Enferm Bras.
2023;22(6):828-44
ARTIGO
ORIGINAL
Delineamento
das ações de vigilância epidemiológica em um ambiente prisional: a tuberculose
em foco
Mariana Boulitreau Siqueira Campos Barros1, Patrícia
Mayra de Andrade Siqueira2, Maria Beatriz Araújo Silva2,
Ana Wládia Silva de Lima1, Keyla Cristina Vieira Marques Ferreira1, Magaly Bushatsky2, Estela Maria Leite Meirelles
Monteiro3, Ana Beatriz Marques Valença3
1Universidade Federal de Pernambuco, Vitória
de Santo Antão, PE, Brasil
2Universidade de Pernambuco, Recife, PE,
Brasil
3Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, PE, Brasil
Recebido
em: 1 de outubro de 2022; Aceito em: 12 de dezembro de 2023.
Correspondência: Patrícia Mayra de Andrade Siqueira,
patricia.mayra@upe.br
Como citar
Barros MBSC, Siqueira PMA, Silva MBA, Lima AWS, Ferreira KCVM, Bushatsky M, Monteiro EMLM, Valença ABM. Delineamento das ações de vigilância epidemiológica em um ambiente prisional: a tuberculose em foco. Enferm Bras. 2023;22(6):828-44. doi: 10.33233/eb.v22i6.4937
Resumo
Objetivo: Compreender a percepção dos gestores,
profissionais de saúde e reeducandos sobre as ações
da vigilância epidemiológica para o controle da tuberculose em um presídio no
Estado de Pernambuco. Métodos: Estudo descritivo, transversal, de
abordagem qualitativa, com dados coletados através de entrevistas
semiestruturadas e analisadas pelo Discurso do Sujeito Coletivo com o auxílio
do Software DSCsoft, utilizando o método de Lefèvre F e Lefèvre. Resultados:
Foram encontradas onze ideias centrais e discursos entre eles: O cárcere como
aliado na confirmação diagnóstica e supervisão do plano terapêutico, situação
em cárcere, tratamento diretamente observado, falhas no sistema prisional, e o
trabalho em equipe. Conclusão: A percepção dos entrevistados volta-se
com relação ao tratamento, ações educativas, e na realização de exames de
confirmação diagnóstica, contrapondo nas barreiras assistenciais relacionadas
ao estado de privação.
Palavras-chave: monitoramento epidemiológico;
tuberculose; prisões.
Abstract
Outline of epidemiological surveillance actions in a prisonal environment: tuberculosis in focus
Objective: To understand the perception of
managers, health professionals and re-educated about epidemiological
surveillance actions for tuberculosis control in a prison in the state of
Pernambuco. Methods: Descriptive, cross-sectional study, with a qualitative
approach, with data collected through semi-structured interviews and analyzed
by the Collective Subject Discourse with the help of DSCsoft
Software, using the Lefèvre F and Lefèvre
method. Results: Eleven central ideas and discourses were found among
them: prison as an ally in the diagnosis and the supervision of the therapeutic
plan, jail situation, directly observed treatment, flaws in the prison system
and teamwork. Conclusion: The interviewees’ perspectives were related to
the treatment, educational efforts and diagnostic tests, contrasting the
barriers associated with the state of liberty deprivation.
Keywords: Epidemiological surveillance; tuberculosis; prison.
Resumen
Esquema
de las acciones de vigilancia epidemiológica en un medio penitenciario:
tuberculosis en foco
Objetivo: Comprender la percepción de gestores, profesionales de la salud y reeducados sobre las acciones de vigilancia
epidemiológica para el control
de la tuberculosis en una cárcel del
estado de Pernambuco. Métodos: Estudio descriptivo, transversal, con
enfoque cualitativo, con datos recolectados a través de
entrevistas semiestructuradas y analizados
por el Discurso del Sujeto Colectivo con ayuda del
Software DSCsoft, utilizando el
método Lefèvre F y Lefèvre.
Resultados: Se encontraron once
ideas y discursos centrales
entre ellos: la prisión como aliada en el diagnóstico y la supervisión del plan terapéutico, situación carcelaria, tratamiento bajo observación directa, fallas en el sistema penitenciario
y trabajo en equipo. Conclusión: Las
perspectivas de los entrevistados se relacionaron con el tratamiento, la labor educativa y las pruebas diagnósticas, contrastando las
barreras asociadas al
estado de privación de libertad.
Palabras-clave: Vigilancia epidemiológica; tuberculosis; prisión.
A
população penitenciária possui um grande risco de desenvolver doenças pelos
determinantes provenientes de sua privação. As condições desumanas de moradia,
alimentação, saúde, higiene, violência, exposição a agressões, ambientes pouco
ventilados, uso ilegais de álcool e drogas, tornam o ambiente propício para o
desenvolvimento e agravamento de diversas patologias, contribuindo para que
esta população tenha um maior risco para adoecimento e morte [1].
O
Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, segundo dados
divulgados pelo Ministério da Justiça referentes ao primeiro semestre de 2021.
A população carcerária brasileira aumentou um percentual 8,6% computando 773
mil pessoas presas no Brasil em 2020 e 820.689 em junho de 2021. Muitas cadeias
e prisões brasileiras enfrentam problemas graves de superlotação e violência, o
número de adultos atrás das grades excede o total de 38,4% de vagas disponíveis
no sistema penitenciário somando 461.026 vagas para 758.676 detentos, acima da
capacidade oficial das prisões [2].
Neste
cenário, o acesso aos serviços de saúde no sistema prisional é baseado nos
princípios do Sistema Único de Saúde, com marcos que foram essenciais para a
criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas
de Liberdade no Sistema Prisional, implementada em 2014 que possui como metas a
prevenção, promoção e tratamento adequado a diversas patologias, incluindo a
tuberculose em sua linha de ação [3].
Considerada
um dos principais danos à saúde, a tuberculose ainda está diretamente
relacionada aos determinantes sociais em saúde, às situações de
vulnerabilidades e de financiamento dos serviços, resultando em um desafio para
muitas nações [4].O relatório da Organização Mundial de Saúde de 2020, estima
que houve 10 milhões de novos casos de tuberculose em todo o mundo, e que 1,2
milhões de pessoas morreram em decorrência da tuberculose em 2020, das quais
208 mil eram pessoas vivendo com HIV [5].
Apesar
de ser uma das doenças mais antigas de que se tem conhecimento no mundo, com
diagnóstico e tratamento garantido pelo Sistema Único de Saúde, a tuberculose
continua sendo uma doença endêmica nos presídios brasileiros, representando um
dos principais objetivos das ações de vigilância epidemiológica, que preconiza
em seu campo de atuação medidas de promoção, prevenção, controle da doença,
definição de problemas e de prioridades, para atender efetivamente as
necessidades de saúde da população [6].
Tendo
em vista seu quadro epidemiológico, o sistema prisional ainda dispõe de uma
realidade distante da qual é proposta pelo Plano Nacional de Saúde no Sistema
Penitenciário, já que o índice de tuberculose nas prisões é cerca de 34 vezes
superior quando comparada com a população geral [7], tornando-se um desafio
para as ações de vigilância epidemiológica, havendo a necessidade de
comprometimento dos gestores quanto à qualificação de um quadro permanente de
profissionais de saúde, treinamento e busca ativa entre os comunicantes,
favorecendo uma melhor qualidade de vida a população privado de liberdade [8].
Neste
cenário, surge a necessidade de compreender a percepção dos gestores,
profissionais de saúde e reeducandos sobre as ações
da vigilância epidemiológica para o controle da tuberculose em um presídio no
Estado de Pernambuco.
Trata-se
de um estudo descritivo, transversal, com abordagem qualitativa, em um presídio
localizado no município de Vitória de Santo Antão/PE, no período de dezembro de
2016 a março de 2017. A unidade prisional conta com aproximadamente 700 homens
privados de liberdade do município e de cidades adjacentes, distribuídos em
três pavilhões que recolhem encarcerados dos mais diversos crimes.
O
processo de análise dos resultados segue os critérios consolidados para relatar
as diretrizes de pesquisa qualitativa COREQ (Consolidated
Criteria for Reporting Qualitative Research), em um
paradigma interpretativo qualitativo de representação social em sua abordagem
[9].
A
população de estudo foi composta por homens privados de liberdade,
profissionais de saúde que atuam no serviço, e gestores da vigilância em saúde,
mais especificamente, da epidemiológica. Os critérios de inclusão foram
trabalhar há mais de seis meses na unidade prisional; homens em privação de
liberdade, com histórico de tuberculose, diagnóstico confirmado e tratamento,
atuar na gestão da vigilância epidemiológica do município em estudo há mais de
três meses. Como critério de exclusão, estabeleceu-se o reeducando estar no
castigo (local onde são colocados por não cumprirem as normas do sistema
penitenciário), e não receber autorização da direção do presídio para
participar do estudo.
A
amostra foi composta por conveniência com onze entrevistados, sendo eles três
privados de liberdade, com diagnóstico confirmado e tratamento para
tuberculose, dois gestores, um da Vigilância em Saúde, e outro da Vigilância de
Tuberculose e Hanseníase, que concordaram e apresentaram disponibilidade de
participar do estudo e seis profissionais de saúde do presídio. Para o
levantamento amostral, levou-se em consideração a saturação dos dados em um
cenário no qual houve recusas e desistências por parte dos atores envolvidos.
As
entrevistas foram conduzidas pelas pesquisadoras MBSCB e PMDAS, mestre
e
professora em saúde coletiva, e estudante de enfermagem,
respectivamente, ambas
do sexo feminino, a primeira com experiência em pesquisas
qualitativas voltadas
para populações em situação de
vulnerabilidades, já tendo realizado pesquisa de
extensão e ações de educação em
saúde na unidade prisional. Para construção de
vínculos, as pesquisadoras reuniram-se com a gestão da
unidade prisional e com
os profissionais de saúde para analisar a possibilidade e o
interesse da equipe
pelo estudo.
Os
participantes compreendiam os objetivos e razões do desenvolvimento da
pesquisa. Previamente a entrevista, os participantes receberam informações
sobre o que estaria envolvida, e um termo de consentimento para assinar. As
entrevistadoras não possuíam conexão com nenhum dos participantes envolvidos,
nem experimentaram a vivência de algum parente em situação de privação de
liberdade com o diagnóstico de tuberculose. Isso não impossibilitou uma postura
empática, muito menos o distanciamento do fenômeno em pesquisa.
As
entrevistas foram realizadas pessoalmente e individualmente no consultório
médico da unidade básica de saúde da unidade prisional, e na secretaria de
saúde do município, gravadas com o suporte de um gravador de voz de um aparelho
celular, tendo uma duração média de 26,4 minutos. Elas partiram de um roteiro
semiestruturado, construído pelas autoras, composto inicialmente por variáveis
sociodemográficas como: idade, cor, raça autorreferida,
estado civil e escolaridade para todos os participantes. Ao que concerne aos
privados de liberdade, foi questionado sobre o uso de álcool, cigarro e drogas
ilícitas, bem como o andamento do tratamento da tuberculose.
Na
segunda parte foram realizadas quatro perguntas, iguais para todos os
envolvidos: Pergunta 01: Você considera a tuberculose um problema de saúde
pública? Por quê? Categorias da resposta: Gestores: Situação epidemiológica da
tuberculose; Profissionais: Disseminação, contágio e incapacidade; Reeducandos: Associação à morte e transmissão pelo ar.
Pergunta 02: Quais os métodos preventivos e de promoção à saúde realizados no
presídio? Categorias da resposta: Gestores: Distanciamento das ações de promoção;
Profissionais: Ações intersetoriais, a busca ativa, e a importância da
prevenção em dias de visita; Reeducandos: Educação em
saúde. Pergunta 03: Como é realizada a busca ativa, diagnóstico e tratamento da
tuberculose? Categorias da resposta: Gestores: A notificação como precursora ao
acesso terapêutico; Profissionais e Reeducandos: O cárcere como aliado na confirmação
diagnóstica e supervisão do plano terapêutico. Pergunta 04: Quais as
dificuldades e facilidades que o município enfrenta em relação à Tuberculose na
privação de liberdade? Categorias da resposta: Gestores: Acompanhamento do
tratamento após a libertação, e a superlotação nos presídios; Profissionais:
Situação em cárcere, tratamento diretamente observado, falhas no sistema
prisional, e o trabalho em equipe; Reeducandos:
Continuidade do tratamento.
As
perguntas não passaram por teste-piloto, nem foram repetidas ou devolvidas aos
participantes para comentários ou correções, e as notas de campo foram
realizadas, após as entrevistas, e organizadas conjuntamente com a gestão do
presídio.
Os
dados foram analisados a partir do Discurso do Sujeito Coletivo, que é uma
técnica de tabulação, e organização de dados qualitativos que resolve um dos
grandes impasses das pesquisas qualitativas, na medida em que permite, através
de procedimentos sistemáticos e padronizados, agregar depoimentos sem
reduzi-los a quantidades [10].
Utilizou-se
como suporte para análise de dados, o Software DSCsoft,
versão 1.4.0.0, utilizando o método de Lefèvre F e Lefèvre, com base na teoria das representações sociais. São
esquemas sociocognitivos que as pessoas utilizam para
emitirem, no seu cotidiano, juízos ou opiniões, são uma forma de conhecimento,
socialmente elaborado e partilhado, de uma realidade comum a um conjunto social
[11].
Atendendo
às normas em pesquisas que envolvem seres humanos, o estudo respeitou todas as
diretrizes e critérios estabelecidos na Resolução 466/12 do Conselho Nacional
de Saúde (CNS), que zela pela legitimidade das informações, privacidade, e
sigilo das informações. O levantamento dos dados só teve início após apreciação
e aprovação do Comitê de Ética em pesquisa do Centro de Ciências em Saúde
(CCS), com CAAE 57893616.0.0000.5208.
Os
questionamentos foram divididos em quatro categorias principais, as quais foram
desenvolvidas ideias centrais, e o Discurso do Sujeito Coletivo de cada grupo
entrevistado, para obtenção dos resultados e discussão. A primeira pergunta
envolveu o conceito e a justificativa da tuberculose como problema de saúde
pública:
Ideia
Central: Situação epidemiológica da tuberculose.
DSC
Gestores: Sim, pois Pernambuco é um estado hiperendêmico,
e Vitória de Santo Antão possui muitos casos em situação de abandono.
Ideia
Central: Disseminação, contágio e incapacidade.
DSC
Profissionais: Sim. Porque é uma doença que atinge a população em geral, com
alta disseminação, contágio recidivo, causa um grande número de óbitos,
incapacidade funcional e respiratório, é uma doença de notificação compulsória,
já que caracteriza e atinge as camadas mais carentes e mais baixas. Aqui no
presídio, a predisposição é 100% pois eles estão num ambiente insalubre,
fechado, sem insolação, abafado e fácil de adoecer, pois é muita gente num
espaço só.
Ideia
Central: Associação à morte e transmissão pelo ar.
DSC Reeducandos: Nada, só sei que é uma doença, transmitida
pelo ar, que se não tratada, ocasiona a morte.
Pernambuco
ocupa o terceiro lugar no Brasil em taxa de incidência de tuberculose (52,8
casos por mil habitantes em 2023) e o terceiro lugar em mortalidade (3,8 óbitos
por 100 mil habitantes). Anualmente, são registrados, em média, 5.149 mil novos
casos no Estado, com uma média de 372 mortes, caracterizando ser hiperendêmico [12].
De
acordo com o Sistema de Informação Mortalidade, pelo portal DATASUS entre os
anos de 2016 e 2022, no Município de Vitória de Santo Antão/PE, foram
registrados 436 casos de tuberculose, dessas 10 pessoas morreram [13].
No
que concerne ao abandono do tratamento, o DSC dos gestores para o
município em estudo diverge da realidade estadual, pois em Pernambuco houve uma
redução ao longo dos anos de 2012 a 2018, com taxas de variação de ( -
2,69%, - 4,36% e - 8,86%), atingindo a meta de menos 5% no último ano analisado
[14].
A
narrativa dos profissionais encontra-se em consonância com um estudo realizado
por Moreira, ao relatar a insalubridade como um potencial risco para a
disseminação da tuberculose em situação de privação de liberdade, confirmando
que ambientes pouco ventilados, com baixos padrões de higiene e limpeza,
nutrição inadequada, comportamento ilegal como o uso de álcool e outras drogas,
ou atividades sexuais, fazem com que essa população tenha um maior risco para
adoecimento e morte por tuberculose e AIDS [15].
O
discurso dos reeducandos segue conforme a definição
do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), ao relatar que os bacilos
da tuberculose são transmitidos de pessoa para pessoa através do ar, liberadas para
a atmosfera, quando uma pessoa com tuberculose pulmonar tosse, espirra, fala ou
canta, pessoas próximas podem respirar essas microbactérias e tornar-se
infectadas [16].
Muitos
obstáculos têm dificultado a implementação de estratégias para o controle da
tuberculose nas prisões, tendo como exemplo a falta informações para população
privada de liberdade, agentes penitenciários e outros profissionais que atuam
nesses serviços, além de uma subvalorização dos
sintomas, dificuldades de acesso aos serviços de saúde e baixa participação no
processo de tratamento e ações de prevenção [17].
Na
pergunta seguinte se enfatizou as ações de informação, educação e
sensibilização para o controle da TB no presídio, visto que são de grande
importância por dar visibilidade ao problema, possibilitar a desconstrução de
preconceitos, e de valores que sustentam práticas discriminatórias, ao mesmo
tempo em que favorecem a integração intragrupal [18].
Ideia
Central: Distanciamento das ações de promoção.
DSC
Gestores: Junto à população carcerária com tuberculose nunca realizei nada.
Ideia
Central: Ações intersetoriais, a busca ativa, e a importância da prevenção em
dias de visita.
DSC
Profissionais: Eu faço palestras educativas, as de tuberculose duas vezes no
ano. Além disso, tenho uma parceria com o pessoal da educação, e da
universidade, que sempre me ajuda. Uma semana antes da campanha de tuberculose,
os professores já começam a trabalhar o tema em sala de aula, por pavilhões
para alcançar a todos. No domingo, dia de visitas, também trabalho essas
campanhas através de panfletagem para a família, para que se tornem
multiplicadores de informação, faço busca ativa dos sintomáticos e o uso da
máscara.
Ideia
Central: Educação em saúde.
DSC Reeducandos: Já, participei de palestras duas ou três vezes
aqui, eu lembro até das pessoas da faculdade que vieram fazer as palestras.
A
Vigilância Epidemiológica possui diversas
competências que vão desde fornecer
orientação técnica e permanente para os
profissionais de saúde, divulgação de
informações, investigação,
ações de educação em saúde,
esclarecendo quanto aos
aspectos importantes da doença, sua transmissão,
prevenção e tratamento, essas
ações compreendem um ciclo de funções
específicas e intercomplementares
[19]. Uma vigilância eficaz compreende que o trabalho de conscientização
constitui um elemento importante para o controle da doença, priorizando o
diagnóstico precoce e a garantia do tratamento, um monitoramento por meio da
administração, gerenciamento e gestão do cuidado pode ser um fator decisivo e
que pode levar a cura [20]. Na realidade do município, conforme discurso, os
gestores nunca participaram de algum momento de promoção e prevenção de saúde
junto à população carcerária.
Diferente
da realidade encontrada em 18 Unidades de Saúde Prisional do Rio Grande do Sul em
2015, onde as atividades de educação em saúde não são rotineiras, e as
orientações aos familiares e visitantes não acontecem, cabendo ao próprio
privado de liberdade orientá-los, em contrapartida os profissionais de saúde do
presídio de Vitória de Santo Antão demonstram proatividade em desenvolver ações
intersetoriais de promoção à saúde no controle da tuberculose [20].
Ao
destacar a importância de ações educativas, que devem ser dirigidas às diversas
categorias integradas à comunidade, os profissionais entrevistados reforçam
também a importância dos grupos considerados confiáveis pela população
prisional, já que são uma importante fonte de informação, sensibilização, e
incentivo à busca do diagnóstico, e à adesão ao tratamento. Esses, considerados
promotores de saúde, por terem facilidade de acesso aos detentos, e por
desfrutarem de sua confiança, poderão disseminar informações, incentivar a
busca por diagnóstico, facilitar a comunicação entre o serviço de saúde e os
detentos, apoiando no tratamento, e participando de atividades de busca ativa
de casos em articulação com o pessoal da saúde, conforme a seguinte pergunta
[21].
Ideia
Central: A notificação como precursora ao acesso terapêutico.
DSC
Gestores: O diagnóstico é feito pela baciloscopia de escarro, o RX de tórax,
cultura do escarro, e o PPD se houver necessidade. O presídio traz a
notificação, e é disponibilizada a medicação ao funcionário do presídio. Todos
os meses eles trazem o escarro e a baciloscopia de controle, assim que o resultado
chega, é encaminhado para a unidade prisional.
Ideia
Central: O cárcere como aliado na confirmação diagnóstica e supervisão do plano
terapêutico.
DSC
Profissionais: Eu faço busca ativa diária, o nosso promotor da saúde é um
carcerário, ele passa o dia aqui me ajudando, e a partir das cinco horas, ele
entra, e deixa a chave, lá ele tem acesso direto com os reeducandos,
e assim quando um tosse, os próprio presos já são tão orientados pela equipe,
que basta um tossir duas ou três vezes, que eles falam para o monitor: - “ele
tá tossindo”, - “no pavilhão tal, fulano está perdendo peso, está sem querer
comer, está com febre no fim da tarde, aí fica aí de mururu
[astenia] escondido”, - “olha, esse bicho tá com tuberculose”. Imediatamente eu
solicito a baciloscopia de escarro, coleto e levo para a secretária de saúde.
Quando o resultado demora, imediatamente solicito o RX, onde o acesso aqui é
direto, eles têm essa liberdade, pede ao chaveiro, o mesmo abre a cela, eles
vêm falam: - “eu estou com dor de dente, dor de barriga.” Se for fazer uma
visita no corredor desses, para ir à escola numa atividade ou outra, eles
chamam e falam: - “estou com isso, com aquilo”, eles têm esse acesso. O
diagnóstico é feito pela baciloscopia e o RX de tórax, uma vantagem para tratar
tuberculose aqui no presídio, é que a medicação aqui é bem certinha, não falta,
tá uma coisa que funciona bem aqui. Faltou uma época aqui em 2015, um problema
de abastecimento nacional, mas foi pouco tempo, acho que só foram três semanas.
Todas as doses são supervisionadas, eles tomam aqui na frente do monitor de
saúde, ou qualquer profissional de saúde que esteja na hora. Quando eles não
vêm, eu vou buscar. Aqui não tem isso de dar a medicação ao preso, porque isso
seria uma moeda de barganha, então quando o paciente passa muitos meses aqui, o
índice de cura é total.
Ideia
Central: O cárcere como aliado na confirmação diagnóstica e supervisão do plano
terapêutico.
DSC Reeducandos: Para diagnóstico o exame de RX e escarro.
Quanto ao tratamento o cuidado foi bom, os profissionais me chamaram, me deram
o remédio, explicou tudinho e fiz o tratamento de 6 meses. Eu venho tomar todos
os dias de manhã, quando eu não venho, o rapaz vai me buscar.
Conforme
o discurso dos gestores, o município disponibiliza como exames diagnósticos a
baciloscopia de escarro, o RX de tórax, a cultura do escarro, e o PPD se houver
necessidade, seguindo as recomendações para o controle da tuberculose [22].
Estando em consonância com um estudo realizado por Allgaye,
em 2015, no qual os métodos de diagnósticos usados com mais frequência nas
unidades prisionais foram a baciloscopia, cultura de escarro e radiografia de
tórax [19].
Os
estabelecimentos de rotinas devem ser definidos com a área da saúde do sistema
penitenciário, com os programas estaduais e municipais de controle da
tuberculose, e com a rede laboratorial, de forma a garantir o fluxo das
amostras [22].
A
posição dos profissionais em relação à busca ativa diverge das recomendações
para que ela seja feita diariamente, e no momento de ingresso à unidade
prisional, além de ser feita periódica, e sistemática, uma vez por ano. Também
se indica realizar baciloscopia de escarro e radiológico de tórax para todos os
contatos que tiverem expectoração, independentemente da duração da tosse [23].
No que se refere as recomendações esse tipo de busca apresenta um grande
impacto no controle da tuberculose, pois tem um papel importante na detecção
precoce de casos, no controle do curso da doença, havendo a possibilidade de
tratar e identificar possíveis focos, impedindo novos casos. Um controle maior
e uma gestão qualificada do cuidado nas instituições penais pode repercutir na
diminuição da incidência de casos na comunidade.
Em
relação aos exames diagnósticos e medicação, o discurso dos profissionais e dos
reeducandos são discrepantes a um estudo realizado em
sete penitenciárias no estado da Paraíba, 2016, em que o tratamento diretamente
observado (TDO) nem sempre ocorria; na maioria das vezes, o tuberculostático
era deixado com o privado de liberdade sem a as devidas orientações, pois
segundo alguns profissionais eles sabem realizar o uso, o que ressalta que as
medicações não são administradas de forma observada e supervisionada, e feita
exclusivamente pelos profissionais de saúde da unidade [24].
O
tratamento da tuberculose na população privada de liberdade deve ser
Diretamente Observado (TDO) e realizado exclusivamente por profissionais de
saúde fortalecendo o vínculo, garantindo acesso ao serviço de saúde, reduzindo
a possibilidade de uso irregular do tratamento e favorecendo o reconhecimento
do preso como alguém que está doente, cujo cuidado é responsabilidade dele e
dos profissionais de saúde [25].
Ideia
Central: Acompanhamento do tratamento após a libertação, e a superlotação nos
presídios.
DSC
Gestores: As dificuldades são inúmeras, mas as principais é a do acompanhamento
assim que liberto, muitos mudam de telefone, e endereço, dificultando ou
impossibilitando o acompanhamento do tratamento. Outra dificuldade é a do
sistema prisional e a superlotação, fazendo com que haja disseminação das
doenças. As facilidades são de acesso junto a equipe, que tem a
responsabilidade de manter as notificações, e a medicação que é dada
corretamente e diariamente.
Ideia
Central: Situação em cárcere, tratamento diretamente observado, falhas no
sistema prisional, e o trabalho em equipe.
DSC
Profissionais: A principal facilidade é a aceitação do paciente ao tratamento,
aqui eles são todos orientados e não apresentam nenhuma resistência quanto ao
tratamento, eles entendem que tem um compromisso. Aqui o tratamento das doses
são 100% supervisionadas, garantindo tratamento até o fim quando o paciente
fica preso. A equipe é muito comprometida, dedicada, e competente, de A-Z todos
trabalham unidos, todos falam a mesma língua. Tenho um monitor muito atento, e
uma enorme facilidade pra realizar diagnóstico, prevenção e tratamento. Nenhuma
unidade prisional você verá o que está vendo aqui como: controle de hipertensão
arterial, tuberculose, controle de HIV, controle de tudo, aqui os números são
fidedignos, cada profissional de saúde, possui sua pasta. Todos os privados de
liberdade são atendidos pelo médico, enfermeiro, assistente social, psicólogo,
ou seja, uma equipe multiprofissional, todos eles têm cadastro no SUS, e o
cartão do SUS, aqui temos uma equipe que funciona como o Núcleo de Apoio à
Saúde de Família (NASF). Já as dificuldades são inúmeras, o que dificulta meu
trabalho é a falta de espaço, aqui não possui um espaço para realizar o
isolamento respiratório, má ventilação, aglomeração de pessoas, impossibilidade
de realizar a busca ativa dos contactantes por
motivos de aglomeração. Outra dificuldade é fazer uma coleta de escarro, aqui
ela é feita no pavilhão, eu não posso pegar um preso e levar para a quadra e
realizar essa coleta, pois existe a questão da segurança. Aqui possui um grande
entrave, que é a segurança, pois não se trata de pessoas qualquer, e sim de
pessoas perigosas que cometeram coisas muito graves. Numa saída dessas, para
fazer o teste, ele pode arranjar um problema, basta um passar pelo outro no
corredor e ser inimigo. Outra dificuldade é o uso da máscara NR95 que não vem,
então eles fazem uso da máscara comum, e a do sistema em contratar pessoas, e
não realizar concurso público.
Ideia
Central: Continuidade do tratamento.
DSC Reeducandos: Eu fiz o tratamento completo de seis meses
tomando o remédio, e depois não acusou mais nada. Os profissionais de saúde
também queriam que eu usasse máscara, mas eu não usei.
Em
concordância com os três grupos, profissionais, gestores, e reeducandos
a principal facilidade é o plano terapêutico, cuja medicação é fornecida
diariamente e supervisionada, para todos os casos diagnosticados. Em outro
estudo, realizado em uma Penitenciária Masculina Padrão Regional em um
município do estado da Paraíba, 2023, também foi identificada uma boa
organização dos profissionais de saúde e boa adesão dos internos ao tratamento
que era realizado de forma supervisionada, não havendo nenhum caso de abandono
relatado durante o estudo [26].
As
pessoas tratadas com TDO têm maior probabilidade de cura e de não evoluir para a
TB-MR (tuberculose multirresistente) do que aquelas que não têm acesso a esta
estratégia. Além disso, tem o poder de aproximar os profissionais dos doentes,
fortalecendo o vínculo, e estabelecendo a confiança entre ambos,
apresentando-se também como um importante momento para esclarecer ao paciente
todas as informações sobre a doença [27]. Assegurar a continuidade do
tratamento após o livramento constitui um grande desafio, visto que o momento
do livramento não é conhecido com antecedência, e o local, onde o privado de
liberdade vai se instalar após sua libertação, é incerto [28].
É
de extrema importância que, assim que eles iniciem o tratamento, possam ter em
seu poder um documento de encaminhamento, contendo informações sobre a data de
início e o esquema de tratamento, para dar continuidade ao seu tratamento em
outra unidade [26]. Durante o tempo em que permaneceu na prisão, o máximo de
informações devem ser fornecidas ao paciente de forma a conscientizá-lo sobre a
importância da continuidade do tratamento após o livramento, e a unidade
penitenciária tem o dever de comunicar a transferência do paciente à vigilância
epidemiológica do município para que ele possa dar continuidade ao tratamento
[29].
Uma
dificuldade relatada pelos gestores e profissionais é a superlotação. Em estudo
realizado no Espírito Santo, observou-se que a maioria dos casos de tuberculose
se concentravam em estabelecimentos provisórios com taxa de ocupação entre 100
e 199,99% [27].
Além
disso, a elevada incidência de tuberculose em ambientes carcerários está
geralmente condicionada a comportamentos individuais de risco, tais como o
abuso de drogas ilícitas, alcoolismo, coinfecção com o HIV, além dos fatores
ambientais, como ventilação e iluminação precárias, celas superlotadas e
também, diagnóstico tardio de TB [30].
Outra
dificuldade encontrada na fala dos profissionais é o uso da máscara, pois o
controle da infecção deve ser feito de forma que diminua o risco de exposição
dos pacientes a pessoas com tuberculose infectante, controle da expansão e
redução da concentração de partículas infectantes em suspensão com sistemas de
ventilação, salas de isolamento de pacientes com maior risco de infecção, uso
de proteção respiratória individual (máscaras) em áreas com maior risco de
exposição ao M. tuberculosis, que, conforme o
discurso, são disponibilizadas, mas o reeducandos não
fazem uso.
Uma
melhor compreensão da transmissão da tuberculose e como interrompê-la é
fundamental para coibir a tuberculose endêmica, e tais estratégias precisam ser
incorporadas aos programas de controle da tuberculose de configurações de alta
carga, principalmente nas particularidades que envolvem a cadeia de transmissão
nas unidades prisionais.
Quanto
às dificuldades e limitações do estudo, pode-se frisar o acesso ao presídio, o
preconceito da temática do estudo, e a ambiência para a realização das
entrevistas, principalmente pelos privados de liberdade. A presença dos agentes
penitenciários durante as entrevistas ocasionava intimidação durante as
respostas.
Pode-se
observar no estudo que a percepção dos gestores, profissionais de saúde e
usuários sobre as ações da vigilância epidemiológica para o controle da
tuberculose em um presídio no Estado de Pernambuco convergem no bem-sucedido
tratamento supervisionado, nas ações educativas realizadas pelos profissionais
de saúde, na intersetorialidade, e solidificação da rede de atenção à saúde
para a realização de exames de confirmação diagnóstica.
Contudo,
contrapõe as barreiras assistenciais relacionadas ao estado de privação, pois
as doenças infectocontagiosas são abundantes nesta população, sua disseminação
e contágio está relacionada ao indivíduo e as condições de vida na prisão,
aumentando o risco de disseminação de doenças.
É
complexo seguir na contramão de um sistema que inviabiliza os já excluídos
socialmente, pois as condições de trabalho e estrutura do sistema prisional
dificultam as ações de saúde realizadas pelos profissionais. Quando se identifica
um caso de tuberculose, os contactantes são inúmeros,
pois eles vivem amontoados, sem circulação de ar e iluminação, além da
superlotação e falta de espaço para isolamento respiratório.
O
estudo contribuiu para sobressaltar que, mesmo com normas que assegurem as
condições de vida e saúde entre os privados de liberdade, ainda existem
barreiras para a efetividade das ações da vigilância epidemiológica e a
problemática da tuberculose. Trata-se de uma questão social e política, que
precisa ser enfrentada pela sociedade como um todo, tornando-se necessárias
ações efetivas de controle à doença no ambiente prisional.
Conflitos
de interesse
Não
há conflitos de interesse.
Fontes
de financiamento
Financiado
por parte dos autores.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Siqueira PMA, Barros MBSC; Coleta de dados: Siqueira PMA, Barros
MBSC; Análise e interpretação dos dados: Siqueira PMA e Barros MBSC; Análise
estatística: Siqueira PMA, Barros MBSC; Redação do manuscrito:
Siqueira PMA, Barros MBSC, Valença ABM; Revisão crítica do manuscrito quanto
ao conteúdo intelectual importante: Siqueira PMA, Barros MBSC, Silva MBA,
Lima AWS, Ferreira KCVM, Bushatsky M, Monteiro EMLM