definido como evidência de lesão, que pode ser vista objetivamente por uma pessoa que não seja a vítima. Em caso de agressão sexual, um profissional examina a vítima em busca de sinais observáveis de trauma geral no corpo e, em seguida, de sinais de trauma ginecológico, devendo ser avaliada de forma abrangente. O examinador precisa atentar para a localização da lesão genital, no intuito de entender se esta é consistente com a explicação dada. No caso de mulher sangrando pela vagina sem ferimentos nos lábios externos, é improvável que a esta tenha sido ferida em uma queda - mesmo que na história digam que ela caiu [18].

O exame físico de uma pessoa idosa vítima de agressão sexual e a redação forense do registro dos sinais e sintomas ajudam a determinar o tratamento apropriado. Todos os registros institucionais podem ser usados para investigação criminal e procedimentos legais. Portanto, enfermeiros devem documentar suas observações com cuidado e precisão, porém não tirar conclusões precipitadas. Vale ressaltar que existem poucos instrumentos projetados para detectar risco ou suspeita de abuso [18].

Destarte, faz-se mister registrar e identificar os sinais de violência, observando sinais de trauma físico, que consistem em todos os sinais de lesões e devem retratar a declaração da vítima, se possível, sobre tudo o que o agressor a fez fisicamente, além de sinais de trauma emocional, que se referem ao comportamento da vítima durante a entrevista e devem incluir uma declaração sobre as ameaças feitas e o método de força usado, como armas ou mãos [17,18].

O enfermeiro deverá proporcionar um ambiente seguro e organizar estratégias de comunicação que possibilite à pessoa idosa expressar o que aconteceu, na presença de indicadores da existência de violência. O conhecimento desses indicadores empíricos pelo enfermeiro na Consulta de Enfermagem contribui para a identificação de situações de violência, protegendo a população idosa [28]. É importante que o enfermeiro identifique os sinais de abuso e intervenha. Deve, ainda, suspeitar e identificar os maus-tratos ao idoso na presença de queimaduras, hematomas, equimoses, luxações, fraturas, marcas causadas por cigarros, marcas de contenção nos pulsos ou tornozelos, alopecia traumática ou edema de couro cabeludo, roupa íntima rasgada, manchada, ensanguentada, contusões, inchaço ou sangramento na genitália externa, vaginal ou áreas anais [29].

Constata-se, assim, que os enfermeiros têm um papel importante na identificação dos indicadores empíricos de violência ao idoso e sua assistência, o que pode ocorrer por meio do conhecimento sobre o tema. Para tanto, é fundamental que estejam preparados para examinar as vítimas de qualquer tipo de violência, seja ela sexual, psicológica, financeira, negligência e outras.

A melhoria na detecção da violência sofrida pela pessoa idosa deveria ser uma meta de alta prioridade para todos os serviços assistenciais e de saúde. O seu rastreio precisa acontecer de forma contínua, tornando-se parte integrante e permanente das ações ofertadas, em especial da Sistematização da Assistência de Enfermagem [4].

 

Contribuições para a área da Enfermagem

 

Com o conhecimento e identificação dos indicadores empíricos para consulta de enfermagem à pessoa idosa em situação de violência, o enfermeiro irá contribuir para a melhoria da qualidade do atendimento, assim como poderá implementar a sistematização da assistência de enfermagem a esta população, de forma organizada e planejada. Nesse contexto, o enfermeiro poderá desenvolver habilidades forenses para integrar uma equipe multiprofissional no atendimento ao idoso em situação de violência, possibilitando maior visibilidade profissional da categoria.

 

Limitações do estudo

 

Considera-se como limitação do estudo a escassez de investigações nos âmbitos nacionais e internacionais que abordem os indicadores empíricos relacionados à violência contra o idoso.

 

Conclusão

 

Considera-se que o objetivo proposto foi alcançado a partir da identificação dos principais indicadores empíricos extraídos da literatura científica no contexto do atendimento ao idoso em situação de violência. Os achados revelaram a abrasão, laceração, fraturas, queimaduras, hematomas, medo, confusão ou apatia, tristeza, passividade, isolamento, desamparo, sangramento vaginal ou anal inexplicável, infecções genitais recorrentes e ferimentos em volta dos seios como indicadores mais frequentemente encontrados em situação de violência contra idosos. Na perspectiva de contemplar a consulta de enfermagem a esse idoso, o levantamento de indicadores empíricos é imprescindível e possibilita ao enfermeiro ter maior conhecimento e organizar estratégias de atendimento voltado especificamente para a situação de violência abordada.

Assim, encontrar estratégias e identificar os indicadores empíricos que facilitem a realização de uma abordagem singular ao idoso em situação de violência ajudará no registro dos casos ocorridos, além de uma análise mais detalhada sobre o assunto. Isso, certamente, possibilitará uma assistência de enfermagem individualizada e direcionada para as prioridades de cada usuário.

Este estudo permitiu concluir, ainda, que a literatura científica apresenta escassez de dados primários relacionados a indicadores empíricos de violência contra o idoso. Além disso, depreende-se que enfermeiros apresentam dificuldade na identificação destes indicadores, o que sugere a importância de novas pesquisas com essa abordagem.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento 

O trabalho não recebeu financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Bezerra EP, Silva SPC; Coleta de dados: Bezerra EP; Análise e interpretação dos dados: Bezerra EP, Silva SPC; Redação do manuscrito: Bezerra EP, Silva SPC; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva SPC, Souto RQ, Almeida LR.

 

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