Enferm Bras 2022;21(4):375-87
ARTIGO ORIGINAL
Gangrena de Fournier:
conhecimento de enfermeiros sobre a doença e suas experiências no cuidado aos
pacientes
Anny Michelle Rodrigues da Silva Alves*,
Jéssica Lorena Palmeira de Morais**, Luciana Maria Bernardo Nóbrega*, Karinna de Abreu Lima*, Francileide
de Araújo Rodrigues*, Jacira dos Santos Oliveira*, Josilene
de Melo Buriti Vasconcelos*
*Universidade Federal da
Paraíba, **Centro Universitário Uniesp
Recebido em 7 de junho de
2021; Aceito em 14 de junho de 2022.
Correspondência: Luciana Maria Bernardo Nóbrega, Rua Oselmar de Castro Barreto, 116 José Américo de Almeida
58073-444 João Pessoa PB
Anny Michelle Rodrigues da
Silva Alves: annymig@hotmail.com
Jéssica
Lorena Palmeira de Morais: jessicapalmeira@hotmail.com
Luciana
Maria Bernardo Nóbrega: lucianambn@outlook.com
Karinna de Abreu Lima:
karinna.abreulima@hotmail.com
Francileide de Araújo Rodrigues:
franceand@gmail.com
Jacira dos
Santos Oliveira: jacirasantosoliveira@gmail.com
Josilene de Melo Buriti
Vasconcelos: josilenedemelo@gmail.com
Resumo
Objetivo: Analisar o conhecimento de enfermeiros
de um hospital de ensino sobre a gangrena de Fournier e as suas experiências no
cuidado aos pacientes acometidos pela doença. Métodos: Estudo
transversal, descritivo, de abordagem quantitativa, realizado em um hospital de
ensino, no Nordeste do Brasil. Participaram do estudo 63 enfermeiros que
responderam a um questionário. Os dados foram analisados por meio de
estatística descritiva, utilizando-se o Software gratuito R. Resultados:
Os enfermeiros (63/100%) nunca participaram de capacitação referente a gangrena
de Fournier, corroborando o conhecimento insuficiente sobre a patologia e
aspectos do cuidado ao paciente, principalmente sobre a prevalência da doença
em relação ao gênero, tratamentos adjuvantes (terapia hiperbárica e a vácuo),
procedimentos cirúrgicos complementares (citostomia e
colostomia). Mencionaram dificuldades para cuidar dos pacientes (33/52,38%), a
carência de recursos materiais, lacunas de conhecimento sobre a síndrome de
Fournier, falta de experiência no cuidado a pacientes com a doença. Conclusão:
O estudo aponta a necessidade de programas de capacitação para os enfermeiros,
considerando fragilidades de conhecimento identificadas, que implicarão na
melhoria da assistência ao paciente com gangrena de Fournier.
Palavras-chave: gangrena de Fournier; Enfermagem; fasciite necrosante.
Abstract
Fournier’s gangrene: knowledge of nurses about the disease and their
experiences in patient care
Objective: To analyze the knowledge of nurses from a teaching
hospital about Fournier's gangrene and their experiences in caring for patients
affected by the disease. Methods: Cross-sectional, descriptive study,
with a quantitative approach, carried out in a teaching hospital in the
Northeast of Brazil. The study included 63 nurses who answered a questionnaire.
Data were analyzed using descriptive statistics, using the free software R. Results:
Nurses (63/100%) had never participated in training regarding Fournier's
gangrene, corroborating the insufficient knowledge about the pathology and
aspects of care for the patient, mainly on the prevalence of the disease in
relation to gender, adjuvant treatments (hyperbaric and vacuum therapy), complementary
surgical procedures (cytostomy and colostomy). They
mentioned difficulties in caring for patients (33/52.38%), lack of material
resources, knowledge gaps about Fournier syndrome, lack of experience in caring
for patients with the disease. Conclusion: The study points to the need
for training programs for nurses, considering identified knowledge weaknesses,
which imply in improving care for patients with Fournier's gangrene.
Keywords: Fournier gangrene; Nursing; fasciitis, necrotizing.
Resumen
Gangrena de Fournier: conocimiento de los enfermeros sobre la enfermedad y sus experiencias en el cuidado del paciente
Objetivo: Analizar el conocimiento de enfermeros de un hospital escuela sobre la gangrena de
Fournier y sus experiencias en el
cuidado de pacientes afectados por la enfermedad. Métodos: Estudio transversal, descriptivo,
con abordaje cuantitativo, realizado en un hospital escuela del Nordeste de Brasil. El estudio
incluyó a 63 enfermeras que
respondieron un cuestionario. Los datos fueron analizados mediante
estadística descriptiva, utilizando el software libre R. Resultados: Los enfermeros (63/100%) nunca habían
participado de capacitaciones sobre gangrena de
Fournier, corroborando el conocimiento
insuficiente sobre la patología
y aspectos del cuidado del
paciente, principalmente sobre la prevalencia
de la enfermedad en relación al género, tratamientos adyuvantes (terapia
hiperbárica y de vacío), procedimientos
quirúrgicos complementarios
(citostomía y colostomía). Mencionaron dificultades en el cuidado de los pacientes (33/52,38%), falta de recursos materiales, lagunas de conocimiento
sobre el síndrome de Fournier, falta de experiencia en el cuidado de pacientes con la enfermedad.
Conclusión: El estudio
apunta para la necesidad de programas de formación
para enfermeros, considerando las
debilidades de conocimiento identificadas, que impliquen en la
mejora de la atención a los pacientes con gangrena de Fournier.
Palabras-clave: gangrena de Fournier; Enfermería;
fascitis necrotizante.
Gangrena
de Fournier (GF) ou Síndrome de Fournier (SF) é uma patologia infecciosa rara e
grave, de origem polimicrobiana (bactérias aeróbias e
anaeróbias), caracterizada por fasciíte necrosante
envolvendo o tecido subcutâneo, fáscias e nervos, principalmente na região
genital, perineal e perianal, podendo se estender para a raiz da coxa, parede
abdominal e retroperitônio [1].
GF
frequentemente acomete homens entre 30 e 60 anos, com media
de 50 anos [2], apresenta incidência estimada em 1,6/100.000 homens nos Estados
Unidos [3], pode ocorrer, mais raramente, em mulheres e crianças [4].
Caracteriza-se por início e progressão rápida e alta mortalidade, entre 29,6% a
35,7%, se houver diagnóstico tardio e tratamento ineficiente [3]. Atinge,
preferencialmente, pacientes com diabetes mellitus, desnutridos,
imunossuprimidos, etilistas e usuários de drogas ilícitas [2]. Nos idosos e
diabéticos a mortalidade pode chegar a 80% [4].
O
diagnóstico deve ser precoce, garantindo terapêutica imediata com
antibioticoterapia de largo espectro, desbridamento da área necrótica, estomas
se necessário, suporte intensivo e cuidados com a ferida [4]. A enfermagem tem
papel relevante em todo o processo terapêutico do paciente com GF, incluindo
cuidados relacionados à administração de medicamentos, avaliação contínua e
realização dos curativos da lesão, e monitorização clínica do indivíduo [5].
As
lesões
provocadas pela GF provocam impactos físicos, pela perda de
integridade cutânea
da região perineal, perianal e genitália;
repercussões emocionais no indivíduo,
incluindo sentimentos negativos em relação à dor,
à evolução da doença, às
alterações de autoimagem e ao processo de
hospitalização [6]. Esses aspectos
precisam ser valorizados para a promoção de uma assistência integral e
humanizada.
Nesse
contexto, para tomar decisões individuais e dentro da equipe, o enfermeiro deve
apropriar-se da metodologia da Sistematização da Assistência de Enfermagem,
para gerenciamento e planejamento de suas atividades [7]. Para isso, é
necessário que esses profissionais tenham conhecimento sobre a patologia e
capacidade para avaliar e tomar decisões para condução terapêutica dos
pacientes com GF.
A escassa
abordagem durante a formação acadêmica e a reduzida vivência assistêncial associada à raridade da doença, podem
representar barreiras quanto à busca de conhecimento dos enfermeiros frente à
GF [5]. De forma complementar, evidenciam-se poucas publicações voltadas para a
caracterização do conhecimento dos profissionais de saúde sobre a doença e em
relação ao cuidado aos pacientes, em particular dos enfermeiros, representando
uma lacuna na busca de subsídios para melhorar o nível de conhecimento desses
profissionais e promover melhoria assistencial. Desse modo, este estudo se
propõe a analisar o conhecimento de enfermeiros de um hospital de ensino sobre
a GF e as suas experiências no cuidado aos pacientes acometidos pela doença.
Estudo
descritivo de delineamento transversal e abordagem quantitativa, desenvolvido
em um hospital de ensino no Nordeste do Brasil. A pesquisa, aprovada pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (parecer nº 2.769.390), respeitou os
princípios éticos contidos na Resolução 466/20128, do Conselho Nacional de
Saúde.
A
população do estudo constou de 95 enfermeiros, assim distribuídos: Unidades
Clínicas A e B: 30; Unidade Cirúrgica: 14; Unidade de Doenças
Infecto-Parasitárias (DIP): 14; Unidade de Terapia Intensiva (UTI) A e B: 21;
Centro Cirúrgico: 16. Desse total, foi retirada uma amostra aleatória simples,
composta por 63 indivíduos, considerando-se como critérios de inclusão: atuar
na assistência direta aos pacientes e estar em atividade no período da coleta
de dados nos respectivos setores. Foram excluídos do estudo os enfermeiros
afastados das atividades laborais por motivo de férias ou licença para
tratamento de saúde.
O
instrumento de coleta de dados constou de um questionário elaborado pelas
pesquisadoras, validado por dois enfermeiros docentes e dois assistenciais,
experientes no cuidado às pessoas com feridas. Nesse, foram incluídas questões
sobre variáveis sociodemográficas (idade, gênero, tempo de formação, tempo de
atuação na unidade, capacitação), um teste de conhecimento com as seguintes
variáveis: conceito, fisiopatologia, fatores de risco, diagnóstico e tratamento
da GF; e itens referentes às experiências no cuidado ao paciente, incluindo as
variáveis: ações realizadas e dificuldades no cuidado.
O teste
de conhecimento incluiu 16 itens para os quais os enfermeiros deveriam
responder “V”, se as alternativas fossem “Verdadeiras”, “F” para as “Falsas”, e
“NS” para as que não soubessem responder. A análise dos resultados foi
realizada com base em estudo na área de feridas [9] e estabeleceu-se, para cada
acerto, a pontuação 1,0, considerando-se a resposta correta,
pré-estabelecida como verdadeira ou falsa; já para as respostas erradas ou para
aquelas respondidas como NS, o escore atribuído foi zero. O escore total do
teste de conhecimento correspondeu à soma de todas as respostas corretas. Para
categorização do nível de conhecimento, adotou-se o critério do estudo que
estabelece os resultados do teste em faixas de escores igual ou acima de 90%,
entre 70 e 89,9%, entre 50 e 69,9% e abaixo de 50%. Para o conhecimento ser
considerado adequado, esperava-se que os participantes acertassem 90% ou mais
dos itens no teste [9].
A coleta
de dados foi realizada durante o mês de agosto 2018, nos setores de atuação dos
enfermeiros, entregando-se o instrumento e oportunizando-lhes
o tempo necessário para resposta e devolução.
Os dados
foram processados no Software gratuito R (versão 3.3.3). Foram calculadas
estatísticas descritivas, como médias, desvio padrão, mínimos e máximos. Foi
realizado o Teste t de Student, considerando 5% de
confiança para avaliar a relação entre a menor média de conhecimento,
identificada no estudo, em relação aos demais setores. Calculou-se o tamanho do
efeito por meio do TDE-LC (Tamanho do Efeito em Linguagem Comum) para averiguar
a probabilidade de um enfermeiro retirado ao acaso de um dos setores apresentar
média de conhecimento maior do que a dos enfermeiros do Centro Cirúrgico
(unidade de comparação) [10]. Na mesma linha, calculou-se o Tamanho do Efeito
(TE), considerando-se as seguintes categorias: Não significativos d < 0,5; Pequenos 0,5 ≤ d <1,25; Moderados 1,25 ≤ d
< 2; Elevado d ≥ 2. As respostas às questões subjetivas foram agrupadas
por semelhanças em categorias, e analisadas por meio de estatística descritiva
(números absolutos e percentuais).
Participaram
da pesquisa 63 enfermeiros: 22 (34,92%) da Clínica Médica, 11 (17,46%) da
Clínica Cirúrgica, e os demais do Centro Cirúrgico, DIP e UTI (cada setor com
10/15,87%). A idade média dos enfermeiros foi de 39 anos (DP = 7; Máximo = 62;
Mínimo = 28 e Modo = 41), predominou o sexo feminino (54/85,71%), o tempo de
formação profissional foi em média de 14 anos (DP = 8; Máximo = 40; Mínimo = 3,
e Modo = 12) e o tempo de atuação no setor, em média de 47 meses (DP = 47;
Máximo = 240; Mínimo = 1 e Modo = 36). Todos os componentes (100,0%) declararam
nunca ter participado de capacitação sobre o tema GF.
A Tabela I
apresenta os resultados referentes ao teste de conhecimento sobre GF. O
resultado global do teste evidenciou média de acertos de 80% (DP = 1,44; Máximo
= 10; Mínimo = 2,5 e Modo = 8,75). A distribuição de acertos dos 16 itens
avaliados, conforme categorias de classificação [9], evidenciou 90% ou mais de
acertos em quatro itens (número 5, 6, 8 e 11), entre 70 e 89,9% de acertos em
oito itens (número 1, 2, 3, 7, 10, 12, 14 e 16), sendo os itens elencados
nessas duas categorias referentes aos aspectos conceituais, fisiopatológicos,
fatores de risco, diagnóstico e terapia da GF, e abaixo de 70% de acertos nos
demais quatro itens (número 4, 9, 13 e 15), relativos a prevalência em relação
ao sexo, procedimentos cirúrgicos complementares ao desbridamento (colostomia e
citostomia) e terapias complementares (terapia
hiperbárica e terapia negativa).
Tabela I - Porcentagem de acertos dos
enfermeiros referentes ao conhecimento sobre Gangrena de Fournier, João Pessoa,
PB, 2018
Na Tabela
II, destacam-se os resultados referentes ao conhecimento sobre a GF, por setor
de atuação dos enfermeiros. A DIP apresentou a maior proporção média de acertos
com 8,25% (DP = 1,28; Máximo = 10; Mínimo = 3,75 e Modo = 8,12) seguida pela
Clínica Médica com 8,23% (DP = 1,22; Máximo = 10; Mínimo = 4,37; Modo = 8,75).
O setor com proporção de acertos médios mais homogêneos entre si é a Clínica
Médica (DP = 0,73). Já a UTI apresentou o maior desvio padrão (DP = 1,98).
A menor
média de acertos foi associada ao Centro Cirúrgico. Avaliando-se a média
apresentada por este em relação aos demais setores, por meio do teste t de Student, notou-se que a média de acertos é estatisticamente
menor que a da DIP (p = 0,071) e da Clínica Médica (p = 0,054), e em relação à
UTI (p = 0,183) e à Clínica Cirúrgica (p = 0,128), cujos resultados mostram-se
estatisticamente insignificantes. O tamanho do efeito por meio do TDE-LC
demonstrou que 14,67% é a probabilidade de um enfermeiro, retirado ao acaso de
um dos setores, ser um profissional que tem média de conhecimento maior do que
a dos profissionais do Centro Cirúrgico. Na mesma linha, calculou-se o TE,
apresentando-se em 0,53, traduzindo que o aprendizado é moderado.
Tabela II - Porcentagem de acertos dos
enfermeiros referente ao conhecimento sobre a Gangrena de Fournier, por setor
de atuação, João Pessoa, PB, 2018
Nos itens
referentes à experiência dos enfermeiros no cuidado às pessoas com GF,
identificou-se que a maior parte (33/52,38%) prestou assistência a esses
clientes. As ações citadas por eles no cuidado às pessoas com GF foram:
realizar curativos (31/93,93%), administrar a administração terapia
antimicrobiana (12/36,36%), evitar contaminação das lesões com eliminações
vesical e intestinal (11/33,33%), monitorar os sinais vitais (5/15,15%) e
avaliar possível piora da lesão (4/12,12%).
Nas
experiências no cuidado aos pacientes com SF, os enfermeiros citaram
dificuldades (100,0%) inerentes a: 1) Carência de recursos materiais: curativos
especiais (6/18,18%) e terapias complementares (2/6,06%); 2) Lacunas de
conhecimento sobre a SF: desconhecimento sobre a patologia e assistência ao
paciente (6/18,18%); sobre a terapia medicamentosa e tratamentos complementares
(2/6,06%) e falta de capacitações sobre GF (8/24,24%); e 3) Falta de
experiência no cuidado a pacientes com SF: dificuldade para realizar os
curativos (6/18,18%), para lidar com o sofrimento do paciente devido à
localização e extensão da lesão e presença de dor (5/15,15%).
A busca
constante pela qualificação profissional que possibilite a promoção de
assistência segura e de qualidade deve ser objetivo de todo profissional de
saúde. Nessa perspectiva, autores [11] relatam que no contexto da promoção de
assistência de qualidade à pessoa com feridas, o conhecimento científico
relacionado à patologia deve ser a primeira ferramenta para embasar a
assistência.
Nessa
perspectiva, mediante a gravidade e possibilidade de complicações da GF, é
necessário que o enfermeiro se mantenha atualizado sobre os avanços na área de
tratamento, que implicarão na melhor assistência ao paciente [11]. A despeito
disso, quanto aos enfermeiros do estudo, constatou-se que não realizaram
nenhuma atividade de capacitação nesse sentido, o que certamente pode
influenciar no conhecimento e nas práticas assistenciais.
Convém
ressaltar que o resultado global do teste mostrou conhecimento insuficiente,
notadamente no tocante a prevalência do gênero acometido pela GF, cujas
respostas atribuíram prioritariamente ao sexo feminino a maior prevalência da
patologia. Estudos apontam que a GF pode afetar homens, mulheres e crianças, no
entanto, o sexo masculino possui uma alta prevalência [12]. Um estudo [3]
apontou a proporção de seis homens para cada uma mulher com SF, e outro [13]
apresentou que 79,8% dos pacientes acometidos eram homens.
Quanto às
medidas específicas para prevenção de contaminação da ferida por eliminações
fisiológicas, autores [14,15] afirmam que procedimentos cirúrgicos como a
colostomia e a cistostomia poderão ser necessários de forma complementar ao
desbridamento. Nessa direção, conjectura-se que a maior parte dos enfermeiros
não tem experiência no cuidado a pacientes com GF submetidos a esses
procedimentos. A colostomia e a cistostomia são procedimentos cirúrgicos
temporários ou definitivos, realizados devido à necessidade de desviar o
trânsito normal das eliminações fisiológicas, que passam a ser depositadas em
uma bolsa coletora, evitando-se a contaminação das lesões ocasionadas pela GF
[16,17].
Outra
lacuna de conhecimento referiu-se à Oxigenoterapia Hiperbárica (OHB). A Undersea and Hyperbaric
Medical Society [18] indica o uso da OHB para as fasceítes
necrotizantes. Trata-se de terapia adjuvante, na qual os pacientes recebem
oxigênio puro a 100%, em ambiente com pressão superior à pressão atmosférica ao
nível do mar, reduzindo sinais sistêmicos da infecção e melhorando a sobrevida
do tecido isquêmico [19]. A Resolução Nº 1.457/95 do Conselho Federal de Medicina
[20] indica a OHB para o tratamento de GF, porém esta é fornecida pelo Sistema
Único de Saúde apenas para o tratamento do pé diabético [21]. No cenário da
pesquisa não existe essa terapia, o que pode justificar a pouca vivência dos
enfermeiros.
Quanto ao uso da terapia por pressão negativa
(TPN) ou curativo à vácuo no tratamento da GF, também se observou o baixo nível
de conhecimento dos enfermeiros. Mesmo sendo um método muito utilizado no
tratamento de feridas complexas na instituição pesquisada, tal achado pode
refletir o fato do procedimento ser predominantemente realizado por enfermeiros
membros da comissão de pele do hospital.
A TPN
utiliza a pressão subatmosférica como tratamento
adjuvante não invasivo em lesões complexas [22],
promovendo a redução do
exsudato, o controle da infecção, a
aceleração da cicatrização e
formação dos
tecidos de granulação, melhorando as
condições da ferida para receber o enxerto
e reduzindo o tempo de tratamento [23]. Autores [24,25] apontam que a TPN é um
método seguro e eficaz que reflete resultados favoráveis, diminuindo a taxa
cumulativa de fechamento das feridas e melhorando a cicatrização. Isso reforça
a sua importância no tratamento da GF, e denota a necessidade de conhecimento
dos profissionais envolvidos no cuidado.
Em
relação ao setor com maior número de acertos atinentes ao conhecimento sobre
GF, a DIP apresentou a maior proporção média. Esse dado remete ao fato da DIP ser referência, na Paraíba, para tratamento de
doenças infecto-parasitárias, o que suscita maior busca de conhecimento
científico sobre a GF. A menor média de acertos, associada ao Centro Cirúrgico,
sinaliza para a necessidade de realização de treinamento focado na GF,
considerando ser o setor onde se realizam procedimentos como desbridamento das
lesões, colostomia e cistostomia. O setor com proporção de acertos médios mais
homogêneos entre si foi a Clínica Médica com menor desvio padrão, sugerindo um
nível de conhecimento nesse setor relativamente similar. A UTI destacou-se por
apresentar o maior desvio padrão, demonstrando heterogeneidade do conhecimento
dos participantes.
Atribui-se
ao enfermeiro o cuidado de lesões, estabelecido legalmente pela Resolução
567/2018 do Conselho Federal de Enfermagem [26]. Para tanto, emerge a
necessidade de capacitação e atualização em todos os aspectos do cuidado,
particularmente sobre terapia tópica das feridas, a fim de se realizarem
procedimentos seguros e eficientes [27]. Destaca-se que o curativo das lesões
deve ser realizado conforme a necessidade do paciente, sendo fundamental a
limpeza do local, a remoção dos tecidos desvitalizados e a utilização de
produtos adequados que favoreçam o processo cicatricial [27].
Outra
ação mencionada pelos enfermeiros foi “evitar a contaminação de eliminação
vesical e intestinal das lesões”. Sobre esta conduta, a literatura [26] aponta
que um dos fatores importantes no auxílio à cicatrização de feridas na GF é a
contenção adequada das fezes, pois a diarreia é comum devido às lesões
envolvendo a região perianal, que podem causar danos aos esfíncteres, além dos
efeitos da antibioticoterapia. Desse modo, se houver a contaminação, o paciente
será submetido à troca de curativos com frequência, refletindo o retardo no
processo de cicatrização, além das chances de evolução à sepse. Para evitar
essas complicações, o uso de bolsas fecais, método não cirúrgico, é indicado
para conter o resíduo, embora a colostomia seja recomendada devido aos bons
resultados [28].
A terapia
antimicrobiana, com cobertura para microrganismos aeróbios gram-positivos e
gram-negativos, assim como anaeróbios deve ser iniciada imediatamente quando
estabelecido o diagnóstico de GF para evitar a progressão rápida e o curso
fulminante da doença, e o enfermeiro é o responsável pela administração e
garantia dessa terapia [14,15].
Considerando-se
a baixa incidência da GF, é compreensível que grande parte dos enfermeiros não
tenha tido a oportunidade de cuidar desses pacientes, no entanto, não se
justifica a falta de capacitações sobre o tema, uma vez que o serviço recebe
pacientes com a doença. Portanto, os resultados conduzem a reflexões pelo
serviço, no tocante à promoção de atividades de educação permanente na área,
bem como pelos próprios profissionais na busca por evidências científicas para
melhorar o conhecimento sobre a GF.
O estudo
limita-se pela realização na população de apenas um hospital, pois, dada a
significância da problemática para o conhecimento científico na área, é
importante que a investigação seja ampliada para outras instituições de saúde.
Ademais, faz-se necessária a abordagem dentro da equipe multidisciplinar.
Os
resultados apontam conhecimento insuficiente dos enfermeiros com resultado
global do teste de conhecimento, com média de acertos de 80%. Isso ficou mais
evidente no baixo nível de conhecimento sobre a prevalência da GF em relação ao
gênero predominante, tratamentos adjuvantes como a terapia hiperbárica e a
vácuo, procedimentos cirúrgicos complementares como a citostomia
e a colostomia. Tais dados, associados à constatação que os enfermeiros nunca
participaram de qualquer qualificação referente a GF e que apresentam
dificuldades para cuidar dos pacientes, confirmam a necessidade de atualizações
por meio de programas de capacitação para melhor qualificação desses
profissionais.
Conflitos
de interesse
Não há
conflitos de interesse.
Fontes
de financiamento
Não houve
fonte de financiamento.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Alves MRS, Vasconcelos JMB; Coleta de dados: Alves, MRS; Análise e
interpretação dos dados: Alves MRS, Vasconcelos JMB; Análise estatística:
Alves MRS, Vasconcelos JMB; Redação do manuscrito: Alves MRS, Morais
JLP, Nóbrega LMB, Lima KA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo
intelectual importante: Rodrigues FA, Oliveira JS, Vasconcelos JMB.