Enferm Bras 2022;21(1):75-91
REVISÃO
Qualidade de vida das
pessoas que vivem com o vírus da imunodeficiência adquirida: estudo
bibliométrico
Pedro Henrique Melo*,
Silvana Cavalcanti dos Santos, M.Sc.**, Claudia
Daniele Barros Leite Salgueiro, D.Sc.***, Valdirene
Pereira da Silva Carvalho, M.Sc.**, Ana Karine
Laranjeira de Sá, M.Sc.**
*Discente do Bacharelado
em Enfermagem do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Pernambuco/IFPE, **Enfermeira, Professora e Pesquisadora do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco/IFPE, Departamento do
Bacharelado em Enfermagem, Pesqueira, PE, ***Docente e Pesquisadora do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco/IFPE,
Pesqueira, PE
Recebido em 9 de agosto de
2021; Aceito em 14 de novembro de 2021.
Correspondência: Silvana Cavalcanti dos Santos,
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE),
Campus Pesqueira, Departamento do Bacharelado em Enfermagem, BR 232, Km 214,
Loteamento Redenção 52000-000 Pesqueira PE
Pedro
Henrique Melo Alves: alvespedro113@gmail.com
Silvana
Cavalcanti dos Santos: silvana@pesqueira.ifpe.edu.br
Cláudia
Daniele Barros Leite Salgueiro: claudia.leite@pesqueira.ifpe.edu.br
Valdirene
Pereira da Silva Carvalho: valpscarvalho@yahoo.com.br
Ana Karine
Laranjeira de Sá: aklenf@hotmail.com
Resumo
O perfil epidemiológico das
pessoas que vivem com HIV vem passando por um processo de mudança, no qual se
percebe uma redução da mortalidade e aumento da longevidade junto ao índice de
morbidades, o que influencia de forma significativa nos indicadores de
qualidade de vida desta população. O presente estudo tem por objetivo verificar
como a literatura científica classifica a qualidade de vida, bem como os
instrumentos utilizados para mesurar a qualidade de vida de pessoas que vivem
com HIV. Métodos: Foram utilizadas as bases de dados científicos, Pubmed e Lilacs. Para a análise
bibliográfica, foi utilizado um formulário estruturado, validado por Ursi (2005) e adaptado para as peculiaridades das questões
norteadoras selecionadas. Foram analisadas as seguintes variáveis: instrumento
para conceituação de QV utilizado na coleta de dados, resultados, conclusão,
nível de evidência da pesquisa, e a intervenção. Resultados: A amostra
final contou com 21 artigos, e os domínios mais citados nas pesquisas foram o
físico, o social e o psicológico, respectivamente. Observou-se em 60% dos
artigos que o tratamento antirretroviral é um dos fatores que impactam a
qualidade de vida e ao mesmo tempo é a causa de morbidades na população. Conclusão:
Percebeu-se que a qualidade de vida é influenciada por vários fatores, dentre
eles o apoio e acolhimento efetivo no que tange a evasão da terapia antirretroviral.
Ante os efeitos adversos, cabe ao estado promover políticas públicas efetivas
no encorajamento do tratamento reduzindo a evasão, bem como a educação
permanente dos profissionais que atuam na rede multidisciplinar, a fim de
fortalecer vínculos, ofertando apoio social efetivo para as pessoas que vivem
com HIV.
Palavras-chave: soropositividade para HIV; qualidade
de vida, Enfermagem.
Abstract
Quality of life of people
living with the acquired immunodeficiency virus: a bibliometric study
The epidemiological
profile of people living with HIV has been
undergoing a process of change, in which
there is a reduction in mortality and increased longevity
along with the morbidity rate, which significantly influences the quality of life
indicators of this population. This study aims
to verify how the scientific
literature classifies the quality of
life, as well as the instruments used to measure
the quality of life of
people living with HIV. Methods: Scientific databases, Pubmed and Lilacs were
used. For the bibliographical analysis, a structured form was used, validated
by Ursi (2005) and adapted to
the peculiarities of the selected
guiding questions. The following variables were analyzed: instrument for conceptualizing
QOL used in data collection,
results, conclusion, level of research
evidence, and intervention. Results: The
final sample had 21 articles,
the most cited domains in the surveys were
the physical, social and psychological, respectively. It was observed in 60% of the articles that
antiretroviral treatment is one of
the factors that impact the
quality of life and, at
the same time, it is the cause of
morbidity in the population. Conclusion: It
was noticed that the quality
of life is
influenced by several factors, including the support
and effective care in terms of
evasion of antiretroviral therapy. In view of the
adverse effects, it is up to the
state to promote effective public policies to encourage treatment by reducing dropouts,
as well as the continuing education of professionals who work in the
multidisciplinary network, in order
to strengthen bonds, offering effective social support for people living with HIV.
Keywords: HIV seropositivity;
quality of life; Nursing.
Resumen
Calidad de vida de las
personas que viven con el virus de la
inmunodeficiencia adquirida: un
estudio bibliométrico
El perfil epidemiológico de las personas que viven con el VIH ha
experimentado un proceso de
cambio, en el que se
observa una reducción de la
mortalidad y un aumento de la longevidad junto con la tasa
de morbilidad, lo que influye significativamente en los indicadores de calidad de
vida de esta población. Este estudio
tiene como objetivo verificar cómo
la literatura científica clasifica
la calidad de vida, así como los instrumentos
utilizados para medir la calidad
de vida de las personas que viven
con el VIH. Métodos:
Se utilizaron bases de datos
científicas, Pubmed y Lilacs.
Para el análisis
bibliográfico se utilizó un
formulario estructurado,
validado por Ursi (2005) y adaptado a las peculiaridades de las
preguntas orientadoras seleccionadas. Se analizaron las siguientes variables: instrumento
de conceptualización de la
CV utilizado en la recolección de datos, resultados,
conclusión, nivel de
evidencia de la investigación
e intervención. Resultados: La muestra final contó con 21 artículos, los dominios más citados en las encuestas fueron
el físico, social y psicológico, respectivamente. Se observó en el
60% de los artículos que el
tratamiento antirretroviral es uno de los factores que impactan en la
calidad de vida y, al mismo
tiempo, es la causa de morbilidad en la
población. Conclusión:
Se notó que la calidad de vida está influenciada por varios
factores, entre ellos el apoyo y la
atención eficaz en términos
de evasión de la terapia
antirretroviral. Ante los efectos
adversos, le corresponde al Estado promover políticas
públicas efectivas que incentiven
el tratamiento mediante la reducción de la deserción, así
como la formación continua
de los profesionales que laboran en la
red multidisciplinaria, con el fin
de fortalecer los lazos, ofreciendo un apoyo
social efectivo para las
personas que viven con el VIH.
Palabras-clave: seropositividad para VIH; calidad de vida, Enfermería.
O avanço
das pesquisas na área das Ciências Médicas, com práticas baseadas em evidências
científicas, aliado ao amplo acesso à saúde por meio de políticas públicas de
saúde locais e globais proporcionou um aumento na expectativa de vida da
população. Algumas doenças letais tornaram-se curáveis, e quadros clínicos de
condições crônicas que os tratamentos não curam proporcionam o controle de
sintomas ou um retardo do curso natural da doença. Nessa perspectiva, passou a
ser de grande relevância identificar e mensurar as formas de como as pessoas
vivem esses anos a mais. Assim, a partir da década de 70 surge o termo
qualidade de vida [1].
O termo
Qualidade de Vida (QV) é polissêmico com amplas discussões no meio científico,
uma vez que diversas áreas se propõem a pesquisar e discutir o conceito de QV
[2]. Ao analisar sua etimologia, o termo qualidade vem do latim qualis, relacionado com o modo de ser de alguma coisa, do
ponto de vista de si, do outro, do coletivo, apresenta assim aspectos negativos
ou positivos. No entanto, quando é abordado o termo qualidade de vida se remete
a algo bom, positivo, pleno. Nesse sentido, qualidade de vida é definido como
um processo de autopercepção diante de sua condição de vida frente às questões
socioculturais e econômicas e sua relação com seus objetivos, expectativas,
planos [3].
Dentre as
condições clínicas que não têm cura, encontra-se o Vírus da Imunodeficiência
Humana (HIV) causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).
Descoberta no Brasil em meados da década de 80, a infecção viral causada pelo
HIV ataca o sistema imunológico, e inicia o processo de replicação o DNA dos
Linfócitos T CD4, que, por sua vez, são responsáveis pela defesa do organismo.
Uma vez replicado, realiza o processo de reprodução, multiplicando-se em larga
escala até romper os linfócitos em busca de novas células saudáveis para
continuar o processo de infecção.
Vale
salientar que viver com o HIV não é viver com Aids, pois existem pessoas que
são infectadas e não desenvolvem a síndrome, porém podem transmitir o vírus
para outras pessoas através de relações sexuais sem proteção, pelo
compartilhamento de seringas, de forma cruzada durante a gravidez e na
amamentação [4].
A
infecção do HIV vem crescendo de forma constante em escala global. Projeções do
nível de infecção publicadas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre
HIV/AIDS (UNAIDS) estimam que, no ano de 2018, cerca de 44 milhões de pessoas
estavam infectadas pelo HIV no mundo [5]. No ano de 2018, no Brasil, foram
diagnosticados 43.941 novos casos de HIV e 37.161 casos de aids – notificados
no Sinan (Sistema de Informação de Notificação e Agravos), o que totaliza
966.058 casos de aids detectados no país, desde a década de 80 até junho de
2019 [6].
Em 2016,
os relatórios da Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) demonstraram que 50% da
população brasileira com HIV faziam uso da medicação antirretroviral,
demonstrando um grande avanço no manejo terapêutico do HIV, pois o perfil
epidemiológico das PVHIV vem modificando, e percebe-se uma redução da
mortalidade e aumento da longevidade. Porém, o índice de morbidades aumentou,
influenciando, dessa forma, na qualidade de vida [7]. Ante o exposto, o
presente estudo tem por objetivo, identificar, por meio da literatura
científica, como as pesquisas abordam a qualidade de vida de pessoas com HIV em
nível mundial.
A
metodologia adotada na pesquisa foi uma revisão integrativa (RI) de literatura,
que é caracterizada como uma ampla abordagem metodológica referente às
revisões, e ocorre a integração entre estudos experimentais e não-experimentais
para um entendimento completo do fenômeno analisado [8].
Para a
sua realização, foram seguidas as seguintes etapas: definição da questão
norteadora do estudo, estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão,
definição das informações que serão removidas dos estudos selecionados, análise
e interpretação dos estudos que compõem a amostra, síntese dos resultados e
apresentação da revisão [8].
A pergunta
norteadora estabelecida foi, “como as pesquisas tipificam a Qualidade de Vida
de Pessoas que vivem com HIV?”. Foram utilizadas as bases de dados: Pubmed (US National Library of Medicine National Institutes of Health) e Lilacs (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências
da Saúde). Ademais, os descritores pesquisados nos DeCS
(Descritores de Ciências da Saúde) “soropositividade para HIV”; “Qualidade de
vida” e seus respectivos sinônimos. Utilizou-se também o Mesh:
“HIV seropositivy” e “Quality
of Life”.
Entre os
sinônimos dos descritores, utilizou-se o conectivo boleano
OR, com o objetivo de aumentar o retorno das bases relacionado à temática
proposta, na mesma base seguiu-se com o cruzamento dos sinônimos de cada
descritor com o conectivo boleano AND, como dispostos
no Quadro 1. Dessa forma, as bases de dados retornaram uma quantidade
significativa de conteúdos quando utilizando apenas o descritor principal, ou
seja, sem os seus respectivos sinônimos.
Quadro 1 - Cruzamento dos descritores nas
bases de dados Lilacs (DeCS)
e Pubmed (MeSH)
Na
análise dos artigos, foram levados em consideração os critérios de inclusão e
exclusão. Como critério de exclusão, adotou-se: artigos sem acessos (por serem
pagos, ou sem acesso nas bases) repetidos, incompletos, além de teses,
dissertações, monografias, resumos simples, revisões da literatura. Os
critérios de inclusão foram: artigos que abordavam a qualidade de vida de
pessoas com HIV, pesquisas de campo.
Na
análise dos artigos, foi utilizada uma adaptação do instrumento de Ursi [9], protocolo já referendado entre enfermeiros, e
verificou-se as seguintes variáveis: país de publicação, idioma, instrumento,
área de publicação, tipo de estudo, instrumento utilizado na coleta de dados,
resultados, conclusão e o nível de evidência da pesquisa. Acrescentou-se ao
instrumento, o inventário/teste utilizado, e a intervenção percebida pelos
pesquisadores que exerceram influência na qualidade de vida.
Em
seguida, na etapa de tratamento dos dados, percebeu-se que os estudos são
norteados por 04 (quatro) domínios relacionados a qualidade de vida de pessoas
que vivem com HIV, sendo eles: bem-estar, psicológico (emocional), físico
(orgânico), social e econômica.
Dos 58
artigos selecionados para leitura, 90% dos artigos eram internacionais, na
língua inglesa, foi feita a leitura na íntegra de todos, porém os artigos que
contemplavam os critérios de inclusão, foram 21 artigos, dos quais 14 da Pubmed e 7 da Lilacs (fluxograma 1).
Fluxograma 1 – Quantitativo de artigos encontrados
no levantamento de dados
Quanto ao
país de publicação dos artigos, 11 pesquisas foram divulgadas nos Estados
Unidos da América (EUA), China com 3 publicações e o Brasil, Inglaterra e
África do Sul com 2 publicações. Rússia, Japão, Portugal, Vietnã, Tailândia e
Holanda apresentaram uma publicação. No ano de 2018 a China foi considerada o
país que mais publicou artigos científicos, os norte-americanos aparecem em
seguida, e o Brasil ocupa a 12° colocação.
Embora a
China venha publicando mais artigos nos últimos anos, os EUA são considerados
uma potência acadêmica e científica de muita relevância mundial, pois os
investimentos em ciência e tecnologia favorecem a produção científica de
qualidade [10].
No que se
refere aos anos de publicação (gráfico 01), percebe-se que em 2012, foi o ano
com mais publicações, quando comparados aos anos anteriores. No início dos anos
2000, o perfil epidemiológico passou por um processo de modificações em relação
a sobrevida das pessoas que vivem com HIV, uma vez que foram reduzidos o número
de óbitos e aumentou o acesso a terapia antirretroviral, bem como o processo de
planejamento, ações estratégicas e estabelecimento de metas pela OMS,
especialmente após o ano de 2010 [11]. O crescente interesse da comunidade
acadêmica pelas pesquisas sobre QV de pessoas que vivem com HIV, oportunizou a
produção e o uso de instrumentos validados e confiáveis para mensurar a QV.
Gráfico 1 - Quantidade de artigos em relação
aos anos de publicação
Quanto à
avaliação do nível de evidência cientifica dos estudos analisados, a Prática
Baseada em Evidência (PBE) estabelece uma hierarquia no que tange a qualidade
do estudo, sendo classificado de 1 a 6, da seguinte forma: Nível 1: evidências
resultantes da meta-análise de múltiplos estudos clínicos controlados e
randomizados; - Nível 2: evidências obtidas em estudos individuais com
delineamento experimental; - Nível 3: evidências de estudos
quase-experimentais; Nível 4: evidências de estudos descritivos (não-experimentais)
ou com abordagem qualitativa; Nível 5: evidências provenientes de relatos de
caso ou de experiência; Nível 6: evidências baseadas em opiniões de
especialistas. No presente estudo, percebeu-se que 55% das pesquisas
apresentaram nível de evidência 4 e 45% nível de evidência 3 [8].
Quanto ao uso dos instrumentos para mensurar a
qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV, foram identificados 16 tipos de
instrumentos (Quadro 2), sendo o mais utilizado, o Whoqol
– HIV - Bref.
Quadro 2 – Mensuração da qualidade de vida
A análise
da qualidade de vida é um processo multidimensional em relação à existência
humana, pois na área do conhecimento sobre qualidade de vida é importante
considerar uma relação intrínseca entre o indivíduo, a natureza e o ambiente no
qual está inserido. Nesta perspectiva, a qualidade de vida é mensurada através
de instrumentos com questões objetivas, as quais são subdividas em domínios,
assim organizam de forma estratégica e direcionada as perguntas [31]. Cada
instrumento apresenta domínios diferentes, porém com o mesmo objetivo,
tipificar a qualidade de vida. No contexto das pessoas que vivem com HIV,
torna-se essencial o uso de instrumentos validados e confiáveis [28,31].
Dentre os
instrumentos utilizados nas pesquisas da amostra, tanto o Whoqol-
Bref – HIV [14,15,23,25,30] como o Short Form (SF) [14,23,25,29,30] foram citados em 29% dos
artigos, e o SF foi utilizado em 3 versões diferentes, o SF – 36 foi utilizado
em 2 estudos, assim como o SF 12. E o SF-21 foi utilizado em apenas um estudo.
O instrumento
WHOQOL-HIV Bref avalia a qualidade de vida através de
seis domínios (Físico, Psicológico, Nível de Independência, Relações Sociais,
Ambiente e Espiritualidade) e a qualidade de vida geral, além de apresentar
itens, em cada domínio, direcionados a condição de saúde das pessoas que vivem
com HIV [32]. Os escores dos domínios possibilitam eleger as áreas de QV
inaceitável e/ou ruim, que possibilitam a identificação de áreas problemáticas,
subsidiando a construção de políticas públicas, para sanar tais dificuldades.
O SF é um dos instrumentos mais utilizados
para mensurar a qualidade de vida de qualquer pessoa, esteja ela com algum
problema de saúde ou não, dentre as versões mais utilizadas encontra-se o
SF-36, por sua vez é um instrumento mais resumido, objetivo e bem direcionado.
Diferente do WHOQOL-HIV-Bref, o SF-36 apresenta oito
domínios (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde,
vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental) [33]. Já o
SF-12 foi criado com o objetivo de coleta de dados de forma mais rápida
comparado com o SF-36, o instrumento avalia oito diferentes dimensões, e os
itens são direcionados para as últimas quatro semanas do indivíduo entrevistado
[31].
Os
instrumentos apresentam as perguntas organizadas em domínios, com o objetivo de
analisar as interfaces do indivíduo, adotando-se de uma visão holística,
observando, não só as necessidades físicas, mas o seu contexto social,
econômico, psicológico e espiritual. Quando analisados os domínios abordados
nas pesquisas indicadas, percebeu-se que o domínio psicológico prevalece em 60%
das pesquisas, seguido do domínio físico presente em 46% dos artigos e 54% dos
artigos abordaram o domínio social, vale salientar que alguns estudos
analisaram mais de 1 domínio, principalmente as pesquisas que utilizaram os
WHOQOL-HIV-Bref nas coletas e análises dos dados.
Sinalizando-se
a densidade de análise da qualidade de vida, a consideração multidimensional, e
a avaliação de facetas envolvendo fenômenos da existência humana, a relação
intrínseca entre o indivíduo, a natureza e o ambiente no qual está inserido,
importa-nos descrever os domínios de QV creditados na presente pesquisa.
Domínio psicológico
O ser
humano é composto não só por dimensões físicas, mas por dimensões psicológica e
espiritual, as quais fundamentam a visão holística do indivíduo no processo de
cuidado. Na década de 90, o sistema de saúde pautado numa visão medicocentrada e biologicista foi
altamente criticado. Foi ampliado o debate acerca do conceito saúde que, para a
OMS, não significa apenas a ausência de morbidades, ou seja, vai além do
bem-estar físico, pois deve-se levar em consideração o bem-estar psicológico,
ambiental e espiritual [1].
As
experiências de PVHA, desde a década de 80, são permeadas de muito estigma e
preconceito, e acabam sendo situações de gatilhos para o desenvolvimento de
alguma morbidade mental, pois sentimentos de ansiedade e depressão são maiores
em PVHA quando comparada com as pessoas que não vivem com HIV [12,17,22,26]. O
processo discriminatório faz com que uma PVHA seja excluída da sociedade,
influenciando no mercado de trabalho, como mostra estudo que mais de 50% da
amostra pesquisada encontrava-se desempregado [15]. A falta de emprego ou o medo
de perder são gatilhos para desequilíbrio emocional, deixando o indivíduo
vulnerável para o adoecimento mental, influenciando de forma significativa a
percepção de qualidade de vida [17].
A
qualidade de vida sexual também é citada nos artigos como um fator que
influencia tanto na dimensão física como psicológica, percebe-se que 70% das
PVHA contraíram HIV através de relações sexuais sem proteção [14]. Quanto a
qualidade de vida sexual, um estudo realizado no Quênia notou que QV foi maior
nos homens que nas mulheres, pois os homens apresentam múltiplos parceiros,
diferente das mulheres, pois, dependendo da terapia utilizada, altera a libido
da mulher [13]. Um dos fatores que influenciam na QV sexual é o uso de
preservativo, pois além de evitar a reinfecção e aumento da carga viral também
previne das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). Estudo realizado na China
(A10) mostrou que a QV é maior em PVHA sem DST
quando comparada as pessoas com DST [19,26].
Domínio físico
A
evolução clínica do HIV ocorre em 4 fases, sendo elas: infecção aguda,
assintomática ou fase de latência clínica e aids. Amostra de estudo realizado
em regiões culturalmente, demograficamente diferenciadas, contou com
HIV-assintomático (41,1%), HIV sintomático (33,1%) e AIDS (24,8%) [21], mais de
50% PVHA apresentam sintomas como dor e desconforto, energia e fadiga, sono e
descanso. As PVHA sintomáticas apresentaram menor escore de qualidade de vida,
devido às limitações para exercer algumas atividades
devido ao desempenho físico debilitado [17,34].
Uma das
queixas que interferem na QV de pessoas que vivem com HIV é dor aguda. Estudo
envolvendo países da Ásia e da América Latina apresentou os maiores escores de
dor (A12) [23]. A sensação de dor é individual e exclusiva para cada indivíduo
e sofre influência sensorial, cognitiva, comportamental e social. É essencial
verificar a duração da dor, por exercer uma influência significativa na
qualidade de vida [33].
No final
da década de 80, foi criada a Terapia Antirretroviral (TARV), com o objetivo de
evitar deficiência imunológica, a progressão clínica do vírus do HIV e a
supressão viral. A TARV é a combinação de fármacos, os quais apresentam
vários efeitos adversos, fazendo do processo de evasão ao tratamento seja algo
frequente. Cerca de 80% dos artigos trazem a TARV como um fator que influência
na qualidade de vida das PVHA, principalmente no domínio físico.
Com a
implementação da terapia antirretroviral, a taxa de letalidade de PVHA foi
reduzida, acontecendo o processo de envelhecimento das pessoas infectadas,
alguns problemas crônicos de saúde começam a aparecer a partir dos 50 anos.
Além do contexto social em que a pessoa idosa está inserida, o quadro de
infecção por HIV favorece o surgimento de mais eventos estressores, o que acaba
desequilibrando de forma emocional, refletindo, desta forma, na condição
física, sobretudo no desempenho no emprego [20,23,28].
O
processo de adoecimento apresenta-se como um desafio para a PVHA, devido à
fragilidade imunológica, deixa o corpo mais vulnerável a doenças oportunistas.
A infecção por HIV causa impacto na vida das pessoas, principalmente com
histórico de alguma doença crônica [27].
Uma das
estratégias adotadas para que a PVHA mantenha sua qualidade de vida é o uso da
TARV. Estudo realizado na China (A04) [15], em 2016, observou que além do
suporte social, as pessoas que iniciam a TARV apresentam um maior escore de
qualidade de vida [19], corroborando também com uma pesquisa experimental,
realizada na África do Sul [17,19].
Um estudo
realizado em Amsterdam (A9) [20], sobre o uso da TARV, comparou dois grupos, um
dos grupos recebeu a terapia na 8ª. semana e apresentou sintomas de náuseas,
diarreia, dor abdominal, dor no estômago e tontura, na 96° semana de tratamento,
as queixas sintomáticas foram menores [18], em contrapartida muitas PVHA
abandonam o tratamento, chegam a apresentar um tempo médio de 3,94 ano de
cumprimento do tratamento, por alterar o corpo físico, as emoções e o
desenvolvimento de atividades diárias [19,27].
Domínio social
Estudo
realizado na Tailândia afirmou que apenas o resultado soropositivo para o HIV
não influencia na qualidade de vida e no suporte social, porém no mesmo estudo
percebe-se um aumento do suporte social com o tempo [25], em contrapartida um
estudo realizado nos EUA identificou a necessidade do apoio social e
rastreamento de PVHA, com o objetivo de evitar possíveis quadros depressivos
[22].
O impacto
do estigma e preconceito influência na QV. O estudo (A15) [26] destaca a
necessidade de se pensar em estratégias que venham a melhorar o acesso e a
interdisciplinaridade do trabalho em rede, pois quando inserido em um ambiente,
social, amigável, sem intolerância, são efetivos para um processo de
enfrentamento do quadro de saúde-doença positivo.
Pesquisas
realizadas na China evidenciam a necessidade da assistencial social, além das
intervenções psicológicas estarem alinhadas com a TARV, uma vez que esse
processo de cuidado em rede multidisciplinar evita a grande evasão ao tratamento
[19]. O apoio social exerce uma influência direta na qualidade de vida, pois o
processo de aceitação e enfrentamento da doença está relacionada com as
relações sociais construída pelo usuário [14].
Quanto as
intervenções observadas e experimentadas, percebeu-se que 63% dos artigos
trouxeram intervenções que exerceram uma influência significativa no aumento do
escore de qualidade de vida, 60% dos artigos perceberam que a Terapia
Antirretroviral influenciou na qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV,
mesmo com os efeitos colaterais dos fármacos e em 8% dos artigos o suporte
social apareceu como um fator potencial para o aumento da qualidade de vida de
pessoas que vivem com HIV, principalmente em situações de extrema
vulnerabilidade social e econômica.
A partir
do estudo foi possível perceber que a longevidade das PVHA vem aumentando. Este
processo deve-se à ampliação do acesso a TARV, uma vez que ela exerce um
controle na replicação viral, evitando a fragilização da janela imunológica,
assim as pessoas passaram a viver mais, porém para análise da qualidade de vida
é necessário observar as múltiplas facetas do ser humano. Nesta perspectiva,
pode-se afirmar que as PVHA apresentaram qualidade de vida geral de moderada a
ruim.
O uso da TARV
foi citado em muitos estudos, principalmente de como ele oportuniza uma melhor
qualidade de vida, mas apresentam uma série de eventos adversos, levando a
alterações físicas, o que limita a execução das atividades diárias e o
desempenho no mercado de trabalho, levando à evasão do tratamento. Outros
eventos estressores podem levar a um quadro de sofrimento/adoecimento mental e
o apoio social por vezes não é efetivo.
Portanto,
a QV das PVHA é influenciada por vários fatores, dentre eles a assistência e acompanhamento
em uma rede interdisciplinar. É importante o incentivo de pesquisas na área da
qualidade de vida das PVHA, para o fortalecimento de políticas públicas e
intervenções efetivas, para promoção de uma qualidade de vida e saúde, rompendo
barreiras construídas pelo estigma e o preconceito.
Conflito
de interesse
Nenhum
conflito de interesse para este artigo
Fontes
de financiamento
Não houve
suporte financeiro para este artigo
Contribuição
dos autores
Elaboração
e concepção do manuscrito: Alves PHM, Santos SC, Salgueiro CDBL, Carvalho VPS, Sá
AKL; Interpretação dos dados e resultados: Santos SC, Sá AKL; Revisão
do texto: Alves PHM, Santos SC, Salgueiro CDBL, Carvalho VPS; Revisão
crítica do manuscrito: Carvalho VPS