Enferm Bras 2022;21(2):126-40

doi: 10.33233/eb.v21i2.4988

ARTIGO ORIGINAL

Glosa hospitalar: indicador e análise por meio da troca de informações de saúde suplementar

 

Ingrid Gomes de Campos Truzzi*, Marli de Carvalho Jericó**, Antônio Fernandes Costa Lima***, Raquel Silva Bicalho Zunta****, Débora Soares de Oliveira*****, Helena Maria Romcy******

 

*Departamento da Pós-Graduação, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto /FAMERP, São José do Rio Preto, SP, **Departamento de Enfermagem Especializada, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/FAMERP, São José do Rio Preto, SP, ***Departamento de Orientação Profissional, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, ****Departamento de Enfermagem, Universidade Paulista, São Paulo, SP, *****Departamento da Pós-Graduação, Faculdades Pequeno Príncipe, Curitiba, PR, ******Departamento de Auditoria, Secretaria do Município de Fortaleza SMS/CEAUD, Fortaleza, CE

 

Recebido em 18 de novembro de 2021; Aceito em 20 de março de 2022.

Correspondência: Ingrid Gomes de Campos Truzzi, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416 Vila São Pedro 15090-000 São José do Rio Preto SP

 

Ingrid Gomes de Campos Truzzi: igtruzzi@gmail.com  

Marli Carvalho Jericó: marli@famerp.br

Antônio Fernandes Costa Lima: tonifer@usp.br  

Raquel Silva Bicalho Zunta: rsbzunta@gmail.com  

Débora Soares de Oliveira: deb_sol19@yahoo.com.br  

Helena Maria Romcy: helenaromcy@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Analisar as glosas efetuadas pelas operadoras em instituições privadas para melhoria no processo. Métodos: Pesquisa quantitativa descritiva, de campo, transversal, no ano de 2018, em dois hospitais. A amostra não probabilística foi de 488 demonstrativos de pagamento. Resultados: A taxa média de glosa global no hospital 1 foi de 10,90%/ano e no hospital 2, de 5,44%/ano. Quanto aos tipos de glosas, no hospital 1, o valor foi de R$ 221.262,25 (68,70%) administrativas e R$ 100.839,58 (31,30%) técnicas, no hospital 2, o valor foi de R$ 625.856,26 (78,16%) administrativas e R$ 174.968,79 (21,84%) técnicas. Em relação aos motivos das glosas, o maior valor, no hospital 1, foi referente ao código 2007 (R$81.492,91) relacionado a material; no hospital 2, o código 9956 (R$104.317,46) está relacionado a intervalo de códigos. Conclusão: Em ambas as instituições, a glosa administrativa foi maior que a técnica. O monitoramento de indicadores de glosas e a utilização da troca de informações de saúde suplementar propiciaram ao enfermeiro agilidade no trabalho e melhor gestão financeira.

Palavras-chave: indicadores de saúde; auditoria de enfermagem; gestão em saúde; saúde suplementar; registros eletrônicos de saúde.

 

Abstract

Out-of-pocket payments in hospital: indicator and analysis through the exchange of supplementary health information

Objective: To analyze out-of-pocket payments by health insurance companies in private institutions to improve the process. Methods: Descriptive, field, cross-sectional quantitative research, in the year 2018, in two hospitals. The non-probabilistic sample consisted of 488 payment statements. Results: The mean rate of global disallowance in hospital 1 was 10.90%/year and in hospital 2, 5.44%/year. As for the types of out-of-pocket payments, in hospital 1, the value was R$ 221,262.25 (68.70%) administrative and R$ 100,839.58 (31.30%) technical, in hospital 2, the value was R$ 625,856.26 (78.16%) administrative and R$ 174,968.79 (21.84%) technical. Regarding the reasons for the out-of-pocket payments, the highest value, in hospital 1, was related to the code 2007 (R$81,492.91) related to material; in hospital 2, code 9956 (R$104,317.46) is related to the code range. Conclusion: In both institutions, the administrative out of pocket payments was greater than the technical one. The monitoring of out-of-pocket payments indicators and the use of the supplementary health information exchange provided nurses with agility in their work and better financial management.

Keywords: health indicators; nursing audit; health management; supplementary health; electronic health records.

 

Resumen

Glosa hospitalaria: indicador y análisis mediante el intercambio de información sanitaria complementaria

Objetivo: Analizar las glosas realizadas por las compañías de seguro de salud en instituciones privadas para mejorar el proceso. Métodos: Investigación cuantitativa descriptiva, de campo, de corte transversal, en el año 2018, en dos hospitales. La muestra no probabilística estuvo conformada por 488 declaraciones de pago. Resultados: La tasa media de glosa global en el hospital 1 fue del 10,90%/año y en el hospital 2 del 5,44%/año. En cuanto a los tipos de glosas, en el hospital 1, el valor fue de R$ 221.262,25 (68,70%) administrativo y R$ 100.839,58 (31,30%) técnico, en el hospital 2, el valor fue de R$ 625.856,26 (78,16%) administrativo y R$ 174.968,79 (21,84%) técnico. En cuanto a los motivos de las glosas, el mayor valor, en el hospital 1, estuvo relacionado con el código 2007 (R$ 81.492,91) relacionado con el material; en el hospital 2, el código 9956 (R$ 104.317,46) está relacionado con el rango de códigos. Conclusión: En ambas instituciones la glosa administrativa fue mayor que la glosa técnica. El seguimiento de los indicadores de glosas y el uso del intercambio de información de salud suplementaria proporcionaron a los enfermeros agilidad en su trabajo y una mejor gestión financiera.

Palabras-clave: indicadores de salud; auditoria de enfermería; gestión en salud; salud complementaria; registros electrónicos de salud.

 

Introdução

 

A busca em diminuir as glosas hospitalares e otimizar o uso de recursos tem aumentado no cenário da Saúde Suplementar (SS); glosas estas que ocorrem quando as Operadoras de Planos de Saúde (OPS) suspendem o pagamento de serviços contratados, tais como: os materiais, os medicamentos, as taxas, entre outros [1,2]. A glosa é a recusa parcial ou total de orçamento, quando o auditor verifica em alguns itens o que não considera adequado para o pagamento [3,4]. Podem ser classificadas em administrativas e técnicas: a primeira é decorrente de falhas operacionais na cobrança ou processos contratuais; a segunda está relacionada à apresentação dos valores de serviços vinculados à assistência prestada ao paciente [1,2,3].

Desta forma, cabe ao auditor de enfermagem analisar contas hospitalares e verificar se o consumo está de acordo com a cobrança. Também tem papel de educador, realizando comunicação permanente entre a OPS e os prestadores de serviços, auxiliando e viabilizando economicamente a empresa na qual atua [5,6]. Os registros de enfermagem podem ser empregados como indicadores, auxiliando a auditoria para avaliar e comparar a qualidade do atendimento [7]. As glosas técnicas constatadas em auditoria estão relacionadas às dúvidas quanto aos procedimentos ou à ausência de registros o que dificulta a transparência na negociação [8,9].

A prática das OPS de glosar itens das contas, devido aos registros, impacta no orçamento da saúde hospitalar, gera prejuízos decorrentes do não recebimento da remuneração adequada dos serviços. Assim, identificar os motivos que ocasionam as glosas pode criar estratégias que evitem falhas nesse processo e favoreçam uma eficiência no atendimento prestado [10,11].

Em 2012, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o Ministério da Saúde (MS) preconizaram o Padrão de Troca de Informações de Saúde Suplementar (TISS) na Resolução Normativa nº305, auxiliando as trocas dos dados de atenção à saúde entre OPS, prestadores de serviços, beneficiários e a ANS. O Padrão TISS, além de compor o registro eletrônico de dados, também padroniza ações administrativas de autorização, cobrança, demonstrativos de pagamento e recursos de glosas [1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12].

As OPS enviam aos prestadores informações sobre o faturamento e processamento de guias por meio de demonstrativos, que podem ser de análise de conta médica ou também de pagamento [13,14]. O demonstrativo é um extrato das contas apresentadas nas guias e informa se o pagamento foi efetuado ou não; nele mencionam-se os detalhes das guias de faturamento e os itens da conta discriminados. Com isso, é feita uma previsão das contas a serem pagas e pode ser solicitada uma revisão de possíveis glosas, pois constam os códigos de glosas descritos na Tabela de Domínio TISS [15,16].

Para a visualização do montante de recursos não recebidos, os hospitais usam indicadores para medir o percentual de glosa em relação ao valor faturado no mês, tendo como meta o percentual de 2%. Essa informação pode ser medida na parte financeira, empregando-se dois indicadores: o valor da glosa e a sua porcentagem; desta forma, o indicador permite a avaliação dos processos e de novos acordos apresentados pelas fontes pagadoras [17,18] com o objetivo de reduzir as glosas recebidas e facilitar a auditoria de fatura [19].

Diante do apresentado, a fim de prevenir perdas financeiras, considerando-se a relevância e o impacto na gestão hospitalar; este estudo tem como objetivo analisar as glosas efetuadas pelas operadoras em instituições privadas para melhoria no processo.

 

Métodos

 

Trata-se de estudo quantitativo, de campo, transversal, descritivo, que se propõe a apresentar as glosas hospitalares. O estudo foi realizado em dois hospitais no município da região noroeste do estado de São Paulo. O hospital 1 de médio porte (73 leitos) e o hospital 2 de grande porte (240 leitos). A escolha destes locais foi baseada nos critérios de perfil assistencial (geral), de natureza (privativo e lucrativo), estarem credenciados a várias OPS, também pela possibilidade de acesso, aos prontuários e demonstrativos de pagamento das contas hospitalares, sendo estas, informações necessárias ao escopo da pesquisa.

A coleta de dados foi realizada em três etapas, no período de janeiro a dezembro de 2018. Na etapa 1, para calcular o indicador e a ocorrência de glosa (%) analisaram-se as planilhas financeiras dos dois hospitais. Nessas planilhas estão contidos os valores de faturamento e de glosa das OPS/mês. Nas amostras não probabilísticas, foram avaliadas 21 OPS de cada hospital, sendo excluídas seis OPS de cada instituição, por apresentarem dados incompletos referentes aos valores financeiros analisados. Como critério de inclusão, apenas as 15 OPS de cada hospital apresentaram planilhas financeiras completas de cada OPS/mês com os valores de faturamento e da glosa. O indicador de glosa é realizado por meio da equação [18]:

 

 

O Padrão TISS apresenta várias guias, sendo duas de maior relevância para esta pesquisa: a guia de demonstrativo de pagamento, que é enviada pela OPS ao prestador de serviço com os valores a serem pagos, e a guia de demonstrativo de análise da conta médica, na qual é apresentada a descrição dos serviços prestados e as glosas realizadas. O demonstrativo é uma ferramenta informativa que apresenta os dados do paciente, os valores cobrados e pagos, juntamente com os códigos de glosas descritos na Tabela de Domínio TISS.

Na etapa 2, para a classificação da glosa em administrativa e técnica, utilizou-se o demonstrativo de pagamento e de análise da conta médica [13], sendo este disponibilizado por cada instituição de estudo. Foram analisados os demonstrativos das 15 OPS, de cada instituição, por apresentarem nestes os códigos relacionados às glosas administrativas e técnicas, descritos na Tabela de Domínio TISS. Dez OPS de cada instituição foram excluídas, pois, nos demonstrativos, estavam presentes somente os códigos de glosas administrativas e não os códigos das glosas técnicas. Desta forma, para essa etapa, cinco OPS de cada hospital foram avaliadas, com um total de 488 demonstrativos, sendo 266 demonstrativos no hospital 1 e 222 demonstrativos no hospital 2.

As transações eletrônicas entre as OPS e os prestadores de saúde, são feitas em XML (linguagem de programação), assim, o TISS é uma referência para analisar contas hospitalares. Os formulários são os mesmos para todo o mercado de saúde racionalizando as contas médicas. Com isso, além de padronizar as ações administrativas, também subsidia as ações de avaliação e acompanhamento econômico, financeiro e assistencial das OPS [14].

Na etapa 3, foram analisadas as glosas técnicas dos itens materiais e de medicamentos, de acordo com os motivos TISS; também avaliados 488 demonstrativos das cinco OPS de cada instituição; excluídos 164 demonstrativos referentes a outros códigos da Tabela TISS. Ainda, não estavam relacionados aos códigos de materiais e medicamentos, sendo analisados 324 demonstrativos, nesta etapa. Os motivos de glosas técnicas, estão relacionados à Tabela de Domínio TISS, sendo divididos como: Grupos, Códigos da Mensagem e a Descrição da Mensagem. Somente os demonstrativos que apresentavam os códigos dos grupos relacionados aos itens de materiais e medicamentos constantes da Tabela de Domínio TISS foram analisados.

A análise descritiva das variáveis categóricas foi apresentada em frequências absolutas e relativas. Na análise descritiva das variáveis contínuas, foram exploradas pelas medidas descritivas de centralidade (média, mediana com variação mínima (min) e máxima (máx.)) e de dispersão desvio padrão (DP). Utilizou-se o Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) - versão 23, atreladas às funcionalidades da ferramenta Excel (versão 2016). O estudo foi aprovado segundo parecer nº 2.713.102 do Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, conforme proposto pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/12.

 

Resultados

 

Na Tabela I, encontram-se 15 OPS, de cada hospital, de acordo com o valor financeiro de cada OPS/ano. Em relação ao faturamento, no hospital 1, as OPS - D e E apresentaram um elevado valor financeiro na fatura, porém, o valor da taxa de glosa foi reduzido, sendo R$ 4.408.356,05 (3,27%) e R$ 2.316.292,46 (3,66%). As OPS – C, L e O apresentaram um menor valor da fatura, sendo R$ 57.708,61 (14,94%), R$ 5.089,64 (15,28%) e R$ 42.640,75 (31,19%), entretanto, com os maiores valores em relação a taxa de glosa.

No hospital 2, as OPS – B e O apresentam o maior valor de fatura, contudo, uma menor taxa de glosa, sendo R$ 74.489.913,69 (0,81%) e R$ 44.598.437,19 (1,76%), respectivamente. As OPS – J e L apresentaram um valor financeiro inferior; R$ 76.957,94 (5,93%) e R$ 777.259,39 (12,68%), porém, valor elevado da taxa de glosa.

Em relação ao faturamento das OPS, nas variáveis observa-se que o hospital 1 apresentou média de R$ 1.408.814,39 (DP=R$ 1.557.261,76) com variação de R$ 5.089,64 a R$ 4.973.958,84. Entretanto, no hospital 2 a média foi de R$ 9.985.696,82 (DP=R$ 20.999.936,04) com variação de R$ 76.957,94 a R$ 74.489.913,69.

Quanto às variáveis descritivas, o hospital 1 apresentou média de R$ 120.340,15 (DP=R$ 170.268,73) com variação de R$ 777,56 a R$ 632.093,73 de valor glosado. No hospital 2 a média foi de R$ 211.168,51 (DP=R$ 236.722,60) com variação de R$ 2.900,68 a R$ 783.565,06 em relação ao valor da glosa.

No que se refere à distribuição da frequência relativa do valor total da glosa, no hospital 1, foi inferior a 2% em seis operadoras (A, C, L, M, N e O) e no hospital 2, inferior a 1% em cinco (E, H, I, J e K).

 

Tabela I - Distribuição do faturamento (R$), glosa (R$) e taxa de glosa, segundo os hospitais e OPS. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2018

 

 

Na Tabela II, a partir da amostra de 488 demonstrativos de pagamento; 266 do hospital 1 e 222 do hospital 2 gerados por 10 OPS, as glosas foram classificadas em administrativas e técnicas. As glosas administrativas apresentaram maior valor financeiro no hospital 1 – 68,70% (R$ 221.262,25) e técnica – 31,30% (R$ 100.839,58) e no hospital 2, em administrativa – 78,16% (R$ 625.856,26) e técnica – 21,84% (R$ 174.968,79). Em relação ao valor total de glosa, observa-se um valor de maior relevância na OPS – B com R$ 141.285,53 (43,86%) no hospital 1 e na OPS – M com R$ 614.878,25 (76,78%) no hospital 2.

As glosas administrativas, no hospital 1, apresentaram mediana de R$ 43.821,70 com variação de R$ 4.710,62 a R$ 83.174,51 e com média de R$ 44.252,45 (DP = R$ 33.290,36). No hospital 2, verificou-se mediana de R$ 11.129,55 com variação de R$ 3.297,44 a R$ 503.060,90 e média de R$ 125.171,25 (DP = R$ 215.039,19).

Em relação às variáveis descritivas, observa-se que no hospital 1 as glosas técnicas apresentaram mediana de R$ 8.582,77 com variação de R$ 1.100,05 a R$ 70.490,79 e com média de R$ 20.167,92 (DP = R$ 29.040,79). As glosas técnicas do hospital 2 apresentaram mediana de R$ 21.905,92 com variação de R$ 990,92 a R$ 111.817,35 e média de R$ 34.993,76 (DP = R$ 45.480,18).

 

Tabela II - Distribuição dos valores (R$) da glosa administrativa e técnica, segundo os hospitais e OPS. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2018

 

 

Na Tabela III, constam os códigos da mensagem, na Tabela Domínio TISS. São compostos por quatro dígitos: os dois primeiros são referentes ao Grupo da Tabela, sendo 20 do Grupo de material e o 21 do Grupo de medicamentos, e os dois dígitos últimos relativos à Descrição da Mensagem, para uma padronização de informação da glosa.

No hospital 1, a OPS - F apresentou o valor de R$ 8.582,77 em glosa com seis códigos de materiais diferentes: 2002 (material sem cobertura), 2003 (material não especificado), 2006 (material informado não coberto), 2008 (cobrança de material em quantidades incompatíveis com o procedimento), 2010 (cobrança de material incluso nas taxas) e 2014 (cobrança de material não utilizado) o qual representou o valor de R$ 5.151,06. A OPS- B utilizou os códigos 2007 (cobrança de material em quantidade incompatível), correspondente a 80,9% do valor da glosa em material e 2107 (cobrança de medicamento em quantidade incompatível) sendo 7,9% em medicamento. Neste hospital, foram utilizados apenas três códigos TISS pelas operadoras, todos relacionados a medicamentos: o 2103 (medicamento não especificado), 2106 (medicamento informado não coberto), e o 2107, descrito anteriormente, representando apenas 8,9 % de glosa.

 

Tabela III - Distribuição dos valores (R$) das glosas técnicas efetuadas pelas OPS no hospital 1, segundo o código TISS. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2018

 

 

O hospital 2, na Tabela IV, a OPS- L apresentou R$ 31.487,65 (84%) de glosa de materiais, com nove códigos diferentes e mensagens distintas pela Tabela de Domínio TISS: 2002, 2003, 2008, 2010, descritos anteriormente, 2009 (quantidade de material superior a quantidade coberta), 2012 (cobrança de material incompatível com relatório técnico) e 2014 (cobrança de material não utilizado). Destaca-se o código 2006, com elevado valor de glosa (R$ 15.414,10) e o código 2015 não está presente na Tabela TISS, pois é referente ao código 2099 (outros). Esse código é utilizado pela operadora quando nenhum dos outros justifica ou representa na Descrição da Mensagem a glosa que foi aplicada.

No item de medicamentos, foram utilizados cinco códigos TISS: 2101 (medicamento inválido) e 2108 (cobrança de medicamento em quantidades incompatíveis com o procedimento realizado), 2107 (cobrança de medicamento em quantidade incompatível com a permanência), 2112 (cobrança de medicamento incompatível com relatório técnico) e 2115, que também não está presente na Tabela, pois é referente ao código 2199 (outros) no item de medicamento, pela OPS- L. O maior valor financeiro em glosa técnica está na OPS- M (R$104.317,46 – 59,5%) no código 9956 que está relacionado a intervalo (9901 a 9999) de códigos descritos na Tabela de Domínio TISS.

 

Tabela IV - Distribuição dos valores (R$) das glosas técnicas efetuadas pelas OPS no hospital 2, segundo o código TISS. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2018

 

 

Discussão

 

Nesta pesquisa, foi calculado o indicador de glosa a partir da análise das contas hospitalares de pacientes internados em dois hospitais privados. No hospital 1, de médio porte, o total faturado foi R$ 21.132.215,80, no qual R$ 1.805.102,31 foi de glosa e no hospital 2, de grande porte, o valor total faturado foi de R$ 149.785.452,25, sendo R$ 3. 167.527,72 de glosa. Infere-se que a taxa de glosa foi elevada tanto no hospital 1 (10,90%/ano) quanto no hospital 2 (5,44%/ano). Taxa menor de glosa (4,32%) foi encontrada em hospital pernambucano, cuja análise dos atendimentos relacionados a exames, internações e ambulatório revelou valor faturado de R$ 1.223.567,02 com glosa de R$ 52.807,35 [20].

Estudo internacional colombiano verificou que as glosas afetaram o desempenho econômico das instituições que prestam serviços de saúde, por diferentes razões como: erros de tarifa e o processamento incorreto das informações. Logo, conhecer as glosas e gerenciá-las pode modificar positivamente a estrutura financeira [21]. Estudo realizado em um hospital em Santa Catarina, buscando gerenciar o processo de faturamento, por meio de indicadores de desempenho e implantação de melhorias, estabeleceu uma meta a ser alcançada de 2% para o indicador de glosa por motivo [17].

Este estudo apontou que os resultados do prestador de serviço devem mensurar a glosa com relação ao valor faturado no mês, de cada OPS credenciada, pois são informações úteis na gestão de melhorias do faturamento e, assim, estabelecer metas com menor taxa de glosa. Muitas vezes, o hospital não mensura as glosas técnicas aplicadas pelas OPS que apresentam o menor faturamento, mesmo estas apresentando um elevado valor na taxa de glosa. Nos dois hospitais de estudo, a utilização do indicador de glosa apresenta um grande potencial para promover ajustes no que tange aos processos de trabalho.

Os achados deste estudo apontaram que, nos hospitais 1 e 2, a glosa administrativa apresentou valor superior à glosa técnica, correspondendo a R$ 221.262,25 (68,70%) no hospital 1 e R$ 625.856,26 (78,16%) no hospital 2. Corroborando nossos achados, estudo semelhante, em um hospital privado de médio porte, a glosa administrativa também foi maior que a técnica, com valor de R$ 110.788,77 (88,17%) e R$ 6.295,35 (5,01%) e em ambulatorial R$ 8.574,79 (6,82%) [3].

As glosas administrativas estão relacionadas a cobranças de itens sem autorização prévia, presença de divergências contratuais, não conformidades em itens cadastrados nos softwares de faturamentos, sendo necessários ajustes para a realização das cobranças [1]. As falhas operacionais no momento da cobrança e a falta de interação entre a OPS e o prestador de serviço contribuem para a geração deste tipo de glosa.

      O setor de recurso do hospital deverá tratar e acompanhar a aplicação da glosa, mensurando o que foi informado pela OPS e de acordo com as regras contratuais, pois por meio de acompanhamento e mapeamento, será possível propiciar maior visibilidade e buscar ações nos processos de auditoria de enfermagem [10].

A glosa técnica é decorrente dos procedimentos realizados pela equipe de enfermagem [1,19], pois estão relacionadas a contextos clínicos e importantes indicadores dos cuidados prestados [22]. Estudo realizado sobre glosa, em oito hospitais, nas OPS avaliadas, foi verificado um total de 85,6% de glosas técnicas e 14,4% de administrativas. Quatro delas apresentaram glosa técnica, especificamente, em decorrência da falta de preenchimento das informações em prontuário [1].

Neste estudo, no hospital 1, o TISS de maior valor financeiro foi o código 2007 (cobrança de material em quantidade incompatível), com a glosa de R$81.492,91 e o código 2106 (medicamento informado não coberto) representou o valor de R$ 0,29. No hospital 2, o maior valor, R$ 104.317,46 corresponde ao código 9956 (intervalo de códigos destinados às mensagens particulares de cada entidade e o menor valor R$ 3,20 ao código 2007 (cobrança de material em quantidade incompatível).

Nos dois hospitais foi utilizado o TISS código 2007 relacionado a materiais. Porém, o de maior valor financeiro referenciado pelo código 9956 está relacionado a intervalo de códigos, utilizado pela OPS para justificar quando nenhum dos outros códigos, descritos na Tabela de Domínio TISS, podem ser utilizados para aplicar a glosa. Quando a OPS aplica a glosa com esse código, impossibilita o hospital de identificar o real motivo da glosa, bem como de fundamentar sua justificativa para realizar o recurso, o que certamente causará perda financeira para o hospital pelo não recebimento.

Estudo semelhante realizado sobre os motivos de glosas numa instituição privada, a partir dos demonstrativos de pagamento, revelou que R$ 4.046,63 eram de glosas técnicas, referentes à “cobrança de material divergente com a tabela contratada” e R$ 986,58 à “cobrança de medicamento divergente da tabela contratada” [3]. Porém, neste estudo, não foram utilizados os códigos descritos na Tabela de Domínio TISS, apenas Descrições de Mensagens, para relacionar as glosas realizadas.

A Tabela TISS possibilita uma análise padronizada e de rápida identificação das não conformidades, uma vez que a Descrição do Código e a Descrição da Mensagem são muito semelhantes [15]. A responsabilidade do setor de recurso de glosa dos hospitais não é somente restituir os valores sem pagamento, mas verificar a não conformidade, que se traduz em cobranças que devem ser revistas e corrigidas [3]. Os estudos abordam a classificação de glosas em administrativas e técnicas, porém, não investigam motivos e os valores financeiros das perdas para a instituição hospitalar. Verificar os gastos, processos de pagamentos, análises estatísticas, indicadores e conferências de faturamentos das contas médicas são fundamentais para evitar glosas e possíveis erros, sendo este um trabalho para o enfermeiro auditor [23].

A pesquisa contribui para realização de indicadores, sugere-se utilização dos motivos de glosa fundamentados na Tabela de Domínio TISS, favorecendo o mapeamento dos códigos envolvidos nos registros dos prontuários. Mediante o monitoramento desse indicador, a auditoria poderá trabalhar de forma assertiva quanto à assistência prestada e nortear treinamentos evidenciados nos registros, em relação ao aspecto financeiro, à clareza de contratos, aos pagamentos e recurso de glosa recebido.

Como limitação, temos que a pesquisa foi feita em dois hospitais privados, sendo possível que os resultados tenham sofrido influência de uma gestão específica. Apesar de buscas na literatura, não foram encontrados estudos envolvendo os motivos de glosas associados à classificação padronizada pela ANS, onde se utiliza a Tabela TISS, dificultando a discussão dos resultados. Assim, sugere-se o desenvolvimento de outras pesquisas que permitam aprofundar essa temática.

 

Conclusão

 

A utilização da Tabela de Domínio de TISS e seus motivos de glosa proporcionou uma avaliação do que ocorre nos dois hospitais em questão, nos aspectos que envolve o faturamento e as taxas de glosas nas contas hospitalares. O indicador global de glosa foi elevado, em ambas as instituições; o valor financeiro da glosa administrativa foi maior que a técnica e, especificamente, relacionado aos códigos de itens de materiais.

Quando mapeamos e mensuramos, é possível monitorar indicadores e estes propiciam à auditoria de enfermagem melhoria na gestão dos recursos financeiros, agilizando tanto o processo de trabalho quanto aumentando a produtividade para uma melhor previsibilidade de receita, controle do orçamento e ganhos na gestão financeira hospitalar.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não há financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Truzzi IGC, Jericó MC; Coleta de dados: Truzzi IGC; Análise e interpretação dos dados: Truzzi IGC; Análise estatística: Truzzi IGC; Redação do manuscrito: Truzzi IGC, Oliveira DS, Romcy HM; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Lima AFC, Zunta RSB, Jericó MC

 

 

Referências

 

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