Enferm Bras. 2023;22(5):532-46

doi: 10.33233/eb.v22i5.4978

ARTIGO ORIGINAL

Análise do conhecimento dos gestores de escolas de educação infantil sobre as políticas públicas de alimentação e nutrição

 

Luciana Patrícia Brito Lopes1,2, Cheila Nataly Galindo Bedor1, Ferdinando Oliveira Carvalho1

 

1Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Juazeiro, BA, Brasil

2Faculdade UniFTC, Petrolina PE, Brasil

 

Recebido em: 10 de novembro de 2022; Aceito em: 28 de agosto de 2023.

Correspondência: Luciana Patrícia Brito Lopes, lucipatilopes@gmail.com

Como citar

Lopes LPB, Bedor CNG, Carvalho FO. Análise do conhecimento dos gestores de escolas de educação infantil sobre as políticas públicas de alimentação e nutrição. Enferm Bras. 2023;22(5):532-46. doi: 10.33233/eb.v22i5.4978

 

Resumo

Introdução: A partir dos anos 1980 a obesidade mundial quase que duplicou, apresentando uma alta prevalência nas Américas, tendo maiores índices em países como México, Chile e Estados Unidos em que a cada 10 adultos, 7 apresentam obesidade. Objetivo: Estudar a aplicação da política pública de alimentação e nutrição em escolas de um município no sertão Pernambucano. Métodos: Estudo descritivo, transversal, qualitativo realizado com gestores das escolas municipais de educação infantil do município do sertão pernambucano. Foram incluídas 29 escolas de ensino infantil que atendiam escolares a partir dos cinco anos de idade, com o objetivo de avaliar a aplicabilidade da PNAN, PNAE e PSE nessas escolas. Aceitaram participar do estudo 27 gestores, sendo esses coordenadores pedagógicos, diretores ou vice-diretores, além da coordenadora da merenda escolar do município. Resultados: Emergiram as categorias: A importância da percepção da alimentação saudável como promoção de saúde; A aplicação da Política Nacional de alimentação e nutrição em Escolas. Conclusão: O desconhecimento da PNAN entre a maioria dos gestores é preocupante, pois a parceria escola, governo e família são essenciais para a diminuição do excesso de peso. A partir do momento que uma destas partes é negligenciada a ação e resolução do problema torna-se de difícil elucidação e cada vez mais o desafio de se reduzir os índices de sobrepeso e obesidade tornam-se distantes.

Palavras-chave: políticas públicas de saúde; dieta saudável; obesidade; estudantes; alimentação escolar

 

Abstract

Analysis of the knowledge of the managers of early childhood education schools on the public policies of food and nutrition

Introduction: Since the 1980s, world obesity has almost doubled, with a high prevalence in the Americas, with higher rates in countries such as Mexico, Chile and the United States in which 7 people are obese for every 10 adults. Objective: To study the application of public food and nutrition policy in schools in a municipality in the state of Pernambuco. Methods: Descriptive, cross-sectional, qualitative study conducted with managers of the municipal schools of early childhood education in the municipality state of Pernambuco. Twenty-nine early childhood schools that attended schoolchildren from the age of five were included, aiming to evaluate the applicability of PNAN, PNAE and PSE in these schools. Twenty-seven managers agreed to participate in the study, being these pedagogical coordinators, principals or vice-principals, in addition to the coordinator of the municipal school lunch. Results: The following categories emerged: The importance of the perception of healthy eating as health promotion; The implementation of the National Food and Nutrition Policy in Schools. Conclusion: The ignorance of PNAN among most managers is worrisome because the partnership between school, government and family are essential for reducing overweight. From the moment one of these parts is neglected the action and resolution of the problem becomes difficult to elucidate and increasingly the challenge of reducing the rates of overweight and obesity become distant.

Keywords: health policy; healthy diet; obesity; students; school feeding

 

Resumen

Análisis del conocimiento de los gestores de las escuelas de educación infantil sobre las políticas públicas de alimentación y nutrición

Introducción: Desde la década de 1980, la obesidad mundial casi se ha duplicado, con una alta prevalencia en las Américas, con tasas más altas en países como México, Chile y Estados Unidos en los que 7 personas son obesas por cada 10 adultos. Objetivo: Estudiar la aplicación de la política pública de alimentación y nutrición en las escuelas de un municipio de Pernambuco. Métodos: Estudio descriptivo, transversal, cualitativo realizado con directivos de las escuelas municipales de educación infantil del municipio Pernambucano. Se incluyeron veintinueve escuelas de la primera infancia que asistían a escolares desde la edad de cinco años, con el objetivo de evaluar la aplicabilidad de PNAN, PNAE y PSE en estas escuelas. Veintisiete gerentes aceptaron participar en el estudio, siendo estos coordinadores pedagógicos, directores o subdirectores, además del coordinador del almuerzo escolar municipal. Resultados: Surgieron las siguientes categorías: La importancia de la percepción de la alimentación saludable como promoción de la salud; La implementación de la Política Nacional de Alimentación y Nutrición en las Escuelas. Conclusión: La ignorancia del PNAN entre la mayoría de los gerentes es preocupante porque la asociación entre la escuela, el gobierno y la familia son esenciales para reducir el sobrepeso. Desde el momento en que se descuida una de estas partes, la acción y resolución del problema se vuelve difícil de dilucidar y cada vez más se aleja el desafío de reducir las tasas de sobrepeso y obesidad.

Palabras-clave: políticas de salud pública; dieta saludable; obesidad; estudiantes; alimentación escolar.

 

Introdução

 

A partir dos anos 1980, a obesidade mundial quase que duplicou, apresentando uma alta prevalência nas Américas, tendo maiores índices em países como México, Chile e Estados Unidos em que a cada 10 adultos, 7 apresentam obesidade [1].

No Brasil, os índices de desnutrição observados na década de 80, que mostravam a vulnerabilidade social e de saúde da população, deu lugar ao ganho de peso. Ocorrendo um aumento do excesso de peso na população adulta de 18,5% entre 1974-1975 para 52,5% em 2014 e aumento na prevalência de obesidade de 2,8% para 17,9% no mesmo período [2].

A ocorrência de excesso de peso entre as crianças, no país, também se mostrou significativa, pois os dados mais recentes divulgados mostram que 10% destas até os 5 anos apresentaram esse problema, dos quais um quinto (18,6%) desta faixa etária estão em uma zona de risco de sobrepeso [3].

Define-se excesso de peso o acúmulo de gordura corporal, desencadeada pelo desequilíbrio entre a ingesta de calorias e seu gasto diário, prejudicando a saúde do indivíduo, e tornando-o vulnerável a diversos tipos de patologias [1,4].

Vários fatores podem desencadear o ganho de peso no indivíduo, tais como: sociais, ambientais, psicológicos, estilo de vida e genéticos [5]. Porém quando esses são expostos a ambientes não saudáveis, com fácil acesso a alimentos e bebidas industrializados, estes tornam-se ingredientes importantes para o aumento do sobrepeso e obesidade [1].

Com o intuito de diminuir estes índices de obesidade, o Sistema Único de Saúde (SUS) criou, em 2010, a Política Nacional de alimentação e Nutrição (PNAN) que tem como propósito a melhoria das condições de alimentação, nutrição e saúde da população brasileira, mediante a promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis, a vigilância alimentar e nutricional, a prevenção e o cuidado integral dos agravos relacionados à alimentação e nutrição [6], que podem ser orientados por nutricionistas, enfermeiros, médicos e educadores físicos.

Complementando a PNAN, destacam-se os programas Saúde na Escola (PSE), que objetiva promover saúde integral às crianças, adolescentes, jovens e adultos através de ações intersetoriais entre Unidades Básicas de Saúde (UBS) e escolas e o Programa de Nutrição Escolar (PNAE), que consiste em ofertar aos estudantes da educação básica de escolas públicas, federais e filantrópicas do país uma alimentação adequada e saudável. Esses executam um melhor acompanhamento da saúde da população escolar no Brasil [7].

Um dos setores primordiais para a implementação de ações no combate à obesidade infantil é o ambiente escolar, pois este exerce influência na vida dos estudantes, repassando a estes valores que são expressos por meio de práticas educacionais com hábitos de higiene e alimentação adequados para o bom desenvolvimento infantil, porém há muito que se averiguar sobre a subjetividade que é dada ao professor e à escola para conduzir tais temas [8]. Nesse sentido, orientações feitas por profissionais (Enfermagem, nutricionistas, educadores físicos e médicos) qualificados podem auxiliar nessas práticas.

Diante do exposto, o presente artigo objetivou estudar a aplicação da política pública de alimentação e nutrição em escolas de um município no sertão Pernambucano.

 

Métodos

 

Estudo descritivo, transversal, qualitativo realizado com gestores das escolas municipais de educação infantil do Sertão Pernambucano.

No momento do estudo, o município possuía na zona urbana 46 escolas de ensino infantil, 29 destas atendiam escolares a partir dos cinco anos de idade. Objetivando avaliar a aplicabilidade da PNAN, PNAE e PSE nessas escolas, aceitaram participar do estudo 27 gestores, sendo esses coordenadores pedagógicos, diretores ou vice-diretores, além da coordenadora da merenda escolar do município.

A população do estudo foi constituída de 25 mulheres e 2 homens, tendo a maioria (81,4%) mais de 10 anos de exercício profissional na área de gestão, coordenação ou ensino. A coordenadora da merenda escolar do município trabalha na educação há 20 anos, exercendo o cargo há oito anos.

A coleta dos dados foi realizada nos meses de maio a julho de 2016 por meio de entrevistas guiadas por roteiro semiestruturado. As entrevistas eram individuais e marcadas previamente.

O roteiro de entrevista versava sobre o conhecimento dos gestores sobre a PNAN, PNAE e PSE. Já para a coordenadora da merenda escolar do município tinha como propósito o conhecimento e aplicabilidade desta política e programas de alimentação para escolares, já que se dava a participação dos profissionais das escolas do município ligados diretamente ao PNAE (nutricionistas, merendeiras, gestor escolar).

As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para avalizar as declarações e garantir a fidedignidade dos dados.

Para análise dos dados foi realizada uma leitura superficial, flutuante, de todo o material e posteriormente uma leitura minuciosa do material coletado, como propõe Bardin (2011) [9]. Após o surgimento de termos repetidos entre os entrevistados acerca de conceitos de saúde, conhecimento sobre riscos à saúde das crianças e a política pública de alimentação e nutrição, foram elencadas categorias e subcategorias.

Para assegurar o anonimato, os entrevistados foram identificados, por códigos, seguindo a ordem de entrevista, sendo D para diretor, VD vice-diretor, CP coordenador pedagógico, C coordenador.

Este estudo atendeu às normas da resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sendo aprovada pelo comitê de ética em Pesquisa da Universidade Federal do Vale do São Francisco (parecer nº 1.520.819, de 28 de Abril de 2016).

 

Resultados

 

Das 46 escolas municipais da zona urbana de Petrolina/PE, 29 (63%) foram elencadas para a realização de entrevistas com seus gestores objetivando avaliar o conhecimento desses sobre políticas públicas de alimentação e nutrição. Desses 27(93,1%) coordenadores pedagógicos, diretores, vice-diretores e a coordenadora da merenda escolar do município aceitaram participar do estudo.

Dentre os gestores entrevistados, 25 (92,6%) das participantes eram do gênero feminino. 22 (81,4%) tinham mais de 10 anos de exercício profissional na área de gestão, coordenação ou ensino. A caracterização da amostra está representada no quadro 1.

 

Quadro 1 - Perfil dos gestores escolares do município de Petrolina – 2016

 

Fonte: A autora*; D = diretor; VD = vice-diretor; CP = coordenador pedagógico** F: sexo feminino; M: sexo masculino; *** NI: não informado

 

Além dos gestores das escolas também foi entrevistada a coordenadora da merenda escolar do município, que trabalha na educação há 20 anos e exerce esse cargo na gestão há 8 anos.

A partir da análise dos discursos foram construídas duas categorias temáticas, cada uma com três subcategorias. Para melhor entendimento dessas, foram selecionados excertos que visam a representar e caracterizar os achados encontrados.

 

Categoria 1: Concepção do gestor sobre alimentação saudável.

1.1-Subcategoria: Entendimento sobre alimentação saudável.

1.2- Subcategoria: Entendimento sobre promoção de saúde.

1.3- Subcategoria: Orientação aos pais e estudantes sobre alimentação saudável.

 

Categoria 2: Entendimento e operacionalização da Política Nacional de Alimentação e Nutrição.

2.1- Subcategoria: Orientação do cardápio

2.2- Subcategoria: Existência de parceria entre Unidade de Saúde e Escola

2.3 - Subcategoria: Conhecimento sobre PNAN, PNAE e PSE

 

As categorias são apresentadas a seguir:

Esse estudo dialoga, a partir da fala dos atores entrevistados, como as Políticas e Programas voltados para alimentação são aplicados nas escolas municipais de educação infantil.

A importância da percepção da alimentação saudável como promoção de saúde.

 

“É não comer gordura, é ter uma alimentação mais de vegetais, muita fruta, e menos massa” (D2).

“Ações direcionadas pelo poder público ou de iniciativa pessoal que fomentem a uma prática, seja ela esportiva ou estilo de vida saudável, onde é preciso entender o contexto de como os alimentos são produzidos e o que rege toda a demanda do processo” (CP1).

“Promover saúde pra mim é justamente esse trabalho que é feito com a saúde, esse trabalho de conscientização, que a escola também faz, de certa forma, porque a gente tem uma parceria com a Unidade de Saúde, deveria ser maior, mas a gente tem essa parceria, inclusive aqui na escola a gente já promoveu algumas palestras, com a questão da alimentação” (D13).

 “Seria através de projetos, campanhas dos órgãos públicos, seriam parcerias das Universidades, da sociedade em geral” (D5).          

 

Ao serem questionados sobre a existência de orientação sobre alimentação saudável para os alunos, muitos gestores afirmaram que essa orientação é realizada pelos professores nas salas de aula, uma vez que o tema está presente no currículo escolar:

 

“Os professores orientam, porque dentro do cronograma tem pra eles orientarem” (CP3).

 

A aplicação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição em escolas

 

 “É oferecida de acordo com o cardápio que a gente tem. E é uma alimentação que a gente busca seguir os padrões que é apresentado pela nutricionista que eles dizem que é favorável a saúde a aprendizagem do aluno” (D16).

 “Os nutricionistas da secretaria de educação elaboram para a rede toda, geralmente é seguido de acordo com o que tem, como nós sabemos que os alimentos perecíveis vêm a cada 15 dias, mas se atrasar, e tiver ali uma sopa que precisa de legumes e verduras, aí já vai ter que ser substituído, mas geralmente a orientação realmente é seguir o que está lá no cardápio” (D1).

“...Às vezes não dá pra seguir à risca, a gente iniciou esse ano, ainda teve uns imprevistos em relação à entrega de frutas que a gente não recebeu, mas quando esta vem regular a entrega da pra seguir bem direitinho o cardápio. Porém quando chega acabam apodrecendo, deveriam entregar em menor quantidade e semanalmente” (D13).

 “Tem palestras, não são frequentes, duas vezes por ano. Professores, nutricionistas da secretaria, estão sempre dispostos a nos atender” (D14).

 “Tem sim, desde que eu cheguei aqui que a gente vem fazendo essa parceria, ano passado elas fizeram um trabalho, pesaram as crianças, mediram altura e fizeram esse acompanhamento. Inclusive eles concluíram ano passado... mas ainda não houve o retorno, ficou pra ser agora, na verdade era pra ter sido ano passado, o que fizeram foi um levantamento de pesquisa, essas questões de sobrepeso, mas o retorno à escola eles ainda não deram” (D13).

 

Outros gestores referiram serem essas políticas municipais e não nacionais.

 

“Existe a política da merenda saudável do município de Petrolina onde existem ações direcionadas nesse sentido” (CP1).

O fato da maioria dos gestores desconhecerem a PNAN não é reconhecido pela coordenadora da merenda escolar no município.

“Os gestores escolares, participam periodicamente de capacitação sobre a merenda escolar... mês passado mesmo teve uma... eles também têm acesso ao portal do FNDE, que dentre outras informações, tem um link para acesso às informações sobre a merenda escolar...” (CME).

''Tem a política nacional de alimentação escolar, é uma política nacional, então todo cardápio é submetido a umas regras, daí tem uma cartilha de alimentação escolar que vem claramente falando sobre todos os tipos alimentares, tanto para as crianças que tem desenvolvimento típico, quanto às crianças que têm alguma disfunção fisiológica” (D6).

 

Discussão

 

Um dos objetivos da PNAN é a melhoraria das condições de alimentação, nutrição e saúde, em busca da garantia da segurança alimentar e nutricional da população brasileira [6]. Bons hábitos de saúde, incluindo a prática da alimentação saudável, devem ser iniciados desde os primórdios da vida do indivíduo. Quanto mais cedo a pessoa aprender bons hábitos alimentares, mais fácil de permanecer com estes por toda a vida [10].

A má alimentação pode ocasionar riscos à saúde como, por exemplo, problemas cardiovasculares, pois quanto menor o acesso a alimentos saudáveis, maiores as chances para o desenvolvimento de doenças como obesidade e dislipidemias [11]. O hábito de se alimentar bem ultrapassa certas condições sociais e econômicas, uma vez que, além da renda ser condicionante para a aquisição de maior oferta de alimentos saudáveis o nível de escolaridade das pessoas é considerado um fator primordial para aquisição de bons hábitos de saúde inclusive alimentar [12].

Esse objetivo está em consonância com a promoção de saúde, já que essa promoção supõe uma concepção que não restrinja a saúde à ausência de doença, mas que seja capaz de atuar sobre seus determinantes. Incidindo sobre as condições de vida da população, extrapola a prestação de serviços clínico-assistenciais, supondo ações intersetoriais que envolvam a educação, o saneamento básico, a habitação, a renda, o trabalho, a alimentação, o meio ambiente, o acesso a bens e serviços essenciais, o lazer, entre outros determinantes sociais da saúde [13].

As ações educativas relacionadas a alimentação e nutrição constam como diretrizes para inclusão no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo, abordando a temática no ambiente escolar [14]. Assim, todos os sujeitos atuantes nas escolas devem estar envolvidos no processo de ensino à saúde dos escolares, a partir da elaboração de estratégias para melhor aplicabilidade nas orientações tanto para os escolares quanto para os seus familiares [15].

Percebe-se com as falas dos gestores, que há uma delegação desta atividade apenas ao professor em sala de aula, sem existir entre a equipe um planejamento anual ou periódico das atividades propostas durante o período letivo, tal achado corrobora o estudo [16], que investigou o planejamento e desenvolvimento de promoção à saúde nas escolas brasileiras a partir da visão dos profissionais da saúde e da educação e percebeu uma desarticulação entre estes integrantes.

Esta situação acaba por trazer uma limitação às ações de saúde no ambiente escolar e também familiar. A partir do momento que existem ações conjuntas entre profissionais das escolas, familiares e profissionais de saúde, ações direcionadas e mais efetivas poderão ser realizadas e bons hábitos alimentares poderão ser aplicados no dia a dia destes escolares [17].

A integralidade na atenção nutricional implica a articulação entre os diversos setores sociais como o sistema público de saúde, educacionais e familiares das crianças, seguindo o que preconiza a PNAN para a adoção de medidas que promovam segurança alimentar à população tanto na oferta de alimentos em quantidade e qualidade suficiente sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas [6].

Quando a prefeitura recebe, administra e presta conta dos seus gastos ao Governo Federal ocorre o sistema centralizado. Neste sistema a prefeitura é responsável pela aquisição e distribuição dos alimentos e também pela elaboração dos cardápios. Já na escolarização a transferência dos recursos é feita de forma direta às creches e escolas pertencentes à sua rede, que passam a se responsabilizar pela execução do programa, sendo possível também a combinação das duas modalidades de gestão, chamada de gestão mista [18].

É interessante observar que neste modelo de administração de recursos, os gestores acabam não se incluindo como sujeitos atuantes neste processo alimentar na sua unidade de gestão, cabendo a ele apenas administrar e acompanhar a aceitabilidade do cardápio ofertado e repassar estas informações à Secretaria de Educação [19]. Apesar de não ser do conhecimento dos gestores, esses têm consciência de que o cardápio é programado e enviado para a escola, onde será executado:

Para que ocorra de maneira efetiva a descentralização, a fim de alcançar uma maior aproximação entre todas as especificidades alimentares, o PNAE indica o planejamento de cardápios diferenciados. Essa diferenciação também não foi observada em estudo no Estado de Santa Catarina, que apresentou cardápios padronizados para todas as unidades de ensino, além de dificuldades na oferta de produtos e fornecedores [20].

Outro ponto a ser discutido é a introdução de frutas e verduras através da agricultura familiar, que segundo a coordenadora da merenda escolar não estava sendo realizada devido a problemas com a licitação por parte da prefeitura, a aquisição dos alimentos estava sendo feita por uma empresa privada. A aquisição de gêneros alimentícios como apoio ao desenvolvimento sustentável, produzidos por agricultores locais está inserida entre as diretrizes do PNAE. Segundo a lei n. 11947 de 16 de junho de 2009 -Art. 14:

Do total dos recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), no mínimo 30% deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas [7].

A aquisição de que trata este artigo poderá ser realizada dispensando-se o procedimento licitatório, desde que os preços sejam compatíveis com os vigentes no mercado local, observando-se os princípios inscritos no art. 37 da Constituição Federal, e os alimentos atendam às exigências do controle de qualidade estabelecidas pelas normas que regulamentam a matéria.

A parceria entre outros setores públicos voltados à saúde dos escolares também foi investigada principalmente entre a unidade básica de saúde e as escolas através do Programa Saúde na Escola (PSE), política Inter setorial entre os ministérios da Saúde e Educação que visa promover saúde integral a crianças e jovens nas escolas, interligando, creches e pré-escolas, ocorrendo assim uma junção de diversos profissionais envolvidos em um só propósito: a melhoria da qualidade de vida das crianças e jovens [7].

As ações do PSE, em todas as dimensões, devem estar inseridas no projeto político pedagógico da escola, levando-se em consideração o respeito à competência político executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País e à autonomia dos educadores e das equipes pedagógicas [21].

Exemplos de ações que podem ser fomentadas a partir dessa parceria são realizações de eventos de educação em saúde no ambiente escolar, com palestras educativas, atualização do calendário vacinal, avaliação clínica e nutricional, práticas esportivas e culturais; realização de oficinas culinárias em parceria com a comunidade escolar, valorizando frutas e verduras produzidas localmente e o estabelecimento de espaços de divulgação de informações sobre alimentação e nutrição [22].

Tal achado foi equivalente a estudo [23] que ao verificarem a efetividade do PSE na promoção à saúde do adolescente, observou-se uma dificuldade dos gestores em articular ações entre esse público e as Unidades Básicas de Saúde (UBS), principalmente no retorno e importância dessas ações.

Pode-se inferir que o PSE está presente na maioria das escolas entrevistadas, porém poucos gestores souberam o nome do programa, assim como explicar com mais detalhes do que se trata, apenas relatando que há uma parceria, devido aos funcionários da área de saúde estarem sempre presentes praticando ações nas escolas.

A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) surge como forma de controle dos problemas nutricionais de relevância na Saúde Pública, e para contribuir na melhoria das condições da saúde da população, mediante a promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis, garantindo assim melhor qualidade de vida para as pessoas, principalmente o público infantil [6].

O programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é um programa de assistência financeira suplementar com vistas a garantir no mínimo uma refeição diária aos alunos beneficiários. Quando surgiu na década de 50 era chamado Programa Nacional de Merenda Escolar (PNME) tendo como objetivo combater a fome nos Estados do Nordeste, porém foi avançado para outras regiões e hoje já atinge todo território nacional. Em conjunto com a PNAN, integram ações para melhorias das condições de alimentação, nutrição e saúde da população brasileira na prevenção e cuidado integral das doenças relacionadas à alimentação e nutrição [7].

Ocorre certa ambiguidade quando os gestores mencionam sobre o programa de alimentação e nutrição ofertado, ora entendem que é um dever do estado ofertar o alimento outra não sabem como implementá-la. Este desconhecimento da legislação dificulta a implementação do programa [24].

Tal situação fere o que preconiza o PNAE que entre as suas diretrizes garante o direito à alimentação escolar, fornecendo segurança alimentar e nutricional de forma igualitária, respeitando as diferenças biológicas entre idades e condições de saúde dos alunos que necessitem de atenção específica [7].

      Uma merenda escolar adequada às necessidades específicas de algumas crianças ainda é pouco utilizada nas escolas, fazendo com que estas não tenham acesso aos alimentos específicos para a sua condição. O que contribui com o afastamento dessas crianças da escola ou em prejuízos à saúde de uma alimentação específica [25].

 

Conclusão

 

A maioria dos gestores de escolas municipais de educação infantil do município de Petrolina/PE mostrou desconhecimento sobre a Política Nacional de Alimentação e Nutrição, bem como sua aplicabilidade e os programas advindos dela. Ocorrendo assim uma necessidade de reavaliação da aplicabilidade da PNAN e programas decorrentes dessa nas escolas.

Também se faz necessária uma avaliação de todos os integrantes previstos no processo, inclusive os gestores escolares, pois, apesar desta política ser aplicada nas escolas, ainda ocorrem falhas tanto na parte administrativa quanto nas de recursos humanos.

O empenho por parte da gestão da merenda escolar do município, assim como dos gestores nas escolas, poderá ajudar no controle dos altos índices de sobrepeso e obesidade para que assim ocorram melhorias na merenda ofertada, respeitando as limitações dos escolares, conseguindo absorver maior quantidade de pessoas e as limitações quanto ao tipo de alimento fornecido serão resolvidas.

O desconhecimento da PNAN entre a maioria dos gestores é preocupante, pois a parceria escola, governo e família são essenciais para a diminuição do excesso de peso. A partir do momento que uma destas partes é negligenciada a ação e resolução do problema torna-se de difícil elucidação e cada vez mais o desafio de se reduzir os índices de sobrepeso e obesidade tornam-se distantes.

O gestor empenhado em busca de maior conhecimento por ações de saúde, incluindo ações para alimentação saudável, contribuirá na sua escola em uma melhor aplicabilidade e direcionamento das necessidades dos escolares, não percebendo a alimentação escolar apenas para atender carências nutricionais. Este se tornará um facilitador ou mediador de ações, promovendo melhor a promoção à saúde especificamente das crianças, atuando de forma direta em doenças advindas da má alimentação, dentre elas a obesidade infantil.

A alimentação na escola vista como uma ação de promoção da saúde pode ser favorável no combate à obesidade infantil, por esse ser um espaço privilegiado para o desenvolvimento das crianças e fornecimento de informação a toda comunidade escolar.

 

Agradecimentos

À Secretaria de Educação do Município de Petrolina/PE por aceitar o desenvolvimento do estudo nas escolas municipais.

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve fontes de financiamento

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Lopes LPB, Bedor CNG, Carvalho FO; Coleta de dados: Lopes LPB; Análise e interpretação dos dados: Lopes LPB; Bedor CNG; Redação do manuscrito: Lopes LPB, Bedor CNG, Carvalho FO; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Lopes LPB, Bedor CNG, Carvalho FO.

 

Referências

 

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