Enferm
Bras 2021;22930:295-300
EDITORIAL
É
urgente (re)construir o ensino de graduação em
enfermagem numa perspectiva intra e pós-pandemia da
Covid-19
Zaida
Aurora Sperli Geraldes Soler, D.Sc.*,
Maria Eduarda Dóro Mota**, Yuri Sacardo**
*Obstetriz,
enfermeira, livre-docente em enfermagem obstétrica, docente e orientadora de
graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu, **Alunos da Quarta Série
2021 de Curso de Graduação em Enfermagem de uma autarquia estadual, no interior
de São Paulo
Zaida Aurora Sperli Geraldes
Soler: zaidaaurora@gmail.com
Maria Eduarda Dóro Mota:
mariaeduardadoro13@gmail.com
Yuri Sacardo: yurisacardo17@gmail.com
Nada
do que foi será
De
novo do jeito que já foi um dia
Tudo
passa, tudo sempre passará (...)
Lulu
Santos, Nélson Motta, 1983
O que apresentamos aqui é a visão/opinião/reflexão de uma
longeva docente e dois acadêmicos concluintes de um curso de graduação em
enfermagem, a respeito da desorganização ou desconstrução do ensino teórico e
prático, em decorrência da pandemia da Covid-19 e a “retomada” que se aproxima
das atividades presenciais. A suspensão das atividades era para ser por 15
dias, mas os decretos governamentais de isolamento social foram se sucedendo e
não se sabia como agir. Ante tal situação, com orientações do Conselho Nacional
e dos Conselhos Estaduais de Educação, .as instituições educacionais
brasileiras, da rede pública e privada, emitiram normas para dar continuidade
ao ensino.
O ano de 2020 era para ser o ano de destaque da Enfermagem
na agenda global, ocorrendo a finalização da campanha Nursing
Now e comemoração do bicentenário de Florence Nightingale, precursora da enfermagem profissional no mundo
e uma das figuras femininas mais importantes na história. A Organização Mundial
da Saúde (OMS), definiu o ano de 2020 como o Ano Internacional da Enfermagem e
Obstetrícia, mostrando a relevância da profissão para atingir a meta de
cobertura universal da saúde em 2030 [1].
Nem deu tempo para comemorar ou agendar celebrações em 12
de abril (dia da obstetriz/enfermeiro obstetra) e 12 de maio (dia do
enfermeiro). Em janeiro de 2020 a OMS declarou emergência de saúde pública de
interesse internacional e uma pandemia em março do mesmo ano, causada pela
doença infecciosa por coronavírus 2019 (COVID-19) [2]. Desde então temos assistido
uma verdadeira calamidade, algo que mudaria a forma de viver em sociedade,
tendo sido tomadas medidas restritivas, de isolamento social, que interferiram
em todos os setores econômicos, assim como na educação. No Brasil, em março as
atividades educacionais de todos os níveis e modalidades foram suspensas, a fim
de conter a veiculação do vírus entre as pessoas [1,3]. Dados divulgados
durante a pandemia, revelaram que foram interrompidas as atividades presenciais
de 91% dos estudantes no mundo e tendo sido apresentado pelo Portal de
acompanhamento da COVID-19, do Ministério de Educação (MEC), 77% das
universidades federais brasileiras interromperam as aulas da graduação; 14%
passaram a realizar atividades remotas e 9% passaram a realizar atividades
parciais [3].
Então, 2020 se tornou o ano em que precisamos nos isolar
para conter o avanço da pandemia do COVID-19, afetou nossa forma de viver em
sociedade e as instituições tiveram que se reorganizar para continuar a atuar.
Também o ensino superior foi afetado e após muitas dificuldades foi instituído
o formato de ensino remoto emergencial. A pandemia veio e mostrou as
fragilidades que já existiam e a necessidade de usar recursos que não tínhamos
antes. Nessa perspectiva, todos foram obrigados a desenvolver o ensino remoto,
que exigiu acesso a novas tecnologias, dando espaço a um sistema antes sem
visibilidade e desacreditado. Após mais de um ano, docentes e discentes são
capazes de reconhecer as divergências e convergências do sistema remoto e EaD, entendendo que nada será como antes, antevendo a
possibilidade de um sistema misto de ensino depois do período pandêmico. Muitas
propostas podem ser sugeridas, que teriam que ser aprovadas pelo Ministério da
Educação, junto com o governo federal, para que além da matriz curricular haja
um incentivo para a formação e migração do ensino presencial para uma
modalidade hibrida de ensino. Para futuros trabalhos podem ser explorados
aspectos comportamentais, culturais e psicológicos da metodologia adotada ao
longo dos cursos de graduação, tendo em vista a diferença didática dos sistemas
de ensino em diferentes áreas de formação, e o impacto em diferentes faixas
etárias [4].
No
caso que apresentamos, durante os meses de março e abril
de 2020, pela necessidade de mudanças rápidas na
estrutura do ensino, tanto na
graduação quanto na pós-graduação, a
direção da instituição, representada
principalmente pelas Diretorias Adjuntas de Ensino e de Alunos, junto
com a
coordenação dos cursos de medicina, enfermagem e
psicologia, reuniram-se com os
docentes, para estruturar o ensino. Estavam em pauta discussões
sobre as aulas
teóricas, práticas e de estágio. Além de
toda a problemática da mudança do
ensino da forma presencial, ficavam ressaltadas as especificidades dos
alunos
ingressantes via vestibular e dos alunos concluintes. Foram pelo menos
dois
meses de preparação/capacitação dos
professores e de organização para responder
aos anseios dos alunos. Vale ressaltar a preocupação com
o ensino presencial na
área da enfermagem, reconhecendo-se docentes e alunos como
vulneráveis à
contaminação e como transmissores do vírus.
A
suspensão das aulas presenciais já no início de
2020
provocou diferentes respostas no meio educacional brasileiro,
decorrentes da
suspensão das aulas presenciais imposta pela necessidade de
distanciamento
social. Na educação básica e no ensino superior,
tanto na iniciativa privada
quanto nas redes públicas, em maior ou menor grau,
improvisaram-se aulas
remotas e se recorreu à produção de
conteúdo digital mínimo para dar conta da
continuidade das aulas. Para manter alguma atividade pedagógica
buscou-se um
preparo para uso de plataformas virtuais, aplicativos de mensagens, TV
aberta e
até mesmo o rádio. Alguns grandes grupos educacionais
privados já tinham experiência
na educação a distância, com plataformas digitais e
disponibilidade de conteúdo
virtual, para implementar soluções diante da
interrupção das aulas presenciais.
No ensino superior público prevaleceu a resistência
à solução on-line e a
percepção das aulas remotas como adesão
indesejável à educação a distância,
agravamento das desigualdades socioeconômicas dos alunos (dada a
disparidade
das condições de acesso à Internet) e
possível precarização do trabalho docente
[5].
Vale
ressaltar a profusão de terminologias e expressões
concorrentes para as atividades de ensino instituídas fora do
espaço escolar,
como: “ensino remoto”, aulas remotas”, “ensino
remoto emergencial”, “educação
remota”, “atividades remotas”, “aprendizagem
remota”, “aprendizado remoto”,
“estratégias de aprendizagem remota” e “sala
de aula remota”. “ensino on-line”,
“aprendizagem on-line” “educação
on-line”, “aulas on-line”, “sala de aula
on-line”, “aulas em meios digitais” e “teleaulas”. O
termo “ensino remoto emergencial” consagrou-se no Brasil para denominar a
resposta educacional à impossibilidade das atividades pedagógicas presenciais
[5].
Em todo o mundo, a pandemia da COVID-19 fez com que
instituições educacionais adotassem o ensino remoto emergencial para dar
continuidade ao ano letivo. Os professores, cada um a seu modo, se reinventaram
e se reinventam todos os dias para dar continuidade às atividades pedagógicas.
Ainda é um período desafiador, mas também PODE ser promissor para a inovação da
educação, indicando que as tecnologias digitais podem se tornar grandes aliadas
no processo de ensino-aprendizagem em todos os níveis de ensino. Neste período
de transição entre o ensino presencial para o online, em diferentes graus de
ensino, professores aprenderam a utilizar sistemas de videoconferência, como o
Skype, o Google Hangout ou o Zoom e plataformas de
aprendizagem, como o Moodle, o Microsoft Teams ou o
Google Classroom [5-7].
As ferramentas Google Meet e Google Classroom
foram utilizadas na nossa instituição de ensino e demorou alguns meses para
que, de modo geral, os professores adquirissem proficiência no manejo das
ferramentas para o ensino remoto e aulas on-line. O que facilitou foi haver na
instituição um serviço de tecnologia da informação-TI de muita qualidade, disponibilizando
funcionários para preparar e acompanhar os professores. No contexto da pandemia
da COVID-19, o Google Meet revelou-se de grande aplicabilidade, por promover
atividades colaborativas, possibilitando a interação com quiz e gamificações.
Ainda, facilita a associação com diversas outras ferramentas que ajudam a
organização da sala de aula e tornar a aula mais dinâmica [8].
É importante lembrar que o ensino remoto emergencial,
denominação dada na educação on-line durante a pandemia, era para ser
temporário, mas ainda perdura no Brasil. Não possuindo o foco em criar um curso
a distância compacto, mas oferecer de forma temporária instruções, de maneira
rápida e confiável no determinado período. O ensino remoto emergencial possui
diferenças dos modelos de ensino a distância ou modelo híbrido, que exigem um
delineamento antecipado de conteúdo e tempo minucioso usando modelos de
desenvolvimento e planejamento bem conhecidos [9,10].
Com relação ao nosso curso de graduação em enfermagem, a
vivência de mais de um ano de pandemia evidenciou fragilidades docentes e
discentes, assim como dos gestores da instituição e do curso. No entanto,
também oportunizou que fossem discutidas questões que emergiram quanto às
“novas diretrizes curriculares” que serão necessárias para o desenvolvimento de
competências dos acadêmicos e dos docentes, quanto à formação e atuação de
enfermeiros em um mundo pós-pandêmico. Acreditamos que é chegada a hora de cada
instituição definir como ajustar a estrutura curricular que vigorava antes da
pandemia, para uma grade que contemple conteúdos e práticas indispensáveis em
cada série, talvez com especial atenção para ingressantes e concluintes.
Sabemos
que nada será como antes também no ensino de
graduação em enfermagem e já devemos
começar de novo a reconstrução do ensino,
com o perfil e competências do aluno que se aproximem das
diretrizes
curriculares nacionais para a formação do enfermeiro que
estão vigentes. O que
parece claro é que os modelos de aprendizagem virtuais
deverão ser incorporados
definitivamente e cada vez mais no processo de ensino-aprendizagem,
promovendo
também práticas pedagógicas inovadoras e maior
agregação/integração/interação
professor-aluno. É tempo de (re)construir (re)começar.
Começar
de novo e contar comigo
Vai
valer a pena ter amanhecido
Sem
as tuas garras
Sem
o teu fantasma
Sem
tuas escoras, sem o teu domínio
Sem
tuas esporas
Começar
de novo e contar comigo
Vai
valer a pena já ter te esquecido
Começar
de novo (...)
Ivan
Lins e Vitor Martins