Enferm
Bras 2022;21(1):18-28
ARTIGO ORIGINAL
Tentativa de suicídio e uso de
psicotrópicos como agente de intoxicação em idosos notificados pelo Centro de
Referência em Saúde do Trabalho de São José do Rio Preto, São Paulo, 2015-2017
Luísa Gomes*, Fernanda Paula de Carvalho*, Camila Garcel Pancote**, Natália Sperli Geraldes Marin dos Santos Sasaki**,
Maria de Lourdes Sperli Geraldes Santos***
*Faculdade de Medicina de São José do
Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto, SP, **União das Faculdades dos
Grandes Lagos, São José do Rio Preto, SP, ***Departamento de Enfermagem-FAMERP,
São José do Rio Preto, SP
Recebido em 16 de agosto de 2021; Aceito
em 28 de janeiro de 2022.
Correspondência: Camila Garcel
Pancote, Estrada Vicinal Alcides Augusto Ávila, 1001,
Fazenda Retiro, São José do Rio Preto SP
Luísa Gomes:
luisagomesh@gmail.com
Fernanda Paula de
Carvalho: f.paula.c@hotmail.com
Camila Garcel Pancote:
camilapancote@hotmail.com
Natália Sperli Geraldes Marin dos Santos Sasaki:
nsperli@gmail.com
Maria de Lourdes Sperli Geraldes Santos: mlsperli@gmail.com
Resumo
Objetivo: Analisar os aspectos associados à
tentativa de suicídio e o uso de psicotrópicos como agente de intoxicação entre
idosos. Métodos: Pesquisa analítica, descritiva, retrospectiva, com
abordagem quantitativa a partir de registros de casos de intoxicação do Sistema
de Informações sobre Agravos de Notificação, no período de 2015-2017. Foi
realizada uma análise de associação com uso de qui-quadrado
de Pearson ou Fischer. Resultados: Observa-se associação entre tentativa
de suicídio e faixa etária entre 60-69 anos (60,1%), uso de psicotrópico
(61,3%), hospitalização (52,9%); uso de psicotrópico com hospitalização (47,1%)
e medicamentos (44,7%) foram associados a tentativa de suicídio. Antiepiléticos
(35,6%), ansiolíticos e hipnóticos/sedativos (21,1%) foram os mais
predominantes entre os agentes toxicantes. Conclusão:
A faixa etária entre 60-69 anos, o uso de psicotrópico e a hospitalização foram
associadas à tentativa de suicídio entre idosos revelando a importância de
ações estratégicas para a prevenção e monitoramento destas ocorrências.
Palavras-chave: envelhecimento; tentativa de suicídio;
intoxicação; psicotrópicos.
Abstract
Suicide attempt
and use of psychotropic drugs as an intoxication agent in the elderly reported
by the Reference Center for Occupational Health of São José do Rio Preto, São
Paulo, 2015-2017
Objective: To
analyze the aspects associated with suicide attempt and use of psychotropic
drugs as an intoxication agent among the elderly. Methods: Descriptive
retrospective analytical research, with a quantitative approach developed from
records of intoxication cases present in Information System on Notifiable
Diseases in the period of 2015-2017. An association analysis was performed
using Pearson's or Fischer's chi-square. Results: There is an
association between suicide attempt and age group between 60-69 years (60.1%),
use of psychotropic drugs (61.3%), hospitalization (52.9%); use of psychotropic
drugs with hospitalization (47.1%) and medication (44.7%) were associated with
suicide attempted. Antiepileptics (35.6%), anxiolytics and hypnotics/sedatives
(21.1%) were the most prevalent among toxic agents. Conclusion: The age
group between 60-69 years, the use of psychotropic drugs and hospitalization
were associated with suicide attempted among the elderly, revealing the
importance of strategic actions for the prevention and monitoring of these
occurrences.
Keywords: aging;
suicide attempt; intoxication;
psychotropic drugs.
Resumen
Intento de suicidio
y uso de psicofármacos como intoxicante en ancianos reportado por el Centro
de Referencia de Salud
Ocupacional de São José do Rio Preto, São Paulo, 2015-2017
Objetivo: Analizar los aspectos relacionados con el intento de suicidio por uso de
psicotrópicos como agente de intoxicación entre
personas mayores. Métodos: Investigación
analítica, descriptiva, retrospectiva, con tratamiento cuantitativo desarrollado a
partir de registros de casos de intoxicación con base en Sistema de Informaciones sobre Agravios de Notificación, durante el período
de 2015-2017. Se realizó un
análisis de asociación
utilizando chi-cuadrado de Pearson o Fischer. Resultados:
Se observa asociación entre intento de suicidio y grupo de edad entre
60-69 años (60,1%), uso de psicofármacos (61,3%), hospitalización (52,9%); el uso
de psicofármacos con hospitalización
(47,1%) y medicación (44,7%) se asoció
con intento de suicidio.
Los antiepilépticos (35,6%), ansiolíticos e hipnóticos / sedantes (21,1%) fueron los más prevalentes entre los agentes tóxicos. Conclusión:
El grupo de edad entre 60-69 años,
el uso de psicofármacos y la
hospitalización se asociaron
con el intento de suicidio entre los ancianos, revelando la importancia de las acciones estratégicas para la prevención y seguimiento de estos sucesos.
Palabras-clave: envejecimiento; intento de suicidio; intoxicación;
psicotrópicos.
A tentativa de suicídio entre idosos
consiste em comportamento potencialmente prejudicial autoinfligido,
que pode apresentar desfecho fatal, com repercussões da violência
autoprovocada, sendo mais graves nesta faixa etária, por se tratar, geralmente,
de indivíduos mais vulneráveis, devido às doenças crônicas, degenerativas e às
alterações fisiológicas relacionadas ao processo do envelhecimento e outros
fatores [1]. Doenças psiquiátricas e físicas, isolamento social e a perda de
autonomia são os principais aspectos ligados ao suicídio entre os idosos [1,2,3,4,5].
Muitos são os agentes utilizados na
tentativa de suicídio, porém a intoxicação por medicamentos corresponde a um
dos toxicantes mais citados, em grande parte dos
estudos [2,4,6], valendo destacar aqui os medicamentos psicotrópicos [7].
O uso indevido e abusivo de medicamentos
pode causar graves danos à saúde ou até óbito, sobretudo nesta população,
devido às alterações fisiológicas, características do processo de
envelhecimento. A modificação do perfil farmacocinético pode resultar em
acúmulo do fármaco no organismo e potencial toxicidade, além de variações
importantes ao nível farmacodinâmico, que alteram o efeito, potencializando ou
reduzindo suas ações [1].
O objetivo deste trabalho foi descrever
as tentativas de suicídio, envolvendo medicamentos psicotrópicos em idosos nos
municípios do noroeste paulista.
Delineamento
Trata-se de estudo descritivo
desenvolvido a partir da notificação dos casos de intoxicações entre idosos,
ocorridos no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2017, registrados no
Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN) e disponibilizado pelo
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de São José do Rio Preto.
O CEREST é um serviço especializado do Sistema Único de Saúde que atende e
orienta o trabalhador, independente de vínculo empregatício, abrangendo uma
área composta por 102 cidades do Departamento Regional de Saúde XV. Essa região
possui uma população de 1.576.295 pessoas e apresenta uma estimativa de 19,0%
de idosos e índice de envelhecimento de 118,3%, alcançando, em 2030, 161,4% [7].
Participantes
Foram incluídos os registros das
intoxicações, de acordo com código (T 65.9) determinado na 10ª Revisão da
Classificação Internacional de Doenças [8], em indivíduos com 60 anos ou mais.
As variáveis utilizadas foram sociodemográficas, tais como faixa etária (anos:
60- 69, 70-79 e ≥ 80), sexo (feminino e masculino), raça/cor da pele
(branca e outra, incluindo preto, amarelo, pardo e indígena), escolaridade
(anos: ≤ 4, 5-8, 9-12 e > 12 anos) e as relacionadas à intoxicação
sendo dicotomizadas em sim ou não, a partir da ficha
de notificação em que utilizou-se o grupo de agente tóxico/classificação geral,
selecionando os medicamentos e estes foram reclassificados em uso de
psicotrópicos. A circunstância da exposição/contaminação também foi
considerada, sendo selecionada as tentativas de suicídio e se houve
hospitalização. Também foi utilizada a classificação Anatomical
Therapeutic Chemical Classification System (ATC) [9] para os
antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos, hipnóticos e sedativos,
antiepiléticos e outros, incluindo antiparkinsonianos,
antidemenciais e opioides.
Foi construído um banco de dados no
programa Excel® com todos os casos notificados no período. Não houve cálculo
amostral, sendo incluído todos os idosos. As incompletudes, como casos em
brancos ou ignorados foram excluídos das análises, assim como a variável
desfecho das intoxicações devido à falha de preenchimento e perda de
seguimento.
Métodos estatísticos
Foi empregada a estatística descritiva
com cálculo das frequências relativas e absolutas e medidas de tendência
central (média e desvio padrão [DP]). Diferenças estatísticas foram testadas
por meio do teste qui-quadrado de Pearson ou Fischer
quando o tamanho da amostra foi pequeno, considerando o nível de significância
estatística de 5%. As análises foram realizadas no programa SPSS® versão 20.
Aspectos éticos
O estudo foi aprovado pelo comitê de
Ética em Pesquisa da União das Faculdades dos Grandes Lagos, por meio do
parecer 2.673.889 de 24 de maio de 2018, recebendo certificado de apresentação
de apreciação ética 89195718.7.0000.5489.
Foram incluídos 188 casos de intoxicação
o que representa 5,8% das notificações do SINAN, na região do estudo, no
período de 2015 a 2017. A média da idade foi de 69,05 anos (mínimo de 60 e
máximo de 90, DP ± 7,921). A faixa etária predominante para tentativa de
suicídio foi a de 60-69 anos (43,4 %). Os psicotrópicos foram os agentes mais
utilizados para tentativa de suicídio, em 61,3% dos casos, em relação às outras
classes de medicamentos e/ou outros toxicantes. Como
consequência, 52,9% dos indivíduos intoxicados necessitaram de hospitalização.
Embora sem significância estatística, o sexo feminino, raça/cor da pele
classificada como outra e escolaridade entre 5-8 anos, apresentaram percentual
ligeiramente maior para tentativa de suicídio (Tabela I).
Entre os agentes de intoxicação os
medicamentos representam 65,4%, seguidos por agrotóxico (10,7%), outros (4,3%),
raticidas (3,7%), cosméticos e higiene pessoal (3,2%), produto químico de uso
industrial (2,7%), drogas de abuso (2,7%), produtos de uso domiciliar (2,7%),
produtos veterinários (2,1%) e planta tóxica (0,5%).
Os psicotrópicos representaram 33,0% dos
agentes intoxicantes, seguidos por outras classes de medicamentos, como
antibióticos (8,5%) e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs)
(6,9%). Os psicotrópicos corresponderam a 44,7% das intoxicações e entre as
hospitalizações 47,1% usaram esta classe de medicamentos. A faixa etária de
60-69, do sexo feminino, raça/cor da pele classificada como outra e
escolaridade entre 5-8 mostrou maior porcentagem de uso de psicotrópicos, mesmo
sem significância estatística (Tabela II).
A Tabela III mostra a frequência dos
psicotrópicos nos casos de intoxicação, sendo os antiepiléticos mais
predominantes (32,7%), seguidos por ansiolíticos (20,4%). Observou-se a
ocorrência de mais de um medicamento, 14,3% utilizaram mais de um psicotrópico
e a associação de outras substâncias pelo mesmo indivíduo.
Tabela I - Intoxicação por medicamentos
psicotrópicos entre idosos, segundo variáveis sociodemográficas, uso de
psicotrópico e hospitalização, Região Noroeste Paulista, 2015-2017 (n = 188)
aExclusão de 4 casos devido à
incompletude de dados; bExclusão de 34
casos em branco ou ignorado; cQui-quadrado
de Pearson; dTeste de Fischer
Tabela II - Intoxicações por medicamentos em
idosos, segundo variáveis sociodemográficas e hospitalização, Região Noroeste
Paulista, 2015-2017 (n = 188)
aExclusão de 4 casos devido à
incompletude de dados; bExclusão de 34
casos em branco ou ignorado; cQui-quadrado
de Pearson; dTeste de Fischer
Tabela III - Classificação ATC10 dos psicotrópicos utilizados como agentes intoxicantes, Região Noroeste Paulista, 2015-2017 (n = 98)
ahouve o uso de mais de um
psicotrópico por indivíduo em alguns casos; bantiparkinsonianos
(N04), antidemenciais (N06D) e opioides (N02A)
Este estudo mostra que a tentativa de
suicídio por idosos foi predominante na faixa etária de 60 a 69 anos, sendo os
psicotrópicos os principais agentes toxicantes,
resultando em hospitalizações. Além disto os antiepiléticos e ansiolíticos
foram as classes de medicamentos mais comuns.
Apresentou como limitações aquelas
encontradas em dados secundários, como falhas de preenchimento e até mesmo
subnotificações, porém por se tratar de informações de preenchimento
obrigatório pelas autoridades sanitárias nacionais, o objetivo proposto foi alcançado
pelos resultados.
A frequência de lesão autoprovocada no
Brasil de 2011 a 2016 foi de 4,4% entre a população idosa [10]. O
envelhecimento traz consigo alguns fatores de risco que aumentam a
probabilidade da ocorrência de depressão, entre eles frustração de realização pessoal,
ausência de planos pós-aposentadoria, mudança no ambiente e na rotina diária,
alteração de peso corporal, diminuição monetária em virtude da aposentadoria,
viuvez, perda da autonomia e problemas de saúde, sendo estes fatores apontados
como contribuintes para tentativa de suicídio [1,5,11]. Por outro lado, a
socialização e a criação de vínculos afetivos são consideradas aspectos
protetores para redução da frequência de tentativas de suicídio pela população
idosa [3].
A baixa escolaridade e recursos
financeiros mais escassos podem culminar com situações desfavoráveis,
contrárias ao processo de envelhecimento ativo e qualidade de vida, encorajando
assim o indivíduo a atentar contra a própria vida [4,12,13].
Embora neste estudo o sexo não teve
significância estatística, é importante ressaltar que mulheres apresentam maior
tendência à tentativa de suicídio, mas o homem atinge o objetivo com maior
frequência [12,13]. Ademais, as hospitalizações nestes indivíduos foram
frequentes. Segundo o Ministério da Saúde, as internações por causas externas
têm maior custo diário em relação às internações por causas naturais [14,15].
Apesar de a maioria dos casos não ter como desfecho o óbito, a morbidade é
elevada [16,17].
Os medicamentos correspondem aos
principais métodos utilizados nas tentativas de suicídio [4,6,14,16,17,18,19],
representando também o meio mais utilizado nos casos analisados nesta pesquisa.
Esse resultado deve ser analisado de forma detalhada para fundamentar o
desenvolvimento de estratégias mais efetivas de controle no acesso aos
medicamentos. Os psicotrópicos atuam no sistema nervoso central e podem ter
efeitos rápidos no comprometimento de funções vitais quando detêm propriedades
sedativas e hipnóticas, como os benzodiazepínicos, que embora considerados
inapropriados para idosos em decorrência dos efeitos adversos, são muito
utilizados para tratar distúrbios do sono, depressão e ansiedade [21,22].
É fundamental que profissionais
prescritores e outros envolvidos no processo de cuidado do idoso tenham
conhecimento dos medicamentos potencialmente inapropriados para idosos [21,22,23],
no sentido de avaliar riscos e benefícios da farmacoterapia adotada,
considerando a heterogeneidade dessa população sobre todos os aspectos. Outro
ponto a considerar é a prática da polifarmácia [24],
que predispõe a ocorrência de interações medicamentosas, surgimento de efeitos
adversos e intoxicações, que podem ser fatais, especialmente nos idosos
[25,26,27].
A prescrição irracional e o fácil acesso
aos psicotrópicos favorece seu uso indevido, sendo necessário dedicar atenção
especial para os indivíduos com ideação suicida, que podem utilizar esses
medicamentos como meio para autodestruição [16,18,25]. A fim de orientar a
prática da prescrição racional de medicamentos e controlar o acesso a essas
drogas, é fundamental a otimização dos serviços de saúde, sobretudo da garantia
de assistência farmacêutica efetiva para atender às necessidades dessa
população.
O desenvolvimento de políticas públicas
voltadas para a população idosa [27,28], por meio do reconhecimento dos
principais problemas e fragilidades, é essencial para promoção da qualidade de
vida, independência, segurança, redução do risco de vulnerabilidade e para
prevenção do suicídio nesta fase da vida.
A tentativa de suicídio teve maior
ocorrência na faixa etária entre 60 e 69 anos, sendo o psicotrópico o principal
agente intoxicante representado por antiepiléticos e ansiolíticos. Estas
informações podem contribuir para a melhor compreensão dos fatores associados a
tentativa de suicídio, nesta faixa etária, e nortear o planejamento de ações
estratégicas de redução dos casos de suicídio e das consequências relacionadas
ao ato, incluindo redução de gastos públicos. A tentativa de suicídio entre
idosos é um assunto negligenciado, coberto de receios e de grande complexidade,
que necessita de atenção emergencial por parte de todo o sistema de saúde,
principalmente na região estudada já que representa maior taxa de envelhecimento
do Estado de São Paulo.
Conflitos de
interesse
Nenhum conflito de
interesse foi reportado para este artigo
Fontes de financiamento
Programa Institucional
de Bolsas PIBIC/CNPq (edital G.D.D. Nº 010/2019)
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da
pesquisa: Pancote CG, Sasaki
NSGMS, Geraldes MLS; Coleta de dados: Gomes L, Carvalho FP; Análise e
interpretação dos dados: Gomes L, Carvalho FP; Análise estatística: Sasaki NSGMS; Redação do manuscrito: Pancote CG, Sasaki NSGMS, Gomes
L, Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sperli Geraldes MLS