Enferm Bras 2021;20(5):685-98

doi: 10.33233/eb.v20i5.4857

ARTIGO ORIGINAL

Vulnerabilidade a quedas de idosas residentes em periferia de uma metrópole amazônica

 

Wanne Leticia Santos Freitas*, Ana Rafaela Souza Rodrigues, M.Sc.**, Pedro Vitor Rocha Vila Nova*, Sandra Helena Isse Polaro***, Lucia Hisako Takase Gonçalves****

 

*Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal do Pará, **Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Pará, ***Doutora em enfermagem da Universidade Federal do Pará, ****Doutora em enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina

 

Recebido em 21 de julho de 2021; aceito em 20 de outubro de 2021.

Correspondência: Lucia Hisako Takase Gonçalves, Rua Francisco Goularte, 96/906 Trindade 88036-600 Florianópolis SC

 

Wanne Leticia Santos Freitas: wanneefreitas@gmail.com

Ana Rafaela Souza Rodrigues: anarafaela_portugal@hotmail.com

Pedro Vitor Rocha Vila Nova: pedrovn38@gmail.com

Sandra Helena Isse Polaro: shpolaro@hotmail.com

Lucia Hisako Takase Gonçalves: lhtakase@gmail.com

 

 

Resumo

Objetivo: Identificar o perfil de idosos vulneráveis a quedas que fossem residentes em contexto sociogeográfico específico de periferia de uma metrópole Amazônica. Métodos: Pesquisa exploratório-descritiva qualitativa, realizada no período de outubro de 2018 a março de 2019, com onze idosas residentes no bairro de Guamá, Belém/PA, com aplicação da Caderneta de Saúde de Pessoas Idosas. Resultados: As idosas apresentaram características próprias de residentes de áreas empobrecidas de periferia urbana. Revelou-se vulnerabilidade a riscos para queda por polifarmácia, polipatologias, distúrbios visuais e da marcha como também pela presença de perigos na própria residência e na rua. Conclusão: A caderneta de saúde da pessoa idosa representa uma importante ferramenta de identificação do idoso vulnerável, por permitir uma avaliação multidimensional e a elaboração de medidas mais assertivas na prevenção de quedas.

Palavras-chave: saúde do idoso; idoso; fragilidade.

 

Abstract

Vulnerability to falls of elderly residents in suburb of an Amazon metropolis

Objective: To identify the profile of elderly people vulnerable to falls that live in a specific socio-geographic context in an Amazonian metropolis suburb. Methods: Qualitative, exploratory, and descriptive research carried out from October 2018 to March 2019 with eleven elderly women living about Guamá, Belém/PA, with the application of the Health Record of Elderly People. Results: The elderly women presented their characteristics of residents of impoverished suburban areas. The vulnerability to risks for falling was due to polypharmacy, polypathologies, visual and gait disorders, the presence of dangers at home, and in the streets. Conclusion: The elderly person's health booklet represents an important identification tool for the vulnerable elderly person, as it allows for a multidimensional assessment and the development of more assertive measures in the prevention of falls.

Keywords: health of the elderly; aged; fragility.

 

Resumen

Vulnerabilidad a las caídas de los ancianos residentes en la periferia de una metrópolis amazónica

Objetivo: Identificar el perfil de personas mayores vulnerables a las caídas y que son residentes en el contexto socio-geográfico específico de la periferia de una metrópolis amazónica. Métodos: Investigación exploratoria, descriptiva y cualitativa realizada entre Octubre del 2018 y Marzo del 2019 con once ancianas residentes en el barrio de Guamá, Belém/PA, con la aplicación del Cuaderno de Salud de las Personas Ancianas. Resultados: Las mujeres mayores presentaron características propias de los residentes de las áreas urbanas empobrecidas. Se rebeló la vulnerabilidad en los riesgos de las caídas por polifarmacia, polipatologías, disturbios visuales, de marcha, y también, por la presencia de peligros en la propia residencia y en la calle. Conclusión: El cuadernillo de salud del anciano representa una importante herramienta para la identificación de los ancianos vulnerables, ya que permite una valoración multidimensional y el desarrollo de medidas más asertivas en la prevención de caídas.

Palabras-clave: salud de los ancianos; anciano; fragilidad.

 

Introdução

 

O conceito de vulnerabilidade na área da saúde constitui-se ainda numa construção na tentativa de superar atividades preventivas apoiadas apenas no conceito de risco. A classificação de pessoa vulnerável não se resume ao fator biológico, mas abrange múltiplas determinações que incidem na concepção de cidadão que vivencia deficiente acesso a direitos [1].

No contexto da gerontologia, o enfoque da multidimensionalidade no trato de pessoas idosas é inquestionável e, nesse sentido, o conceito de vulnerabilidade necessariamente opera na interdependência das dimensões pessoal, social e programática [2]. Nesse modelo, a vulnerabilidade individual afeta aspectos biológicos, comportamentais e afetivos, aumentando a suscetibilidade aos eventos adversos de vida e saúde. Na vulnerabilidade social, está presente a interferência dos aspectos socioeconômico e cultural, enquanto na programática, políticas, programas e serviços de saúde interferem no agravo do estado de saúde de pessoas ou de determinadas populações [3].

Ao examinar a evolução da sociedade nas últimas décadas, observa-se que uma das maiores conquistas da humanidade foi o aumento do tempo de vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a população mundial acima de 60 anos de idade é de 650 milhões em 2015 e calcula-se que em 2050 ela ultrapasse dois bilhões de pessoas idosas [4]. Por isso a necessidade de preparar idosos para um processo de envelhecimento que busque melhor qualidade de vida se tornou mais relevante, com programas de ações sociais e de saúde que almejem conquistar e manter um envelhecimento ativo e saudável [5].

Em nosso país, esforços governamentais levaram à implementação de diretrizes para o cuidado das pessoas idosas no SUS (Sistema Único de Saúde): proposta de modelo de atenção integral, que objetiva orientar a organização do cuidado ofertado às pessoas idosas, potencializando as ações já desenvolvidas e propondo estratégias para fortalecer a qualificação do cuidado e ampliar o acesso do usuário idoso aos pontos de atenção à saúde [5].

Nesse contexto, um dos principais instrumentos propostos pelo Ministério da Saúde foi a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, que, de maneira estratégica, integra um conjunto de iniciativas que tem por objetivo qualificar a atenção ofertada às pessoas idosas pelo SUS [6]. Esse instrumento subsidia bom manejo da saúde do usuário idoso e está disponível para ser usado tanto pela equipe de saúde quanto pelo próprio idoso, seus familiares e cuidadores [6].

Da temática de acidente por quedas em idosos, considerado na atualidade um problema de saúde pública [7,8,9], e o objeto do presente artigo, dita ferramenta mostra-se útil no trato do assunto com o usuário idoso, não só para identificar seu estado de vulnerabilidade a quedas, mas também para acompanhá-lo ao longo do tempo, prescrevendo medidas preventivas para contornar riscos envolvidos. Em termos práticos, permite registrar e acompanhar, pelo período de cinco anos, informações do usuário idoso, como dados pessoais, sociais e familiares, seu histórico de saúde e seus hábitos de vida, identificando, no aspecto de quedas, seus principais fatores de risco e presença de diferentes dimensões de vulnerabilidade. Inclui ainda, no final, secção de orientações para o autocuidado e endereços para buscar informações de saúde [6]. 

Os acidentes por queda em idosos trazem grandes consequências, dentre as quais prepondera a fratura de fêmur como lesão traumática mais comum, requerendo procedimento invasivo cirúrgico que pode desencadear complicações graves, até o óbito [8,9]. Além de complicações físicas, destacam-se as psicológicas e sociais com várias consequências, como restrição das atividades da vida diária e do convívio social [7].

No período entre 2012 e 2016 foram registradas no Brasil 476.664 internações de idosos por queda, com média de permanência hospitalar superior a 6 dias, gerando um gasto de mais de 690 milhões de reais aos cofres públicos. Desses pacientes, muitos não resistiram à gravidade e foram a óbito, numa taxa de mortalidade de 5,08/1.000 habitantes [10].

As causas que levam ao evento quedas em idosos podem ser classificadas em fatores intrínsecos, que estão mais relacionados à etnia, ao processo de envelhecimento do próprio indivíduo como a idade, além da história de saúde com presença de polipatologia e polifarmácia, entre outras; fatores extrínsecos são os mais ligados ao ambiente interno e externo, onde o idoso vive e circula; e os fatores comportamentais, que se relacionam aos hábitos e atitudes de descuido dos idosos em face do risco de quedas [11].

Dessa forma, pontua-se que identificar fatores de risco associados a quedas entre usuários idosos é fundamental para prescrever práticas preventivas com cuidados alternativos mais efetivos, contornando eventos causadores de acidentes e evitando o desenvolvimento de dependência, ou até sua morte por quedas graves e as complicações subsequentes [6].

Considerando a multidimensão da vulnerabilidade de pessoas idosas a acidentes por queda, o presente estudo teve o objetivo de identificar, por meio da Caderneta de Saúde de Pessoas Idosas, o perfil de idosos vulneráveis a quedas que fossem residentes em contexto sociogeográfico específico de periferia de uma metrópole amazônica.

 

Métodos

 

Pesquisa de natureza exploratório-descritiva qualitativa, realizada com vistas a alcançar o objetivo proposto, desenvolvida no período de outubro de 2018 a março de 2019, com onze idosas residentes no bairro de Guamá, Belém, PA, frequentadoras de UBS (Unidade Básica de Saúde) e do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), localizados no mesmo bairro.

O bairro do Guamá faz parte do distrito mais populoso da capital paraense e se estende numa região de periferia empobrecida, com residências modestas e geralmente em precárias condições, onde famílias moradoras tendem a ser numerosas e carentes de acesso a cuidados de saúde, saneamento básico, educação, transporte público, entre outros serviços urbanos.

Segundo o Anuário de Belém 2018 [12] a população do bairro é de 94.610 habitantes, com significativo número de idosos, sendo um dos bairros com maior concentração de pessoas idosas, com 9,2 % de sua população. A capital do Estado do Pará, Belém está localizada ao nordeste do estado, a 120 km do mar e 160 km da linha do equador, com área territorial aproximada de 1.059,406 km² [12]. Sua população estimada para 2018, baseada no censo de 2010, é de 1.485.732 pessoas [13].

Amostra e critérios de inclusão e exclusão - As onze idosas participantes do estudo foram selecionadas entre aqueles que já haviam sofrido queda, portanto detentores de um dos fatores de risco para queda, proposto na Caderneta de Saúde de Pessoas Idosas. Foram identificadas entre idosos que circulavam na comunidade circundante ao CRAS e à UBS, no bairro de Guamá, usando-se a técnica “bola de neve” [14] para descobrir as unidades amostrais pretendidas no estudo.

Os critérios de inclusão foram: idosos de ambos os sexos, moradores do bairro do Guamá, com história de queda e aptidão cognitiva para participar do estudo conforme avaliação realizada pelo Miniexame do Estado Mental (MEEM) [15]. Os critérios de exclusão foram: não morar no bairro e não ser detentor de fator de risco – história de queda nos últimos tempos. Avaliação do estado cognitivo dos idosos foi necessário para confirmar a veracidade das respostas, além de que a cognição está diretamente associada ao risco de quedas devido à lentificação dos movimentos, menor tempo de reação frente aos desequilíbrios e alterações comportamentais.

O MEEM é um instrumento de aplicação rápida de rastreio ao comprometimento das funções cognitivas, por meio deste é possível analisar a orientação, memoria, evocação de palavras, cálculo, repetição, execução de comandos, leitura, escrita e habilidade motora. Em virtude da associação da escolaridade e os resultados obtidos, pessoas com distintos graus de instrução têm nota de corte diferentes [15].

Coleta de dados por meio da Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa (CSPI) - Os dados foram coletados por meio de aplicação da CSPI [6] seguindo todas as instruções do Manual de preenchimento da Caderneta [16]. Os dados assim coletados foram armazenados formando um banco de dados, utilizando como aporte o programa Microsoft Excel 2019, com o cuidado ético de respeito ao anonimato das participantes, substituindo seus nomes por um código identificador no registro de dados. Uma vez extraído seus dados, a Caderneta foi devolvida a cada idosa participante do estudo, a qual deverá continuar usando-a para acompanhamento de sua saúde pelo SUS, em todos os serviços onde seja atendida, como UBS e ESF, entre outros.

Essa Caderneta contempla: registro de dados pessoais; avaliação do idoso (medicamentos em uso e reações adversas/alergias, diagnósticos e internações, cirurgias realizadas, dados antropométricos, avaliação ambiental, quedas, hábitos de vida, identificação de idoso vulnerável pelo Vulnerable Elders Survey-13 (VES-13), identificação de dor crônica); controle de pressão arterial e de glicemia; calendário de vacinação; avaliação de saúde bucal; anotação de agendamento de consultas/exames e atualização da Caderneta.

Especificamente na identificação de idosos vulneráveis, a Caderneta inclui o VES-13, um protocolo desenvolvido por Saliba et al. [17]. É um instrumento capaz de identificar idosos vulneráveis residentes na comunidade. Foi traduzido transculturalmente para o português do Brasil e adaptado, com confiabilidade atinente à estabilidade e consistência interna de suas medidas [18]. Essas medidas se baseiam na idade, autopercepção de saúde e a relação de tópicos o fenótipo de fragilidade, além da capacidade funcional para o desempenho das atividades básicas e instrumentais da vida diária. Esse instrumento permite identificar idosos vulneráveis em diferentes níveis, contribuindo para priorizar seu acompanhamento e ações a desenvolver pela equipe de saúde [18].

Com relação aos critérios éticos, o estudo seguiu todos os princípios éticos para pesquisa com seres humanos normatizados pelo Conselho Nacional de Saúde, Resolução n. 466/12. Submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da UFPA, o projeto foi aprovado sob n. 2.728.397, com documento protocolado sob o n. CAAE 89614318.8.00000.0018.

 

Resultados

 

Onze idosas moradoras em área circunscrita de região empobrecida de periferia de metrópole amazônica, com história de queda no último ano, constituíram-se amostra da presente pesquisa. Seus dados, provenientes de registro na CSPI, foram analisados para caracterizar o estado de vulnerabilidade a acidentes por queda a que estão expostas em face de multidimensões dos fatores que concorrem no processo de envelhecimento, como de ordem biológica, psicossocial, socioeconômica e programática [2,3,19,20].

A amostra composta de 11 idosas, todas mulheres, idade entre 62 e 86 anos, predominantemente casadas e professando religião católica. Quanto à escolaridade, sete só frequentaram o ensino fundamental. Todas moravam com seus familiares; quando perguntadas sobre seu estado de ânimo, disseram sentir desânimo, tristeza, desesperança e solidão, mesmo não morando sozinhas. No tocante à renda mensal, recebiam aposentadoria ou pensão equivalente a 1 salário-mínimo.

No que tange à autopercepção da própria saúde, as respostas variavam de regular até boa, considerando não somente o sofrer ou não de doenças, mas também a qualidade de vida, comparando com o estado de saúde que observavam em seus pares em situações semelhantes de idade e condições de vida.

Quanto ao diagnóstico médico, dez idosas demonstravam presença de duas ou mais doenças, prevalecendo a hipertensão arterial como a mais frequente, e ainda diabetes mellitus, osteoporose e artrose. Foram avaliados aqui os fatores de risco para a ocorrência de quedas, como a presença de: polipatologia e polifarmácia, além da presença de deficiências, como distúrbios visuais e dificuldades na marcha.

Em relação aos dados antropométricos, sete idosas exibiam medida fora da estabelecida, com peso acima ou abaixo do considerado normal. Ao avaliar o perímetro da panturrilha, nove encontrava-se em estágio de acompanhamento ou de necessidade de atenção por parte da equipe de saúde por apresentar relativa perda de massa muscular, com risco de desenvolver fatores intrínsecos de risco de queda.

Já na avaliação específica de identificação do idoso vulnerável pelo VES-13, verificou-se que sete idosas se encontravam em nível inicial de desenvolver a dimensão física de vulnerabilidade a quedas, alertando a equipe de saúde para acompanhamento e atenção do estado daquela cliente, por haver obtido escores no instrumento de 1 a 3, pontuação que corresponde a idade acima de 75 anos e ter sofrido até duas quedas em um ano, ou presença de qualquer outro aspecto de fragilidade física.

Com base nas circunstâncias das quedas sofridas pelos idosas, identificaram-se sua prevalência no ambiente intra e extradomiciliar. Dentre as dez idosas que caíram dentro de casa, os locais com maior ocorrência foram banheiro, quarto e sala. E os acidentes ocorreram nas escadas sem corrimão, por desnivelamento do piso da casa, por uso de tapetes escorregadios e pela presença de animais domésticos no interior da casa. Já os riscos ambientais externos mais citados foram as calçadas esburacadas e desniveladas, presença de lixo nas ruas, inclusive caroços de açaí esparramados nas calçadas.

Quanto às consequências, as quedas sofridas pelas idosas nos últimos tempos, na maioria não produziram impacto algum, pois se mantiveram praticando suas atividades como antes da queda. O fato de não terem sofrido fraturas no acidente, por exemplo, levou-as a subestimar as quedas, não as motivando a precaverem-se contra eventuais acidentes graves no futuro.

 

Discussão

 

Na avaliação operada por meio de diretrizes da Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, de um grupo de idosas moradoras de uma área sociogeográfica urbana com escasso provimento de ações de políticas e programas sociais e de saúde, pode-se observar a interdependência de fatores de risco e áreas correspondentes de vulnerabilidade, predispondo idosas ao evento Quedas.

No aspecto da vulnerabilidade individual encontramos dados relativos ao sexo feminino como predominante em história pregressa de ter sofrido quedas; à idade das idosas, de 62 a 86 anos; às condições de saúde, com dados de comorbidade e polifarmácia, além de deficiências e desvios nos parâmetros físicos; aos comportamentos de risco das idosas para queda mesmo após acidentes; e autopercepção de saúde subjetiva entre regular e boa.

A tendência de predominância do sexo feminino se deve ao fato de a mulher sofrer maior impacto no processo de envelhecimento do que o homem; ter prevalência de certas doenças crônicas como a osteoporose, além da fragilidade física com perda de força muscular que são alguns fatores que contribuem para ocorrer o evento queda [2,19,21].

Ademais, a idade média das idosas de 75,5 anos com presença considerável do estrato de 75-84 anos conferiu às idosas desse grupo etário uma pontuação de idoso vulnerável, como um parâmetro de fragilidade revelado pelo VES-13. Literaturas apontam maior ocorrência de quedas em idosos com mais idade, dado o maior risco de incapacidade funcional e outras intercorrências desfavoráveis de saúde, podendo levar a danos mais graves, como hospitalização e óbito [2,11,19,21].

A comorbidade presente nas idosas, normalmente a hipertensão arterial como a mais frequente, seguida de diabetes mellitus e doença osteoarticular, aliada à polifarmácia, com uso de até cinco medicamentos, levaram à sua vulnerabilidade, predispondo-as ao evento queda, preceitos já consolidados na literatura geriátrica e gerontológica [8,11,19,22,23.24].

Quanto aos parâmetros físicos avaliados, as idosas participantes estão fora do padrão do índice de massa corpórea indicado pela OMS [6], além de a maioria apresentar o perímetro da panturrilha em estágio que requer da equipe de saúde atenção ou ação no seu acompanhamento. As medidas que constam na Avaliação da Pessoa Idosa na sua Caderneta, como o índice de massa corpórea e a circunferência da panturrilha, são indicadores do estado nutricional do idoso e utilizado devido à facilidade de aplicação e identificação de perda de massa muscular [16,25]. A redução de massa muscular tem como principal característica a diminuição do músculo esquelético podendo ocorrer manifestações clínicas que deixam os idosos mais suscetíveis a quedas, fraturas, incapacidade geral e hospitalização [25].

Em relação aos fatores comportamentais, as idosas que tiveram experiência de queda fora do ambiente domiciliar passaram a evitar algumas atividades, seja por medo de cair ou por cuidados protetores de seus familiares/cuidadores [26]. O medo de cair [27] dessas pessoas relaciona-se com possibilidade de fraturas graves, internações e perda da independência com consequências físicas, psicológicas e sociais. Porém, tal sentimento pode resultar em menor confiança no desempenho de suas atividades diárias, inclusive culminar em isolar-se socialmente. Já as idosas que caíram em ambiente doméstico não demonstraram mudança de comportamento, talvez por não antever consequências graves, encarando as quedas como coisa natural da velhice.

Quanto à vulnerabilidade social, os aspectos socioeconômicos e culturais estavam atuando na amostra estudada conforme visto na caracterização do perfil dessas idosas, residentes numa área de periferia urbana empobrecida como descrito na contextualização do estudo, além das condições especificadas de renda familiar de apenas um salário-mínimo, vivendo com familiares em residências precárias. Ao mesmo tempo, idosas referiam um estado de ânimo negativo e sentindo-se sozinhas na vida, mesmo vivendo com familiares. As idosas que necessitavam de alguma ajuda para sair às ruas revelavam não encontrar ajuda entre vizinhos e sem ter a quem recorrer.

Já no aspecto de ambiente doméstico, no que concerne a risco de acidentes por queda, verificou-se que as principais causas de quedas sofridas pelas idosas foram o uso de sandálias inadequadas, tapetes escorregadios, escadas sem corrimão, pisos desnivelados e escorregadios e, presença de animais soltos dentro de casa. Observou-se que, para as idosas, muitas dessas causas pareciam de difícil reorganização ambiental, como em caso de escadarias sem corrimão ou com degraus muito altos, pisos necessitando de ajustes, todos exigindo recursos financeiros de uma família que mal ganha para comer.

A maioria dos idosos no país [28] tem sua renda proveniente de pensões e aposentadorias, renda abaixo do custo de vida das metrópoles brasileiras, donde se infere que o fator socioeconômico interfere diretamente na qualidade de vida dessas idosas, cuja renda só dá para coisas básicas, como alimentação e remédios.

      Muitos fatores de risco ambientais intradomiciliares [29,30] poderiam ser eliminados com mudanças de comportamento por meio da educação; mas, na identificação com visão multidimensional de idoso, há que se considerar necessariamente um exame da interdependência de fatores que concorrem para predispor um idoso a se tornar vulnerável à queda, como a situação socioeconômica [2,7,19].

A vulnerabilidade programática está presente quando políticas, programas e serviços de saúde interferem no agravo do estado de saúde das pessoas ou de determinadas populações [2,3,19,20]. Essas organizações sociais onde indivíduos estão sujeitos às suas mediações, os fatores contextuais deficientes tendem a aumentar ainda mais sua vulnerabilidade individual e social.

Assim, na avaliação com enfoque nas multidimensões da saúde, as idosas da amostra, demonstraram seu estado de vulnerabilidade a quedas permeando a concorrência de deficiências de ordem estrutural dos serviços onde frequentavam, diante de dificuldades. Por exemplo, ao desejar reorganizar a casa com pequenas reformas para eliminar certos fatores de risco como escadas e pisos, não encontravam suporte nem encaminhamento efetivo para essa solução.

Também, quanto à não observância de mudança de comportamento nas idosas para prevenir riscos de queda, mesmo após já ter sofrido quedas, é um fato de possível influência de seu baixo nível de escolaridade, impedindo-as de compreender os ensinamentos de saúde ofertados pelos serviços, inadequados às suas condições de compreensão. Estudo populacional realizado em Uberaba [2] com idoso vivendo em comunidade analisou a relação entre os níveis de vulnerabilidade em saúde e fatores socioeconômicos e estruturais, demonstrou que a elevada vulnerabilidade se associava com baixa ou nula escolaridade, baixa renda e sexo feminino, dados semelhantes aos da presente pesquisa.

Em síntese, pôde-se traçar o perfil de um grupo de idosas moradoras num contexto específico da cidade, baseado em avaliação rápida multidimensional de saúde de idosas com enfoque nas questões do evento queda na velhice e as situações de vulnerabilidade a que elas se encontram expostas. Tal subsídio obtido demonstra a imprescindível realização de diagnóstico situacional com necessária abordagem dos fatores concorrentes à vulnerabilidade biológica, socioeconômica e cultural, e programática [23,31].

 

Conclusão

 

O objetivo do estudo para identificar o perfil de idosos vulneráveis a quedas que residissem no bairro de Guamá, região específica de periferia da capital do Pará, foi plenamente alcançado com uso dos dados registrados na Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa do Ministério da Saúde.

      Essa caderneta representa ferramenta eficiente porque armazena dados que permitem avaliação das multidimensões da saúde do idoso e permite analisá-los buscando a interdependência das diferentes variáveis e chegar a uma decisão clínica com diagnóstico e proposta de intervenções necessárias.

Considerando a atuação da Enfermagem de Atenção Básica a usuários idosos, os resultados da presente pesquisa permitiram conhecer o perfil que caracterizou o estado de vida e saúde de idosas moradoras de determinado bairro da cidade com enfoque específico no tema quedas, com sua experiência de vida, fatores de risco presentes para o acidente, vulnerabilidades para queda e comportamentos de práticas preventivas. Tal subsídio levantado constitui-se em base segura para estabelecer diagnóstico e intervenção de enfermagem, incluindo aqui grande ênfase à educação para o comportamento preventivo em cuidados da saúde. Tal ação de enfermagem deve contemplar ainda um trabalho coordenado com os demais profissionais da equipe de saúde a favor de uma atenção integral ao cidadão idoso.

 

Referências

 

  1. Carmo MEG, Francini L. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad Saúde Pública 2018;34(3). doi: 10.1590/0102-311X00101417 [Crossref]
  2. Bolina AF, Rodrigues RAP, Tavares DMS, Haas VJ. Fatores associados à vulnerabilidade social, individual e programático de idosos que vivem em comunidade. Rev Esc Enferm USP 2019;53:e03429. doi: 10.1590/S1980-220X2017050103429 [Crossref]
  3. Ayres JRCM, França Júnior I, Calazans GJ, Saletti Filho HC. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios [Monografia] [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003 p. 117-38. [cited 2019 Oct 19]. Available from: https://repositório.usp.br
  4. Organização Mundial da Saúde (OMS). Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) Administração da OMS. Envelhecimento saudável. [Internet]. 2019. [cited 2019 Oct 7] . Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5661:folha-informativa-envelhecimento-e-saude&Itemid=820
  5. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação de Saúde da Pessoa Idosa. - Diretrizes para o cuidado das pessoas idosas no SUS: proposta de modelo de atenção integral [Internet]. Brasília; Ministério da Saúde. 41 p. 2014. [cited 2019 Dec 5]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_cuidado_pessoa_idosa_sus.pdf
  6. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa. 4a edição. Brasília–DF: MS, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, 2017 [Internet]. [cited 2019 Dec 9]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/27/CADERNETA-PESSOA-IDOSA-2017-Capa-miolo.pdf
  7. Leitão SM, Oliveira SC, Rolim LR, Carvalho RP, Coelho Filho JM, Peixoto Junior AA. Epidemiologia das quedas entre idosos no Brasil: uma revisão integrativa de literatura. Geriatr Gerontol Aging 2018;12(3):172-81. doi: 10.5327/Z2447-211520181800030 [Crossref]
  8. Edelmuth SVCL, Sorio GN, Sprovieri FAA, Gali JC, Peron SF. Comorbidades, intercorrências clínicas e fatores associados à mortalidade em pacientes idosos internados por fratura de quadril. Rev Bras Ortop 2018;53(5):543-51. doi: 10.1016/j.rboe.2018.07.014 [Crossref]
  9. Abreu DRDOM, Novaes ES, Oliveira RRD, Mathias TADF, Marcon SS. Internação e mortalidade por quedas em idosos no Brasil: análise de tendência. Ciênc Saúde Coletiva 2018;23(4):1131-41. doi: 10.1590/1413-81232018234.09962016 [Crossref]
  10. Brasil. Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde - DATASUS, Sistema de Informações Hospitalares [Internet]. 2019. [cited 2019 Nov 19]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/fiPA.def
  11. Pereira SG, Santos CBD, Doring M, Portella MR. Prevalência de quedas no domicílio de longevos e fatores extrínsecos associados. Rev Latino-Am Enfermagem 2017;25(29):1-7. Available from: doi: 10.1590/1518-8345.1646.2900 [Crossref]
  12. Secretaria Municipal de Saúde de Belém. Plano Municipal de Saúde de Belém. Anuário de Belém. 2018. [Internet]. [cited 2020 Jan 11]. http://anuario.belem.pa.gov.br/wp-content/uploads/2019/03/Tabela-11-Demografia.pdf
  13. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2010 [Internet]. [cited 2019 Fev 13]. Available from: https://censo2010.ibge.gov.br/
  14. Vinuto JA. Amostragem em Bola de Neve na Pesquisa Qualitativa: um debate em aberto. Temáticas-Campinas 2014;22(44):203-20. doi: 10.20396/tematicas.v22i44.10977 [Crossref]
  15. Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci, SR, Juliano Y. O mini-exame do estado mental em uma população geral. Impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr 1994;52(1):1-7. doi: 10.1590/S0004-282X1994000100001 [Crossref]
  16. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual para utilização da Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas [Internet].Brasília: MS; 2018. [cited 2019 Dec 10]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2019/abril/05/manual-utilizacao-caderneta-pessoa-idosa--9-.pdf
  17. Saliba D, Elliott M, Rubenstein LZ, Solomon DH, Young RT, Kamberg CJ, et al. The Vulnerable Elders Survey: a tool for identifying vulnerable older people in the community. J Am Geriatr Soc 2001;49(12):1691-9. doi: 10.1046/j.1532-5415.2001.49281.x [Crossref]
  18. Maia FMOM, Duarte YAO, Secoli SR, Santos JLF, Lebrão ML. Adaptação transcultural do Vulnerable Elders Survey-13 (VES-13): contribuindo para a identificação de idosos vulneráveis. Rev Esc Enferm USP 2012;46(esp):116-22. doi: 10.1590/S0080-62342012000700017 [Crossref]
  19. Rodrigues NO, Neri AL.Vulnerabilidade social, individual e programática em idosos da comunidade: dados do estudo FIBRA, Campinas, SP, Brasil. Cienc Saúde Coletiva 2012;17(8):2129-39. doi: 10.1590/S1413-81232012000800023 [Crossref]
  20. Oliveira T, Baixinho CL, Henriques MA. Risco multidimensional de queda em idosos. Rev Bras Promoç Saúde 2018;31(2):1-9. doi: 10.5020/18061230.2018.7058 [Crossref]
  21. Pimenta CJL, Lima RJ, Costa TF, Bezerra TA, Martins KP, Leal NPDR. Prevalência de quedas em idosos atendidos em um centro de atenção integral. Rev Min Enferm 2017;21(45):1-8. https//doi.org/10.5935/1415-2762.20170055 [Crossref]
  22. Cruz DTD, Moreira DCF, Chaoubah A, Leite ICG. Fatores associados a quedas recorrentes em uma coorte de idosos. Cad Saúde Coletiva 2017;25(4):475-82. doi: 10.1590/1414-462x201700040081 [Crossref]
  23. Alves RLT, Silva CFM, Pimentel LN, Costa LDA, Souza ACDS, Coelho LAF. Avaliação dos fatores de risco que contribuem para queda em idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2017;20(1):59-69. doi: 10.1590/1981-22562017020.160022 [Crossref]
  24. Reis KMCD, Jesus CACD. Relationship of polypharmacy and polypathology with falls among institutionalized elderly. Texto Contexto Enferm 2017;26(2):e03040015. doi: 10.1590/0104-07072017003040015 [Crossref]
  25. Santos JLD, Trennepohl C, Rosa CB, Garces SBB, Myskiw JDC, Costa DH. Impact of sarcopenia, sedentarism and risk of falls in older people’s health self-perception. Fisioter Mov 2019;32:e003217. doi: 10.1590/1980-5918.032.ao17 [Crossref]
  26. Reis GFM, Jericó MC, Maloni AAS. Perfil de pacientes e indicadores de um serviço de atenção domiciliar. Enferm Bras 2021;20(2);191-205. doi: 10.33233/eb.v20i2.4210 [Crossref]
  27. Pena SB, Guimarães HCQ, Carvalho P, Lopes J, Guandalini LS, Taminato M, et al. Medo de cair e o risco de queda: revisão sistemática e metanálise. Acta Paul Enferm 2019;32(4):456-63. doi: 10.1590/1982-019420190006 [Crossref]
  28. Oliveira JS, Freitas SKS, Vilar NBS, Saintrain SV, Bizerril DO, Saintrain MCL. Influência da renda e do nível educacional sobre a condição de saúde percebida e autorreferida de pessoas idosas. J Health Biol Sci 2019;7(4):395-8. doi: 10.12662/2317-3076jhbs.v7i4.2343.p395-398.2019 [Crossref]
  29. Chehuen Neto JA, Braga NAC, Brum IV, Gomes GF, Tavares PL, Silva RT, et al. Percepção sobre queda e exposição de idosos a fatores de risco domiciliares. Ciênc Saúde Coletiva 2018;23(4):1097-1104. doi: 10.1590/1413-81232018234.09252016 [Crossref]
  30. Gamage N, Rathnayake N, Alwis G. Knowledge and perception of falls among community dwelling. Current Gerontology and Geriatrics Research 2018;1-8. doi: 10.1155/2018/7653469 [Crossref]
  31. Lindemann IL, Reis NR, Mintem GC, Mendonza-Sassi RA. Autopercepção da saúde entre adultos e idosos usuários da Atenção Básica de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2019;24:45-52. doi: 10.1590/1413-81232018241.34932016 [Crossref]