REVISÃO

Adesão à terapia medicamentosa: um olhar na literatura sobre os fatores condicionantes e os modelos comportamentais explicativos

 

Sílvio Luís Rodrigues de Almeida, D.Sc.

 

*DEA em Saúde Pública (Universidade de Santiago de Compostela), Especialista em Farmácia Hospitalar (UFRN e HCFMUSP), Especialista em Administração Hospitalar (Fac. São Camilo), Farmacêutico (Faculdades Oswaldo Cruz), Prof. do Centro de Pós-Graduação das Faculdades Oswaldo Cruz

 

Recebido em 25 de fevereiro de 2016; aceito em 28 de fevereiro de 2016.

Endereço para correspondência: Sílvio Luís Rodrigues de Almeida, Rua Amaro Rodrigues, 71 Horto Florestal 02377-050 São Paulo SP, E-mail: silvioluisalmeida@gmail.com

 

Resumo

Apesar dos benefícios que os medicamentos podem proporcionar, o seu uso incorreto é comum, causando um impacto na saúde do paciente e gerando custos sociais que poderiam ser evitados. O objetivo deste artigo é apresentar, por meio de uma revisão bibliográfica, alguns aspectos relacionados com a adesão à terapia medicamentosa, incluindo a sua definição e magnitude, assim como os fatores relacionados a não adesão e aos modelos comportamentais mais utilizados para explicá-la. Verifica-se que a prática de não adesão à terapia medicamentosa pelos pacientes tem sido uma área ativa de pesquisa e observa-se que o problema é consequência de uma complexa rede de interação entre fatores biológicos, sociais, ambientais, culturais, cognitivos e psicológicos. Apesar de o nosso conhecimento sobre a extensão de não cumpridores dos fatores determinantes do cumprimento e da eficácia de várias estratégias para melhorar o cumprimento ter vindo a aumentar visivelmente, nenhum dos modelos e teorias propostos foi capaz de criar estratégias que resultem em um processo de adesão eficaz.

Palavras-chave: adesão do paciente, tratamento medicamentoso, fatores predisponentes, modelos teóricos.

 

Abstract

Adherence to drug therapy: a look at the literature on conditioning factors and explanatory behavioral models

Despite the benefits that medications can provide, their misuse is common, impacting in the health of the patient and generating social costs that could be avoided. The purpose of this article is to present, through a literature review, some aspects related to compliance with drug therapy, including its definition and magnitude, as well as factors related to non-adherence and the behavioral models used to explain it. It is noted that the practice of non-adherence to drug therapy for patients has been an active area of research and observed that the problem of non-adherence is the result of a complex interaction between biological, social, environmental, cultural, cognitive and psychological factors. Although our knowledge on the extent of non-compliant of the determinants of compliance and the effectiveness of several strategies to improve compliance have been increasing, none of the models and theories proposed was able to develop strategies that result in an effective process for adherence.

Key-words: patient compliance, drug therapy, causality, theoretical models.

 

Resumen

Adherencia al tratamiento farmacológico: Una mirada a la literatura sobre los factores condicionantes y los modelos de comportamiento explicativos

A pesar de los beneficios que los medicamentos pueden proporcionar, su uso incorrecto es común, causando un impacto en la salud del paciente y generando costes sociales que podrían evitarse. El objetivo de este trabajo es presentar, a través de una revisión de la literatura, algunos aspectos de la adherencia a la terapia con medicamentos, incluyendo su definición y magnitud, así como los factores relacionados con la falta de adherencia y los modelos de comportamiento más utilizados para explicarlo. La práctica de la no adherencia a la terapia con medicamentos por los pacientes ha sido un área activa de investigación y se observa que el problema de la falta de cumplimiento es el resultado de una compleja red de interacción entre factores biológicos, sociales, ambientales, culturales, cognitivo y psicológico. Aunque nuestro conocimiento acerca de la extensión de no cumplidores, los factores determinantes de cumplimiento y la eficacia de diversas estrategias para mejorar el cumplimiento han ido aumentando notablemente, ninguno de los modelos y teorías propuestas fue capaz de crear estrategias que dan lugar a un proceso de adhesión efectiva.

Palabras-clave: adherencia del paciente, tratamiento farmacologico, factores predisponentes, modelos teóricos.

 

Introdução

 

O protagonismo dos medicamentos em saúde pública é cada vez maior, devido à sua importância terapêutica, econômica e social [1]. Os benefícios da terapia medicamentosa moderna com medicamentos cada vez mais eficazes na regularização de certos problemas são facilmente reconhecidos, embora também sejam capazes de provocar reações adversas ou efeitos secundários não esperados, principalmente se as recomendações de uso dadas pelos profissionais de saúde não forem seguidas.

No entanto, a utilização inadequada dos medicamentos é comum, implicando em aspectos clínicos e sociais de alta relevância, tendo em vista a saúde do paciente e o custo social que isso gera.

 

Desenvolvimento

 

Definição de cumprimento

 

            O cumprimento da terapia define-se como o grau de concordância entre o comportamento de um doente em tomar os medicamentos, seguir as dietas, alterar estilos de vida e as orientações dadas pelos profissionais de saúde [2,3]. Este conceito nem sempre é expresso pelo mesmo vocábulo, sendo também utilizado outros como adesão e concordância, os quais possuem a vantagem de carecer da conotação coercitiva do “cumprimento”, e enfatizam a importância do envolvimento do paciente [4].

Não obstante, esta definição contempla unicamente a ótica do profissional sanitário, e ignora o ponto de vista do paciente. Weintraub et al., citado por Meagher, O’Brien e O’Malley [5], formularam o termo “não adesão inteligente” para justificar aquelas situações nas quais o paciente toma a decisão de não aderir ao regime terapêutico. As razões invocadas incluem efeitos colaterais desagradáveis, a opinião de que não necessitam muito dos medicamentos, e a avaliação de que o risco é superior ao benefício [5].

A não adesão inclui falhas intencionais e não intencionais, considerando as quantidades prescritas, assim como erros de quando e como os medicamentos são tomados [2,4]. Schwartz et al., citado por Duran e Figuerola [2], propuseram uma classificação em que estabelecem cinco tipos de não adesão: erros de omissão, de propósito (medicamento equivocado), de dosificação, de seguimento e de associação de medicamentos não prescritos. Por outro lado, Dirks e Kinsman [6] consideram apenas dois tipos de atitudes relativas à terapia: adesão (uso correto) e não adesão (uso abusivo, uso errático e omissão). Entretanto é certamente irreal esperar que os pacientes tomem os medicamentos exatamente como prescritos e, assim, rotular um paciente em termos absolutos como cumpridor ou não cumpridor, o que apresenta risco de fazer uma valoração incorreta do problema. Efetivamente em muitos casos o que existe é um cumprimento parcial [2,3]. Desta forma, estudos sobre adesão devem sempre estar ligados com o processo terapêutico para julgar a significância clínica dos resultados observados, estabelecendo-se um umbral a partir do qual seja possível obter um benefício terapêutico aceitável.

 

Magnitude da adesão à terapêutica

 

Quando revisamos a literatura sobre a adesão do paciente, deparamo-nos com um verdadeiro quebra-cabeça no que diz respeito a resultados. As estimativas para Nichol, Venturini e Sung [7] variam entre 4% e 92%, com uma média de adesão à terapia crónica de aproximadamente 50%-65%, enquanto para O’Brien, Petrie e Raeburn [8] esses valores oscilam entre 30% e 60%. Bloch, Melo e Nogueira, em um estudo com 200 pacientes hipertensos, encontraram uma taxa de adesão de 51% [9]. Em outro estudo, também realizado com pacientes hipertensos (n = 60), Bastos-Barbosa et al. [10] verificaram uma taxa de 36%, enquanto Gonzalez Portillo determinou que 64,8% dos pacientes (n = 122) cumpriam com a terapêutica [11]. Resultados tão variados devem-se principalmente à variação dos padrões metodológicos utilizados nos diversos estudos (Quadro I) [11-16].

 

Quadro 1 Metodologia de alguns estudos sobre adesão à terapia medicamentosa.

 

 

Em uma revisão de 72 estudos sobre a metodologia utilizada nas investigações sobre a adesão à terapia medicamentosa, Nichol [7] encontrou que apenas 41,7% replicava a definição de adesão enquanto em 22 artigos nenhuma definição ou critério para a adesão foi estabelecido. Da mesma forma, os métodos de verificação utilizados e os cálculos das taxas de adesão diferem marcadamente. Enquanto alguns estudos utilizam provas séricas positivas, outros utilizam a contagem de comprimidos definindo taxas a diferentes intervalos para caracterizar a adesão. Além disso, as diferenças nos resultados também se devem ao tipo de estudo realizado, à seleção do paciente, ao regime terapêutico e ao tempo de seguimento [3,17].

 

Métodos de avaliação

 

Vários métodos têm sido utilizados na investigação da estimativa da adesão à terapêutica. As técnicas de avaliação devem ser capazes de descrever o comportamento referente ao uso dos medicamentos por alguns períodos de tempo, e não devem ser influenciados por atos únicos de administração ou esquecimento de uma dose individual. Além disso, devem ser simples, baratos, não invasivos e apresentarem resultados imediatos. Embora seja percebido que, atualmente, um “padrão-ouro” de medida não exista, há conflitos evidentes sobre qual medida proporciona a melhor estimativa do comportamento do paciente em relação à ingestão dos medicamentos. De maneira geral, encontram-se divididos em diretos e indiretos.

 

Métodos diretos

 

Os métodos diretos caracterizam-se pela determinação dos medicamentos ou seus metabólitos nos fluídos corporais dos pacientes. A monitorização do nível plasmático do fármaco tem proporcionado uma medida útil para determinar a ingestão de medicamentos e podem ajudar a conhecer a dose que o paciente está ingerindo. Entretanto, nem todos os fármacos são possíveis de serem determinados analiticamente. Além disso, o método pode ser afetado pelas características intrínsecas dos fármacos, como também pelas diferenças individuais na absorção, distribuição, metabolização e excreção.

 Para alguns autores [15,18], os métodos diretos são os mais fiáveis e a única forma de provar que no mínimo alguma droga tenha sido tomada. O problema é que eles raramente cobrem a totalidade do período de seguimento e assim apenas informam sobre a ingestão precedente à coleta. Além disso, a maioria é invasiva e, se as avaliações se realizam periodicamente, podem dar falsa adesão, pois o paciente pode aumentar temporariamente a adesão ao dar-se conta da avaliação a que está sendo submetido, além de serem de difícil realização e onerosos.

 

Métodos indiretos

 

Autorrelato

 

É realizado através de questionários ou entrevistas ao paciente, com a finalidade de obter informações quanto à utilização dos medicamentos.

Trata-se de um método muito comum e muito simples de avaliar a adesão à terapêutica, tendo em vista a sua facilidade de execução e a possibilidade de ser aplicado em todos os níveis da prestação de cuidados da saúde. Além disso, apresenta outras vantagens por se obter maiores informações sobre a origem da não adesão, ser o mais fiável quando o paciente assegura não cumprir com a medicação e ser o mais barato [2]. Contudo, considera-se que a relação do paciente com o entrevistador, a sua destreza em conseguir informações, a memória do paciente e o seu temor pelas repercussões que possam ter as suas respostas, sejam fatores que limitem a sua eficácia [2,17].

Para alguns autores [14,19], o autorrelato é um método que sobrestima a adesão à terapêutica, já que os doentes mentem frequentemente para agradar aos profissionais de saúde, e assim somente uma pequena parte dos não aderentes é que pode ser identificada. Estudos comparativos com outras técnicas indicam que um número importante de pacientes que asseguram tomar a medicação não diz a verdade. Em um estudo realizado por Gonzales Portillo [11] com pacientes hipertensos, verificou-se que 84,6% dos pacientes estudados (n =122) comunicaram ser aderentes à terapia, embora apenas 76,9% apresentassem um bom controle da sua tensão arterial. Em outro estudo, realizado por Grymonpre et al. [18], a média de adesão calculada pelo autorrelato (95,8%) foi similar à obtida pelo registro farmacêutico (94,6%). Da mesma forma, Lignani Jr., Greco e Carneiro [20] encontraram taxas de adesão similares com o autorrelato (74%) e o registro farmacêutico (76,5%).

 

Contagem de comprimidos

 

A contagem de comprimidos é uma técnica comumente usada para medir a adesão em investigações nos serviços de saúde e em alguns ensaios clínicos. É o método mais comum porque é simples, barato e apropriado para a monitorização contínua [15]. A adesão pode ser avaliada pela diferença entre o número de unidades inicialmente na posse do doente e o número de unidades que ele ainda possui na consulta subsequente ou em uma visita domiciliar.

Todavia, possui o inconveniente de se pressupor o fato de que se faltam comprimidos na embalagem é porque o paciente os tomou, e isto nem sempre é certo [2]. O paciente pode estar atento retirando os comprimidos que deveria ter tomado para dar uma boa imagem de si mesmo [19]. Para evitar este inconveniente, alguns autores fazem visitas domiciliares surpresa com a finalidade de verificar o número de comprimidos existentes nas embalagens na posse do paciente. Entretanto, isto supõe um aumento do custo da investigação, assim como um problema ético [19]. Outros inconvenientes são a possibilidade de o mesmo medicamento ser compartilhado por várias pessoas da mesma família [2], a dinâmica do uso do medicamento não pode ser verificada, o uso errático devido ao esquecimento da dose e a utilização de doses adicionais em alguns dias pode proporcionar um equilíbrio, dando uma avaliação errônea. Apesar disso, este é um método seguro para determinar uma má adesão, se os comprimidos encontrarem-se na embalagem [17,21].

Para alguns autores [15,21,22], esta técnica sobrestima a adesão à terapêutica em comparação a outras técnicas. Em um estudo realizado por Pullar et al. [23], verificou-se que 32% dos indivíduos com uma taxa de adesão entre 90% e 100%, determinada através do método de contagem de comprimidos, possuíam uma adesão muito ruim quando determinado pelo método direto de doseamento sérico. Por outro lado, Grymonpre et al. [18] encontraram que esta técnica subestimava a taxa de adesão (66,9% ± 25,4%, n = 132), quando comparado com outros métodos indiretos: o autorrelato (94,4% ± 11,9%, n = 132) e o registro farmacêutico (91,2% ± 34,4%, n = 61), que apresentavam taxas mais elevadas e similares.

 

Monitorização eletrônica

 

Outra técnica para a avaliação do consumo de comprimidos é a monitorização eletrônica, a qual utiliza frascos de medicamentos com tampas onde foi inserido um microprocessador (MEMS – Medication Event Monitoring System) [17]. Cada vez que a tampa é removida o microprocessador registra a data e a hora do ocorrido. Os dados são, por fim, coletados do microprocessador através de uma ligação ao computador, fornecendo assim dados exatos sobre a frequência de abertura do frasco. O equipamento apresenta algumas vantagens como ser de fácil transporte e manuseio, durável (1 ano ou mais) e barato.

Com esse método, assume-se que cada abertura do frasco e o seu fechamento corresponde a uma presumível dose, porém isto nem sempre é verdade [17], e assim o mesmo problema da contagem de comprimidos permanece: “o que acontece aos medicamentos após terem sido retirados do frasco?” Estes monitores não garantem que o doente tenha tomado o medicamento, e também não informa se duas ou mais doses foram retiradas ao mesmo tempo. Em um estudo realizado por Paes et al. [17], seis pacientes foram excluídos do estudo porque utilizavam dose-organizadores semanais, e assim a abertura do MEMS ocorria apenas uma vez por semana. Entretanto, este sistema pode fornecer informações sobre a regularidade de acesso ao medicamento, determinando padrões específicos do uso do fármaco como uso errático e esquecimentos.

 

Registros farmacêuticos

 

Os registros farmacêuticos baseiam-se em controles de aquisição do medicamento pelo paciente nas farmácias. Dados sobre a data, dosagem, número de comprimidos dispensados e a data teórica de retorno para nova aquisição são registrados e comparados posteriormente.

Poucos estudos têm sido publicados sobre o uso de registros farmacêuticos para medir a adesão. Para Bonada et al. [19], este método somente pode ser realizado em lugares com características muito especiais como em locais onde os pacientes usualmente visitam a mesma farmácia, ou onde farmácias ambulatoriais distribuem os medicamentos prescritos de uso crônico gratuitamente em quantidade suficiente para um determinado período de tempo, devendo o paciente retornar ao fim deste período para uma nova aquisição. Além disso, uso errático e esquecimentos não podem ser medidos e apenas se consegue detectar uma má adesão em certo grau, pois somente quando o paciente está atrasado em seu retorno pode-se dizer que a não adesão existe [17]. Por outro lado um consumo excessivo é difícil de interpretar porque pacientes podem ter outras razões para um retorno antecipado como feriados, viagens etc.

Para alguns autores [17,24], este método também sobrestima a adesão quando comparado com os métodos diretos. Em seu estudo, Paes et al. [17] determinaram que 63,6% dos pacientes retornaram na data certa para adquirir os seus medicamentos. No entanto, caso fosse aceito como aderentes pacientes com um atraso máximo de 5 dias, essa taxa aumentava para 77,7%. Resultado similar foi encontrado com a contagem de comprimidos (72,5%).

 

Efeitos farmacológicos

 

Outro método indireto consiste em medir um efeito farmacológico característico como alteração do ritmo cardíaco devido ao uso de um ß-bloqueador, ou a diminuição da tensão arterial [19]. Todavia, este dado isolado não discrimina os pacientes cumpridores dos não cumpridores. Na clínica prática supõe-se que quando um paciente melhora existe um bom cumprimento, e o inverso significaria mau cumprimento. No entanto, esta asserção apresenta uma série de limitações, pois os pacientes podem melhorar por motivos diferentes do medicamento prescrito, ou um regime incorreto pode oferecer uma melhoria clínica e os pacientes que cumprem a prescrição podem não melhorar [2]. Assim, um baixo efeito farmacológico pode ser sinal de necessidade de ajustamento da dose ou até indicar um falso diagnóstico.

Gonzalez Portillo [11], em um estudo realizado com pacientes hipertensos, verificou que 76,9% dos pacientes apresentaram um controle da pressão arterial, sendo essa taxa inferior à adesão avaliada pelo autorrelato (84,6%). Neste mesmo estudo, ao relacionar os dados obtidos através do efeito farmacológico com o autorrelato, verificou-se que 64,8% dos pacientes apresentavam uma boa adesão e bom controle da pressão arterial, 12% apresentavam baixa adesão e bom controle e 37% apresentavam baixa adesão e mal controle.

Muitos autores sugerem que os métodos diretos são a mais acurada medida de não adesão, seguida da contagem de comprimidos, com o autorrelato sendo menos acurado [19,25]. Outros sugerem que o autorrelato é uma técnica de medida sensível, com uma importância muito grande para se poder aprofundar nas razões do comportamento da não adesão [2,25].

Nenhum destes métodos por si só é totalmente confiável, provavelmente porque cada um mede diferentes tipos de comportamentos ou diferentes aspectos de adesão [17,21]. Entretanto, embora um “padrão-ouro” para a medida de adesão não possa ser assumido, a precisão dos distintos métodos pode medir-se mediante a aplicação de vários deles ao mesmo grupo de pacientes e da determinação da sua validade e fiabilidade.

 

Fatores condicionantes da não adesão

 

Muitas são as razões apontadas para a fraca adesão à terapia medicamentosa (Figura 1), as quais estão associadas principalmente com fatores relacionados ao próprio paciente e à doença, ao tipo de tratamento, o relacionamento com os profissionais de saúde e as características do sistema de saúde.

 

Figura 1 - Fatores relacionados com a não adesão à terapêutica medicamentosa.

 

 

Pacientes que convivem com sua família podem apresentar melhores taxas de adesão do que os que vivem sozinhos. Por outro lado, muito embora na maioria dos estudos realizados, características sociodemográficas como gênero, nível educacional, nível socioeconômico, ocupação, estado civil, raça, etnia e religião, não tenham demonstrado relação com a adesão, alguns traços de personalidade parecem estar relacionados. Em um estudo realizado por Raskin, citado por Luscher et al. [26], pacientes não aderentes indicavam em maior grau um sentimento de hostilidade e agressividade frente a figuras de autoridade e parentais, do que os aderentes.

A adesão à terapêutica também pode encontrar-se relacionada com a gravidade da doença, devido ao aparecimento de sintomas: à medida que estes aumentam, a adesão aumenta [27]. Por outro lado, pessoas que sofrem de doenças crônicas com pouco ou nenhum sintoma são as mais propensas a não adesão [28]. Além disso, o tempo de tratamento relaciona-se inversamente com a adesão. Assim, comportamentos de adesão à terapêutica de doenças crônicas ou formas de prevenção que implicam alterações permanentes do estilo de vida, tendem a diminuir com o tempo, a não ser que se tornem automáticos e habituais. Da mesma forma, o custo do medicamento, assim como os efeitos indesejáveis também são fatores que interferem na adesão [29].

Por outro lado, o padrão de comunicação entre o profissional de saúde e o paciente, o tempo gasto pelo profissional durante o atendimento, a postura de preocupação e empatia do mesmo parece desempenhar um papel importante no comportamento de adesão. Pesquisas tem demonstrado que pacientes que estão mais satisfeitos com as consultas dos profissionais de saúde, assim como aqueles que estão envolvidos no seu tratamento, tem maior tendência para a adesão ao tratamento [28,30]. Como refere Caprara e Rodrigues [31], no começo da consulta quase todos os médicos tentam estabelecer uma relação de empatia com o paciente. Entretanto, observa-se que 39,1% dos médicos não explicam de forma clara e compreensiva o problema, bem como em 58% das consultas o médico não verifica o grau de entendimento do paciente sobre o diagnóstico dado, e em 53% das consultas não verificam a compreensão do paciente sobre a indicação terapêutica. Assim, estes profissionais não desenvolvem autonomia e participação do paciente no processo terapêutico e nas práticas de prevenção e promoção da saúde.

Apesar de alguns encontros ajudarem a identificar fatores de risco, eles tendem a ser discretos, não contribuindo muito para uma aproximação clínica do problema. Desta forma, vários modelos derivados de teorias comportamentais relacionadas com a saúde têm sido elaborados para tentar explicar o comportamento de adesão à terapia por parte dos pacientes [32-36].

 

Modelos comportamentais

 

Várias intervenções têm sido desenhadas para proporcionar adesão ao tratamento, mas poucas teorias descrevem especificamente o processo envolvido. De acordo com a abordagem utilizada, os modelos mais utilizados para tentar explicar o comportamento de adesão, podem ser classificados em 5 características teóricas principais, as quais incluem uma ou mais teorias ou modelos.

 

Abordagem cognitiva

 

Os modelos cognitivos analisam os fatores preditores e precursores dos comportamentos de saúde, os quais podem resultar de uma ponderação racional dos potenciais custos e benefícios de um dado comportamento. Descrevem assim, o comportamento como resultado de um processamento de informação racional, no qual os indivíduos escolhem a ação que realizarão baseados em crenças e percepções, pondo em relevo as cognições individuais, e não somente o contexto social de tais cognições.

 

Teoria cognitiva-social

 

Segundo a teoria cognitiva-social a motivação e a ação humana são reguladas por mecanismos de controle premeditados que podem resultar em tomada de decisão [37]. Estes mecanismos são influenciados por duas variáveis psicológicas fundamentais, que estão relacionadas com a adesão ao tratamento: a autoeficácia e a expectativa do resultado. Para Bandura, a autoeficácia é a crença das pessoas em realizar com sucesso as ações requeridas para alcançar uma situação específica desejada [38,39]. Ela influencia diretamente a preparação para a ação, pois a cognição é um dos componentes no processo de motivação [37]. Por outro lado, a expectativa do resultado refere-se às crenças pessoais sobre a possível consequência das ações tomadas [37,39]. Desta forma, a autoeficácia, quando associada a expectativa positiva do resultado, pode ser um bom preditor de comportamentos ligados à saúde. Além destes dois fatores cognitivos, a teoria cognitiva-social também inclui objetivos e impedimentos percebidos e oportunidades estruturais [37].

Vários estudos têm demonstrado uma relação entre a autoeficácia e a adesão à terapia medicamentosa. Bélanger et al. [40] encontraram diferenças significativas na taxa de autoeficácia após a 6ª, 9ª e 10ª semana, entre pacientes aderentes e não aderentes a um programa de redução de dosagem de benzodiazepinas, verificando que os pacientes aderentes apresentavam maiores taxas de autoeficácia. Em outro estudo, Pinheiro et al. [41] relataram que a autoeficácia foi o mais importante preditor de adesão em pacientes com terapia antiretroviral (OR = 3,3 IC 95% = 1,69-6,56).

 

Modelo de Crenças em Saúde (HBM)

 

O modelo mais comumente adotado para explicar o comportamento de adesão à terapia é o modelo de crenças em saúde (Health Belief Model) [3,19], o qual é composto em quatro crenças, duas delas relacionadas com a patologia, e as outras duas relacionadas com os comportamentos para prevenir ou tratar a doença. De acordo com este modelo, a adoção de um determinado comportamento depende da integração de quatro fatores: da crença que um indivíduo tem sobre a sua suscetibilidade a um problema de saúde, isto é, o fato desse indivíduo acreditar que esse problema pode afetá-lo particularmente (Percepção de Suscetibilidade); da associação que ele faz do problema de saúde com a gravidade das consequências (Percepção de Severidade); da crença que ele possui que esse problema de saúde pode ser prevenido por uma determinada ação (Percepção de Benefício), apesar dessa ação envolver aspectos negativos como desconforto, custos financeiros, deslocações, etc. (Percepção de Barreiras). Dessa forma, os benefícios são avaliados em relação às barreiras que existem para alcançá-los. Além disso, o comportamento depende da presença de estímulos de ação que são os responsáveis pelo desencadeamento das percepções de suscetibilidade e severidade, que devem motivar o indivíduo a agir [42].

Embora este modelo possa dar uma explicação satisfatória para o comportamento do paciente, em muitos casos ele encontra-se limitado, pois como explica Munro et al. [43], as relações entre as variáveis não estão claramente explicadas.

Em um estudo realizado por Andreoli [44] não foram verificadas diferenças nas crenças de saúde de indivíduos hipertensos aderentes e não aderentes à terapia. Entretanto, em um estudo com indivíduos portadores de diabetes, Gutierrez e Long [45] encontraram diferenças importantes entre os grupos aderentes e não aderentes, nas dimensões benefícios e barreiras.

 

Teoria da Ação Racional e Teoria da Ação Planejada

 

A Teoria da Ação Racional assume que a intenção comportamental é o melhor preditor de uma pessoa realizar ou não um determinado comportamento. Esta intenção é, por sua vez, determinada pela atitude, orientada pelas crenças, de que a adoção desse comportamento produzirá certos resultados, e pela norma subjetiva, que se refere às influências sociais do seu ambiente (família, amigos, sociedade) ao que é considerado comportalmente adequado [46]. Entretanto, segundo Munro [43], a TRA omite o fato que comportamentos nem sempre podem estar sobre um controle volitivo, sendo necessários recursos e oportunidades para implementar este comportamento. Reconhecendo isto, os autores estenderam a teoria para incluir o controle comportamental e designaram-no como Teoria da Ação Planejada.

Nesta nova teoria, a dimensão controle comportamental é reconhecida como a capacidade percebida que o indivíduo tem para praticar esse comportamento, estando relacionada com fatores de controle tanto internos (aptidões, informações, etc.) como externos (oportunidades, relações de dependência), os quais podem agir como facilitadores ou inibidores da ação. Estas teorias estão fortemente dependentes do processo racional, não considerando o impacto de crenças emocionais sobre o comportamento, as quais também podem influenciar as atitudes e intenções.

Entretanto em um trabalho de metanálise realizada por Sirur et al. [47] foram encontrados resultados variados quanto à eficácia dos componentes da teoria.

 

Teoria da Motivação à Proteção (PMT)

 

A PMT descreve respostas adaptativas para uma ameaça à saúde, resultando de dois processos de avaliação: a avaliação da ameaça, e a avaliação do enfrentamento (coping) [37,48]. Esta teoria defende que a gravidade, a vulnerabilidade e o medo estão relacionados com a avaliação da ameaça, e que a eficácia da resposta e a autoeficácia estão relacionadas com a avaliação do enfrentamento [48].

A resposta adaptativa ocorre se o indivíduo percebe por si estar à frente de uma ameaça à saúde, a qual está susceptível e a sua severidade, situação na qual ocorre o despertar do medo. Da mesma forma, respostas adaptativas também são mais comuns se o indivíduo percebe comportamentos que apresentem respostas efetivas na redução da ameaça e acredita que pode realizar com sucesso tal resposta adaptativa [37]. Estas duas avaliações cognitivas fornecem a motivação para a proteção a fim de realizar comportamentos protetores da saúde ou evitar comportamentos comprometedores da saúde.

Vários estudos têm utilizado a PMT na avaliação da adesão à terapia medicamentosa. Através de um programa educacional para pacientes com asma que utilizou os componentes da TMP, Schaffer e Tian [49] verificaram diferenças na adesão dos grupos controle e aqueles submetidos a dois processos educativos diferentes, concluindo que uma intervenção educacional com tais componentes pode afetar beneficamente a adesão, que persiste no mínimo 6 meses. Da mesma forma, Benneth, Rowe e Katz [50], também estudando o comportamento de pacientes com asma, encontraram que tanto a cronicidade como a severidade percebida da asma foram preditores significativos da adesão à medicação. Em outro estudo, Flynn, Lyman e Prentice-Dunn [51] relatam que apenas a avaliação de enfrentamento contribui significativamente para a adesão à terapia. Entretanto, este estudo avaliou os pais de crianças com distrofia muscular e assim os autores concluem que a avaliação da ameaça opera diferentemente em pessoas que experimentam uma doença do que naquelas em risco para a doença.

 

Abordagem de comunicação

 

Enfatiza-se a importância do desenvolvimento da educação ao paciente, da habilidade na comunicação e uma maior igualdade no relacionamento entre pacientes e profissionais de saúde [52].

 

Modelo Educacional

 

Este modelo propõe que a adesão está relacionada diretamente com o conhecimento do paciente da sua doença e terapia [53].

Piñeiro et al. [16], em um estudo realizado com pacientes dislipêmicos, encontrou que as dúvidas referentes à prescrição (36%) e o desconhecimento dos pacientes sobre a patologia (32%), eram responsáveis por mais de 2/3 das causas de não adesão. Resultado idêntico foi encontrado por Batalla Martinez et al. [54], indicando a dúvida como a principal causa referida pelos pacientes para a não adesão, enquanto Gil et al. [55] estudando pacientes hipertensos, encontrou uma associação (p=0,0166) entre baixo nível de conhecimento da doença e a não adesão. Em outro estudo, Okuno et al. [56], comparando dois grupos de idosos, verificaram que a adesão encontrava-se relacionada positivamente com o grupo que recebeu aconselhamento pelo farmacêutico (OR = 5,32, IC 95% = 2,00-14,20). Igualmente, Rich et al. [57], investigando o efeito de uma intervenção multidisciplinar sobre a adesão de pacientes idosos, encontraram diferenças significativas (p = 0,036) entre as taxas de adesão do grupo sob intervenção (85%) e o grupo controle (69,7%).

Entretanto Haynes, citado por Gonzalez Portillo [11] assinala que a associação positiva entre o conhecimento e a adesão, não é tão forte como comumente se acredita. Em uma revisão da literatura realizada por Tett, Higgins e Armour [58], sobre o impacto da intervenção do farmacêutico sobre a administração de medicamentos pelos idosos, os autores verificaram que em alguns estudos o aconselhamento verbal apresentou resultados positivos, enquanto em outros não. Da mesma forma que técnicas escritas e audiovisuais mostraram-se limitadas.

A educação pode apresentar uma importância no comportamento do paciente em aderir à terapia. No entanto, este modelo não explica porque muitos pacientes não apresentam boa adesão apesar do bom nível de conhecimento sobre sua doença e seu tratamento.

 

Modelo da barreira situacional

 

Neste modelo, dificuldades no acompanhamento médico, como a relação médico-paciente e o local de tratamento e inconvenientes da terapia são as características responsáveis pelo comportamento de adesão [26].

A relação médico-paciente é um fator importante na atitude seguida pelo paciente em relação à doença e ao regime terapêutico adotado. A forma como decorre uma consulta afeta diretamente a satisfação dos doentes e, consequentemente, o grau de adesão. Segundo Duran e Figuerola [2], três são os fatores que podem influenciar a adesão devido ao relacionamento médico-paciente: 1) a comunicação entre ambos; 2) o grau de satisfação do paciente pela consulta médica; e 3) o tempo de seguimento por parte do médico. A qualidade da comunicação e o tipo de linguagem utilizada entre médicos e pacientes são de fundamental importância para que haja uma inter-relação bidireccional, com a devida compreensão por parte do paciente e subsequente adesão ao tratamento. A forma como decorre uma consulta também afeta a satisfação dos pacientes, e consequentemente o seu grau de adesão. Grande tempo de espera, uma sala de estar desconfortável, uma equipe administrativa pouco simpática, os horários inconvenientes de consulta e longos períodos de seguimento também resultam em fraca adesão [19]. Da mesma forma, fatores relacionados com o regime terapêutico também influenciam o comportamento. Assim, a complexidade, os efeitos secundários e os custos da terapia também podem influenciar o comportamento de adesão [19,26].

Para Luscher et al. [3], um dos mais importantes fatores redutores da adesão é a duração do tratamento. Muitos estudos têm demonstrado uma queda significativa da adesão com o passar do tempo. No Helsinki Heart Study [15], a taxa de não adesão, verificada pelo método de contagem de comprimidos, aumentou de 15,6% no primeiro ano para 23,5% ao fim do quinto ano de seguimento. Tal fato foi corroborado pelo doseamento sérico que determinou uma taxa de não adesão de 21,2% no terceiro ano e 25% no quinto ano. O mesmo fenômeno foi verificado no Lipid Research Clinics Coronary Primary Prevention Trial, que encontrou, no primeiro ano de estudo, uma taxa de adesão de 70% no grupo tratado com colestiramina e 82% no grupo placebo. Ao fim do sétimo ano de seguimento a taxa de adesão caiu para 63% e 77% respectivamente [15,59].

 

Modelo Informação-Motivação (IMB)

 

Resultado da junção de elementos de outros modelos anteriormente criados foi desenvolvido para promover o uso de contraceptivos e prevenção do HIV. Foi construído para ser um modelo simples e generalizável que pudesse ser utilizado para intervenções dirigidas a comportamentos de saúde complexos, como a adesão à terapia antirretroviral [43,52]. O modelo é composto por 3 componentes fundamentais:

 

Este modelo demonstrou que a informação é um pré-requisito importante para a mudança de um comportamento, mas por si só não é suficiente para produzir a mudança. A relação entre a informação e motivação é fraca, ou seja, uma pessoa muito motivada pode possuir pouca informação, por outro lado uma pessoa bem informada pode apresentar pouca motivação. Entretanto, uma pessoa bem informada e motivada tem maior probabilidade de aderir ao comportamento [52]. O IMB é um dos poucos modelos para mudança de comportamento que está baseado sobre uma teoria articulando fatores ambientais, sociais e pessoais.

Em um estudo realizado por Amico, Toro-Alfonso e Fisher [60], verificou-se que o IMB proporciona um forte suporte para a adesão à Terapia Antiretroviral, a qual apresentou uma média de 91% de adesão e contrasta com estudos anteriores que demonstram uma taxa de adesão variando entre 57% e 77%.

 

Abordagem de crenças

 

Locus de controle da saúde

 

O Locus controle é um modelo que propõe ser a crença do indivíduo que determina quem detém o controle da sua vida, ou seja, quem determina a ação a ser tomada [32,61]. Quem acredita que os acontecimentos são consequências das suas ações, estando, portanto, sob o seu controle pessoal são considerados indivíduos internos. Por outro lado, os indivíduos que acreditam que os acontecimentos não se relacionam totalmente com as suas ações e são determinados por fatores que se encontram fora do seu controle pessoal são considerados externos [62]. Em um modelo mais complexo, e específico para a saúde, verificou-se a existência de 3 dimensões independentes: interno (crença que o indivíduo controla e é responsável pela sua própria saúde), externo-outros poderosos (crença de que os profissionais e/ou sistema de saúde, ou família detém o controle da saúde do indivíduo) ou externo-acaso (crença que a saúde depende do acaso, sorte ou destino) [61].

Segundo Rodríguez-Rosero et al. [61], os resultados obtidos em vários estudos indicam que sujeitos internos apresentam melhores resultados em tomar a sua medicação e conhecer a sua doença, entre outros comportamentos de saúde. Por outro lado, pacientes crônicos ou graves tendem a ser mais externos, fato corroborado em um estudo de Kurita e Pimenta [32], no qual verificou-se que quanto maior a crença do doente de que o controle da sua saúde dependia dele próprio, menor foi a adesão ao tratamento da dor crônica, sendo os indivíduos com locus externo-outros poderosos os mais aderentes a terapia.

 

Abordagem de autorregulação

 

Teoria da autorregulação

 

Segundo este modelo, os indivíduos regulam o seu comportamento no sentido de maximizar o seu bem-estar e reduzir o desconforto, de acordo com as suas representações cognitivas e emocionais. Fundamentalmente, a autorregulação funciona como um modelo de processamento da informação em resposta a alterações ou ameaças ao estado de saúde [63].

O processo ocorre em três fases: representação cognitiva da ameaça à saúde e do seu significado, que pode ser originada internamente (presença de sintomas da doença), ou externamente (informação); desenvolvimento de um plano de ação para lidar com a ameaça (estratégias de coping); e com a avaliação do plano de ação implementado, podendo ser resultado de um processo contínuo de modificação e atualização das representações cognitivas. Isto implica que a escolha de uma ação particular está condicionada pelo sentido que essa ação faz à luz das suas próprias ideias, acerca dos sintomas experimentados e da própria doença. Assim a adesão, pode ser um dos possíveis comportamentos utilizados para alcançar o bem-estar [48].

Entretanto, respostas aparentemente irracionais a ameaças à saúde podem ser explicadas pelo fato de o processamento cognitivo ocorrer simultaneamente ao processo emocional.

 

Abordagem de estágios

 

Modelo Transteórico (MTT)

 

O Modelo Transteórico baseia-se na mudança intencional de um determinado comportamento, ou seja, a tomada de decisão do indivíduo, ao contrário de outras abordagens, que se concentram nas influências sociais ou biológicas do comportamento. Neste modelo a premissa fundamental é que a mudança comportamental acontece ao longo de um processo no qual as pessoas passam por diversos estágios de motivação para a mudança, e que representam a dimensão temporal do Modelo [64].

Este processo é composto em cinco estágios: a pré-contemplação, em que a pessoa não tem ainda qualquer intenção de mudar; a contemplação, a pessoa começa a considerar a possibilidade de mudança; a preparação, quando começa a realizar pequenas mudanças e aproximações ao comportamento desejado; a fase de ação, na qual a pessoa inicia explicitamente a modificação de seus comportamentos; e a fase de manutenção, na qual o comportamento é mantido ao longo do tempo [52].

O processo de mudança é um conceito essencial no MTT e nos possibilita o entendimento de como a mudança de comportamento ocorre. É um processo que inclui diferentes dimensões (estágios motivacionais), as quais devem ser consideradas em conjunto para que possam ser mais bem compreendidas. O processo de mudança não pode ser considerado meramente linear, pois seus estágios são compreendidos como fazendo parte de uma “espiral”, na qual a pessoa pode se movimentar de um estágio para outro sem uma ordem estabelecida. Uma pessoa na contemplação (ambivalente) pode não optar pela mudança e recair, bem como pode seguir em seu processo de mudança evoluindo para a ação [64].

 

Conclusão

 

A prática de não adesão à terapia medicamentosa pelos pacientes tem sido uma área ativa de pesquisa envolvendo profissionais de saúde e cientistas comportamentais, principalmente nas últimas décadas. Essa preocupação tem sido de extrema importância, pois na última década o nosso conhecimento sobre a extensão de não cumpridores, os fatores determinantes do cumprimento e a eficácia de várias estratégias para aumentar o cumprimento têm aumentado visivelmente.

Entretanto, o problema da não adesão é consequência de uma complexa rede de interação entre fatores biológicos, sociais, ambientais, culturais, cognitivos e psicológicos, e assim as teorias e modelos comportamentais podem não representar uma verdade, mas ajudam a organizar o pensamento sobre o problema dando ênfase a alguns importantes fatores.

Os comportamentos são produtos de uma ação recíproca de fatores socioculturais e individuais, que dependem dos processos de socialização e do fluxo de vida, que é dinâmico e que geram representações do problema vivenciado. Eles estão sujeitos a mudanças baseadas na experiência e reinterpretação de vivências adquiridas. Relativamente às doenças, essas representações incluem informação acerca da doença, das suas causas e sintomas, assim como da sua evolução e possíveis consequências, fornecendo uma forma de interpretar a situação, dando-lhes um significado para a sua compreensão de modo que possam responder comportamentalmente a estas ameaças. Deste modo, a não adesão exige intervenções a múltiplos níveis, centradas tanto nos indivíduos e nas relações sociais como também nos processos ambientais e culturais. Assim, possíveis intervenções para minimizar o problema de não adesão são muito complexas e devem combinar aspectos como o aconselhamento, informação, educação, lembretes e suporte familiar, entre outros.

 

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