Enferm Bras 2021;22930:295-300

doi: 10.33233/eb.v20i3.4847

EDITORIAL

É urgente (re)construir o ensino de graduação em enfermagem numa perspectiva intra e pós-pandemia da Covid-19

 

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, D.Sc.*, Maria Eduarda Dóro Mota**, Yuri Sacardo**

 

*Obstetriz, enfermeira, livre-docente em enfermagem obstétrica, docente e orientadora de graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu, **Alunos da Quarta Série 2021 de Curso de Graduação em Enfermagem de uma autarquia estadual, no interior de São Paulo

 

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler: zaidaaurora@gmail.com

Maria Eduarda Dóro Mota: mariaeduardadoro13@gmail.com

Yuri Sacardo: yurisacardo17@gmail.com

 

Nada do que foi será

De novo do jeito que já foi um dia

Tudo passa, tudo sempre passará (...)

Lulu Santos, Nélson Motta, 1983

 

O que apresentamos aqui é a visão/opinião/reflexão de uma longeva docente e dois acadêmicos concluintes de um curso de graduação em enfermagem, a respeito da desorganização ou desconstrução do ensino teórico e prático, em decorrência da pandemia da Covid-19 e a “retomada” que se aproxima das atividades presenciais. A suspensão das atividades era para ser por 15 dias, mas os decretos governamentais de isolamento social foram se sucedendo e não se sabia como agir. Ante tal situação, com orientações do Conselho Nacional e dos Conselhos Estaduais de Educação, .as instituições educacionais brasileiras, da rede pública e privada, emitiram normas para dar continuidade ao ensino.

O ano de 2020 era para ser o ano de destaque da Enfermagem na agenda global, ocorrendo a finalização da campanha Nursing Now e comemoração do bicentenário de Florence Nightingale, precursora da enfermagem profissional no mundo e uma das figuras femininas mais importantes na história. A Organização Mundial da Saúde (OMS), definiu o ano de 2020 como o Ano Internacional da Enfermagem e Obstetrícia, mostrando a relevância da profissão para atingir a meta de cobertura universal da saúde em 2030 [1].

Nem deu tempo para comemorar ou agendar celebrações em 12 de abril (dia da obstetriz/enfermeiro obstetra) e 12 de maio (dia do enfermeiro). Em janeiro de 2020 a OMS declarou emergência de saúde pública de interesse internacional e uma pandemia em março do mesmo ano, causada pela doença infecciosa por coronavírus 2019 (COVID-19) [2]. Desde então temos assistido uma verdadeira calamidade, algo que mudaria a forma de viver em sociedade, tendo sido tomadas medidas restritivas, de isolamento social, que interferiram em todos os setores econômicos, assim como na educação. No Brasil, em março as atividades educacionais de todos os níveis e modalidades foram suspensas, a fim de conter a veiculação do vírus entre as pessoas [1,3]. Dados divulgados durante a pandemia, revelaram que foram interrompidas as atividades presenciais de 91% dos estudantes no mundo e tendo sido apresentado pelo Portal de acompanhamento da COVID-19, do Ministério de Educação (MEC), 77% das universidades federais brasileiras interromperam as aulas da graduação; 14% passaram a realizar atividades remotas e 9% passaram a realizar atividades parciais [3].

Então, 2020 se tornou o ano em que precisamos nos isolar para conter o avanço da pandemia do COVID-19, afetou nossa forma de viver em sociedade e as instituições tiveram que se reorganizar para continuar a atuar. Também o ensino superior foi afetado e após muitas dificuldades foi instituído o formato de ensino remoto emergencial. A pandemia veio e mostrou as fragilidades que já existiam e a necessidade de usar recursos que não tínhamos antes. Nessa perspectiva, todos foram obrigados a desenvolver o ensino remoto, que exigiu acesso a novas tecnologias, dando espaço a um sistema antes sem visibilidade e desacreditado. Após mais de um ano, docentes e discentes são capazes de reconhecer as divergências e convergências do sistema remoto e EaD, entendendo que nada será como antes, antevendo a possibilidade de um sistema misto de ensino depois do período pandêmico. Muitas propostas podem ser sugeridas, que teriam que ser aprovadas pelo Ministério da Educação, junto com o governo federal, para que além da matriz curricular haja um incentivo para a formação e migração do ensino presencial para uma modalidade hibrida de ensino. Para futuros trabalhos podem ser explorados aspectos comportamentais, culturais e psicológicos da metodologia adotada ao longo dos cursos de graduação, tendo em vista a diferença didática dos sistemas de ensino em diferentes áreas de formação, e o impacto em diferentes faixas etárias [4].

No caso que apresentamos, durante os meses de março e abril de 2020, pela necessidade de mudanças rápidas na estrutura do ensino, tanto na graduação quanto na pós-graduação, a direção da instituição, representada principalmente pelas Diretorias Adjuntas de Ensino e de Alunos, junto com a coordenação dos cursos de medicina, enfermagem e psicologia, reuniram-se com os docentes, para estruturar o ensino. Estavam em pauta discussões sobre as aulas teóricas, práticas e de estágio. Além de toda a problemática da mudança do ensino da forma presencial, ficavam ressaltadas as especificidades dos alunos ingressantes via vestibular e dos alunos concluintes. Foram pelo menos dois meses de preparação/capacitação dos professores e de organização para responder aos anseios dos alunos. Vale ressaltar a preocupação com o ensino presencial na área da enfermagem, reconhecendo-se docentes e alunos como vulneráveis à contaminação e como transmissores do vírus.

A suspensão das aulas presenciais já no início de 2020 provocou diferentes respostas no meio educacional brasileiro, decorrentes da suspensão das aulas presenciais imposta pela necessidade de distanciamento social. Na educação básica e no ensino superior, tanto na iniciativa privada quanto nas redes públicas, em maior ou menor grau, improvisaram-se aulas remotas e se recorreu à produção de conteúdo digital mínimo para dar conta da continuidade das aulas. Para manter alguma atividade pedagógica buscou-se um preparo para uso de plataformas virtuais, aplicativos de mensagens, TV aberta e até mesmo o rádio. Alguns grandes grupos educacionais privados já tinham experiência na educação a distância, com plataformas digitais e disponibilidade de conteúdo virtual, para implementar soluções diante da interrupção das aulas presenciais. No ensino superior público prevaleceu a resistência à solução on-line e a percepção das aulas remotas como adesão indesejável à educação a distância, agravamento das desigualdades socioeconômicas dos alunos (dada a disparidade das condições de acesso à Internet) e possível precarização do trabalho docente [5].

Vale ressaltar a profusão de terminologias e expressões concorrentes para as atividades de ensino instituídas fora do espaço escolar, como: “ensino remoto”, aulas remotas”, “ensino remoto emergencial”, “educação remota”, “atividades remotas”, “aprendizagem remota”, “aprendizado remoto”, “estratégias de aprendizagem remota” e “sala de aula remota”. “ensino on-line”, “aprendizagem on-line” “educação on-line”, “aulas on-line”, “sala de aula on-line”, “aulas em meios digitais” e “teleaulas”. O termo “ensino remoto emergencial” consagrou-se no Brasil para denominar a resposta educacional à impossibilidade das atividades pedagógicas presenciais [5].

Em todo o mundo, a pandemia da COVID-19 fez com que instituições educacionais adotassem o ensino remoto emergencial para dar continuidade ao ano letivo. Os professores, cada um a seu modo, se reinventaram e se reinventam todos os dias para dar continuidade às atividades pedagógicas. Ainda é um período desafiador, mas também PODE ser promissor para a inovação da educação, indicando que as tecnologias digitais podem se tornar grandes aliadas no processo de ensino-aprendizagem em todos os níveis de ensino. Neste período de transição entre o ensino presencial para o online, em diferentes graus de ensino, professores aprenderam a utilizar sistemas de videoconferência, como o Skype, o Google Hangout ou o Zoom e plataformas de aprendizagem, como o Moodle, o Microsoft Teams ou o Google Classroom [5-7].

As ferramentas Google Meet e Google Classroom foram utilizadas na nossa instituição de ensino e demorou alguns meses para que, de modo geral, os professores adquirissem proficiência no manejo das ferramentas para o ensino remoto e aulas on-line. O que facilitou foi haver na instituição um serviço de tecnologia da informação-TI de muita qualidade, disponibilizando funcionários para preparar e acompanhar os professores. No contexto da pandemia da COVID-19, o Google Meet revelou-se de grande aplicabilidade, por promover atividades colaborativas, possibilitando a interação com quiz e gamificações. Ainda, facilita a associação com diversas outras ferramentas que ajudam a organização da sala de aula e tornar a aula mais dinâmica [8].

É importante lembrar que o ensino remoto emergencial, denominação dada na educação on-line durante a pandemia, era para ser temporário, mas ainda perdura no Brasil. Não possuindo o foco em criar um curso a distância compacto, mas oferecer de forma temporária instruções, de maneira rápida e confiável no determinado período. O ensino remoto emergencial possui diferenças dos modelos de ensino a distância ou modelo híbrido, que exigem um delineamento antecipado de conteúdo e tempo minucioso usando modelos de desenvolvimento e planejamento bem conhecidos [9,10].

Com relação ao nosso curso de graduação em enfermagem, a vivência de mais de um ano de pandemia evidenciou fragilidades docentes e discentes, assim como dos gestores da instituição e do curso. No entanto, também oportunizou que fossem discutidas questões que emergiram quanto às “novas diretrizes curriculares” que serão necessárias para o desenvolvimento de competências dos acadêmicos e dos docentes, quanto à formação e atuação de enfermeiros em um mundo pós-pandêmico. Acreditamos que é chegada a hora de cada instituição definir como ajustar a estrutura curricular que vigorava antes da pandemia, para uma grade que contemple conteúdos e práticas indispensáveis em cada série, talvez com especial atenção para ingressantes e concluintes.

Sabemos que nada será como antes também no ensino de graduação em enfermagem e já devemos começar de novo a reconstrução do ensino, com o perfil e competências do aluno que se aproximem das diretrizes curriculares nacionais para a formação do enfermeiro que estão vigentes. O que parece claro é que os modelos de aprendizagem virtuais deverão ser incorporados definitivamente e cada vez mais no processo de ensino-aprendizagem, promovendo também práticas pedagógicas inovadoras e maior agregação/integração/interação professor-aluno. É tempo de (re)construir (re)começar.

 

Começar de novo e contar comigo

Vai valer a pena ter amanhecido

Sem as tuas garras

Sem o teu fantasma

Sem tuas escoras, sem o teu domínio

Sem tuas esporas

Começar de novo e contar comigo

Vai valer a pena já ter te esquecido

Começar de novo (...)

Ivan Lins e Vitor Martins

 

 

Referências

 

  1. Soler ZASG, Jericó MC, Valença FRT. Empreendedorismo inovador do enfermeiro brasileiro: será preciso reinventar-se a partir de 2021!? Enferm Bras 2020;19(6):456-8 doi: 10.33233/eb.v19i6.4557 [Crossref]
  2. UNESCO [United Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation] COVID-19 Educational disruption and response. Paris: Unesco, 30 July 2020a. [citado 2021 jun 30]. Disponível em:  http://www.iiep.unesco.org/en/covid-19-educational-disruption-and-response-13363
  3. Costa R, Lino MM, Souza IJde, Lorenzini E, Fernandes GCM, Brehmer LCdeF, Vargas AdeO, Locks MOH, Gonçalves N. Ensino de enfermagem em tempos de Covid-19: como se reinventar nesse contexto? Texto Contexto Enferm 2020;29. doi: 10.1590/1980-265X-TCE-2020-0002-0002 [Crossref]
  4. Premebida EA. Educação em (Des)Construção: uma abordagem sobre o uso do ensino remoto nas universidades brasileiras. Research, Society and Development 2021;10(1):e52410112063. doi: 10.33448/rsd-v10i1.12063 [Crossref]
  5. Saldanha LCD. O discurso do ensino remoto durante a pandemia de COVID-19. Revista Educação e Cultura Contemporânea 2020;17(50):124-44.
  6. Rondini CA, Pedro KM, Duarte C dos S. Pandemia do covid-19 e o ensino remoto emergencial: mudanças na práxis docente. EDU [Internet]. 6 de setembro de 2020; 10(1):41-57. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/educacao/article/view/9085 doi: 10.17564/2316-3828.2020v10n1p41-57 [Crossref]
  7. Brasil. Ministério da Educação. Coronavírus: monitoramento nas instituições de ensino. Brasília DF: 2020a. [citado 30 junho 2021]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/coronavirus [citado 30 junho 2021].
  8. Teixeira DA de O, Nascimento FL. Ensino remoto: o uso do Google Meet na pandemia da covid-19. BOCA [Internet]2021;7(19):44-61. [citado 13 de julho de 2021]. doi: 10.5281/zenodo.5028436%20%20%20 [Crossref]
  9. Bernard RM, Abrami PC, Borokhovski E, Wade AC, Tamim RM, Surkes MA, et al. A meta-analysis of three types of interaction treatments in distance education. Rev Educ Res 2009;79(3):1243-89.
  10. Hodges C, Moore S, Lockee B, Trust T, Bond A. The difference between emergency remote teaching and online learning [citado 30 jun 2021]. Disponível em:: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning