REVISÃO
Adesão
à terapia medicamentosa: um olhar na literatura sobre os fatores condicionantes
e os modelos comportamentais explicativos
Sílvio Luís Rodrigues
de Almeida, D.Sc.
*DEA em
Saúde Pública (Universidade de Santiago de Compostela), Especialista em
Farmácia Hospitalar (UFRN e HCFMUSP), Especialista em Administração Hospitalar
(Fac. São Camilo), Farmacêutico (Faculdades Oswaldo Cruz), Prof.
do Centro de Pós-Graduação das Faculdades Oswaldo Cruz
Recebido em 25 de
fevereiro de 2016; aceito em 28 de fevereiro de 2016.
Endereço
para correspondência:
Sílvio Luís Rodrigues de Almeida, Rua Amaro Rodrigues, 71 Horto Florestal
02377-050 São Paulo SP, E-mail: silvioluisalmeida@gmail.com
Resumo
Apesar dos benefícios
que os medicamentos podem proporcionar, o seu uso incorreto é comum, causando
um impacto na saúde do paciente e gerando custos sociais que poderiam ser
evitados. O objetivo deste artigo é apresentar, por meio de uma revisão bibliográfica,
alguns aspectos relacionados com a adesão à terapia medicamentosa, incluindo a
sua definição e magnitude, assim como os fatores relacionados a não adesão e
aos modelos comportamentais mais utilizados para explicá-la. Verifica-se que a
prática de não adesão à terapia medicamentosa pelos pacientes tem sido uma área
ativa de pesquisa e observa-se que o problema é consequência de uma complexa
rede de interação entre fatores biológicos, sociais, ambientais, culturais,
cognitivos e psicológicos. Apesar de o nosso conhecimento sobre a extensão de
não cumpridores dos fatores determinantes do cumprimento e da eficácia de
várias estratégias para melhorar o cumprimento ter vindo a aumentar
visivelmente, nenhum dos modelos e teorias propostos foi capaz de criar
estratégias que resultem em um processo de adesão eficaz.
Palavras-chave: adesão do paciente,
tratamento medicamentoso, fatores predisponentes, modelos teóricos.
Abstract
Adherence to drug therapy: a look at the literature on
conditioning factors and explanatory behavioral models
Despite the benefits that medications can provide, their misuse is
common, impacting in the health of the patient and generating social costs that
could be avoided. The purpose of this article is to present, through a
literature review, some aspects related to compliance with drug therapy,
including its definition and magnitude, as well as factors related to
non-adherence and the behavioral models used to explain it. It is noted that
the practice of non-adherence to drug therapy for patients has been an active
area of research and observed that the problem of non-adherence is the result
of a complex interaction between biological, social, environmental, cultural,
cognitive and psychological factors. Although our knowledge on the extent of
non-compliant of the determinants of compliance and the effectiveness of
several strategies to improve compliance have been increasing, none of the
models and theories proposed was able to develop strategies that result in an
effective process for adherence.
Key-words: patient
compliance, drug therapy, causality, theoretical models.
Resumen
Adherencia
al tratamiento farmacológico: Una mirada a la
literatura sobre los factores condicionantes y los modelos de comportamiento
explicativos
A pesar de los
beneficios que los medicamentos pueden proporcionar, su uso incorrecto es común, causando un impacto en la salud del paciente y
generando costes sociales que podrían evitarse. El objetivo de este trabajo es presentar, a través de una revisión de la literatura,
algunos aspectos de la adherencia a la terapia con medicamentos, incluyendo su
definición y magnitud, así como los factores relacionados con la falta de
adherencia y los modelos de comportamiento más utilizados para explicarlo. La
práctica de la no adherencia a la terapia con
medicamentos por los pacientes ha sido un área activa de investigación y se
observa que el problema de la falta de cumplimiento es el resultado de una
compleja red de interacción entre factores biológicos, sociales, ambientales,
culturales, cognitivo y psicológico. Aunque nuestro conocimiento acerca de la extensión de no cumplidores, los factores determinantes
de cumplimiento y la eficacia de diversas estrategias para mejorar el
cumplimiento han ido aumentando notablemente, ninguno de los modelos y teorías
propuestas fue capaz de crear estrategias que dan lugar a un proceso de
adhesión efectiva.
Palabras-clave: adherencia del paciente, tratamiento farmacologico, factores
predisponentes, modelos teóricos.
O protagonismo dos
medicamentos em saúde pública é cada vez maior, devido à sua importância
terapêutica, econômica e social [1]. Os benefícios da terapia medicamentosa
moderna com medicamentos cada vez mais eficazes na regularização de certos
problemas são facilmente reconhecidos, embora também sejam capazes de provocar
reações adversas ou efeitos secundários não esperados, principalmente se as
recomendações de uso dadas pelos profissionais de saúde não forem seguidas.
No entanto, a utilização
inadequada dos medicamentos é comum, implicando em aspectos clínicos e sociais
de alta relevância, tendo em vista a saúde do paciente e o custo social que
isso gera.
Definição
de cumprimento
O
cumprimento da terapia define-se como o grau de concordância entre o
comportamento de um doente em tomar os medicamentos, seguir as dietas, alterar
estilos de vida e as orientações dadas pelos profissionais de saúde [2,3]. Este
conceito nem sempre é expresso pelo mesmo vocábulo, sendo também utilizado outros
como adesão e concordância, os quais possuem a vantagem de carecer da conotação
coercitiva do “cumprimento”, e enfatizam a importância do envolvimento do
paciente [4].
Não obstante, esta
definição contempla unicamente a ótica do profissional sanitário, e ignora o
ponto de vista do paciente. Weintraub et al., citado por
Meagher, O’Brien e O’Malley [5], formularam o termo “não adesão inteligente”
para justificar aquelas situações nas quais o paciente toma a decisão de não
aderir ao regime terapêutico. As razões invocadas incluem efeitos colaterais
desagradáveis, a opinião de que não necessitam muito dos medicamentos, e a
avaliação de que o risco é superior ao benefício [5].
A não adesão inclui
falhas intencionais e não intencionais, considerando as quantidades prescritas,
assim como erros de quando e como os medicamentos são tomados [2,4]. Schwartz et al., citado por Duran e Figuerola [2],
propuseram uma classificação em que estabelecem cinco tipos de não adesão:
erros de omissão, de propósito (medicamento equivocado), de dosificação, de
seguimento e de associação de medicamentos não prescritos. Por outro lado,
Dirks e Kinsman [6] consideram apenas dois tipos de atitudes relativas à
terapia: adesão (uso correto) e não adesão (uso abusivo, uso errático e omissão).
Entretanto é certamente irreal esperar que os pacientes tomem os medicamentos
exatamente como prescritos e, assim, rotular um paciente em termos absolutos
como cumpridor ou não cumpridor, o que apresenta risco de fazer uma valoração
incorreta do problema. Efetivamente em muitos casos o que existe é um
cumprimento parcial [2,3]. Desta forma, estudos sobre adesão devem sempre estar
ligados com o processo terapêutico para julgar a significância clínica dos
resultados observados, estabelecendo-se um umbral a partir do qual seja
possível obter um benefício terapêutico aceitável.
Magnitude
da adesão à terapêutica
Quando revisamos a
literatura sobre a adesão do paciente, deparamo-nos com um verdadeiro
quebra-cabeça no que diz respeito a resultados. As estimativas para Nichol,
Venturini e Sung [7] variam entre 4% e 92%, com uma média de adesão à terapia
crónica de aproximadamente 50%-65%, enquanto para O’Brien,
Petrie e Raeburn [8] esses valores oscilam entre 30% e 60%. Bloch, Melo e Nogueira, em um estudo com 200 pacientes
hipertensos, encontraram uma taxa de adesão de 51% [9]. Em outro estudo, também
realizado com pacientes hipertensos (n = 60), Bastos-Barbosa et al. [10] verificaram uma taxa de 36%, enquanto Gonzalez Portillo
determinou que 64,8% dos pacientes (n = 122) cumpriam com a terapêutica [11].
Resultados tão variados devem-se principalmente à variação dos padrões
metodológicos utilizados nos diversos estudos (Quadro I) [11-16].
Quadro
1 – Metodologia de alguns estudos sobre adesão à
terapia medicamentosa.
Em uma revisão de 72
estudos sobre a metodologia utilizada nas investigações sobre a adesão à
terapia medicamentosa, Nichol [7] encontrou que apenas 41,7% replicava a
definição de adesão enquanto em 22 artigos nenhuma definição ou critério para a
adesão foi estabelecido. Da mesma forma, os métodos de verificação utilizados e
os cálculos das taxas de adesão diferem marcadamente. Enquanto alguns estudos
utilizam provas séricas positivas, outros utilizam a contagem de comprimidos
definindo taxas a diferentes intervalos para caracterizar a adesão. Além disso,
as diferenças nos resultados também se devem ao tipo de estudo realizado, à
seleção do paciente, ao regime terapêutico e ao tempo de seguimento [3,17].
Métodos
de avaliação
Vários métodos têm
sido utilizados na investigação da estimativa da adesão à terapêutica. As
técnicas de avaliação devem ser capazes de descrever o comportamento referente
ao uso dos medicamentos por alguns períodos de tempo, e não devem ser
influenciados por atos únicos de administração ou esquecimento de uma dose
individual. Além disso, devem ser simples, baratos, não invasivos e
apresentarem resultados imediatos. Embora seja percebido que, atualmente, um
“padrão-ouro” de medida não exista, há conflitos evidentes sobre qual medida
proporciona a melhor estimativa do comportamento do paciente em relação à
ingestão dos medicamentos. De maneira geral, encontram-se divididos em diretos
e indiretos.
Métodos diretos
Os métodos diretos
caracterizam-se pela determinação dos medicamentos ou seus metabólitos nos
fluídos corporais dos pacientes. A monitorização do nível plasmático do fármaco
tem proporcionado uma medida útil para determinar a ingestão de medicamentos e
podem ajudar a conhecer a dose que o paciente está ingerindo. Entretanto, nem
todos os fármacos são possíveis de serem determinados analiticamente. Além
disso, o método pode ser afetado pelas características intrínsecas dos
fármacos, como também pelas diferenças individuais na absorção, distribuição,
metabolização e excreção.
Para alguns autores [15,18], os métodos
diretos são os mais fiáveis e a única forma de provar que no mínimo alguma
droga tenha sido tomada. O problema é que eles raramente cobrem a totalidade do
período de seguimento e assim apenas informam sobre a ingestão precedente à
coleta. Além disso, a maioria é invasiva e, se as avaliações se realizam
periodicamente, podem dar falsa adesão, pois o paciente pode aumentar
temporariamente a adesão ao dar-se conta da avaliação a que está sendo
submetido, além de serem de difícil realização e onerosos.
Métodos indiretos
Autorrelato
É realizado através
de questionários ou entrevistas ao paciente, com a finalidade de obter
informações quanto à utilização dos medicamentos.
Trata-se de um método
muito comum e muito simples de avaliar a adesão à terapêutica, tendo em vista a
sua facilidade de execução e a possibilidade de ser aplicado em todos os níveis
da prestação de cuidados da saúde. Além disso, apresenta outras vantagens por
se obter maiores informações sobre a origem da não adesão, ser o mais fiável
quando o paciente assegura não cumprir com a medicação e ser
o mais barato [2]. Contudo, considera-se que a relação do paciente com o
entrevistador, a sua destreza em conseguir informações, a memória do paciente e
o seu temor pelas repercussões que possam ter as suas respostas, sejam fatores
que limitem a sua eficácia [2,17].
Para alguns autores
[14,19], o autorrelato é um método que sobrestima a adesão à terapêutica, já
que os doentes mentem frequentemente para agradar aos profissionais de saúde, e
assim somente uma pequena parte dos não aderentes é que pode ser identificada.
Estudos comparativos com outras técnicas indicam que um número importante de
pacientes que asseguram tomar a medicação não diz a verdade. Em um estudo
realizado por Gonzales Portillo [11] com pacientes hipertensos, verificou-se
que 84,6% dos pacientes estudados (n =122) comunicaram ser aderentes à terapia,
embora apenas 76,9% apresentassem um bom controle da sua tensão arterial. Em
outro estudo, realizado por Grymonpre et al. [18], a
média de adesão calculada pelo autorrelato (95,8%) foi similar à obtida pelo
registro farmacêutico (94,6%). Da mesma forma, Lignani Jr., Greco e Carneiro
[20] encontraram taxas de adesão similares com o autorrelato (74%) e o registro
farmacêutico (76,5%).
Contagem
de comprimidos
A contagem de
comprimidos é uma técnica comumente usada para medir a adesão em investigações
nos serviços de saúde e em alguns ensaios clínicos. É o método mais comum
porque é simples, barato e apropriado para a monitorização contínua [15]. A
adesão pode ser avaliada pela diferença entre o número de unidades inicialmente
na posse do doente e o número de unidades que ele ainda possui na consulta
subsequente ou em uma visita domiciliar.
Todavia, possui o
inconveniente de se pressupor o fato de que se faltam comprimidos na embalagem
é porque o paciente os tomou, e isto nem sempre é certo [2]. O paciente pode
estar atento retirando os comprimidos que deveria ter tomado para dar uma boa
imagem de si mesmo [19]. Para evitar este inconveniente, alguns autores fazem
visitas domiciliares surpresa com a finalidade de verificar o número de
comprimidos existentes nas embalagens na posse do paciente. Entretanto, isto
supõe um aumento do custo da investigação, assim como um problema ético [19].
Outros inconvenientes são a possibilidade de o mesmo medicamento ser
compartilhado por várias pessoas da mesma família [2], a dinâmica do uso do
medicamento não pode ser verificada, o uso errático
devido ao esquecimento da dose e a utilização de doses adicionais em alguns
dias pode proporcionar um equilíbrio, dando uma avaliação errônea. Apesar
disso, este é um método seguro para determinar uma má adesão, se os comprimidos
encontrarem-se na embalagem [17,21].
Para alguns autores [15,21,22], esta técnica sobrestima a adesão à terapêutica em
comparação a outras técnicas. Em um estudo realizado por Pullar et al. [23], verificou-se que 32% dos
indivíduos com uma taxa de adesão entre 90% e 100%, determinada através do
método de contagem de comprimidos, possuíam uma adesão muito ruim quando
determinado pelo método direto de doseamento sérico. Por outro lado, Grymonpre et al. [18] encontraram que esta técnica
subestimava a taxa de adesão (66,9% ± 25,4%, n = 132), quando comparado com
outros métodos indiretos: o autorrelato (94,4% ± 11,9%, n = 132) e o registro
farmacêutico (91,2% ± 34,4%, n = 61), que apresentavam taxas mais elevadas e
similares.
Monitorização
eletrônica
Outra técnica para a
avaliação do consumo de comprimidos é a monitorização eletrônica, a qual
utiliza frascos de medicamentos com tampas onde foi inserido um
microprocessador (MEMS – Medication Event Monitoring System) [17]. Cada vez que
a tampa é removida o microprocessador registra a data e a hora do ocorrido. Os
dados são, por fim, coletados do microprocessador através de uma ligação ao
computador, fornecendo assim dados exatos sobre a frequência de abertura do
frasco. O equipamento apresenta algumas vantagens como ser de fácil transporte
e manuseio, durável (1 ano ou mais) e barato.
Com esse método,
assume-se que cada abertura do frasco e o seu fechamento corresponde a uma
presumível dose, porém isto nem sempre é verdade [17], e assim o mesmo problema
da contagem de comprimidos permanece: “o que acontece aos medicamentos após
terem sido retirados do frasco?” Estes monitores não garantem que o doente
tenha tomado o medicamento, e também não informa se duas ou mais doses foram
retiradas ao mesmo tempo. Em um estudo realizado por Paes et al. [17], seis pacientes foram excluídos do estudo porque
utilizavam dose-organizadores semanais, e assim a abertura do MEMS ocorria
apenas uma vez por semana. Entretanto, este sistema pode fornecer informações
sobre a regularidade de acesso ao medicamento, determinando padrões específicos
do uso do fármaco como uso errático e esquecimentos.
Registros
farmacêuticos
Os registros
farmacêuticos baseiam-se em controles de aquisição do medicamento pelo paciente
nas farmácias. Dados sobre a data, dosagem, número de comprimidos dispensados e
a data teórica de retorno para nova aquisição são registrados e comparados
posteriormente.
Poucos estudos têm
sido publicados sobre o uso de registros farmacêuticos para medir a adesão.
Para Bonada et al. [19], este método somente pode ser
realizado em lugares com características muito especiais como em locais onde os
pacientes usualmente visitam a mesma farmácia, ou onde farmácias ambulatoriais
distribuem os medicamentos prescritos de uso crônico gratuitamente em
quantidade suficiente para um determinado período de tempo, devendo o paciente
retornar ao fim deste período para uma nova aquisição. Além disso, uso errático
e esquecimentos não podem ser medidos e apenas se consegue detectar uma má
adesão em certo grau, pois somente quando o paciente está atrasado em seu
retorno pode-se dizer que a não adesão existe [17]. Por outro lado um consumo
excessivo é difícil de interpretar porque pacientes podem ter outras razões
para um retorno antecipado como feriados, viagens etc.
Para alguns autores
[17,24], este método também sobrestima a adesão quando comparado com os métodos
diretos. Em seu estudo, Paes et al. [17]
determinaram que 63,6% dos pacientes retornaram na data certa para adquirir os
seus medicamentos. No entanto, caso fosse aceito como aderentes pacientes com
um atraso máximo de 5 dias, essa taxa aumentava para
77,7%. Resultado similar foi encontrado com a contagem de comprimidos (72,5%).
Efeitos
farmacológicos
Outro método indireto
consiste em medir um efeito farmacológico característico como alteração do
ritmo cardíaco devido ao uso de um ß-bloqueador, ou a diminuição da tensão
arterial [19]. Todavia, este dado isolado não discrimina os pacientes
cumpridores dos não cumpridores. Na clínica prática supõe-se que quando um
paciente melhora existe um bom cumprimento, e o inverso significaria mau cumprimento. No entanto, esta asserção apresenta uma
série de limitações, pois os pacientes podem melhorar por motivos diferentes do
medicamento prescrito, ou um regime incorreto pode oferecer uma melhoria
clínica e os pacientes que cumprem a prescrição podem não melhorar [2]. Assim,
um baixo efeito farmacológico pode ser sinal de necessidade de ajustamento da
dose ou até indicar um falso diagnóstico.
Gonzalez Portillo
[11], em um estudo realizado com pacientes hipertensos, verificou que 76,9% dos
pacientes apresentaram um controle da pressão arterial, sendo essa taxa
inferior à adesão avaliada pelo autorrelato (84,6%). Neste mesmo estudo, ao
relacionar os dados obtidos através do efeito farmacológico com o autorrelato,
verificou-se que 64,8% dos pacientes apresentavam uma boa adesão e bom controle
da pressão arterial, 12% apresentavam baixa adesão e bom controle e 37%
apresentavam baixa adesão e mal controle.
Muitos autores
sugerem que os métodos diretos são a mais acurada medida de não adesão, seguida
da contagem de comprimidos, com o autorrelato sendo menos acurado [19,25].
Outros sugerem que o autorrelato é uma técnica de medida sensível, com uma
importância muito grande para se poder aprofundar nas
razões do comportamento da não adesão [2,25].
Nenhum destes métodos
por si só é totalmente confiável, provavelmente porque cada um mede diferentes
tipos de comportamentos ou diferentes aspectos de adesão [17,21]. Entretanto,
embora um “padrão-ouro” para a medida de adesão não possa ser assumido, a
precisão dos distintos métodos pode medir-se mediante a aplicação de vários
deles ao mesmo grupo de pacientes e da determinação da sua validade e fiabilidade.
Fatores
condicionantes da não adesão
Muitas são as razões
apontadas para a fraca adesão à terapia medicamentosa (Figura 1), as quais
estão associadas principalmente com fatores relacionados ao próprio paciente e
à doença, ao tipo de tratamento, o relacionamento com os profissionais de saúde
e as características do sistema de saúde.
Figura
1 - Fatores relacionados com a não adesão à
terapêutica medicamentosa.
Pacientes que
convivem com sua família podem apresentar melhores taxas de adesão do que os que
vivem sozinhos. Por outro lado, muito embora na maioria dos estudos realizados,
características sociodemográficas como gênero, nível educacional, nível
socioeconômico, ocupação, estado civil, raça, etnia e religião, não tenham
demonstrado relação com a adesão, alguns traços de personalidade parecem estar
relacionados. Em um estudo realizado por Raskin, citado por Luscher et al. [26], pacientes não aderentes
indicavam em maior grau um sentimento de hostilidade e agressividade frente a
figuras de autoridade e parentais, do que os aderentes.
A adesão à
terapêutica também pode encontrar-se relacionada com a gravidade da doença,
devido ao aparecimento de sintomas: à medida que estes aumentam,
a adesão aumenta [27]. Por outro lado, pessoas que sofrem de doenças crônicas
com pouco ou nenhum sintoma são as mais propensas a não adesão [28]. Além
disso, o tempo de tratamento relaciona-se inversamente com a adesão. Assim,
comportamentos de adesão à terapêutica de doenças crônicas ou formas de
prevenção que implicam alterações permanentes do estilo de vida, tendem a
diminuir com o tempo, a não ser que se tornem automáticos e habituais. Da mesma
forma, o custo do medicamento, assim como os efeitos indesejáveis também são
fatores que interferem na adesão [29].
Por outro lado, o
padrão de comunicação entre o profissional de saúde e o paciente, o tempo gasto
pelo profissional durante o atendimento, a postura de preocupação e empatia do
mesmo parece desempenhar um papel importante no comportamento de adesão.
Pesquisas tem demonstrado que pacientes que estão mais satisfeitos com as
consultas dos profissionais de saúde, assim como aqueles que estão envolvidos
no seu tratamento, tem maior tendência para a adesão ao tratamento [28,30].
Como refere Caprara e Rodrigues [31], no começo da consulta quase todos os
médicos tentam estabelecer uma relação de empatia com o paciente. Entretanto,
observa-se que 39,1% dos médicos não explicam de forma clara e compreensiva o
problema, bem como em 58% das consultas o médico não verifica o grau de
entendimento do paciente sobre o diagnóstico dado, e em 53% das consultas não
verificam a compreensão do paciente sobre a indicação terapêutica. Assim, estes
profissionais não desenvolvem autonomia e participação do paciente no processo
terapêutico e nas práticas de prevenção e promoção da saúde.
Apesar de alguns
encontros ajudarem a identificar fatores de risco, eles tendem a ser discretos,
não contribuindo muito para uma aproximação clínica do problema. Desta forma,
vários modelos derivados de teorias comportamentais relacionadas com a saúde
têm sido elaborados para tentar explicar o comportamento de adesão à terapia
por parte dos pacientes [32-36].
Modelos
comportamentais
Várias intervenções têm
sido desenhadas para proporcionar adesão ao tratamento, mas poucas teorias
descrevem especificamente o processo envolvido. De acordo com a abordagem
utilizada, os modelos mais utilizados para tentar explicar o comportamento de
adesão, podem ser classificados em 5 características
teóricas principais, as quais incluem uma ou mais teorias ou modelos.
Abordagem
cognitiva
Os modelos cognitivos
analisam os fatores preditores e precursores dos comportamentos de saúde, os
quais podem resultar de uma ponderação racional dos potenciais custos e
benefícios de um dado comportamento. Descrevem assim,
o comportamento como resultado de um processamento de informação racional, no
qual os indivíduos escolhem a ação que realizarão baseados em crenças e
percepções, pondo em relevo as cognições individuais, e não somente o contexto
social de tais cognições.
Teoria
cognitiva-social
Segundo a teoria
cognitiva-social a motivação e a ação humana são reguladas por mecanismos de controle
premeditados que podem resultar em tomada de decisão [37]. Estes mecanismos são
influenciados por duas variáveis psicológicas fundamentais, que estão
relacionadas com a adesão ao tratamento: a autoeficácia e a expectativa do
resultado. Para Bandura, a autoeficácia é a crença das pessoas em realizar com
sucesso as ações requeridas para alcançar uma situação específica desejada
[38,39]. Ela influencia diretamente a preparação para a ação, pois a cognição é
um dos componentes no processo de motivação [37]. Por outro lado, a expectativa
do resultado refere-se às crenças pessoais sobre a possível consequência das
ações tomadas [37,39]. Desta forma, a autoeficácia, quando associada a expectativa positiva do resultado, pode ser um bom
preditor de comportamentos ligados à saúde. Além destes dois fatores
cognitivos, a teoria cognitiva-social também inclui objetivos e impedimentos
percebidos e oportunidades estruturais [37].
Vários estudos têm
demonstrado uma relação entre a autoeficácia e a adesão à terapia medicamentosa.
Bélanger et al. [40] encontraram diferenças
significativas na taxa de autoeficácia após a 6ª, 9ª e 10ª semana, entre
pacientes aderentes e não aderentes a um programa de redução de dosagem de
benzodiazepinas, verificando que os pacientes aderentes apresentavam maiores
taxas de autoeficácia. Em outro estudo, Pinheiro et al. [41] relataram que a autoeficácia foi o mais importante
preditor de adesão em pacientes com terapia antiretroviral (OR = 3,3 IC 95% =
1,69-6,56).
Modelo
de Crenças em Saúde (HBM)
O modelo mais
comumente adotado para explicar o comportamento de adesão à terapia é o modelo
de crenças em saúde (Health Belief Model) [3,19], o qual é composto em quatro
crenças, duas delas relacionadas com a patologia, e as outras duas relacionadas
com os comportamentos para prevenir ou tratar a doença. De acordo com este
modelo, a adoção de um determinado comportamento depende da integração de
quatro fatores: da crença que um indivíduo tem sobre a sua suscetibilidade a um
problema de saúde, isto é, o fato desse indivíduo acreditar que esse problema
pode afetá-lo particularmente (Percepção de Suscetibilidade); da associação que
ele faz do problema de saúde com a gravidade das consequências (Percepção de
Severidade); da crença que ele possui que esse problema de saúde pode ser
prevenido por uma determinada ação (Percepção de Benefício), apesar dessa ação envolver aspectos negativos como desconforto,
custos financeiros, deslocações, etc. (Percepção de Barreiras). Dessa forma, os
benefícios são avaliados em relação às barreiras que existem para alcançá-los.
Além disso, o comportamento depende da presença de estímulos de ação que são os
responsáveis pelo desencadeamento das percepções de suscetibilidade e
severidade, que devem motivar o indivíduo a agir [42].
Embora este modelo
possa dar uma explicação satisfatória para o comportamento do paciente, em
muitos casos ele encontra-se limitado, pois como explica Munro et al. [43], as relações entre as
variáveis não estão claramente explicadas.
Em um estudo realizado
por Andreoli [44] não foram verificadas diferenças nas crenças de saúde de
indivíduos hipertensos aderentes e não aderentes à terapia. Entretanto, em um
estudo com indivíduos portadores de diabetes, Gutierrez e Long [45] encontraram
diferenças importantes entre os grupos aderentes e não aderentes, nas dimensões
benefícios e barreiras.
Teoria
da Ação Racional e Teoria da Ação Planejada
A Teoria da Ação
Racional assume que a intenção comportamental é o melhor preditor de uma pessoa
realizar ou não um determinado comportamento. Esta intenção é, por sua vez,
determinada pela atitude, orientada pelas crenças, de que a adoção desse
comportamento produzirá certos resultados, e pela norma subjetiva, que se
refere às influências sociais do seu ambiente (família, amigos, sociedade) ao
que é considerado comportalmente adequado [46]. Entretanto, segundo Munro [43],
a TRA omite o fato que comportamentos nem sempre podem estar sobre um controle
volitivo, sendo necessários recursos e oportunidades para implementar
este comportamento. Reconhecendo isto, os autores estenderam a teoria para
incluir o controle comportamental e designaram-no como Teoria da Ação
Planejada.
Nesta nova teoria, a
dimensão controle comportamental é reconhecida como a capacidade percebida que
o indivíduo tem para praticar esse comportamento, estando relacionada com
fatores de controle tanto internos (aptidões, informações, etc.) como externos
(oportunidades, relações de dependência), os quais podem agir como
facilitadores ou inibidores da ação. Estas teorias estão fortemente dependentes
do processo racional, não considerando o impacto de crenças emocionais sobre o
comportamento, as quais também podem influenciar as atitudes e intenções.
Entretanto em um
trabalho de metanálise realizada por Sirur et al. [47] foram encontrados resultados variados quanto à eficácia
dos componentes da teoria.
Teoria
da Motivação à Proteção (PMT)
A PMT descreve
respostas adaptativas para uma ameaça à saúde, resultando de dois processos de
avaliação: a avaliação da ameaça, e a avaliação do enfrentamento (coping)
[37,48]. Esta teoria defende que a gravidade, a vulnerabilidade e o medo estão
relacionados com a avaliação da ameaça, e que a eficácia da resposta e a
autoeficácia estão relacionadas com a avaliação do enfrentamento [48].
A resposta adaptativa
ocorre se o indivíduo percebe por si estar à frente de uma ameaça à saúde, a
qual está susceptível e a sua severidade, situação na qual ocorre o despertar
do medo. Da mesma forma, respostas adaptativas também são mais comuns se o
indivíduo percebe comportamentos que apresentem respostas efetivas na redução
da ameaça e acredita que pode realizar com sucesso tal resposta adaptativa
[37]. Estas duas avaliações cognitivas fornecem a motivação para a proteção a
fim de realizar comportamentos protetores da saúde ou evitar comportamentos
comprometedores da saúde.
Vários estudos têm
utilizado a PMT na avaliação da adesão à terapia medicamentosa. Através de um
programa educacional para pacientes com asma que utilizou os componentes da
TMP, Schaffer e Tian [49] verificaram diferenças na adesão dos grupos controle
e aqueles submetidos a dois processos educativos diferentes, concluindo que uma
intervenção educacional com tais componentes pode afetar beneficamente a
adesão, que persiste no mínimo 6 meses. Da mesma
forma, Benneth, Rowe e Katz [50], também estudando o comportamento de pacientes
com asma, encontraram que tanto a cronicidade como a severidade percebida da
asma foram preditores significativos da adesão à medicação. Em outro estudo,
Flynn, Lyman e Prentice-Dunn [51] relatam que apenas a avaliação de
enfrentamento contribui significativamente para a adesão à terapia. Entretanto,
este estudo avaliou os pais de crianças com distrofia muscular e assim os
autores concluem que a avaliação da ameaça opera diferentemente em pessoas que
experimentam uma doença do que naquelas em risco para a doença.
Abordagem
de comunicação
Enfatiza-se a
importância do desenvolvimento da educação ao paciente, da habilidade na
comunicação e uma maior igualdade no relacionamento entre pacientes e
profissionais de saúde [52].
Modelo
Educacional
Este modelo propõe
que a adesão está relacionada diretamente com o conhecimento do paciente da sua
doença e terapia [53].
Piñeiro et al. [16], em um estudo realizado com
pacientes dislipêmicos, encontrou que as dúvidas referentes à prescrição (36%)
e o desconhecimento dos pacientes sobre a patologia (32%), eram responsáveis
por mais de 2/3 das causas de não adesão. Resultado idêntico foi encontrado por
Batalla Martinez et al. [54], indicando a dúvida como a
principal causa referida pelos pacientes para a não adesão, enquanto Gil et al. [55] estudando pacientes
hipertensos, encontrou uma associação (p=0,0166) entre baixo nível de
conhecimento da doença e a não adesão. Em outro estudo, Okuno et al. [56], comparando dois grupos de idosos, verificaram
que a adesão encontrava-se relacionada positivamente com o grupo que recebeu
aconselhamento pelo farmacêutico (OR = 5,32, IC 95% = 2,00-14,20). Igualmente,
Rich et al. [57], investigando o efeito de uma
intervenção multidisciplinar sobre a adesão de pacientes idosos, encontraram
diferenças significativas (p = 0,036) entre as taxas de adesão do grupo sob
intervenção (85%) e o grupo controle (69,7%).
Entretanto Haynes,
citado por Gonzalez Portillo [11] assinala que a associação positiva entre o
conhecimento e a adesão, não é tão forte como comumente se acredita. Em uma
revisão da literatura realizada por Tett, Higgins e Armour [58], sobre o
impacto da intervenção do farmacêutico sobre a administração de medicamentos
pelos idosos, os autores verificaram que em alguns estudos o aconselhamento
verbal apresentou resultados positivos, enquanto em outros não. Da mesma forma
que técnicas escritas e audiovisuais mostraram-se limitadas.
A educação pode
apresentar uma importância no comportamento do paciente em aderir à terapia. No
entanto, este modelo não explica porque muitos pacientes não apresentam boa
adesão apesar do bom nível de conhecimento sobre sua doença e seu tratamento.
Modelo
da barreira situacional
Neste modelo,
dificuldades no acompanhamento médico, como a relação médico-paciente e o local
de tratamento e inconvenientes da terapia são as características responsáveis
pelo comportamento de adesão [26].
A relação
médico-paciente é um fator importante na atitude seguida pelo paciente em
relação à doença e ao regime terapêutico adotado. A forma como decorre uma
consulta afeta diretamente a satisfação dos doentes e, consequentemente, o grau
de adesão. Segundo Duran e Figuerola [2], três são os fatores que podem
influenciar a adesão devido ao relacionamento médico-paciente: 1) a comunicação
entre ambos; 2) o grau de satisfação do paciente pela consulta médica; e 3) o
tempo de seguimento por parte do médico. A qualidade da comunicação e o tipo de
linguagem utilizada entre médicos e pacientes são de fundamental importância
para que haja uma inter-relação bidireccional, com a devida compreensão por
parte do paciente e subsequente adesão ao tratamento. A forma como decorre uma
consulta também afeta a satisfação dos pacientes, e consequentemente o seu grau
de adesão. Grande tempo de espera, uma sala de estar desconfortável, uma equipe
administrativa pouco simpática, os horários inconvenientes de consulta e longos
períodos de seguimento também resultam em fraca adesão
[19]. Da mesma forma, fatores relacionados com o regime terapêutico também
influenciam o comportamento. Assim, a complexidade, os efeitos secundários e os
custos da terapia também podem influenciar o comportamento de adesão [19,26].
Para Luscher et al. [3], um dos mais importantes
fatores redutores da adesão é a duração do tratamento. Muitos estudos têm
demonstrado uma queda significativa da adesão com o passar do tempo. No
Helsinki Heart Study [15], a taxa de não adesão, verificada pelo método de
contagem de comprimidos, aumentou de 15,6% no primeiro ano para 23,5% ao fim do
quinto ano de seguimento. Tal fato foi corroborado pelo doseamento sérico que
determinou uma taxa de não adesão de 21,2% no terceiro ano e 25% no quinto ano.
O mesmo fenômeno foi verificado no Lipid
Research Clinics Coronary Primary Prevention Trial, que encontrou, no
primeiro ano de estudo, uma taxa de adesão de 70% no grupo tratado com
colestiramina e 82% no grupo placebo. Ao fim do sétimo ano de seguimento a taxa
de adesão caiu para 63% e 77% respectivamente [15,59].
Modelo
Informação-Motivação (IMB)
Resultado da junção
de elementos de outros modelos anteriormente criados foi desenvolvido para
promover o uso de contraceptivos e prevenção do HIV. Foi construído para ser um
modelo simples e generalizável que pudesse ser utilizado para intervenções
dirigidas a comportamentos de saúde complexos, como a adesão à terapia
antirretroviral [43,52]. O modelo é composto por 3
componentes fundamentais:
Este modelo
demonstrou que a informação é um pré-requisito importante para a mudança de um
comportamento, mas por si só não é suficiente para produzir a mudança. A
relação entre a informação e motivação é fraca, ou seja, uma pessoa muito
motivada pode possuir pouca informação, por outro lado uma pessoa bem informada
pode apresentar pouca motivação. Entretanto, uma pessoa bem informada e
motivada tem maior probabilidade de aderir ao comportamento [52]. O IMB é um
dos poucos modelos para mudança de comportamento que está baseado sobre uma
teoria articulando fatores ambientais, sociais e pessoais.
Em um estudo realizado
por Amico, Toro-Alfonso e Fisher [60], verificou-se que o IMB proporciona um
forte suporte para a adesão à Terapia Antiretroviral, a qual apresentou uma
média de 91% de adesão e contrasta com estudos anteriores que demonstram uma
taxa de adesão variando entre 57% e 77%.
Abordagem
de crenças
Locus
de controle da saúde
O Locus controle é um
modelo que propõe ser a crença do indivíduo que determina quem detém o controle
da sua vida, ou seja, quem determina a ação a ser tomada [32,61]. Quem acredita
que os acontecimentos são consequências das suas ações, estando, portanto, sob
o seu controle pessoal são considerados indivíduos internos. Por outro lado, os
indivíduos que acreditam que os acontecimentos não se relacionam totalmente com
as suas ações e são determinados por fatores que se encontram fora do seu
controle pessoal são considerados externos [62]. Em um modelo mais complexo, e
específico para a saúde, verificou-se a existência de 3
dimensões independentes: interno (crença que o indivíduo controla e é
responsável pela sua própria saúde), externo-outros poderosos (crença de que os
profissionais e/ou sistema de saúde, ou família detém o controle da saúde do
indivíduo) ou externo-acaso (crença que a saúde depende do acaso, sorte ou
destino) [61].
Segundo
Rodríguez-Rosero et al. [61], os resultados obtidos em
vários estudos indicam que sujeitos internos apresentam melhores resultados em
tomar a sua medicação e conhecer a sua doença, entre outros comportamentos de
saúde. Por outro lado, pacientes crônicos ou graves tendem a ser mais externos,
fato corroborado em um estudo de Kurita e Pimenta [32], no qual verificou-se que quanto maior a crença do doente de que o
controle da sua saúde dependia dele próprio, menor foi a adesão ao tratamento
da dor crônica, sendo os indivíduos com locus externo-outros poderosos os mais
aderentes a terapia.
Abordagem
de autorregulação
Teoria
da autorregulação
Segundo este modelo,
os indivíduos regulam o seu comportamento no sentido de maximizar o seu
bem-estar e reduzir o desconforto, de acordo com as suas representações
cognitivas e emocionais. Fundamentalmente, a autorregulação funciona como um
modelo de processamento da informação em resposta a alterações ou ameaças ao
estado de saúde [63].
O processo ocorre em
três fases: representação cognitiva da ameaça à saúde e do seu significado, que
pode ser originada internamente (presença de sintomas da doença), ou
externamente (informação); desenvolvimento de um plano de ação para lidar com a
ameaça (estratégias de coping); e com a avaliação do plano de ação implementado, podendo ser resultado de um processo contínuo
de modificação e atualização das representações cognitivas. Isto implica que a
escolha de uma ação particular está condicionada pelo sentido que essa ação faz
à luz das suas próprias ideias, acerca dos sintomas experimentados e da própria
doença. Assim a adesão, pode ser um dos possíveis comportamentos utilizados
para alcançar o bem-estar [48].
Entretanto, respostas aparentemente irracionais a ameaças à saúde podem
ser explicadas pelo fato de o processamento cognitivo ocorrer simultaneamente
ao processo emocional.
Abordagem
de estágios
Modelo
Transteórico (MTT)
O Modelo Transteórico
baseia-se na mudança intencional de um determinado comportamento, ou seja, a
tomada de decisão do indivíduo, ao contrário de outras abordagens, que se
concentram nas influências sociais ou biológicas do comportamento. Neste modelo
a premissa fundamental é que a mudança comportamental acontece ao longo de um
processo no qual as pessoas passam por diversos estágios de motivação para a
mudança, e que representam a dimensão temporal do Modelo [64].
Este processo é
composto em cinco estágios: a pré-contemplação, em que a pessoa não tem ainda
qualquer intenção de mudar; a contemplação, a pessoa começa a considerar a
possibilidade de mudança; a preparação, quando começa a realizar pequenas
mudanças e aproximações ao comportamento desejado; a fase de ação, na qual a
pessoa inicia explicitamente a modificação de seus comportamentos; e a fase de
manutenção, na qual o comportamento é mantido ao longo do tempo [52].
O processo de mudança
é um conceito essencial no MTT e nos possibilita o entendimento de como a
mudança de comportamento ocorre. É um processo que inclui diferentes dimensões
(estágios motivacionais), as quais devem ser consideradas em conjunto para que
possam ser mais bem compreendidas. O processo de mudança não pode ser
considerado meramente linear, pois seus estágios são compreendidos como fazendo
parte de uma “espiral”, na qual a pessoa pode se movimentar de um estágio para
outro sem uma ordem estabelecida. Uma pessoa na contemplação (ambivalente) pode
não optar pela mudança e recair, bem como pode seguir em seu processo de
mudança evoluindo para a ação [64].
A prática de não adesão
à terapia medicamentosa pelos pacientes tem sido uma área ativa de pesquisa
envolvendo profissionais de saúde e cientistas comportamentais, principalmente
nas últimas décadas. Essa preocupação tem sido de extrema importância, pois na
última década o nosso conhecimento sobre a extensão de não cumpridores, os
fatores determinantes do cumprimento e a eficácia de várias estratégias para
aumentar o cumprimento têm aumentado visivelmente.
Entretanto, o
problema da não adesão é consequência de uma complexa rede de interação entre
fatores biológicos, sociais, ambientais, culturais, cognitivos e psicológicos,
e assim as teorias e modelos comportamentais podem não representar uma verdade,
mas ajudam a organizar o pensamento sobre o problema dando ênfase a alguns
importantes fatores.
Os comportamentos são
produtos de uma ação recíproca de fatores socioculturais e individuais, que
dependem dos processos de socialização e do fluxo de vida, que é dinâmico e que
geram representações do problema vivenciado. Eles estão sujeitos a mudanças
baseadas na experiência e reinterpretação de vivências adquiridas.
Relativamente às doenças, essas representações incluem informação acerca da
doença, das suas causas e sintomas, assim como da sua evolução e possíveis
consequências, fornecendo uma forma de interpretar a situação, dando-lhes um
significado para a sua compreensão de modo que possam responder
comportamentalmente a estas ameaças. Deste modo, a não adesão exige intervenções
a múltiplos níveis, centradas tanto nos indivíduos e nas relações sociais como
também nos processos ambientais e culturais. Assim, possíveis intervenções para
minimizar o problema de não adesão são muito complexas e devem combinar
aspectos como o aconselhamento, informação, educação, lembretes e suporte
familiar, entre outros.