Enferm Bras 2022;21(4):375-87

doi: 10.33233/eb.v21i4.4805

ARTIGO ORIGINAL

Gangrena de Fournier: conhecimento de enfermeiros sobre a doença e suas experiências no cuidado aos pacientes

 

Anny Michelle Rodrigues da Silva Alves*, Jéssica Lorena Palmeira de Morais**, Luciana Maria Bernardo Nóbrega*, Karinna de Abreu Lima*, Francileide de Araújo Rodrigues*, Jacira dos Santos Oliveira*, Josilene de Melo Buriti Vasconcelos*

 

*Universidade Federal da Paraíba, **Centro Universitário Uniesp

 

Recebido em 7 de junho de 2021; Aceito em 14 de junho de 2022.

Correspondência: Luciana Maria Bernardo Nóbrega, Rua Oselmar de Castro Barreto, 116 José Américo de Almeida 58073-444 João Pessoa PB

 

Anny Michelle Rodrigues da Silva Alves: annymig@hotmail.com  

Jéssica Lorena Palmeira de Morais: jessicapalmeira@hotmail.com

Luciana Maria Bernardo Nóbrega: lucianambn@outlook.com

Karinna de Abreu Lima: karinna.abreulima@hotmail.com

Francileide de Araújo Rodrigues: franceand@gmail.com

Jacira dos Santos Oliveira: jacirasantosoliveira@gmail.com

Josilene de Melo Buriti Vasconcelos: josilenedemelo@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Analisar o conhecimento de enfermeiros de um hospital de ensino sobre a gangrena de Fournier e as suas experiências no cuidado aos pacientes acometidos pela doença. Métodos: Estudo transversal, descritivo, de abordagem quantitativa, realizado em um hospital de ensino, no Nordeste do Brasil. Participaram do estudo 63 enfermeiros que responderam a um questionário. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, utilizando-se o Software gratuito R. Resultados: Os enfermeiros (63/100%) nunca participaram de capacitação referente a gangrena de Fournier, corroborando o conhecimento insuficiente sobre a patologia e aspectos do cuidado ao paciente, principalmente sobre a prevalência da doença em relação ao gênero, tratamentos adjuvantes (terapia hiperbárica e a vácuo), procedimentos cirúrgicos complementares (citostomia e colostomia). Mencionaram dificuldades para cuidar dos pacientes (33/52,38%), a carência de recursos materiais, lacunas de conhecimento sobre a síndrome de Fournier, falta de experiência no cuidado a pacientes com a doença. Conclusão: O estudo aponta a necessidade de programas de capacitação para os enfermeiros, considerando fragilidades de conhecimento identificadas, que implicarão na melhoria da assistência ao paciente com gangrena de Fournier.

Palavras-chave: gangrena de Fournier; Enfermagem; fasciite necrosante.

 

Abstract

Fournier’s gangrene: knowledge of nurses about the disease and their experiences in patient care

Objective: To analyze the knowledge of nurses from a teaching hospital about Fournier's gangrene and their experiences in caring for patients affected by the disease. Methods: Cross-sectional, descriptive study, with a quantitative approach, carried out in a teaching hospital in the Northeast of Brazil. The study included 63 nurses who answered a questionnaire. Data were analyzed using descriptive statistics, using the free software R. Results: Nurses (63/100%) had never participated in training regarding Fournier's gangrene, corroborating the insufficient knowledge about the pathology and aspects of care for the patient, mainly on the prevalence of the disease in relation to gender, adjuvant treatments (hyperbaric and vacuum therapy), complementary surgical procedures (cytostomy and colostomy). They mentioned difficulties in caring for patients (33/52.38%), lack of material resources, knowledge gaps about Fournier syndrome, lack of experience in caring for patients with the disease. Conclusion: The study points to the need for training programs for nurses, considering identified knowledge weaknesses, which imply in improving care for patients with Fournier's gangrene.

Keywords: Fournier gangrene; Nursing; fasciitis, necrotizing.

 

Resumen

Gangrena de Fournier: conocimiento de los enfermeros sobre la enfermedad y sus experiencias en el cuidado del paciente

Objetivo: Analizar el conocimiento de enfermeros de un hospital escuela sobre la gangrena de Fournier y sus experiencias en el cuidado de pacientes afectados por la enfermedad. Métodos: Estudio transversal, descriptivo, con abordaje cuantitativo, realizado en un hospital escuela del Nordeste de Brasil. El estudio incluyó a 63 enfermeras que respondieron un cuestionario. Los datos fueron analizados mediante estadística descriptiva, utilizando el software libre R. Resultados: Los enfermeros (63/100%) nunca habían participado de capacitaciones sobre gangrena de Fournier, corroborando el conocimiento insuficiente sobre la patología y aspectos del cuidado del paciente, principalmente sobre la prevalencia de la enfermedad en relación al género, tratamientos adyuvantes (terapia hiperbárica y de vacío), procedimientos quirúrgicos complementarios (citostomía y colostomía). Mencionaron dificultades en el cuidado de los pacientes (33/52,38%), falta de recursos materiales, lagunas de conocimiento sobre el síndrome de Fournier, falta de experiencia en el cuidado de pacientes con la enfermedad. Conclusión: El estudio apunta para la necesidad de programas de formación para enfermeros, considerando las debilidades de conocimiento identificadas, que impliquen en la mejora de la atención a los pacientes con gangrena de Fournier.

Palabras-clave: gangrena de Fournier; Enfermería; fascitis necrotizante.

 

Introdução

 

Gangrena de Fournier (GF) ou Síndrome de Fournier (SF) é uma patologia infecciosa rara e grave, de origem polimicrobiana (bactérias aeróbias e anaeróbias), caracterizada por fasciíte necrosante envolvendo o tecido subcutâneo, fáscias e nervos, principalmente na região genital, perineal e perianal, podendo se estender para a raiz da coxa, parede abdominal e retroperitônio [1].

GF frequentemente acomete homens entre 30 e 60 anos, com media de 50 anos [2], apresenta incidência estimada em 1,6/100.000 homens nos Estados Unidos [3], pode ocorrer, mais raramente, em mulheres e crianças [4]. Caracteriza-se por início e progressão rápida e alta mortalidade, entre 29,6% a 35,7%, se houver diagnóstico tardio e tratamento ineficiente [3]. Atinge, preferencialmente, pacientes com diabetes mellitus, desnutridos, imunossuprimidos, etilistas e usuários de drogas ilícitas [2]. Nos idosos e diabéticos a mortalidade pode chegar a 80% [4].

O diagnóstico deve ser precoce, garantindo terapêutica imediata com antibioticoterapia de largo espectro, desbridamento da área necrótica, estomas se necessário, suporte intensivo e cuidados com a ferida [4]. A enfermagem tem papel relevante em todo o processo terapêutico do paciente com GF, incluindo cuidados relacionados à administração de medicamentos, avaliação contínua e realização dos curativos da lesão, e monitorização clínica do indivíduo [5].

As lesões provocadas pela GF provocam impactos físicos, pela perda de integridade cutânea da região perineal, perianal e genitália; repercussões emocionais no indivíduo, incluindo sentimentos negativos em relação à dor, à evolução da doença, às alterações de autoimagem e ao processo de hospitalização [6]. Esses aspectos precisam ser valorizados para a promoção de uma assistência integral e humanizada.

Nesse contexto, para tomar decisões individuais e dentro da equipe, o enfermeiro deve apropriar-se da metodologia da Sistematização da Assistência de Enfermagem, para gerenciamento e planejamento de suas atividades [7]. Para isso, é necessário que esses profissionais tenham conhecimento sobre a patologia e capacidade para avaliar e tomar decisões para condução terapêutica dos pacientes com GF.

A escassa abordagem durante a formação acadêmica e a reduzida vivência assistêncial associada à raridade da doença, podem representar barreiras quanto à busca de conhecimento dos enfermeiros frente à GF [5]. De forma complementar, evidenciam-se poucas publicações voltadas para a caracterização do conhecimento dos profissionais de saúde sobre a doença e em relação ao cuidado aos pacientes, em particular dos enfermeiros, representando uma lacuna na busca de subsídios para melhorar o nível de conhecimento desses profissionais e promover melhoria assistencial. Desse modo, este estudo se propõe a analisar o conhecimento de enfermeiros de um hospital de ensino sobre a GF e as suas experiências no cuidado aos pacientes acometidos pela doença.

 

Métodos

 

Estudo descritivo de delineamento transversal e abordagem quantitativa, desenvolvido em um hospital de ensino no Nordeste do Brasil. A pesquisa, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (parecer nº 2.769.390), respeitou os princípios éticos contidos na Resolução 466/20128, do Conselho Nacional de Saúde.

A população do estudo constou de 95 enfermeiros, assim distribuídos: Unidades Clínicas A e B: 30; Unidade Cirúrgica: 14; Unidade de Doenças Infecto-Parasitárias (DIP): 14; Unidade de Terapia Intensiva (UTI) A e B: 21; Centro Cirúrgico: 16. Desse total, foi retirada uma amostra aleatória simples, composta por 63 indivíduos, considerando-se como critérios de inclusão: atuar na assistência direta aos pacientes e estar em atividade no período da coleta de dados nos respectivos setores. Foram excluídos do estudo os enfermeiros afastados das atividades laborais por motivo de férias ou licença para tratamento de saúde.

O instrumento de coleta de dados constou de um questionário elaborado pelas pesquisadoras, validado por dois enfermeiros docentes e dois assistenciais, experientes no cuidado às pessoas com feridas. Nesse, foram incluídas questões sobre variáveis sociodemográficas (idade, gênero, tempo de formação, tempo de atuação na unidade, capacitação), um teste de conhecimento com as seguintes variáveis: conceito, fisiopatologia, fatores de risco, diagnóstico e tratamento da GF; e itens referentes às experiências no cuidado ao paciente, incluindo as variáveis: ações realizadas e dificuldades no cuidado.

O teste de conhecimento incluiu 16 itens para os quais os enfermeiros deveriam responder “V”, se as alternativas fossem “Verdadeiras”, “F” para as “Falsas”, e “NS” para as que não soubessem responder. A análise dos resultados foi realizada com base em estudo na área de feridas [9] e estabeleceu-se, para cada acerto, a pontuação 1,0, considerando-se a resposta correta, pré-estabelecida como verdadeira ou falsa; já para as respostas erradas ou para aquelas respondidas como NS, o escore atribuído foi zero. O escore total do teste de conhecimento correspondeu à soma de todas as respostas corretas. Para categorização do nível de conhecimento, adotou-se o critério do estudo que estabelece os resultados do teste em faixas de escores igual ou acima de 90%, entre 70 e 89,9%, entre 50 e 69,9% e abaixo de 50%. Para o conhecimento ser considerado adequado, esperava-se que os participantes acertassem 90% ou mais dos itens no teste [9].

A coleta de dados foi realizada durante o mês de agosto 2018, nos setores de atuação dos enfermeiros, entregando-se o instrumento e oportunizando-lhes o tempo necessário para resposta e devolução.

Os dados foram processados no Software gratuito R (versão 3.3.3). Foram calculadas estatísticas descritivas, como médias, desvio padrão, mínimos e máximos. Foi realizado o Teste t de Student, considerando 5% de confiança para avaliar a relação entre a menor média de conhecimento, identificada no estudo, em relação aos demais setores. Calculou-se o tamanho do efeito por meio do TDE-LC (Tamanho do Efeito em Linguagem Comum) para averiguar a probabilidade de um enfermeiro retirado ao acaso de um dos setores apresentar média de conhecimento maior do que a dos enfermeiros do Centro Cirúrgico (unidade de comparação) [10]. Na mesma linha, calculou-se o Tamanho do Efeito (TE), considerando-se as seguintes categorias: Não significativos d < 0,5; Pequenos 0,5 ≤ d <1,25; Moderados 1,25 ≤ d < 2; Elevado d ≥ 2. As respostas às questões subjetivas foram agrupadas por semelhanças em categorias, e analisadas por meio de estatística descritiva (números absolutos e percentuais).

 

Resultados

 

Participaram da pesquisa 63 enfermeiros: 22 (34,92%) da Clínica Médica, 11 (17,46%) da Clínica Cirúrgica, e os demais do Centro Cirúrgico, DIP e UTI (cada setor com 10/15,87%). A idade média dos enfermeiros foi de 39 anos (DP = 7; Máximo = 62; Mínimo = 28 e Modo = 41), predominou o sexo feminino (54/85,71%), o tempo de formação profissional foi em média de 14 anos (DP = 8; Máximo = 40; Mínimo = 3, e Modo = 12) e o tempo de atuação no setor, em média de 47 meses (DP = 47; Máximo = 240; Mínimo = 1 e Modo = 36). Todos os componentes (100,0%) declararam nunca ter participado de capacitação sobre o tema GF.

A Tabela I apresenta os resultados referentes ao teste de conhecimento sobre GF. O resultado global do teste evidenciou média de acertos de 80% (DP = 1,44; Máximo = 10; Mínimo = 2,5 e Modo = 8,75). A distribuição de acertos dos 16 itens avaliados, conforme categorias de classificação [9], evidenciou 90% ou mais de acertos em quatro itens (número 5, 6, 8 e 11), entre 70 e 89,9% de acertos em oito itens (número 1, 2, 3, 7, 10, 12, 14 e 16), sendo os itens elencados nessas duas categorias referentes aos aspectos conceituais, fisiopatológicos, fatores de risco, diagnóstico e terapia da GF, e abaixo de 70% de acertos nos demais quatro itens (número 4, 9, 13 e 15), relativos a prevalência em relação ao sexo, procedimentos cirúrgicos complementares ao desbridamento (colostomia e citostomia) e terapias complementares (terapia hiperbárica e terapia negativa).

 

Tabela I - Porcentagem de acertos dos enfermeiros referentes ao conhecimento sobre Gangrena de Fournier, João Pessoa, PB, 2018

 

 

Na Tabela II, destacam-se os resultados referentes ao conhecimento sobre a GF, por setor de atuação dos enfermeiros. A DIP apresentou a maior proporção média de acertos com 8,25% (DP = 1,28; Máximo = 10; Mínimo = 3,75 e Modo = 8,12) seguida pela Clínica Médica com 8,23% (DP = 1,22; Máximo = 10; Mínimo = 4,37; Modo = 8,75). O setor com proporção de acertos médios mais homogêneos entre si é a Clínica Médica (DP = 0,73). Já a UTI apresentou o maior desvio padrão (DP = 1,98).

A menor média de acertos foi associada ao Centro Cirúrgico. Avaliando-se a média apresentada por este em relação aos demais setores, por meio do teste t de Student, notou-se que a média de acertos é estatisticamente menor que a da DIP (p = 0,071) e da Clínica Médica (p = 0,054), e em relação à UTI (p = 0,183) e à Clínica Cirúrgica (p = 0,128), cujos resultados mostram-se estatisticamente insignificantes. O tamanho do efeito por meio do TDE-LC demonstrou que 14,67% é a probabilidade de um enfermeiro, retirado ao acaso de um dos setores, ser um profissional que tem média de conhecimento maior do que a dos profissionais do Centro Cirúrgico. Na mesma linha, calculou-se o TE, apresentando-se em 0,53, traduzindo que o aprendizado é moderado.

 

Tabela II - Porcentagem de acertos dos enfermeiros referente ao conhecimento sobre a Gangrena de Fournier, por setor de atuação, João Pessoa, PB, 2018

 

 

Nos itens referentes à experiência dos enfermeiros no cuidado às pessoas com GF, identificou-se que a maior parte (33/52,38%) prestou assistência a esses clientes. As ações citadas por eles no cuidado às pessoas com GF foram: realizar curativos (31/93,93%), administrar a administração terapia antimicrobiana (12/36,36%), evitar contaminação das lesões com eliminações vesical e intestinal (11/33,33%), monitorar os sinais vitais (5/15,15%) e avaliar possível piora da lesão (4/12,12%).

Nas experiências no cuidado aos pacientes com SF, os enfermeiros citaram dificuldades (100,0%) inerentes a: 1) Carência de recursos materiais: curativos especiais (6/18,18%) e terapias complementares (2/6,06%); 2) Lacunas de conhecimento sobre a SF: desconhecimento sobre a patologia e assistência ao paciente (6/18,18%); sobre a terapia medicamentosa e tratamentos complementares (2/6,06%) e falta de capacitações sobre GF (8/24,24%); e 3) Falta de experiência no cuidado a pacientes com SF: dificuldade para realizar os curativos (6/18,18%), para lidar com o sofrimento do paciente devido à localização e extensão da lesão e presença de dor (5/15,15%).

 

Discussão

 

A busca constante pela qualificação profissional que possibilite a promoção de assistência segura e de qualidade deve ser objetivo de todo profissional de saúde. Nessa perspectiva, autores [11] relatam que no contexto da promoção de assistência de qualidade à pessoa com feridas, o conhecimento científico relacionado à patologia deve ser a primeira ferramenta para embasar a assistência.

Nessa perspectiva, mediante a gravidade e possibilidade de complicações da GF, é necessário que o enfermeiro se mantenha atualizado sobre os avanços na área de tratamento, que implicarão na melhor assistência ao paciente [11]. A despeito disso, quanto aos enfermeiros do estudo, constatou-se que não realizaram nenhuma atividade de capacitação nesse sentido, o que certamente pode influenciar no conhecimento e nas práticas assistenciais.

Convém ressaltar que o resultado global do teste mostrou conhecimento insuficiente, notadamente no tocante a prevalência do gênero acometido pela GF, cujas respostas atribuíram prioritariamente ao sexo feminino a maior prevalência da patologia. Estudos apontam que a GF pode afetar homens, mulheres e crianças, no entanto, o sexo masculino possui uma alta prevalência [12]. Um estudo [3] apontou a proporção de seis homens para cada uma mulher com SF, e outro [13] apresentou que 79,8% dos pacientes acometidos eram homens.

Quanto às medidas específicas para prevenção de contaminação da ferida por eliminações fisiológicas, autores [14,15] afirmam que procedimentos cirúrgicos como a colostomia e a cistostomia poderão ser necessários de forma complementar ao desbridamento. Nessa direção, conjectura-se que a maior parte dos enfermeiros não tem experiência no cuidado a pacientes com GF submetidos a esses procedimentos. A colostomia e a cistostomia são procedimentos cirúrgicos temporários ou definitivos, realizados devido à necessidade de desviar o trânsito normal das eliminações fisiológicas, que passam a ser depositadas em uma bolsa coletora, evitando-se a contaminação das lesões ocasionadas pela GF [16,17].

Outra lacuna de conhecimento referiu-se à Oxigenoterapia Hiperbárica (OHB). A Undersea and Hyperbaric Medical Society [18] indica o uso da OHB para as fasceítes necrotizantes. Trata-se de terapia adjuvante, na qual os pacientes recebem oxigênio puro a 100%, em ambiente com pressão superior à pressão atmosférica ao nível do mar, reduzindo sinais sistêmicos da infecção e melhorando a sobrevida do tecido isquêmico [19]. A Resolução Nº 1.457/95 do Conselho Federal de Medicina [20] indica a OHB para o tratamento de GF, porém esta é fornecida pelo Sistema Único de Saúde apenas para o tratamento do pé diabético [21]. No cenário da pesquisa não existe essa terapia, o que pode justificar a pouca vivência dos enfermeiros.

      Quanto ao uso da terapia por pressão negativa (TPN) ou curativo à vácuo no tratamento da GF, também se observou o baixo nível de conhecimento dos enfermeiros. Mesmo sendo um método muito utilizado no tratamento de feridas complexas na instituição pesquisada, tal achado pode refletir o fato do procedimento ser predominantemente realizado por enfermeiros membros da comissão de pele do hospital.

A TPN utiliza a pressão subatmosférica como tratamento adjuvante não invasivo em lesões complexas [22], promovendo a redução do exsudato, o controle da infecção, a aceleração da cicatrização e formação dos tecidos de granulação, melhorando as condições da ferida para receber o enxerto e reduzindo o tempo de tratamento [23]. Autores [24,25] apontam que a TPN é um método seguro e eficaz que reflete resultados favoráveis, diminuindo a taxa cumulativa de fechamento das feridas e melhorando a cicatrização. Isso reforça a sua importância no tratamento da GF, e denota a necessidade de conhecimento dos profissionais envolvidos no cuidado.

Em relação ao setor com maior número de acertos atinentes ao conhecimento sobre GF, a DIP apresentou a maior proporção média. Esse dado remete ao fato da DIP ser referência, na Paraíba, para tratamento de doenças infecto-parasitárias, o que suscita maior busca de conhecimento científico sobre a GF. A menor média de acertos, associada ao Centro Cirúrgico, sinaliza para a necessidade de realização de treinamento focado na GF, considerando ser o setor onde se realizam procedimentos como desbridamento das lesões, colostomia e cistostomia. O setor com proporção de acertos médios mais homogêneos entre si foi a Clínica Médica com menor desvio padrão, sugerindo um nível de conhecimento nesse setor relativamente similar. A UTI destacou-se por apresentar o maior desvio padrão, demonstrando heterogeneidade do conhecimento dos participantes.

Atribui-se ao enfermeiro o cuidado de lesões, estabelecido legalmente pela Resolução 567/2018 do Conselho Federal de Enfermagem [26]. Para tanto, emerge a necessidade de capacitação e atualização em todos os aspectos do cuidado, particularmente sobre terapia tópica das feridas, a fim de se realizarem procedimentos seguros e eficientes [27]. Destaca-se que o curativo das lesões deve ser realizado conforme a necessidade do paciente, sendo fundamental a limpeza do local, a remoção dos tecidos desvitalizados e a utilização de produtos adequados que favoreçam o processo cicatricial [27].

Outra ação mencionada pelos enfermeiros foi “evitar a contaminação de eliminação vesical e intestinal das lesões”. Sobre esta conduta, a literatura [26] aponta que um dos fatores importantes no auxílio à cicatrização de feridas na GF é a contenção adequada das fezes, pois a diarreia é comum devido às lesões envolvendo a região perianal, que podem causar danos aos esfíncteres, além dos efeitos da antibioticoterapia. Desse modo, se houver a contaminação, o paciente será submetido à troca de curativos com frequência, refletindo o retardo no processo de cicatrização, além das chances de evolução à sepse. Para evitar essas complicações, o uso de bolsas fecais, método não cirúrgico, é indicado para conter o resíduo, embora a colostomia seja recomendada devido aos bons resultados [28].

A terapia antimicrobiana, com cobertura para microrganismos aeróbios gram-positivos e gram-negativos, assim como anaeróbios deve ser iniciada imediatamente quando estabelecido o diagnóstico de GF para evitar a progressão rápida e o curso fulminante da doença, e o enfermeiro é o responsável pela administração e garantia dessa terapia [14,15].

Considerando-se a baixa incidência da GF, é compreensível que grande parte dos enfermeiros não tenha tido a oportunidade de cuidar desses pacientes, no entanto, não se justifica a falta de capacitações sobre o tema, uma vez que o serviço recebe pacientes com a doença. Portanto, os resultados conduzem a reflexões pelo serviço, no tocante à promoção de atividades de educação permanente na área, bem como pelos próprios profissionais na busca por evidências científicas para melhorar o conhecimento sobre a GF.

O estudo limita-se pela realização na população de apenas um hospital, pois, dada a significância da problemática para o conhecimento científico na área, é importante que a investigação seja ampliada para outras instituições de saúde. Ademais, faz-se necessária a abordagem dentro da equipe multidisciplinar.

 

Conclusão

 

Os resultados apontam conhecimento insuficiente dos enfermeiros com resultado global do teste de conhecimento, com média de acertos de 80%. Isso ficou mais evidente no baixo nível de conhecimento sobre a prevalência da GF em relação ao gênero predominante, tratamentos adjuvantes como a terapia hiperbárica e a vácuo, procedimentos cirúrgicos complementares como a citostomia e a colostomia. Tais dados, associados à constatação que os enfermeiros nunca participaram de qualquer qualificação referente a GF e que apresentam dificuldades para cuidar dos pacientes, confirmam a necessidade de atualizações por meio de programas de capacitação para melhor qualificação desses profissionais.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve fonte de financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Alves MRS, Vasconcelos JMB; Coleta de dados: Alves, MRS; Análise e interpretação dos dados: Alves MRS, Vasconcelos JMB; Análise estatística: Alves MRS, Vasconcelos JMB; Redação do manuscrito: Alves MRS, Morais JLP, Nóbrega LMB, Lima KA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Rodrigues FA, Oliveira JS, Vasconcelos JMB.

Referências

 

  1. Moreira DR, Gonçalves ALS, Aucelio RS, Silva KG. Terapêutica cirúrgica na síndrome de Fournier: relato de caso. Rev Med 2017;96(2):116-20. https://doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v96i2p116-120 [Crossref]
  2. Freitas ES, Duarte FS, Araújo KMSM, Brixner J, Marques EA. Síndrome de Fournier: ações do enfermeiro, uma revisão literária. Revista Nursing [Internet]. 2020 [cited 2020 Mar 2020];23(264):3966-73. Available from: http://www.revistanursing.com.br/revistas/264/pg98.pdf
  3. Zhang N, Yu X, Zhang K, Liu T. A retrospective case series of Fournier’s gangrene: necrotizing fasciitis in perineum and perianal region. China BMC Surg 2020;20:259:1-8. https://doi.org/10.1186/s12893-020-00916-3 [Crossref]
  4. Baptista SCO. Uso de cobertura com tecnologia hydrofiber a base de carboximetilcelulose sódica e prata iônica no tratamento da síndrome de Fournier infectada. Enferm Bras 2019;18(3):437-44. https://doi.org/10.33233/eb.v18i3.2529 [Crossref]
  5. Souza FSL, Gomes FC, Valle NSB, Coelho EE. Assistência de enfermagem ao portador da síndrome de fournier: uma pesquisa integrativa. Braz J Surg Clin Res [Internet]. 2019 [cited 2021 Fev 21];2(2):54-62. Available from: https://www.mastereditora.com.br/periodico/20190407_140735.pdf
  6. Magdaleno‐Tapial J, Valenzuela‐Oñate C, Martínez‐Doménech A, Sánchez‐Carazo JL, Pérez‐Ferriols A. Image Gallery: Fournier gangrene in a patient with severe hidradenitis suppurativa. Br J Dermatol 2019;25;181(3). https://doi.org/10.1111/bjd.18052 [Crossref]
  7. Oliveira MR, Almeida PC, Moreira TMM, Torres RAM. Sistematização da assistência de enfermagem: percepção e conhecimento da enfermagem Brasileira. Rev Bras Enferm 2019;72(6):1547-53. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0606 [Crossref]
  8. Brasil, Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012: dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. 2012 [cited 2018 April 02]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
  9. Miyazaki MY, Caliri MHL, Santos CB. Knowledge on pressure ulcer prevention among nursing professionals. Rev Latinoam Enferm 2010;18(6):1203-11. https://doi.org/10.1590/S0104-11692010000600022 [Crossref]
  10. McGraw KO, Wong SPA. A common language effect size statistic. Psychol Bull 1992;111(2):361-5. https://doi.org/10.1037/0033-2909.111.2.361 [Crossref]
  11. Welsh L. Wound care evidence, knowledge and education amongst nurses: a semi-systematic literature review. Int Wound J 2018;15(1):53–61. https://doi.org/10.1111/iwj.12822 [Crossref]
  12. Santos DR, Roman ULT, Westphalen AP, Lovison K, Spencer Neto FAC. Perfil dos pacientes com gangrena de Fournier e sua evolução clínica. Rev Col Bras Cir 2018;45(1):e1430. https://doi.org/10.1590/0100-6991e-20181430 [Crossref]
  13. Tenório CEL, Lima SVC, Albuquerque AV, Cavalcanti MP, Teles F. Risk factors for mortality in Fournier’s gangrene in a general hospital: use of simplified Founier gangrene severe index score (SFGSI). Int Braz J Urol 2018;44(1):95-101. https://doi.org/10.1590/S1677-5538.IBJU.2017.0193 [Crossref]
  14. Lewis GD, Majeed M, Olang CA, Patel A, Gorantla VR, Davis N, et al. Fournier’s gangrene diagnosis and treatment: a systematic review. Cureus 2021. https://doi.org/10.7759/cureus.18948 [Crossref]
  15. Wöhler A, Schwab R, Güsgen C, Schaaf S, Weitzel C, Jänig C, et al. Diagnose und zielgerichtete Therapie der Fournier-Gangrän mit septischem Verlauf: Vorstellung eines Behandlungsalgorithmus, Identifikation von Risikofaktoren, Betrachtung des Mikrobioms und Abgleich mit der Literatur. Zentralblatt für Chir - Zeitschrift für Allg Visz Thorax - und Gefäßchirurgie 2021. https://doi.org/10.1055/a-1319-1734 [Crossref]
  16. Davis D, Ramamoorthy L, Pottakkat B. Impact of stoma on lifestyle and health-related quality of life in patients living with stoma: A cross-sectional study. J Educ Health Promot 2020;9(1):328. https://doi.org/10.4103/jehp.jehp_256_20 [Crossref]
  17. Oliveira IV, Silva MC, Silva EL, Freitas VF, Rodrigues FR, Caldeira LM. Care and health of ostomy patients. Rev Bras Promoç Saúde 2018;31(2):1-9. https://doi.org/10.5020/18061230.2018.7223 [Crossref]
  18. Undersea and Hyperbaric Medical Society, Hyperbaric Oxygen Committee. Hyperbaric oxygen therapy indications. 13th ed. North Palm Beach: Best Publishing Company; 2014
  19. Schneidewind L, Anheuser P, Schönburg S, Wagenlehner FME, Kranz J. Hyperbaric oxygenation in the treatment of Fournier’s gangrene: a systematic review. Urol Int 2020;1-10. https://doi.org/10.1159/000511615 [Crossref]
  20. Brasil. Resolução do CFM º1457/95 [Internet]. 1995 [cited 2018 Aug 12]. Available from: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1995/1457_1995.htm
  21. Brasil, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Oxigenoterapia Hiperbárica: relatório de recomendação [Internet]. 2018 [acesso em 22 mar 2022]. Available from: http://conitec.gov.br/images/Oxigenoterapia_hiperbarica.pdf
  22. Larsson JC, Pires R, Fioravanti A, Beolchi MP, Gradel J, Oliveira M. Abordaje quirúrgico combinado como alternativa mínimamente invasiva en el tratamiento de la Gangrena de Fournier. Cir Plást Iberolatinoam 2017;43(1):87-96. https://doi.org/10.4321/S0376-78922017000100012 [Crossref]
  23. Kim PJ, Attinger CE, Constantine T, Crist BD, Faust E, Hirche CR, et al. Negative pressure wound therapy with instillation: International consensus guidelines update. Int Wound J 2020;17(1):174-86. https://doi.org/10.1111/iwj.13254 [Crossref]
  24. Syllaios A, Davakis S, Karydakis L, Vailas M, Garmpis N, Mpaili E, et al. Treatment of Fournier’s gangrene with vacuum-assisted closure therapy as enhanced recovery treatment modality. In Vivo (Brooklyn) 2020;34(3):1499-502. https://doi.org/10.21873/invivo.11936 [Crossref]
  25. Iacovelli V, Cipriani C, Sandri M, Filippone R, Ferracci A, Micali S, et al. The role of vacuum-assisted closure (VAC) therapy in the management of Fournier´s gangrene: a retrospective multi-institutional cohort study. World J Urol 2021;39(1):121-8. https://doi.org/10.1007/s00345-020-03170-7 [Crossref]
  26. Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN nº 567/2018, de 29 de janeiro de 2018: regulamenta a atuação da equipe de enfermagem no cuidado a pacientes com feridas [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 27]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no- 567-2018_60340.html
  27. Cauduro FP, Schneider SMB, Menegon DB, Duarte ERM, Paz PO, Kaiser DE. Atuação dos enfermeiros no cuidado das lesões de pele. J Nurs UFPE on line [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 22];12(10):2628-34. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i10a236356p2628-2634-2018 [Crossref]
  28. Chang Y-WW, Davenport D, Dugan A, Patel JA. Significant morbidity is associated with proximal fecal diversion among high-risk patients who undergo colectomy: A NSQIP analysis. Am J Surg 2020;220(4):830-5. https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2020.05.007 [Crossref]