Enferm Bras 2022;21(2):166-78

doi:10.33233/eb.v21i2.4854

REVISÃO

Enfermagem e a humanização do gestar e parir: revisão de literatura acerca da violência obstétrica

 

Gabriela Andrade Zecca*, Carolina Guizardi Polido, D.Sc.**

 

*Estudante de graduação de Enfermagem na Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos (FAESO), **Enfermeira, Docente e coordenadora do curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos

 

Recebido em 19 de julho de 2021; Aceito em 15 de março de 2022.

Correspondência: Carolina Guizardi Polido, Av. Luiz Saldanha Rodrigues, S/N, Quadra C1A Nova Ourinhos 19907-510 Ourinhos SP

 

Gabriela Andrade Zecca: gabrielaazeca@gmail.com

Carolina Guizardi Polido: carolina.polido@estacio.br

 

Resumo

A maternidade é o momento mais marcante na vida da mulher. Envolve a família e toda a comunidade, e esses são muito importantes diante todo o processo. No cenário da assistência, o parto deixou de ser considerado um processo fisiológico, tirando assim o protagonismo da mulher e dando origem à violência obstétrica. Visando melhorar este cenário, surge o movimento de humanização, estimulando diversas iniciativas de mudanças e a atualização das práticas obstétricas. O objetivo deste trabalho foi analisar as publicações referentes à violência obstétrica e seus reflexos na saúde da mulher. Trata-se de uma revisão de literatura, tendo como fonte de pesquisa a Biblioteca Virtual em Saúde. Conclui-se que as formas mais comuns de violência obstétrica são todas aquelas que roubam o protagonismo da mulher, causando traumas, e que questões de gênero, classe social, raça e escolaridade influenciam diretamente para uma maior ocorrência deste tipo de violência. Além de evidenciar a carência na compreensão de mulheres sobre o assunto, evidenciamos a importância de um pré-natal de qualidade. Ressalta-se a enfermagem como principal instrumento de mudança no cenário obstétrico, identificando a necessidade de uma atualização constante da equipe e da inserção do tema em questão nas grades curriculares.

Palavras-chave: violência obstétrica; parto humanizado; assistência obstétrica. 

 

Abstract

Nursing and the humanization of pregnancy and delivery: a literature review about obstetric violence

Motherhood is an important moment in a woman's life. It involves the family and the whole community, and these are very important in the whole process. In the care setting, childbirth is no longer considered a physiological process, thus taking the role of women and giving rise to obstetric violence. Aiming to improve this scenario, the humanization movement appears, stimulating several initiatives for changes and updating of obstetric practices. The objective of this study was to analyze publications referring to obstetric violence and its effects on women's health. This is a literature review, using the Virtual Health Library as a research source. It is concluded that the most common forms of obstetric violence are all those that steal the role of women, causing trauma, and that issues of gender, social class, race and education directly influence a greater occurrence of this type of violence. In addition to highlighting the lack of understanding of women on the subject, we highlight the importance of quality prenatal care. Nursing is highlighted as the main instrument of change in the obstetric scenario, identifying the need for a constant updating of the team and the insertion of the subject in question in the curricula.

Keywords: obstetric violence; birth humanization; obstetric assistance.

 

Resumen

La enfermería y la humanización del embarazo y parto: revisión de literatura sobre violencia obstétrica

La maternidad es uno de los momentos más importante en la vida de una mujer. Involucra a la familia y a toda la comunidad, y estos son muy importantes en todo el proceso. En el ámbito asistencial, el parto ya no es considerado un proceso fisiológico, tomando el rol de la mujer y dando lugar a la violencia obstétrica. Con el objetivo de mejorar ese escenario, surge el movimiento de humanización, estimulando muchas iniciativas para cambios y actualización de las prácticas obstétricas. El objetivo de este estudio fue analizar las publicaciones referentes a la violencia obstétrica y sus efectos en la salud de la mujer. Se trata de una revisión de la literatura, utilizando la Biblioteca Virtual en Salud como fuente de investigación. Se concluye que las formas de violencia obstétrica más comunes son todas aquellas que sustraen el rol de la mujer, provocando traumatismos, y que las cuestiones de género, clase social, raza y educación influyen directamente en una mayor ocurrencia de este tipo de violencia. Además de resaltar la falta de comprensión de las mujeres sobre el tema, destacamos la importancia de una atención prenatal de calidad. La enfermería se destaca como el principal instrumento de cambio en el escenario obstétrico, identificando la necesidad de una constante actualización del equipo y la inserción de la temática en cuestión en los planes de estudio.

Palabras-clave: violencia obstétrica; nacimiento humanizado; asistencia obstétrica.

 

Introdução

 

A maternidade é um momento marcante na vida da mulher. Envolve o parceiro, a família e toda a comunidade, e estes apresentam relevância para a mulher no processo de parturição. No cenário da assistência em saúde, o pré-natal, parto e pós-parto, têm sido marcados pela adoção de práticas intervencionistas, medicamentosas e hospitalocêntricas, que desconstroem o parto como evento fisiológico, que necessita de procedimentos ou intervenções para acontecer. Nesse contexto assistencial, a mulher torna-se elemento secundário no cenário do nascimento, sujeita ao ambiente controlado, cercado por ordens e protocolos institucionais que a segregam de seu contexto social e cultural, bem como a fazem desacreditar na sua capacidade fisiológica de parir [1,2].

Dado a grande quantidade de intervenções realizadas, surge o conceito de violência obstétrica, que ocorre quando as parturientes são submetidas a intervenções desnecessárias, práticas mecanizadas ou condutas consideradas desumanas, ignorando as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para um parto normal saudável e humanizado [3,4]. Este cenário inclui as cesarianas desnecessárias.

O Brasil ocupa a posição alarmante de segundo lugar no ranking global de partos cesáreos, extrapolando o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que pontua como aceitável o percentual de até 15% de cesarianas. Nosso país atinge cerca de 57% de partos cesarianos e, na rede privada de saúde, este número pode chegar a 85% de cesarianas [5].

Com o objetivo de melhorar a assistência obstétrica, surgiu, em meados dos anos 2000 do movimento de humanização do parto e do nascimento, a Política Nacional de Humanização do Parto e Nascimento que estimulou diversas iniciativas e alternativas para a atualização das práticas obstétricas, visando a promoção do parto e do nascimento saudáveis, a redução de procedimentos considerados desnecessários e a prevenção da morbimortalidade materna e perinatal ocasionada pelo excesso de intervenções [6].

Neste contexto, a enfermagem obstétrica ganha protagonismo no processo de gestar e parir. Sua participação neste cenário remete aos anos 90, quando os movimentos populares iniciaram a reivindicação de melhores condições de parturição, e a enfermagem ganhou espaços na assistência ao parto, através do aumento da visibilidade a da criação e consolidação de casas de parto. Hoje, a enfermagem é considerada de fundamental importância para a reconfiguração do campo obstétrico com a perspectiva da humanização do parto [6].

Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi conceituar, através de revisão bibliográfica, a violência obstétrica durante o pré-natal, parto e puerpério e analisar seus reflexos na saúde da mulher e as estratégias para a atuação da enfermagem diante o movimento de humanização do gestar e parir.

 

Métodos

 

Este é um trabalho de revisão de literatura. A revisão de literatura consiste em analisar dados acerca de um assunto específico, tema ou problema, a partir de referências teóricas já publicadas anteriormente, a fim de sintetizar conhecimentos e contribuir para discussões, além de proporcionar maior conhecimento acerca do assunto e propiciar reflexões para a realização de estudos futuros [7].

A fonte de pesquisa para esta revisão foi a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Para a realização da busca foi utilizado o cruzamento dos descritores enfermagem e violência obstétrica, tendo como resultado 95 documentos científicos.

Foram aplicados os filtros texto completo, publicados em língua portuguesa, do ano de 2015 até 2020, e apenas artigos, resultando em 28 artigos para a análise inicial. Após a leitura flutuante, foram eliminados os artigos que não correspondiam ao objetivo da pesquisa, totalizando o escopo de 09 artigos que serviram de base para a pesquisa.

Assim, os critérios de inclusão utilizados foram literatura dos últimos 5 anos, publicadas em língua portuguesa, tipo de documento: artigo, textos pertinentes ao assunto em questão e disponíveis na íntegra. Os critérios de exclusão utilizados foram literaturas publicadas em língua estrangeira, acima dos últimos 5 anos, que não fossem artigos, textos não pertinentes ao assunto, com link quebrado e não disponíveis na íntegra.

 

Resultados e discussão

 

Foram analisados 9 estudos que cumpriram os critérios de inclusão e exclusão previamente definidos, trazendo foco sobre assistência ao parto, percepção das parturientes, puérperas e profissionais sobre a violência obstétrica, tipos de violências obstétricas mais comuns e estratégias para melhora deste cenário.

Para uma melhor compreensão e organização, foi elaborado o quadro 1 com a síntese das informações dos artigos elencados.

 

 

Quadro 1Síntese de estudos selecionados com base de dados. Ourinhos, 2021

 

 

Diante das bibliografias analisadas, destacaram-se 4 categorias para discussão, sendo elas: 1) As formas mais comuns de violência obstétrica; 2) A violência obstétrica como violência de gênero, raça e classe social; 3) A ausência de reconhecimento da violência obstétrica; 4) A formação do enfermeiro obstetra e sua importância na transformação da assistência.

Foram acrescentadas literaturas, devidamente referenciadas, para complementar as discussões dentro dos temas elencados.

 

As formas mais comuns de violência obstétrica

 

Até o século XIX o parto era considerado sagrado, fisiológico e exclusivamente da mulher e suas figuras femininas de referência, e a grande maioria dos partos ocorria em ambiente domiciliar. Com a evolução da humanidade, ocorreu a institucionalização do parto, que transformou este em um evento patológico, que necessita de intervenções, passando a ser mecanizado e despersonalizado. Assim, as mulheres acabaram expostas a diversos tipos de procedimentos desnecessários que hoje se caracterizam como violência durante a assistência ao parto, sendo privadas do seu protagonismo [10].

Caracteriza-se como violência obstétrica o desrespeito aos direitos da mulher, existência de dor e sofrimento evitáveis, abrangendo fatores físicos, psicológicos, verbais e sexuais, assim como a realização de práticas e intervenções, consideradas violentas e desnecessárias [9].

Nessa categoria ressalta-se as formas mais comuns de violência obstétrica, sendo elas a episiotomia, a manobra de Kristeller, o uso de ocitócitos de forma desnecessária, o excessivo manejo do parto, a negação de técnicas de controle da dor, negação do acompanhante.

A episiotomia é uma incisão realizada na região do períneo, para ampliar o canal de parto. Após a institucionalização do parto, a episiotomia virou procedimento rotineiro, com a finalidade de diminuir danos. Atualmente, estudos científicos condenam esta prática, pois além de ser um procedimento doloroso e invasivo, seus benefícios não são comprovados. Este procedimento pode aumentar o risco de laceração perineal grave, de infecção e hemorragias, além de complicações como incontinência urinária e fecal. Esta prática também é considerada mutilação genital, e deixa fortes sequelas emocionais e físicas, principalmente quando o procedimento é feito sem recomendação clínica em prol do treinamento de novos profissionais para a prática, transformando a mulher em objeto de estudo [15,17].

A manobra de Kristeller é a compressão do fundo uterino com intuito de acelerar o processo do parto e auxiliar na saída do bebê, e também é considerada violência. Não foram encontrados estudos que demonstrem benefícios advindos do uso dessa prática, e os riscos potenciais incluem a rotura uterina, lesão do esfíncter anal, fraturas ou lesões cerebrais nos recém-nascidos e aumento da transfusão de sangue entre a mãe e seu bebê, podendo ser um fator desencadeante de diversos problemas, principalmente quando a mãe tem alguma infecção viral [16]. É importante destacar que essa prática foi considerada, homologada e documentada pelo Diário Oficial da União como violência obstétrica. Apoiadas em evidências científicas, as organizações civis de mulheres e apoiadores das políticas de humanização do parto e nascimento, demonstraram que a manobra de Kristeller é ineficiente e danosa a saúde materna e neonatal, não devendo ser realizada [18].

O uso excessivo e rotineiro da ocitocina sintética, sem indicação precisa e pautada em avaliação obstétrica adequada, de forma a induzir e acelerar o trabalho de parto, principalmente em parturientes de baixo risco que não necessitariam de indução de parto, pode acarretar danos para as mulheres e seus bebês, como o aumento das contrações uterinas causando aumento na intensidade das dores, vômito, náuseas, cefaleia, intoxicação hídrica e também a taquissistolia uterina (hiperestimulação do útero), que afeta tanto a mãe como o feto e, se não revertida de forma adequada, no decorrer do tempo pode levar a ruptura placentária, ruptura uterina, aumento na taxa de cesárea devido à atividade excessiva uterina, lacerações cervicais, hemorragia pós-parto e infecções, podendo incorrer em morte neonatal [11,19].

A negação de técnicas de alívio da dor também é citada nas bibliografias levantadas por este estudo, sejam elas técnicas farmacológicas ou não farmacológicas. A analgesia para o parto é um direito da mulher, e quando negadas contribuem para um maior sofrimento físico e psicológico. Dentro desse contexto, é importante encorajar a mulher quanto ao uso dos métodos não-farmacológicos como o banho de imersão, massagens lombares, utilização de bolas de nascimentos, o cavalinho, exercícios respiratórios e as técnicas de aromaterapia e musicoterapia, que além de contribuírem para o alívio da dor, proporcionam um cuidado humanizado e livre de intervenções desnecessárias que muitas vezes acabam por aumentar as dores do que diminuí-las [8,20].

Os exames de toque, que são considerados procedimentos invasivos, também são exemplos rotineiros de violência obstétrica. O exame de toque é realizado para avaliar a evolução do trabalho de parto e dilatação do colo do útero, sendo indicada sua realização a cada 4 horas durante o primeiro período do parto, sempre após o consentimento da parturiente. Porém, estudos descrevem o que ocorre é uma realidade bem diferente, e os exames são feitos em intervalo bem menor de tempo, de forma constante, às vezes por mais de um profissional e muitas vezes sem consentimento, principalmente para o treinamento de novos profissionais [12,16].

Existem relatos de exames de toque vaginal sendo realizados durante as últimas consultas do pré-natal, mesmo em gestantes que não apresentam indicações para a necessidade da realização do exame. Procedimentos como a redução manual do colo do útero e rompimento da membrana, com intuito de acelerar o trabalho de parto, são procedimentos dolorosos, constrangedores e que influenciam negativamente a dinâmica do parto, além de não haver nenhum estudo que comprove sua eficácia, sendo ressaltado o risco de maior infecção com sua realização desnecessária e constante [12,16].

A negação ao acompanhante, previsto na Lei nº 11.108 de 7 de abril de 2005, configura-se também como violência obstétrica. A presença do acompanhante no processo de parto é importante para oferecer suporte emocional e físico à parturiente, tornando o parto um evento mais acolhedor e positivo. Mulheres que tiveram acompanhantes sentiram-se com maior liberdade em se comunicarem, criarem vínculos com a equipe, tomarem decisões e terem uma maior satisfação com a assistência. A falta de acompanhante está associada a um processo de parto mais traumático, estimulando sentimentos de abandono, medo e falta de vínculo com a equipe, além de uma insatisfação com a assistência [12,14,16].

As violências verbais também são uma forma de violência obstétrica muito comum durante a assistência. Mulheres são destratadas por chorar, vocalizar de dor, emoção, alegria ou ansiedade durante o trabalho de parto. A utilização de discursos ríspidos, tratamento impaciente e ameaça de abandonar a mulher sozinha durante a assistência, caracterizando a violência de cunho verbal, gerando traumas psicológicos significativos para a mulher [8,10].

A falta de informação, acolhimento e privacidade também se configura violência obstétrica. A grande maioria das gestantes não é informada acerca do plano de parto e de seus direitos. A maioria das maternidades ainda possuem pré-parto coletivo, com ausência de separação entre os leitos, banheiro compartilhado, dimensionamento insuficiente de enfermeiras obstetras e, frequentemente, vivência de superlotação. Esses fatores prejudicam diretamente a garantia da privacidade, além de servirem como justificativa para o descumprimento da lei do acompanhante. A falta de informação contribui diretamente para o aumento de ocorrências de violência obstétrica, uma vez que a parturiente não consegue reconhecer a violência e naturaliza o sofrimento. A falta de acolhimento gera ansiedade, medo, falta de confiança, despreparo e solidão [8,9].

Além de todos os itens citados acima, ainda podem ser citadas outras formas de violência, como negar a livre movimentação durante o trabalho de parto, a amarração das pernas e braços da parturiente na maca, a tricotomia vaginal, o enema, a negação à alimentação e hidratação da parturiente durante o trabalho de parto, o agendamento de cesarianas sem devida recomendação e consentimento, e todas as outras demais formas de violência que roubam da mulher o seu protagonismo e influenciam no processo de parto que possam ser caracterizadas como uma experiência de trauma, sofrimento e dor [17].

 

A violência obstétrica como violência de gênero, raça e classe social

 

Inseridas em uma sociedade patriarcal e machista, vivemos rodeadas de atitudes que naturalizam preconceitos e hierarquias sociais de gênero, classe e raça, o que influencia diretamente no cenário obstétrico, contribuindo para maior ocorrência de violência obstétrica. Existe maior ocorrência de práticas abusivas e de discriminação com mulheres da periferia, negras e de baixa escolaridade durante o processo de gestação, parto e puerpério. Elas são as mais vulneráveis a ocorrência de violência obstétrica, uma vez que o acesso à informação e assistência de saúde de qualidade são limitadas e restritas, somando-se a isso também o preconceito existente na sociedade [10].

Mulheres em processo de abortamento também são mais vulneráveis a ocorrência de violência obstétrica, uma vez que a assistência fornecida a elas é repleta de preconceitos. A assistência fornecida a mulheres com suspeita de abortamento provocado é de caráter punitivo, de julgamento e discriminação. Além disso, em muitas maternidades as mulheres em processo de abortamento são colocadas ao lado do leito de puérperas, influenciando maior sofrimento psicológico e emocional [10].

Práticas abusivas ao corpo feminino, negligência, tratamento agressivo de forma a ridicularizar a mulher devido à sua raça, gênero, orientação sexual, condição financeira, ou/e até situação conjugal. Além da diferenciação de tratamentos prestados de acordo com a classe social, plano particular ou público, entre outras formas de preconceitos que violam totalmente os direitos reprodutivos e humanos garantidos por lei [8].

 

A ausência de reconhecimento da violência obstétrica

 

Poucas mulheres conseguem reconhecer que foram vítimas de violência obstétrica. Isso ocorre devido à existência de uma cultura enraizada em nossa sociedade que normaliza o parto como um evento violento e doloroso, sendo este dos maiores desafios no enfrentamento à violência obstétrica, pois ela passa despercebida. Existe também a falta de informação e preparo da mulher por parte dos profissionais durante o pré-natal, no qual condutas violentas, a desatualização da assistência e a promoção da cesariana são normalizadas, influenciando diretamente a perpetuação da violência obstétrica [9].

Evidencia-se neste ponto uma literatura, que retrata pesquisa realizada com 10 puérperas, levantando questionamentos acerca de suas compreensões sobre o tema em questão, trazendo à tona a frequente ignorância sobre o assunto. Todas as entrevistadas relataram vivências que se enquadram em violência obstétrica, como a violência verbal, violência de omissão de atendimento de saúde, violência psicológica e violência física. Apesar da maioria já ter ouvido falar sobre o termo na internet, apenas uma das 10 mulheres, de fato afirmou ter vivido violência obstétrica, assim como apenas uma referiu ter conversado sobre o assunto durante o pré-natal. Nenhuma mulher conseguiu responder com exatidão questões pertinentes acerca do significado e definição da violência obstétrica para elas. Fica evidente o despreparo e a falta de informação das mulheres acerca do assunto [9].

 

A formação do enfermeiro obstetra e sua importância na transformação da assistência

 

Evidenciou-se em quase todas as literaturas encontradas para este estudo a importância do enfermeiro como instrumento de mudança no cenário obstétrico, uma vez que, além de fazer parte da equipe multidisciplinar, sua assistência é a mais frequente durante o processo de gestar e parir. Salienta-se que a Organização Mundial da Saúde ressalta a enfermagem obstétrica como a categoria profissional mais preparada para a mudança das práticas de violência e consolidação de uma assistência segura ao processo de parto e nascimento [11,13].

Diante deste contexto, é importante que o enfermeiro tenha o conhecimento necessário e atualização contínua acerca da violência obstétrica, objetivando uma assistência livre de violência e totalmente baseada em evidências científicas, buscando a humanização e melhoria na assistência ao parto [11,15].

Compete ao enfermeiro obstetra fornecer apoio, informação de qualidade e todo acolhimento do pré-natal ao puerpério, avaliando as condições de saúde materno-fetal, esclarecendo dúvidas, pontuando quais são seus direitos, realizando o planejando do parto, preparando a mulher e proporcionando um modelo de assistência baseado em evidências que considere sua autonomia e protagonismo sempre em primeiro lugar, principalmente durante o parto [8,13].

A consulta de enfermagem durante o pré-natal é um instrumento que favorece a interação do enfermeiro e a mulher, o esclarecimento e empoderamento da mesma diante as dúvidas que possam surgir, além de ser um veículo de estímulo à humanização da assistência e o combate à violência obstétrica [8,13].

 

Conclusão

 

Conclui-se que as formas mais comuns de violência obstétrica são todas as práticas que roubam o protagonismo da mulher, causando sofrimento e traumas físicos e psicológicos. A cor da pele, classe social, local de moradia reconhecido como periferia, anos de estudo e acesso à saúde contribuem diretamente para maior ocorrência de violência obstétrica, sendo as mulheres moradoras da periferia, negras, de baixa escolaridade e as que passam pelo processo de abortamento as mais vulneráveis para a ocorrência de violência obstétrica. Evidencia-se também o despreparo e a falta de informação das mulheres acerca da violência obstétrica.

O enfermeiro, principalmente o obstetra, é o agente reconhecido como mais importante para a transformação deste cenário, sendo indispensável a importância da constante atualização da assistência de forma a garantir melhores condições de cuidado em saúde e humanização.

Sugerimos que os debates acerca do tema sejam iniciados ainda durante a graduação para a promoção do raciocínio crítico acerca do tema, e que o mesmo seja incluído nas grades curriculares dos cursos a fim de promover novos caminhos para o enfrentamento desta problemática e o resgate da autonomia da mulher no seu processo de gestar e parir.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse

 

Fontes de financiamento

Não há financiamento

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Zecca GA, Polido CG; Coleta de dados: Zecca GA; Análise e interpretação dos dados: Zecca GA, Polido CG; Redação do manuscrito: Zecca GA, Polido CG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Polido CG

 

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