Enferm Bras 2022;21(5):621-635
REVISÃO
Comunicação não violenta
como tecnologia leve no contexto da enfermagem: revisão integrativa
Lucia Tobase*,
Sandra Helena Cardoso**, Renata Tavares Franco Rodrigues**, Eva Cristina Possas
Machado Bella***, Dhieizom
Rodrigo de Souza****, Heloisa Helena Ciqueto
Peres*****
*Centro Universitário São
Camilo, São Paulo, SP, **Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São
Paulo, SP, ***Hospital São Camilo, São Paulo, SP, ****Instituto do Coração -
Incor HCFMUSP, São Paulo, SP, *****Departamento de Orientação Profissional da
Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
Recebido em: 19 de setembro
de 2021; Aceito em: 21 de julho de 2022.
Correspondência: Dhieizom
Rodrigo de Souza, Estrada Leme, 55, casa 23, Pq
Rincão 06705-415 Cotia SP
Lucia Tobase: luciatobase@gmail.com
Sandra
Helena Cardoso: sandrahcardoso@usp.br
Renata
Tavares Franco Rodrigues: renatatfr@gmail.com
Eva
Cristina Possas Machado Bella: enfermeira.bella@gmail.com
Dhieizom Rodrigo de Souza:
dhieizom@gmail.com
Heloisa
Helena Ciqueto Peres: hhcperes@gmail.com
Resumo
Objetivo: Verificar como a Comunicação Não
Violenta é aplicada na Enfermagem e compreender as repercussões dos
profissionais, pacientes e organização. Métodos: Revisão integrativa
norteada pela questão “Como a comunicação não violenta é utilizada na área da
Enfermagem e quais as repercussões dessa aplicação?”. Realizadas buscas de
estudos primários publicados entre 2010 e 2020, nas bases PubMed,
Cumulative Index to Nursing and Allied
Health Literature, Web of
Science, Embase, Psycinfo e Biblioteca Virtual em
Saúde. Resultados: Selecionados cinco estudos relacionando comunicação
não violenta com trabalhadores da Enfermagem, estratégias de enfrentamento ao
assédio moral; gerenciamento de conflitos; enfrentamento da violência familiar
e estratégia para ética a estudantes de Enfermagem. Conclusão: A
Comunicação Não Violenta foi aplicada na implementação da cultura de paz no
ambiente de trabalho, relações profissionais e formação do enfermeiro. O número
de estudos incluídos evidencia necessidade de pesquisas sobre a temática.
Palavra-chave: Enfermagem; empatia; comunicação;
negociação; violência.
Abstract
Non-violent communication as a light technology in the nursing context:
an integrative review
Objective: To verify how Non-Violent Communication is applied
in Nursing and to understand the repercussions of professionals, patients and
organization. Methods: Integrative review guided by the question “How is
non-violent communication used in the field of Nursing and what are the
repercussions of this application?”. Searches were performed on primary studies
published between 2010 and 2020, in PubMed, Cumulative Index to Nursing and
Allied Health Literature, Web of Science, Embase, Psycinfo
and Virtual Health Library. Results: Five studies relating non-violent
communication with nursing workers were selected, coping strategies for
bullying; conflict management; coping with family violence and ethics strategy
for nursing students. Conclusion: Non-Violent Communication was applied
in the implementation of a culture of peace in the work environment,
professional relationships and nursing education. The number of studies
included highlights the need for research on the subject.
Keywords: Nursing; empathy; communication; negotiating;
violence.
Resumen
La comunicación
no violenta como tecnología ligera
en el contexto de la enfermería: una revisión integradora
Objetivo: Verificar cómo
se aplica la Comunicación
No Violenta en Enfermería y
comprender las repercusiones de los profesionales, los pacientes y la organización. Métodos: Revisión integrativa guiada por la
pregunta “¿Cómo se utiliza la
comunicación no violenta en
el ámbito de la Enfermería y cuáles son las
repercusiones de esta aplicación?”.
Se realizaron búsquedas
en estudios primarios publicados entre 2010 y
2020, en PubMed, Cumulative Index to Nursing and
Allied Health Literature, Web of Science, Embase, Psycinfo
y Virtual Health Library. Resultados: Se seleccionaron
cinco estudios que relacionan
la comunicación no violenta
con trabajadores de enfermería, estrategias de afrontamiento del acoso escolar; manejo de conflictos;
afrontamiento de la violencia intrafamiliar y estrategia
ética para estudiantes de enfermería.
Conclusión: La Comunicación
No Violenta se aplicó en la implementación de una cultura
de paz en el ambiente
laboral, las relaciones profesionales
y la formación en enfermería. El número de estudios incluidos destaca la necesidad de realizar investigaciones sobre el tema.
Palabras-clave: Enfermería; empatía;
comunicación; negociación; violencia.
Desde o
nascimento, o ser humano apresenta estrutura biológica e genética que permite a
interação com o novo mundo. No processo de transformação para nova adaptação,
manifesta o potencial para a autorrealização e se torna responsável pelas suas
escolhas [1]. O desenvolvimento de habilidades sociais como aspectos do
comportamento que expressam sentimentos e atitudes são aprendidos inicialmente
por imitação, relacionados com neurônios-espelho [2]. Aliados às escolhas, a
plasticidade cerebral conferida por esse tipo de neurônio traduz a
intencionalidade em compreender o comportamento alheio e escolher o próprio a
ser adotado [2]. A complexidade desse processo contribui para a compreensão de
diferentes atitudes das pessoas frente a situações semelhantes, assim como
reflete a individualidade de cada ser e suas opções, traduzidas em
comportamentos violentos ou atitudes empáticas, tanto na vida cotidiana como na
profissional.
No
cerne
dessa questão, em que o conflito desarticula as
relações, a Comunicação Não
Violenta (CNV) propõe a conexão entre as pessoas, no que
diz respeito ao que
nos desliga de nossa natureza compassiva, gerando comportamentos
violentos em
relações de autoritarismo e dominação
baseadas na subjugação e exploração de
outras pessoas [3].
Essa
linguagem de compaixão e empatia [4] como tecnologia leve [5] é fundamental no
cotidiano, principalmente dos profissionais de Enfermagem, que constituem a
maior parte da força de trabalho em saúde e são majoritariamente expostos a
situações de violência [6,7]. Nessa área de atuação, identificam-se
as tecnologias “materiais” e “não-materiais”. Esta traduz a ideia de que há uma
dimensão imaterial que compõe o ato produtivo do cuidado, os saberes, ampliando
o conceito de tecnologias relacionais. Assim, são as tecnologias leves que se
associam às tecnologias duras e leve-duras na
produção do cuidado [8].
No
contexto da pandemia da COVID-19 [9], os riscos de exposição aos diferentes
tipos de violência se exacerbaram no âmbito pessoal, profissional e social
[10,11]. Anteriormente a esse cenário, o ciclo da angústia e dificuldade de
enfrentamento já era realidade para o enfermeiro [12]. A crise sanitária
evidenciou os desarranjos das políticas públicas nas diferentes esferas do
sistema e dos serviços de saúde, aumentando a vulnerabilidade do
profissional.
Frente ao
cenário de violências enfrentadas pelos profissionais de Enfermagem, este
estudo tem por objetivo verificar como a Comunicação Não Violenta e aplicada na
área da Enfermagem e compreender as repercussões dessa tecnologia leve na
perspectiva dos profissionais, dos pacientes e da organização.
Trata-se
de revisão integrativa, realizada entre maio-agosto/2020, seguindo as etapas
[13]: Identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para a
elaboração da revisão integrativa; estabelecimento de critérios para inclusão e
exclusão de estudos/amostragem ou busca de literatura; definição das
informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos
estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; interpretação
dos resultados; apresentação da revisão/síntese do conhecimento.
A
estratégia de busca foi organizada de acordo com a estrutura PICO,
respectivamente relacionados à População, Intervenção, Contexto: P (Enfermagem/Nursing), I (Comunicação não violenta/Nonviolent
communication OR Empatia/Empathy OR Negociação/Negotiating), CO (Violência/Violence
OR Agressão/Aggression). Cabe destacar que, embora a
expressão Comunicação não violenta não se configure como descritor, a inclusão
desta nas buscas favoreceu a localização de estudos relevantes de interesse
neste estudo.
As buscas
nas bases PubMed, CINAHL, Web of
Science, Embase, Psycinfo, BVS foram norteadas pela
questão “Como a CNV é utilizada pela Enfermagem e quais as repercussões dessa
aplicação?”. Foi elaborado protocolo para extração dos dados, organizados em
planilha Excel contendo: título do estudo, autor, ano de publicação, periódico,
país, base de dados, objetivo, método, população, intervenção, desfecho, nível
de evidência. Foram incluídos estudos publicados entre 2010 e 2020, disponíveis
na íntegra, e excluídas cartas, editoriais e aqueles que não respondiam à
pergunta norteadora.
O processo
de busca e seleção dos estudos foi sintetizado, conforme a Figura 1.
Figura 1 – Fluxograma da seleção dos estudos
Na
análise do nível de evidência dos estudos, utilizou-se a classificação segundo Melnyk, Fineout-Overholt [14]. Os
níveis I e II são considerados evidências fortes, III e IV evidências
moderadas, e V a VII evidências fracas, conforme quadro 1.
Quadro 1 – Classificação de nível e força de
evidência dos estudos
Fonte: Fineout-Overholt, Melnyk, Stillwell, Williamson
[14]
Dentre os
147 estudos localizados, 142 foram excluídos. Dos cinco estudos incluídos [5,
15,16,17,18], três (60%) foram localizados na base BVS, sendo um (20%) em Scielo e um (20%) em PubMed; eram
dois (40%) estudos do tipo experimental [15,16] e três (60%) qualitativos
[5,17,18], com diferentes níveis de evidências, sendo um (20%) forte [15], um
(20%) moderado [16] e três (60%) classificados como evidência fraca [5,17,18].
Quanto à
temática, três (60%) estudos relacionavam a CNV com trabalhadores da
Enfermagem, sendo um (20%) estudo sul coreano sobre estratégias de
enfrentamento de assédio moral e bullying em ambiente hospitalar [16], um (20%)
estudo alemão sobre sofrimento dos profissionais em ambientes sócio
desafiadores [15] e um (20%) estudo brasileiro com a equipe multiprofissional
na atenção primária [18]. Com abordagem do tema em demais contextos, um (20%)
estudo brasileiro relacionou CNV como tecnologia leve para enfrentamento da
violência na família [5] e um (20%) estudo norte-americano abordou a CNV como
estratégia para ética dialógica e autenticidade aplicadas aos estudantes de
graduação em enfermagem [17], conforme quadro 2.
Quadro 2 – Artigos incluídos
relacionados à CNV e Enfermagem, segundo título, objetivo, método, resultados e
nível de evidência. São Paulo, SP, Brasil, 2020
A partir
do quantitativo de estudos selecionados, depreendeu-se que pode estar
relacionado ao termo Comunicação Não Violenta por não se configurar como
descritor controlado, embora seja uma temática cada vez mais discutida nos
cenários de mediação, conciliação, negociação, justiça restaurativa e
proposição de métodos compositivos na resolução de conflitos e abordagem na
cultura de paz [19].
A área da
Psicologia trata amplamente de CNV, diferindo-se da Enfermagem, que aborda
empatia [20], violência no trabalho e estratégias de combate à violência [6,7]
e habilidade comunicacional [21] como temas mais frequentes, valorizando a
cultura da paz e a não violência, contudo sem especificar CNV.
Os
artigos internacionais a respeito da temática apresentaram níveis de evidências
científicas moderadas e fortes, utilizando métricas para compreender a
repercussão dessa habilidade de comunicação como medida protetiva e de
fortalecimento do profissional de Enfermagem. Já nos estudos nacionais,
prevaleceram metodologias qualitativas com níveis fracos [5,18] de evidências.
Considera-se interessante para estudos futuros a utilização de metodologias
mais complexas com a aplicação de escalas validadas como de empatia,
habilidades comunicacionais e resiliência para compreensão mais abrangente e
pormenorizada dos efeitos da CNV na Enfermagem. Pode ser um eficiente recurso
durante e pós-pandemia pela COVID-19 [22].
Como
maneira de interação consigo e com o mundo, a comunicação está presente nas
diversas formas de expressão. Tal sua importância que métrica de habilidade
comunicacional foi desenvolvida, no âmbito da Enfermagem [21].
A CNV é
uma maneira de comunicação eficaz, envolve a escuta empática e a reformulação
da mensagem ao parafrasear as falas, baseadas em observação dos fatos,
desprovidas de julgamento. Estimula a reflexão sobre os sentimentos e as
necessidades expressadas, favorecendo a compreensão dos diferentes pontos de
vista sobre a situação. Além disso, permite a manifestação dos pedidos, que
buscam o realinhamento e o entendimento, de modo pacífico, na proposição de
soluções autênticas diante dos conflitos no cotidiano, do trabalho e da vida
[18].
Nesta
revisão, os estudos incluídos abordaram a CNV e a Enfermagem na perspectiva do
ambiente de trabalho [18], do profissional [15,16], da família [5] e do
estudante [17] durante a sua formação como enfermeiro.
No
ambiente de trabalho, a violência física, psicológica ou moral tem repercussões
negativas na segurança, no bem-estar ou na saúde do profissional [6,7,22,23].
Compreendida como fenômeno amplo e multifatorial, a violência experienciada em
circunstância de trabalho abrange relações interpessoais, organização e
condições do trabalho, negligência, omissão diante de algum infortúnio ou
naturalização da morte e do adoecimento do trabalhador [22,23].
No
Brasil, a força de trabalho em saúde é majoritariamente constituída por
profissionais de Enfermagem. Destes, cerca de 62% expressam insegurança e 25%
sofreram violência, seja psicológica, institucional, física e sexual [24], no
contexto do trabalho. No estado de São Paulo, cerca de 77% dos profissionais
relataram agressões externas perpetradas por pacientes, familiares e acompanhantes,
e agressões internas entre trabalhadores da mesma instituição, advindas de
gestores, colegas de trabalho, consequência das condições estruturais e dos
processos de trabalho [25].
Com isso,
na perspectiva do trabalho, um dos estudos incluídos descreveu um relato de
caso sobre a CNV aplicada na Atenção Básica [18] pela enfermeira da equipe
Estratégia de Saúde da Família no gerenciamento de conflitos entre integrantes
da equipe multiprofissional. Práticas restaurativas, como CNV e Processo Circular,
influenciaram positivamente nas relações interpessoais, na integração e na
responsabilização da equipe de saúde, na reflexão coletiva, na qualificação da
gestão do trabalho e na participação dos usuários nas atividades [18]. Dessa
forma, pôde-se perceber que a CNV fortalece vínculos de confiança baseados em
respeito às singularidades, escuta empática, com abertura às novas atitudes,
menos autoritárias e mais conciliadoras [3].
Este
artigo brasileiro se assemelha a estudos internacionais em que trabalhadores da
Enfermagem, ao utilizarem a CNV, se sentiram mais conexos com seus pares,
potencializando o trabalho em equipe [15]. O diálogo e a empatia são
habilidades sociais que podem promover a harmonização nas relações
interprofissionais e trazer paz ao clima organizacional.
Os
profissionais relataram que são expostos, no trabalho, a vários fatores
estressores que afetam a saúde mental e, consequentemente, trazem prejuízos à
instituição, por aumento de absenteísmo e turnover, que podem comprometer a
qualidade do serviço prestado [15]. Por si só, a interação com as pessoas,
entre equipes profissionais ou usuários do serviço, é potencial fator de
tensão, mobilizando sentimentos, percepções e emoções distintas. Se manifestada
de maneira instintiva, gera estresse e conflitos nas relações intra e interpessoais [15].
Outro
estudo incluído, realizado em hospital universitário sul coreano, abordou o
desenvolvimento de aplicativo para smartphone destinado aos enfermeiros para
prevenção de bullying no trabalho, definido como "exposição repetida a
atos negativos relacionados a pessoas, trabalho e intimidação, como abuso,
provocação, ridículo e exclusão social por um período de tempo no local de
trabalho" [16]. Consequentemente, repercussões negativas provocam aumento
do turnover, depressão, ansiedade, influenciando na saúde física por cefaleia,
taquicardia, fadiga, insônia, comprometendo a qualidade da assistência e
segurança do paciente. O uso do aplicativo melhorou a autoconfiança dos
enfermeiros, reduziu os comportamentos violentos de outros profissionais e
diminuiu a intenção de rotatividade dos enfermeiros [16].
O
bullying não ocorre no vácuo social, cabe aos atores envolvidos, inclusive à
instituição, trazer à luz essas questões e prover recursos para minimizar as
violências no ambiente de trabalho [26]. Ademais, é elevada a ocorrência dos
relatos de incivilidade, cerca de 70 a 95%, considerada ato desviante de baixa
intensidade com intenção ambígua de prejudicar o alvo. Contudo, a carência de
estudos denota a importância de novas pesquisas para aprofundar a compreensão
sobre como os alvos lidam com a incivilidade, os métodos de enfrentamento que
aprimoram o perdão psicológico e beneficiam o bem-estar do alvo. Agressões e
conflitos não podem fazer parte da cultura organizacional, é inadmissível
banalizar ou assumir essas ocorrências como normais no trabalho [26]. É
desconcertante perceber que as próprias organizações são geradoras de
violência, mas gestores e instituições parecem estar dispostos a enfrentar esse
desafio [24].
Como
estratégia de gestão dos profissionais, um estudo incluído descreveu sobre o
treinamento em CNV no serviço de saúde pública alemão, com atividades
teórico-práticas para exercitar a nova maneira de comunicar-se e conectar-se
com o outro [15]. O cuidado na comunicação, na empatia e na atenção com o outro
é capaz de nutrir as relações e potencializar o apoio entre os pares no time,
reduzir o sofrimento e aumentar a produtividade no trabalho. Considera-se que
50% do tempo afetado negativamente por estressores sociais no trabalho implicam
em demorada recuperação do trabalhador por prejuízos na qualidade do sono e
repouso, mesmo em descanso ao longo do final de semana. No treinamento de cunho
laboral, há potencial do aprendizado estender-se à vida pessoal e contribuir no
fortalecimento global das relações [15].
Assim,
como se espera que a empatia seja devida, porém nem sempre ofertada, aos
clientes internos e externos, é mister que a instituição, os gestores, os
profissionais e a própria sociedade reflitam sobre a importância de suprir essa
lacuna, tão presente no cotidiano, em prol da valorização da cultura da paz
[22,27,28].
Embora
pareça natural esperar uma demonstração de empatia por profissionais de saúde,
o que poucos consideram é que o sofrimento do outro pode evocar uma emoção
reativa imediata, o que contradiz fortemente esse papel profissional. Essa
resposta é conhecida por angústia empática, na qual o foco de si mesmo se
traduz em reação afetiva aversiva à apreensão da emoção alheia, com dificuldade
de conexão consigo mesmo e com o outro. Esta forma de sobrecarga empática
resulta da falta de regulação emocional e da menor distinção entre si e o
outro, gerando sentimentos de desconforto, tensão e ansiedade. Assim, o aumento
de sofrimento, conflitos e desconexão entre pessoas prejudica a capacidade de
estabelecer empatia e compaixão [15,22].
Esta
condição pode afetar inclusive os pacientes. Na Noruega e na Suécia, estudos na
área de saúde mental mostraram que o comportamento violento e agressivo de
pacientes com demência geralmente é associado a abordagens e restrições físicas
e químicas. Essa agressão pode ser manejada pelos profissionais de maneira não
violenta, buscando alternativas para diminuir ações restritivas na assistência.
Entender melhor o comportamento do paciente com demência é uma estratégia
empática para qualificar a assistência. A conexão facilita a compreensão sobre
o outro e reduz reações instintivas e combativas do profissional frente à agressividade
de cunho patológico [29,30].
É
relevante destacar que a gênese dos sofrimentos pode ter origem no ambiente
familiar, por violência doméstica, desde física e emocional, sexual, financeira
e por negligência de cuidados à criança ou ao idoso. Há dificuldade de
identificação da violência e, por ser velada, nem sempre é relatada por quem
sofre a agressão ou pelo agressor, embora ambos necessitem de
acompanhamento/tratamento [22,31].
Nesse
sentido, outro artigo incluído nesta busca descreveu sobre
enfermeiras
brasileiras que aplicaram a CNV como tecnologia leve em contextos de
violência
nas relações familiares para promoção da
cultura de paz [5], que se coaduna com
o propósito da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
(UNESCO). A estratégia humanista busca a convivência
harmônica alicerçada no
respeito às diferenças e compreensão mútua
para atuar junto a relações
conflitantes e violentas [32].
Na
área
da saúde, a questão da humanização
está em pauta há várias décadas. Destarte,
para atuar nesse contexto, os estudantes como futuros profissionais da
saúde
aprendem sobre a temática e sua aplicação na
prática profissional [33]. Nessa
direção, cabe a reflexão sobre como a
humanização é compreendida e aplicada, na
perspectiva da formação desses profissionais, para que,
de fato, construam as
competências para integrá-la na atenção
à saúde. Atentar para o cenário e a
práxis educativa, em diálogo com os educadores e
gestores, para buscar o
alinhamento com as políticas educacionais, permite revisitar a
cultura e o
papel da instituição de ensino para compreender como a
humanização se insere,
ou não, na formação do futuro profissional. A
prática educativa transformadora
tem potencial para se revelar na relação e na
atuação profissional humanizada,
por meio da empatia e adoção de maneiras não
violentas, para comunicar-se e
interagir com o outro [33].
Um dos
estudos incluídos nessa amostra realizou um treinamento sobre CNV com
estudantes de graduação em Enfermagem, incluindo diário online e participação
em grupos focais, nos quais os pesquisadores buscaram avaliar a autenticidade
por meio do diálogo com o outro. Concluíram, em suas análises, que o uso da CNV
melhorou a autenticidade, o apoio à ética e favoreceu a compreensão sobre a
importância de conhecer e valorizar as necessidades humanas de si e do outro
[17].
As
evidências apresentadas permitem depreender que a CNV é tema relevante a ser
abordado desde a formação do profissional. Contribui no fortalecimento das
relações interpessoais, reduz a violência no trabalho, entre profissionais e
pacientes, influencia na qualificação da assistência e segurança do paciente.
Limitações do estudo
Possivelmente
relacionadas ao fato de que Comunicação Não Violenta não é descritor
controlado, o que dificulta a localização de estudos relevantes sobre a
temática e justifica o pequeno número de estudos selecionados.
Contribuição para a
prática
A
Comunicação Não Violenta fomenta a cultura da paz e a humanização, tão
prementes no cenário do trabalho em enfermagem. Diante da violência no contexto
laboral, é fundamental prover ferramentas ao profissional, gestor, organização
e sociedade, que favoreçam a resolução de conflitos e a redução da
incivilidade. Resultam em ganhos na perspectiva da formação profissional, da
saúde do trabalhador, da qualidade da assistência e segurança do paciente.
A Comunicação
Não Violenta é utilizada na Enfermagem como tecnologia leve e configurou-se em
eficiente recurso para potencializar a habilidade de comunicação compassiva e
empática, permeada pelo respeito, ética e empoderamento mútuo na promoção da
cultura de paz, no enfrentamento e mobilização de estratégias para minimizar
fatores estressores no trabalho e suas repercussões como violência, bullying,
turnover e absenteísmo.
Agradecimentos
Os autores
agradecem à enfermeira Bruna Lazini pelo apoio no
momento inicial do estudo.
Conflito
de interesses
Não há
conflito de interesses.
Fontes
de financiamento
Os autores
declaram que não receberam subsídios financeiros para elaboração deste estudo.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Tobase L; Coleta de dados: Cardoso SH,
Rodrigues RTF, Bella ECP, Souza DR; Análise e
interpretação dos dados: Tobase L, Cardoso SH,
Rodrigues RTF, Souza DR; Redação do manuscrito: Tobase
L, Cardoso SH, Rodrigues RTF, Souza DR; Revisão crítica do manuscrito quanto
ao conteúdo intelectual importante: Tobase L,
Peres HHC