Enferm Bras 2021;20(5):685-98
ARTIGO
ORIGINAL
Vulnerabilidade
a quedas de idosas residentes em periferia de uma metrópole amazônica
Wanne
Leticia Santos Freitas*, Ana Rafaela Souza Rodrigues, M.Sc.**,
Pedro Vitor Rocha Vila Nova*, Sandra Helena Isse Polaro***, Lucia Hisako Takase Gonçalves****
*Acadêmica
de Enfermagem da Universidade Federal do Pará, **Mestre em Enfermagem pela
Universidade Federal do Pará, ***Doutora em enfermagem da Universidade Federal
do Pará, ****Doutora em enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina
Recebido
em 21 de julho de 2021; aceito em 20 de outubro de 2021.
Correspondência: Lucia Hisako
Takase Gonçalves, Rua Francisco Goularte,
96/906 Trindade 88036-600 Florianópolis SC
Wanne Leticia Santos Freitas:
wanneefreitas@gmail.com
Ana Rafaela Souza Rodrigues:
anarafaela_portugal@hotmail.com
Pedro Vitor Rocha Vila Nova: pedrovn38@gmail.com
Sandra Helena Isse Polaro: shpolaro@hotmail.com
Lucia Hisako Takase
Gonçalves: lhtakase@gmail.com
Resumo
Objetivo: Identificar o perfil de idosos
vulneráveis a quedas que fossem residentes em contexto sociogeográfico
específico de periferia de uma metrópole Amazônica. Métodos: Pesquisa
exploratório-descritiva qualitativa, realizada no período de outubro de 2018 a
março de 2019, com onze idosas residentes no bairro de Guamá, Belém/PA, com
aplicação da Caderneta de Saúde de Pessoas Idosas. Resultados: As idosas
apresentaram características próprias de residentes de áreas empobrecidas de
periferia urbana. Revelou-se vulnerabilidade a riscos para queda por
polifarmácia, polipatologias, distúrbios visuais e da
marcha como também pela presença de perigos na própria residência e na rua. Conclusão:
A caderneta de saúde da pessoa idosa representa uma importante ferramenta de
identificação do idoso vulnerável, por permitir uma avaliação multidimensional
e a elaboração de medidas mais assertivas na prevenção de quedas.
Palavras-chave: saúde do idoso; idoso; fragilidade.
Abstract
Vulnerability to falls of elderly
residents in suburb of an Amazon metropolis
Objective: To identify the profile of
elderly people vulnerable to falls that live in a specific socio-geographic
context in an Amazonian metropolis suburb. Methods: Qualitative,
exploratory, and descriptive research carried out from October 2018 to March
2019 with eleven elderly women living about Guamá, Belém/PA, with the application of the Health Record of
Elderly People. Results: The elderly women presented their
characteristics of residents of impoverished suburban areas. The vulnerability
to risks for falling was due to polypharmacy, polypathologies,
visual and gait disorders, the presence of dangers at home, and in the streets.
Conclusion: The elderly person's health booklet represents an important
identification tool for the vulnerable elderly person, as it allows for a
multidimensional assessment and the development of more assertive measures in
the prevention of falls.
Keywords: health of the elderly; aged;
fragility.
Resumen
Vulnerabilidad a las caídas
de los ancianos residentes en la periferia de una metrópolis amazónica
Objetivo: Identificar el
perfil de personas mayores vulnerables
a las caídas y que son
residentes en el contexto
socio-geográfico específico de la periferia de una metrópolis amazónica. Métodos: Investigación
exploratoria, descriptiva y
cualitativa realizada entre Octubre
del 2018 y Marzo del 2019 con once ancianas
residentes en el barrio de Guamá, Belém/PA, con la aplicación del
Cuaderno de Salud de las Personas Ancianas. Resultados:
Las mujeres mayores presentaron
características propias de los
residentes de las áreas urbanas empobrecidas. Se rebeló la vulnerabilidad
en los riesgos
de las caídas por polifarmacia,
polipatologías, disturbios visuales, de marcha, y también,
por la presencia de peligros
en la propia
residencia y en la calle. Conclusión:
El cuadernillo de salud del anciano representa una
importante herramienta para la
identificación de los ancianos vulnerables, ya que permite una valoración
multidimensional y el desarrollo
de medidas más asertivas en
la prevención de caídas.
Palabras-clave: salud de los ancianos; anciano;
fragilidad.
O conceito de vulnerabilidade na área da saúde constitui-se
ainda numa construção na tentativa de superar atividades preventivas apoiadas
apenas no conceito de risco. A classificação de pessoa vulnerável não se resume
ao fator biológico, mas abrange múltiplas determinações que incidem na
concepção de cidadão que vivencia deficiente acesso a direitos [1].
No contexto da gerontologia, o enfoque da
multidimensionalidade no trato de pessoas idosas é inquestionável e, nesse
sentido, o conceito de vulnerabilidade necessariamente opera na
interdependência das dimensões pessoal, social e programática [2]. Nesse
modelo, a vulnerabilidade individual afeta aspectos biológicos, comportamentais
e afetivos, aumentando a suscetibilidade aos eventos adversos de vida e saúde.
Na vulnerabilidade social, está presente a interferência dos aspectos
socioeconômico e cultural, enquanto na programática, políticas, programas e
serviços de saúde interferem no agravo do estado de saúde de pessoas ou de
determinadas populações [3].
Ao examinar a evolução da sociedade nas últimas décadas,
observa-se que uma das maiores conquistas da humanidade foi o aumento do tempo
de vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a população mundial
acima de 60 anos de idade é de 650 milhões em 2015 e calcula-se que em 2050 ela
ultrapasse dois bilhões de pessoas idosas [4]. Por isso a necessidade de
preparar idosos para um processo de envelhecimento que busque melhor qualidade
de vida se tornou mais relevante, com programas de ações sociais e de saúde que
almejem conquistar e manter um envelhecimento ativo e saudável [5].
Em nosso país, esforços governamentais levaram à
implementação de diretrizes para o cuidado das pessoas idosas no SUS (Sistema
Único de Saúde): proposta de modelo de atenção integral, que objetiva orientar
a organização do cuidado ofertado às pessoas idosas, potencializando as ações
já desenvolvidas e propondo estratégias para fortalecer a qualificação do
cuidado e ampliar o acesso do usuário idoso aos pontos de atenção à saúde [5].
Nesse contexto, um dos principais instrumentos propostos
pelo Ministério da Saúde foi a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, que, de
maneira estratégica, integra um conjunto de iniciativas que tem por objetivo
qualificar a atenção ofertada às pessoas idosas pelo SUS [6]. Esse instrumento
subsidia bom manejo da saúde do usuário idoso e está disponível para ser usado
tanto pela equipe de saúde quanto pelo próprio idoso, seus familiares e
cuidadores [6].
Da temática de acidente por quedas em idosos, considerado
na atualidade um problema de saúde pública [7,8,9], e o objeto do presente
artigo, dita ferramenta mostra-se útil no trato do assunto com o usuário idoso,
não só para identificar seu estado de vulnerabilidade a quedas, mas também para
acompanhá-lo ao longo do tempo, prescrevendo medidas preventivas para contornar
riscos envolvidos. Em termos práticos, permite registrar e acompanhar, pelo
período de cinco anos, informações do usuário idoso, como dados pessoais,
sociais e familiares, seu histórico de saúde e seus hábitos de vida,
identificando, no aspecto de quedas, seus principais fatores de risco e
presença de diferentes dimensões de vulnerabilidade. Inclui ainda, no final,
secção de orientações para o autocuidado e endereços para buscar informações de
saúde [6].
Os acidentes por queda em idosos trazem grandes
consequências, dentre as quais prepondera a fratura de fêmur como lesão
traumática mais comum, requerendo procedimento invasivo cirúrgico que pode
desencadear complicações graves, até o óbito [8,9]. Além de complicações
físicas, destacam-se as psicológicas e sociais com várias consequências, como
restrição das atividades da vida diária e do convívio social [7].
No período entre 2012 e 2016 foram registradas no Brasil
476.664 internações de idosos por queda, com média de permanência hospitalar
superior a 6 dias, gerando um gasto de mais de 690 milhões de reais aos cofres
públicos. Desses pacientes, muitos não resistiram à gravidade e foram a óbito,
numa taxa de mortalidade de 5,08/1.000 habitantes [10].
As causas que levam ao evento quedas em idosos podem ser
classificadas em fatores intrínsecos, que estão mais relacionados à etnia, ao
processo de envelhecimento do próprio indivíduo como a idade, além da história
de saúde com presença de polipatologia e
polifarmácia, entre outras; fatores extrínsecos são os mais ligados ao ambiente
interno e externo, onde o idoso vive e circula; e os fatores comportamentais,
que se relacionam aos hábitos e atitudes de descuido dos idosos em face do
risco de quedas [11].
Dessa forma, pontua-se que identificar fatores de risco
associados a quedas entre usuários idosos é fundamental para prescrever
práticas preventivas com cuidados alternativos mais efetivos, contornando
eventos causadores de acidentes e evitando o desenvolvimento de dependência, ou
até sua morte por quedas graves e as complicações subsequentes [6].
Considerando a multidimensão da
vulnerabilidade de pessoas idosas a acidentes por queda, o presente estudo teve
o objetivo de identificar, por meio da Caderneta de Saúde de Pessoas Idosas, o
perfil de idosos vulneráveis a quedas que fossem residentes em contexto sociogeográfico específico de periferia de uma metrópole
amazônica.
Pesquisa de natureza exploratório-descritiva qualitativa,
realizada com vistas a alcançar o objetivo proposto, desenvolvida no período de
outubro de 2018 a março de 2019, com onze idosas residentes no bairro de Guamá,
Belém, PA, frequentadoras de UBS (Unidade Básica de Saúde) e do CRAS (Centro de
Referência de Assistência Social), localizados no mesmo bairro.
O bairro do Guamá faz parte do distrito mais populoso da
capital paraense e se estende numa região de periferia empobrecida, com
residências modestas e geralmente em precárias condições, onde famílias
moradoras tendem a ser numerosas e carentes de acesso a cuidados de saúde,
saneamento básico, educação, transporte público, entre outros serviços urbanos.
Segundo o Anuário de Belém 2018 [12] a população do bairro
é de 94.610 habitantes, com significativo número de idosos, sendo um dos
bairros com maior concentração de pessoas idosas, com 9,2 % de sua população. A
capital do Estado do Pará, Belém está localizada ao nordeste do estado, a 120
km do mar e 160 km da linha do equador, com área territorial aproximada de
1.059,406 km² [12]. Sua população estimada para 2018, baseada no censo de 2010,
é de 1.485.732 pessoas [13].
Amostra e critérios de inclusão e exclusão - As onze idosas
participantes do estudo foram selecionadas entre aqueles que já haviam sofrido
queda, portanto detentores de um dos fatores de risco para queda, proposto na
Caderneta de Saúde de Pessoas Idosas. Foram identificadas entre idosos que
circulavam na comunidade circundante ao CRAS e à UBS, no bairro de Guamá,
usando-se a técnica “bola de neve” [14] para descobrir as unidades amostrais
pretendidas no estudo.
Os critérios de inclusão foram: idosos de ambos os sexos,
moradores do bairro do Guamá, com história de queda e aptidão cognitiva para
participar do estudo conforme avaliação realizada pelo Miniexame do Estado
Mental (MEEM) [15]. Os critérios de exclusão foram: não morar no bairro e não
ser detentor de fator de risco – história de queda nos últimos tempos. Avaliação
do estado cognitivo dos idosos foi necessário para confirmar a veracidade das
respostas, além de que a cognição está diretamente associada ao risco de quedas
devido à lentificação dos movimentos, menor tempo de reação frente aos
desequilíbrios e alterações comportamentais.
O
MEEM é um instrumento de aplicação rápida
de rastreio ao
comprometimento das funções cognitivas, por meio deste
é possível analisar a
orientação, memoria, evocação de palavras,
cálculo, repetição, execução de
comandos, leitura, escrita e habilidade motora. Em virtude da
associação da
escolaridade e os resultados obtidos, pessoas com distintos graus de
instrução
têm nota de corte diferentes [15].
Coleta de dados por meio da Caderneta de Saúde da Pessoa
Idosa (CSPI) - Os dados foram coletados por meio de aplicação da CSPI [6]
seguindo todas as instruções do Manual de preenchimento da Caderneta [16]. Os
dados assim coletados foram armazenados formando um banco de dados, utilizando
como aporte o programa Microsoft Excel 2019, com o cuidado ético de respeito ao
anonimato das participantes, substituindo seus nomes por um código
identificador no registro de dados. Uma vez extraído seus dados, a Caderneta
foi devolvida a cada idosa participante do estudo, a qual deverá continuar usando-a
para acompanhamento de sua saúde pelo SUS, em todos os serviços onde seja
atendida, como UBS e ESF, entre outros.
Essa Caderneta contempla: registro de dados pessoais;
avaliação do idoso (medicamentos em uso e reações adversas/alergias, diagnósticos
e internações, cirurgias realizadas, dados antropométricos, avaliação
ambiental, quedas, hábitos de vida, identificação de idoso vulnerável pelo Vulnerable Elders
Survey-13 (VES-13), identificação de dor crônica); controle de pressão
arterial e de glicemia; calendário de vacinação; avaliação de saúde bucal;
anotação de agendamento de consultas/exames e atualização da Caderneta.
Especificamente na identificação de idosos vulneráveis, a
Caderneta inclui o VES-13, um protocolo desenvolvido por Saliba
et al. [17]. É um instrumento capaz de identificar idosos vulneráveis
residentes na comunidade. Foi traduzido transculturalmente
para o português do Brasil e adaptado, com confiabilidade atinente à
estabilidade e consistência interna de suas medidas [18]. Essas medidas se
baseiam na idade, autopercepção de saúde e a relação de tópicos o fenótipo de
fragilidade, além da capacidade funcional para o desempenho das atividades
básicas e instrumentais da vida diária. Esse instrumento permite identificar
idosos vulneráveis em diferentes níveis, contribuindo para priorizar seu
acompanhamento e ações a desenvolver pela equipe de saúde [18].
Com relação aos critérios éticos, o estudo seguiu todos os
princípios éticos para pesquisa com seres humanos normatizados pelo Conselho
Nacional de Saúde, Resolução n. 466/12. Submetido ao Comitê de Ética em
Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da UFPA, o projeto foi aprovado sob
n. 2.728.397, com documento protocolado sob o n. CAAE 89614318.8.00000.0018.
Onze idosas moradoras em área circunscrita de região
empobrecida de periferia de metrópole amazônica, com história de queda no
último ano, constituíram-se amostra da presente pesquisa. Seus dados,
provenientes de registro na CSPI, foram analisados para caracterizar o estado
de vulnerabilidade a acidentes por queda a que estão expostas em face de multidimensões dos fatores que concorrem no processo de
envelhecimento, como de ordem biológica, psicossocial, socioeconômica e
programática [2,3,19,20].
A amostra composta de 11 idosas, todas mulheres, idade
entre 62 e 86 anos, predominantemente casadas e professando religião católica.
Quanto à escolaridade, sete só frequentaram o ensino fundamental. Todas moravam
com seus familiares; quando perguntadas sobre seu estado de ânimo, disseram
sentir desânimo, tristeza, desesperança e solidão, mesmo não morando sozinhas.
No tocante à renda mensal, recebiam aposentadoria ou pensão equivalente a 1 salário-mínimo.
No que tange à autopercepção da própria saúde, as respostas
variavam de regular até boa, considerando não somente o sofrer ou não de
doenças, mas também a qualidade de vida, comparando com o estado de saúde que
observavam em seus pares em situações semelhantes de idade e condições de vida.
Quanto ao diagnóstico médico, dez idosas demonstravam
presença de duas ou mais doenças, prevalecendo a hipertensão arterial como a
mais frequente, e ainda diabetes mellitus, osteoporose e artrose. Foram
avaliados aqui os fatores de risco para a ocorrência de quedas, como a presença
de: polipatologia e polifarmácia, além da presença de
deficiências, como distúrbios visuais e dificuldades na marcha.
Em relação aos dados antropométricos, sete idosas exibiam
medida fora da estabelecida, com peso acima ou abaixo do considerado normal. Ao
avaliar o perímetro da panturrilha, nove encontrava-se em estágio de
acompanhamento ou de necessidade de atenção por parte da equipe de saúde por
apresentar relativa perda de massa muscular, com risco de desenvolver fatores
intrínsecos de risco de queda.
Já na avaliação específica de identificação do idoso
vulnerável pelo VES-13, verificou-se que sete idosas se encontravam em nível
inicial de desenvolver a dimensão física de vulnerabilidade a quedas, alertando
a equipe de saúde para acompanhamento e atenção do estado daquela cliente, por
haver obtido escores no instrumento de 1 a 3, pontuação que corresponde a idade
acima de 75 anos e ter sofrido até duas quedas em um ano, ou presença de
qualquer outro aspecto de fragilidade física.
Com base nas circunstâncias das quedas sofridas pelos
idosas, identificaram-se sua prevalência no ambiente intra
e extradomiciliar. Dentre as dez idosas que caíram dentro de casa, os locais
com maior ocorrência foram banheiro, quarto e sala. E os acidentes ocorreram
nas escadas sem corrimão, por desnivelamento do piso da casa, por uso de
tapetes escorregadios e pela presença de animais domésticos no interior da
casa. Já os riscos ambientais externos mais citados foram as calçadas
esburacadas e desniveladas, presença de lixo nas ruas, inclusive caroços de
açaí esparramados nas calçadas.
Quanto às consequências, as quedas sofridas pelas idosas
nos últimos tempos, na maioria não produziram impacto algum, pois se mantiveram
praticando suas atividades como antes da queda. O fato de não terem sofrido
fraturas no acidente, por exemplo, levou-as a subestimar as quedas, não as motivando
a precaverem-se contra eventuais acidentes graves no futuro.
Na avaliação operada por meio de diretrizes da Caderneta de
Saúde da Pessoa Idosa, de um grupo de idosas moradoras de uma área sociogeográfica urbana com escasso provimento de ações de
políticas e programas sociais e de saúde, pode-se observar a interdependência
de fatores de risco e áreas correspondentes de vulnerabilidade, predispondo
idosas ao evento Quedas.
No aspecto da vulnerabilidade individual encontramos dados
relativos ao sexo feminino como predominante em história pregressa de ter
sofrido quedas; à idade das idosas, de 62 a 86 anos; às condições de saúde, com
dados de comorbidade e polifarmácia, além de deficiências e desvios nos
parâmetros físicos; aos comportamentos de risco das idosas para queda mesmo
após acidentes; e autopercepção de saúde subjetiva entre regular e boa.
A tendência de predominância do sexo feminino se deve ao
fato de a mulher sofrer maior impacto no processo de envelhecimento do que o
homem; ter prevalência de certas doenças crônicas como a osteoporose, além da
fragilidade física com perda de força muscular que são alguns fatores que
contribuem para ocorrer o evento queda [2,19,21].
Ademais, a idade média das idosas de 75,5 anos com presença
considerável do estrato de 75-84 anos conferiu às idosas desse grupo etário uma
pontuação de idoso vulnerável, como um parâmetro de fragilidade revelado pelo
VES-13. Literaturas apontam maior ocorrência de quedas em idosos com mais idade,
dado o maior risco de incapacidade funcional e outras intercorrências
desfavoráveis de saúde, podendo levar a danos mais graves, como hospitalização
e óbito [2,11,19,21].
A comorbidade presente nas idosas, normalmente a
hipertensão arterial como a mais frequente, seguida de diabetes mellitus e
doença osteoarticular, aliada à polifarmácia, com uso de até cinco
medicamentos, levaram à sua vulnerabilidade, predispondo-as ao evento queda,
preceitos já consolidados na literatura geriátrica e gerontológica
[8,11,19,22,23.24].
Quanto aos parâmetros físicos avaliados, as idosas
participantes estão fora do padrão do índice de massa corpórea indicado pela
OMS [6], além de a maioria apresentar o perímetro da panturrilha em estágio que
requer da equipe de saúde atenção ou ação no seu acompanhamento. As medidas que
constam na Avaliação da Pessoa Idosa na sua Caderneta, como o índice de massa
corpórea e a circunferência da panturrilha, são indicadores do estado
nutricional do idoso e utilizado devido à facilidade de aplicação e
identificação de perda de massa muscular [16,25]. A redução de massa muscular
tem como principal característica a diminuição do músculo esquelético podendo
ocorrer manifestações clínicas que deixam os idosos mais suscetíveis a quedas,
fraturas, incapacidade geral e hospitalização [25].
Em relação aos fatores comportamentais, as idosas que
tiveram experiência de queda fora do ambiente domiciliar passaram a evitar
algumas atividades, seja por medo de cair ou por cuidados protetores de seus
familiares/cuidadores [26]. O medo de cair [27] dessas pessoas relaciona-se com
possibilidade de fraturas graves, internações e perda da independência com
consequências físicas, psicológicas e sociais. Porém, tal sentimento pode
resultar em menor confiança no desempenho de suas atividades diárias, inclusive
culminar em isolar-se socialmente. Já as idosas que caíram em ambiente
doméstico não demonstraram mudança de comportamento, talvez por não antever
consequências graves, encarando as quedas como coisa natural da velhice.
Quanto à vulnerabilidade social, os aspectos
socioeconômicos e culturais estavam atuando na amostra estudada conforme visto
na caracterização do perfil dessas idosas, residentes numa área de periferia
urbana empobrecida como descrito na contextualização do estudo, além das
condições especificadas de renda familiar de apenas um salário-mínimo, vivendo
com familiares em residências precárias. Ao mesmo tempo, idosas referiam um
estado de ânimo negativo e sentindo-se sozinhas na vida, mesmo vivendo com
familiares. As idosas que necessitavam de alguma ajuda para sair às ruas
revelavam não encontrar ajuda entre vizinhos e sem ter a quem recorrer.
Já no aspecto de ambiente doméstico, no que concerne a risco de acidentes por queda, verificou-se que as
principais causas de quedas sofridas pelas idosas foram o uso de sandálias
inadequadas, tapetes escorregadios, escadas sem corrimão, pisos desnivelados e
escorregadios e, presença de animais soltos dentro de casa. Observou-se que, para
as idosas, muitas dessas causas pareciam de difícil reorganização ambiental,
como em caso de escadarias sem corrimão ou com degraus muito altos, pisos
necessitando de ajustes, todos exigindo recursos financeiros de uma família que
mal ganha para comer.
A maioria dos idosos no país [28] tem sua renda proveniente
de pensões e aposentadorias, renda abaixo do custo de vida das metrópoles
brasileiras, donde se infere que o fator socioeconômico interfere diretamente
na qualidade de vida dessas idosas, cuja renda só dá para coisas básicas, como
alimentação e remédios.
Muitos fatores de risco ambientais intradomiciliares [29,30] poderiam ser eliminados com
mudanças de comportamento por meio da educação; mas, na identificação com visão
multidimensional de idoso, há que se considerar necessariamente um exame da
interdependência de fatores que concorrem para predispor um idoso a se tornar
vulnerável à queda, como a situação socioeconômica [2,7,19].
A vulnerabilidade programática está presente quando
políticas, programas e serviços de saúde interferem no agravo do estado de
saúde das pessoas ou de determinadas populações [2,3,19,20]. Essas organizações
sociais onde indivíduos estão sujeitos às suas mediações, os fatores
contextuais deficientes tendem a aumentar ainda mais sua vulnerabilidade
individual e social.
Assim, na avaliação com enfoque nas multidimensões
da saúde, as idosas da amostra, demonstraram seu estado de vulnerabilidade a
quedas permeando a concorrência de deficiências de ordem estrutural dos
serviços onde frequentavam, diante de dificuldades. Por exemplo, ao desejar
reorganizar a casa com pequenas reformas para eliminar certos fatores de risco
como escadas e pisos, não encontravam suporte nem encaminhamento efetivo para
essa solução.
Também, quanto à não observância de mudança de
comportamento nas idosas para prevenir riscos de queda, mesmo após já ter
sofrido quedas, é um fato de possível influência de seu baixo nível de
escolaridade, impedindo-as de compreender os ensinamentos de saúde ofertados
pelos serviços, inadequados às suas condições de compreensão. Estudo
populacional realizado em Uberaba [2] com idoso vivendo em comunidade analisou
a relação entre os níveis de vulnerabilidade em saúde e fatores socioeconômicos
e estruturais, demonstrou que a elevada vulnerabilidade se associava com baixa
ou nula escolaridade, baixa renda e sexo feminino, dados semelhantes aos da
presente pesquisa.
Em síntese, pôde-se traçar o perfil de um grupo de idosas
moradoras num contexto específico da cidade, baseado em avaliação rápida
multidimensional de saúde de idosas com enfoque nas questões do evento queda na
velhice e as situações de vulnerabilidade a que elas se encontram expostas. Tal
subsídio obtido demonstra a imprescindível realização de diagnóstico
situacional com necessária abordagem dos fatores concorrentes à vulnerabilidade
biológica, socioeconômica e cultural, e programática [23,31].
O objetivo do estudo para identificar o perfil de idosos
vulneráveis a quedas que residissem no bairro de Guamá, região específica de
periferia da capital do Pará, foi plenamente alcançado com uso dos dados
registrados na Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa do Ministério da Saúde.
Essa caderneta representa ferramenta
eficiente porque armazena dados que permitem avaliação das multidimensões
da saúde do idoso e permite analisá-los buscando a interdependência das
diferentes variáveis e chegar a uma decisão clínica com diagnóstico e proposta
de intervenções necessárias.
Considerando a atuação da Enfermagem de Atenção Básica a
usuários idosos, os resultados da presente pesquisa permitiram conhecer o
perfil que caracterizou o estado de vida e saúde de idosas moradoras de
determinado bairro da cidade com enfoque específico no tema quedas, com sua
experiência de vida, fatores de risco presentes para o acidente,
vulnerabilidades para queda e comportamentos de práticas preventivas. Tal
subsídio levantado constitui-se em base segura para estabelecer diagnóstico e
intervenção de enfermagem, incluindo aqui grande ênfase à educação para o
comportamento preventivo em cuidados da saúde. Tal ação de enfermagem deve
contemplar ainda um trabalho coordenado com os demais profissionais da equipe
de saúde a favor de uma atenção integral ao cidadão idoso.