Enferm Bras 2021;20(5);650-60
ARTIGO
ORIGINAL
Epidemiologia
dos traumas ortopédicos atendidos na emergência de um serviço público de
referência
Iago
Vieira Gomes*, Fernanda Caroline Florêncio*, Nataly
da Silva Gonçalves**, Ilana Brito Ferraz de Souza**,
Augusto César Barreto Neto***
*Enfermeiro
Residente em Ortopedia e Traumatologia, Hospital Getúlio Vargas (HGV/SES-PE),
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife/PE, **Enfermeira Residente em
Enfermagem Cirúrgica, Hospital Getúlio Vargas (HGV/SES/PE), Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), Recife/PE, ***Professor associado I, Centro
Acadêmico de Vitória, Universidade Federal de Pernambuco (CAV/UFPE), Recife/PE
Recebido
em 21 de junho de 2021; Aceito em 10 de setembro de
2021.
Correspondência: Iago Vieira Gomes, Enfermeiro
Residente em Ortopedia e Traumatologia, Hospital Getúlio Vargas (HGV/SES-PE),
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife PE, Rua Doutor João Lacerda,
203 Cordeiro,50711-280 Recife PE
Iago Vieira Gomes: iagovgomes@hotmail.com
Fernanda Caroline Florêncio:
fernandaflorencio.enf@gmail.com
Nataly da Silva Gonçalves:
natalys.goncalves@hotmail.com
Ilana Brito Ferraz de Souza:
ferrazilana@hotmail.com
Augusto César Barreto Neto: augusto.barretont@ufpe.br
Resumo
Objetivo: Analisar a epidemiologia dos fenômenos
socioeconômicos e clínico-cirúrgicos dos sujeitos vítimas de traumas
ortopédicos atendidos em emergência. Métodos: Estudo transversal do tipo
“survey” retrospectivo, de abordagem quantitativa,
realizado por meio da análise de 580 prontuários de pacientes com trauma
ortopédico, entre 2015 e 2019. As variáveis foram idade, sexo, dia da semana,
turno de atendimento, procedência, mecanismo de trauma, parte do corpo afetada,
tratamento, tempo de internação e desfecho hospitalar. Resultados: Houve
predominância do sexo masculino (79,7%), adultos (54,2%), com traumas de
extremidades (89,1%), em decorrência de acidentes motociclísticos (33,6%),
provenientes da capital e regiões metropolitanas (65,9%). Observa-se a
predominância de atendimentos nos dias da semana (67,6%), e a média de tempo de
internamento foi 9,71 ± 14 dias. Conclusão: Mediante o perfil
epidemiológico exposto, são necessárias medidas preventivas de conscientização
da população sobre os meios de locomoção e a segurança no trânsito. Almeja-se,
também, a contribuição para a gestão em saúde no desenvolvimento de estratégias
de estruturação das unidades hospitalares para atendimento ao trauma
ortopédico.
Palavras-chave: epidemiologia; traumatologia;
ortopedia; serviço hospitalar de emergência.
Abstract
Epidemiology of orthopedic trauma
assisted in the emergency of a public referral service
Objective: To analyze the epidemiology of
the socioeconomic and clinical-surgical phenomena of victims of orthopedic
trauma treated in an emergency. Methods: Cross-sectional retrospective
survey, with a quantitative approach, conducted through the analysis of 580
medical records of patients with orthopedic trauma, between 2015 and 2019. The
variables were age, gender, day of the week, service shift, origin, trauma mechanism,
affected body part, treatment, length of stay and hospital outcome. Results:
There was a predominance of males (79.7%), adults (54.2%), with trauma to the
extremities (89.1%), due to motorcycle accidents (33.6%), from the capital and
metropolitan areas (65.9%). There is a predominance of appointments on weekdays
(67.6%), and the average stay at the hospital was 9.71 ± 14 days. Conclusion:
Due to the exposed epidemiological profile, preventive measures are needed to
raise the population's awareness about the means of transportation and traffic
safety. The aim is also to contribute to health management in the development
of strategies for structuring hospital units to care for orthopedic trauma.
Keywords: epidemiology; traumatology;
orthopedics; hospital emergency service.
Resumen
Epidemiología del trauma
ortopédico asistido en la emergencia de un servicio público de referencia
Objetivo: Analizar la epidemiología de los fenómenos socioeconómicos y clínico-quirúrgicos
de las víctimas de trauma
ortopédico atendidas en una emergencia.
Métodos: Encuesta transversal retrospectiva, con enfoque cuantitativo,
realizada a través del análisis
de 580 historias clínicas de pacientes con trauma ortopédico, entre 2015 y 2019. Las variables fueron
edad, sexo, día de la semana, turno de servicio, origen, trauma, mecanismo, parte del
cuerpo afectada, tratamiento, duración de la estancia y resultado hospitalario. Resultados: Predominó
el sexo masculino (79,7%), adultos (54,2%), con traumatismo en las extremidades (89,1%), por accidentes
de motocicleta (33,6%), de la capital y regiones metropolitanas (65,9%). Predominan
las consultas en días laborables (67,6%) y la estancia media fue de 9,71 ± 14 días. Conclusión: Debido al
perfil epidemiológico expuesto, se requieren medidas preventivas para sensibilizar a la población sobre los medios de transporte y la seguridad vial.
El objetivo también es contribuir a la gestión sanitaria
en el desarrollo
de estrategias de estructuración
de unidades hospitalarias para la atención
del traumatismo ortopédico.
Palabras-clave: epidemiología;
traumatología; ortopedia; servicio
de urgencia en hospital.
Definido como evento nocivo à saúde, o Trauma Ortopédico
(TO) é caracterizado por causar alterações estruturais resultantes da troca de
energias entre os corpos atingidos [1]. Dentre os mecanismos de traumas
ortopédicos mais frequentes, destacam-se as quedas, práticas esportivas,
acidentes de trânsito (automobilístico, motociclísticos, atropelamento e com
envolvimento de animais), acidentes por arma de fogo e arma branca, agressão
física e acidentes de trabalho [2,3].
Grande parte das lesões necessita de fixações ortopédicas
definitivas ou provisórias [2], uma vez que 81% dos traumas ortopédicos
correspondem a fraturas de tratamentos cirúrgicos, visando a estabilização,
geralmente presentes em membros inferiores, resultando em um maior tempo de
internação hospitalar [3].
Os serviços de urgência e emergência são a principal porta
de entrada aos indivíduos vítimas de traumas ortopédicos [4], e a abordagem ao
paciente necessita de atuação multidisciplinar, de modo que as ações sejam
pensadas numa perspectiva interprofissional. Assim, conhecer a epidemiologia do
trauma ortopédico, torna-se essencial para descrever os processos e a
incapacidade das vítimas, bem como definir o alvo mais importante para a
prevenção, por meio da gravidade das lesões [5].
Este estudo objetiva analisar a epidemiologia dos fenômenos
socioeconômicos e clínico-cirúrgicos dos sujeitos vítimas de traumas
ortopédicos atendidos na emergência de um hospital público de referência em
ortopedia e traumatologia.
Trata-se de um estudo de corte transversal do tipo “survey”, de abordagem quantitativa, mediante análise de
prontuários de um hospital público de referência em ortopedia e traumatologia
do estado de Pernambuco. A população elegível inclui todos os prontuários do atendimento
de emergência ortopédica de 2015 a 2019.
Foram incluídos os sujeitos maiores de 18 anos, de ambos os
sexos, com diagnóstico de lesão traumática ortopédica. Foram excluídos aqueles
que apresentaram síndromes genéticas, doenças ósseas ou metabólicas, que
interfiram nas condições osteomusculares, pacientes grávidas, bem como os
pacientes com diagnósticos clínicos cardiovasculares associados. O mecanismo de
trauma foi classificado de acordo a Organização Mundial de Saúde (OMS) [6].
Para estimar o tamanho da amostra, utilizou-se o programa
Sample XS [7] com fórmula: n = A/(E*E+(A/N)), onde, n = tamanho da amostra; A =
3,8416PQW, P = prevalência da população em porcentagem; Q = (100 – P); E = erro
máximo da amostra aceitável; w = efeito provável do desenho; N = o tamanho da
população. Para o cálculo do tamanho da amostra, baseou-se nas condições da
prevalência estimada de 50%, pois não se conhecia a prevalência estimada dos
traumas ortopédicos, e optou-se por manter o maior valor da amostra. A
população total foi de 3.000 prontuários, nível de 95% de confiança, erro
amostral de 5% e efeito do delineamento do desenho de 1.5, o tamanho mínimo de
483 prontuários, acrescido 20% para eventuais perdas, com total de 580
prontuários.
Para seleção da amostra, procedeu-se um levantamento dos
prontuários em 2020. Visando imprimir à proporcionalidade, foram realizados,
aleatoriamente, com uso de uma tábua de sorteio aleatório criado no programa Randomizer [8], sorteios baseados nos números dos prontuários.
Os dados foram coletados entre julho e setembro de 2020, pelos pesquisadores,
através de um questionário contendo variáveis socioeconômicas e demográficas,
baseado no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE [9], variáveis
epidemiológicas e clínicas.
A tabulação dos dados foi efetuada com o programa Epidata versão 3.1 [10], sistema de domínio público, no
qual também procedeu o controle de entrada de dados. A fim de detectar erros, a
entrada de dados foi repetida e por meio da função de comparação de arquivos
duplicados “validate”. Os dados foram analisados com
o auxílio do programa estatístico SPSS versão20.0. [SPSS Inc., Chicago, IL,
USA].
Na descrição das proporções, procedeu-se uma aproximação da
distribuição binomial à distribuição normal pelo intervalo de confiança
(IC95%). Na comparação das proporções, utilizou-se o qui-quadrado
de Pearson ou tendência linear. Para efeito de interpretação, o limite do erro
tipo I foi de até 5% (p ≤ 0,05).
O estudo foi conduzido de acordo com a resolução 466/2012
do Conselho Nacional de Saúde [11], sendo aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com seres humanos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de
Pernambuco – (CEP/HC/UFPE), sob o parecer nº 4.195.139, CAAE nº 35177320.0.0000.8807.
Foram analisados 580 prontuários dos anos de 2015 a 2019,
de pacientes admitidos na emergência de um hospital público de referência em
ortopedia e traumatologia. A análise do perfil epidemiológico evidenciou a
predominância do sexo masculino 79,7% (IC95%: 76,2-82,7), adultos de 30 a 59
anos de idade 54,2% (IC95%: 50-58,1), provenientes da região metropolitana
65,9% (IC95%: 61,9-69,6) (Tabela I).
Tabela
I - Características
socioeconômicas e demográficas dos traumas ortopédicos segundo sexo, Recife/PE,
Brasil, 2020, n = 580
*Adulto jovem = 18 a 29 anos; Adulto = 30 a 59 anos; Idoso
= 60 a 79 anos; Superidoso ≥ 80 anos; RP =
Razão de prevalência; IC95% = Intervalo de 95% de confiança; †Teste de qui-quadrado de Pearson; #Teste de qui-quadrado
para tendência
A prevalência dos traumas ortopédicos (Tabela II),
envolvendo motocicletas foi de 33,6% (IC95%: 29,9-37,6). Observa-se a
predominância dos dias semanais com o maior quantitativo de atendimentos
vítimas de trauma 67,6% (IC95%: 63,6-71,2). Do mesmo modo, destaca-se o turno
da noite com mais atendimentos 58,1% (IC95%: 54-62).
Tabela
II - Características
clínico-cirúrgicas dos traumas ortopédicos segundo o sexo, Recife/PE, Brasil,
2020, n = 580
RP = Razão de prevalência; IC95% = Intervalo de 95% de
confiança; ¥Teste Exato de Fischer. †Teste de qui-quadrado
de Pearson; #Teste de qui-quadrado para tendência;
*Tempo em dias, expresso em média ± desvio Padrão; €Teste t de student independente
Observa-se predominantemente o acometimento dos membros
inferiores e superiores, configurando uma maior prevalência dos traumas de
extremidades, representando 89,1% (IC95%: 86,1-91,4). A condição de desfecho
hospitalar apontou elevado percentual de alta (70,5%), seguido das
transferências (22,4%). Registraram-se 12 óbitos (2,1%), e o percentual geral
de evasão foi de 5%.
O perfil clínico-epidemiológico dos pacientes admitidos na
emergência do referido serviço foi formado por adultos do sexo masculino,
vítimas de traumas de extremidades por acidentes motociclístico, em sua
maioria, provenientes da capital e regiões metropolitanas.
Na presente casuística, as vítimas de acidentes
motociclísticos representam um terço da população total, com 33,6% (IC95%:
29,8-37,5) de prevalência dos traumas ortopédicos e envolvimento de
motocicletas (Tabela II). Tal fenômeno pode ser encontrado em estudo realizado
no estado do Piauí, nordeste brasileiro, como em diversas outras capitais no
Brasil [2,12]. Assim como pode ser observado no exterior, onde esse meio de
transporte obteve uma prevalência de 65,8% dos casos de acidentes [6,14].
Acredita-se que o elevado número de traumas ortopédicos
associados a acidentes de moto esteja relacionado à grande quantidade de
motocicletas circulantes na cidade do Recife, assim como o custo-benefício do
transporte em detrimento da demanda de trabalho e afazeres gerais, utilizado
predominantemente por homens adultos [15].
Pessoas adultas e do sexo masculino foram identificadas
como fator de risco para o trauma ortopédico (Tabela I). Jovens do sexo
masculino apresentam imaturidade na condução de veículos, envolvendo pouca
experiência, consumo de álcool e outras drogas [2,16]. Nesse sentido, há
semelhança com outros estudos nacionais e internacionais que mostram a
predominância de adultos jovens (61,9%) do sexo masculino (81%) [2], como visto
em estudo realizado no Estados Unidos, no qual 66% eram homens [13].
Observou-se no estudo que a associação do trauma ortopédico
com a idade se comporta de maneira diferente de acordo com o sexo (Tabela I). No
caso dos homens, a ocorrência é inversamente proporcional, já entre mulheres,
diretamente proporcional; fato semelhante foi encontrado em estudo realizado em
um hospital de urgências em Teresina/PI, 61,9% dos homens acometidos eram
adultos jovens entre 18 e 38 anos de idade [2]. Assim como visto em estudo
realizado por Silva 2017, 42,8% dos idosos acometidos por outros traumas eram
do sexo feminino [3].
Deste modo, considera-se maior a prevalência de traumas
ortopédicos no sexo masculino com o envolvimento de motocicleta 88,7%, e apenas
11,3% em mulheres. Em estudo desenvolvido no Piauí [12], 90,1% dos acidentes
motociclísticos eram do sexo masculino e
9,9% do sexo feminino.
Quanto a parte do corpo afetada, estudos mostram que em
vítimas de acidentes, os membros são os segmentos corpóreos mais atingidos,
consideradas regiões desprotegidas; com menor incidência em regiões de cabeça,
tórax, dorso e pelve [17], dado que corrobora a presente pesquisa, na qual
89,1% dos traumas foram de extremidades, dada a vulnerabilidade dessa parte do
corpo, com aumento do tempo de internação [18].
A natureza das lesões pode interferir no tipo de tratamento
e no tempo de internação hospitalar [3,14]. Observa-se na Tabela II, que o
desfecho dos atendimentos esteve associado ao sexo do paciente, homens
receberam mais altas que as mulheres, e essas apresentaram mais transferências
hospitalares. O elevado número de transferências pode estar associado a alta
demanda de pacientes e o alto índice de quadros clínicos graves e complexos,
que necessitam de segundo tempo cirúrgico como visto por Ibiapino
et al. [18], no estado de São Paulo.
Os traumas complexos foram observados no sexo feminino,
envolvendo cabeça/pescoço e pelve, com maior número de transferências externas
para outros serviços, em detrimento do quantitativo de traumas de extremidades
predominante no sexo masculino [19]. Em estudo realizado em Paracatu/MG, foi
visto que 70% dos traumas ortopédicos de extremidades acometeram o sexo
masculino [3]. Em estudo desenvolvido por Sheridan 2019, as mulheres
apresentaram mais traumas relacionados a quedas, cerca de 47% [13].
A morbidade ocasionada pelo trauma ortopédico impacta
negativamente na economia, pois envolve sujeitos em idade reprodutiva e em
atividade trabalhista [20]. Com relação a segurança no trânsito, espera-se conscientização
dos condutores quanto à legislação, assim como dos ciclistas e pedestres, uma
vez que o álcool associado a outras drogas são responsáveis pela maioria dos
traumas motociclísticos com lesões fatais [21].
Entre os pontos positivos do estudo, destacam-se a
comparação dos traumas ortopédicos quanto ao sexo, a abrangência do estudo e o
tamanho da amostra suficiente para garantir estimativas de prevalência,
precisão e capacidade de detecção de fatores associados com o uso da RP.
Entretanto, no estudo, as relações de causa e efeito não podem ser
determinadas.
Dentre as limitações do estudo, destaca-se a homogeneidade
da população, do ponto de vista étnico, logo, os resultados precisam ser reinvestigados em outras etnias; além disso, muitos
registros de prontuários apresentaram mal preenchimento pelos profissionais
médicos e enfermeiros em muitas variáveis, levando à exclusão de algumas do
estudo, optando-se pelas mais consistentes.
Em síntese conclusiva, a prevalência de traumas ortopédicos
envolvendo motocicletas foi de 33,6% (IC95%: 29,9-37,6), predominantemente
adultos, do sexo masculino, provenientes da região metropolitana de Pernambuco
e acometidos por traumas de extremidades.
Os dados demonstram uma situação de alarme de saúde
pública, em virtude do risco de morte e sequelas graves provocadas. Desse modo,
a pesquisa pode auxiliar no planejamento de novas ações no combate à pandemia
do trauma, bem como estratégias de conscientização acerca dos meios de
locomoção e a segurança no trânsito entre jovens e adultos.
Ademais, almeja-se a contribuição no espectro da gestão dos
serviços de saúde, fornecendo subsídios para o desenvolvimento de estratégias
de organização das unidades hospitalares para o atendimento eficaz e tratamento
adequado aos traumas ortopédicos.