Enferm Bras
2022;21(3):287-301
ARTIGO
ORIGINAL
Doenças
infectocontagiosas em indivíduos privados de liberdade
Patrícia
Soares Epifania*, Jessica Santos Passos Costa**, Keila Cristina Costa
Barros***, Kelly Santos de Freitas****, Gilmar Sampaio Maciel*****, Silvia da
Silva Santos Passos******
*Enfermeira
do Hospital Professor Eládio Lasserre,
Salvador, BA, **Docente da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
Feira de Santana, BA, ***Enfermeira do Consultório na Rua e Doutoranda da
Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, ****Graduanda em Enfermagem no
Centro Universitário da Faculdade de Tecnologia e Ciências de Feira de Santana,
BA, *****Graduando em Educação Física no Centro Universitário da Faculdade de
Tecnologia e Ciências de Feira de Santana, Feira de Santana, BA, ******Docente
da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Diretora do Departamento
de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, BA
Recebido
em 29 de novembro de 2021; aceito em 9 de maio de 2022.
Correspondência: Keila Cristina Costa Barros, Rua Monte
Verde, 76, Parque Getúlio Vargas, 44076736 Feira de Santana BA
Patrícia Soares Epifania:
patisoarezbgd@gmail.com
Jessica Santos Passos Costa:
jessy17_sp@hotmail.com
Keila Cristina Costa Barros:
keilaccosta@hotmail.com
Kelly Santos de Freitas:
santos.frei.k@gmail.com
Gilmar Sampaio Maciel:
giilmar.sampaiio@hotmail.com
Silvia da Silva Santos Passos:
ssspassos@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: A saúde no sistema penitenciário
brasileiro possui como um dos seus agravos o aumento das doenças infectocontagiosas.
Objetivo: Descrever a prevalência de doenças infectocontagiosas em
indivíduos privados de liberdade em um presídio regional do semiárido baiano. Métodos:
Estudo de prevalência, exploratório, realizado em um presídio regional do
semiárido baiano, de junho a agosto de 2019. Coletaram-se informações
sociodemográficas, a prevalência de doenças infectocontagiosas e a notificação
compulsória. A coleta de dados foi realizada por meio de formulário com os
registros dos prontuários. A estatística descritiva foi empregada para
descrever as variáveis categóricas (%). Resultados: Em um total de 326
prontuários de detentos, 80,1% foram do sexo masculino e 19,9% do feminino,
verificou-se uma elevada prevalência de tuberculose 28,8%, sífilis e hepatite B
com taxas de 7,1%, o vírus da imunodeficiência Humana (HIV) representou 7,4%,
as maiores prevalências foram entre as mulheres. A notificação compulsória das
doenças encontradas representou 63,3%. Conclusão: As doenças
infectocontagiosas com as maiores prevalências encontradas foram: tuberculose,
sífilis, hepatite B e HIV. O perfil socioeconômico encontrado é de detentos
jovens, negros e com baixa escolaridade, reafirmando assim a população alvo e o
modo de adoecimento previsto no Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário.
Palavras-chave: prisões; assistência à saúde;
prisioneiros; doenças transmissíveis; prevenção de doenças.
Abstract
Infectious diseases in individuals deprived of liberty
Introduction: One of the
health problems in the Brazilian prison system is the increase in infectious
diseases. Objective: To describe the prevalence of infectious diseases
in individuals deprived of liberty in a regional prison in the semiarid region
of Bahia. Methodology: Prevalence study, exploratory, carried out in a regional
prison in the semiarid region of Bahia, from June to August 2019.
Sociodemographic information, the prevalence of infectious diseases and
mandatory notification were collected. Data collection was performed using a
form with medical records. Descriptive statistics were used to describe
categorical variables (%). Results: in a total of 326 inmates' records,
80.1% were male and 19.9% female, there was a high prevalence of tuberculosis
28.8%, syphilis and hepatitis B with rates of 7.1 %, the Human Immunodeficiency
Virus (HIV) accounted for 7.4%, the highest prevalence was among women.
Compulsory notification of the diseases found represented 63.3%. Conclusion:
The infectious diseases with the highest prevalence found were: tuberculosis,
syphilis, hepatitis B and HIV. The socioeconomic profile found is that of
young, black and low-educated inmates, thus reaffirming the target population
and the mode of illness provided for in the National Health Plan for the
Penitentiary System.
Keywords: prisons; health care; prisoners;
communicable diseases; prevention of diseases.
Resumen
Enfermedades infecciosas en
personas privadas de libertad
Introducción: uno de los
problemas de salud en el sistema penitenciario brasileño es el aumento de enfermedades infecciosas. Objetivo: describir la prevalencia
de enfermedades infecciosas en
personas privadas de libertad en
una prisión regional del
semiárido de Bahía. Metodología:
estudio de prevalencia, exploratorio, realizado en un centro penitenciario regional del semiárido de Bahía, de junio a agosto de 2019. Se recopiló
información sociodemográfica, prevalencia
de enfermedades infecciosas y notificación
obligatoria. La recolección
de datos se realizó
mediante un formulario con historias clínicas. Se utilizó estadística descriptiva
para describir las variables categóricas (%). Resultados: de un total de 326 registros de internos, 80,1% eran hombres y 19,9% mujeres, hubo alta prevalencia de tuberculosis
28,8%, sífilis y hepatitis B con
tasas de 7,1%, el Virus de Inmunodeficiencia Humana
(VIH) para el 7,4%, la prevalencia más alta se registró entre las mujeres. La notificación obligatoria de las enfermedades encontradas representó
el 63,3%. Conclusión:
las enfermedades
infecciosas con mayor prevalencia encontradas fueron: tuberculosis, sífilis, hepatitis
B y VIH. El perfil socioeconómico encontrado es el de
los internos jóvenes,
negros y de bajo nivel educativo, reafirmando así la población
objetivo y el modo de enfermedad
previsto en el Plan Nacional de Salud del Sistema Penitenciario.
Palabras-clave: prisiones; cuidado de la salud; prisioneros;
enfermedades contagiosas; prevención
de enfermedades.
A
saúde no sistema penitenciário brasileiro, historicamente, foi pautada em três
marcos fundamentais: a Lei de Execução Penal (LEP- 1984), na qual estava
previsto o atendimento de saúde em estabelecimentos penais; o Plano Nacional de
Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP-2003), firmando a necessidade da
organização das ações e serviços de saúde com base nos princípios e diretrizes
do Sistema Único de Saúde (SUS) e a Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP-2014), que
prevê o controle e/ou a redução dos agravos de saúde mais frequentes, bem como
trabalhar na lógica da prevenção e da promoção em saúde [1].
Sendo assim, é um
dever estatal a prevenção e promoção de
saúde através de políticas públicas
voltadas não apenas a amparos pontuais, ou seja, não
apenas tratando de reparar
danos causados pelo próprio estado na perda ou na ausência
de direitos, mas
realizar ações e estratégias efetivas para que o
conceito de dignidade de
pessoa humana seja de fato atendido em forma de política
pública, em um aspecto
preventivo, visto que se trata de um direito fundamental [1].
Nesse
sentido, observa-se que as garantias de acesso a saúde à população privada de
liberdade, embora sejam garantidas pela Política Nacional de Saúde (PNS), os
altos índices de aprisionamento, entre os anos de 2004 e 2014 em torno de 111%,
não foram acompanhados de melhorias nas condições físicas e estruturais das
prisões no país, ferindo o princípio constitucional da dignidade humana. Essas
condições, do sistema prisional brasileiro, aliadas a superlotação, pode-se
observar nos altos índices das doenças transmissíveis e na dificuldade de se
implementar serviços de saúde que sejam eficazes nesse contexto [2].
Uma
das consequências da inadequação das prisões estão no aumento das doenças
infectocontagiosas, que são aquelas causadas por um agente infeccioso ou suas
toxinas e é contraída através da transmissão desse agente, ou seus produtos. As
principais doenças que acometem as pessoas privadas de liberdade são as
Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), tuberculose, hepatites e dermatoses
muitas vezes agravadas pelo uso de drogas e pelo contexto prisional [3].
Dentre
as principais doenças infectocontagiosas relatadas está a Tuberculose (TB).
Conforme aponta o Ministério da Saúde, a TB é uma doença infecciosa,
transmissível que atinge principalmente os pulmões, apesar de ser possível
atingir outros órgãos e sistemas [3]. Essa patologia é uma das principais
causas de adoecimento/morte relacionadas às doenças infecciosas nos países em
desenvolvimento. No contexto prisional a taxa de detecção de tuberculose é bem
superior à população geral [4].
A
TB em prisões é considerada um alarmante problema de saúde pública em muitos
países. Em 2012, a prevalência de TB em todo mundo foi estimada em 169 casos
por 100.000 habitantes, enquanto a taxa média de TB em presídios de diferentes
regiões do mundo, entre 1993 e 2011, foi de 1913 casos por 100.000 habitantes
[4,5]. Na Colômbia, a doença, tanto na forma ativa quanto na latente
representam maior prevalência entre os reclusos quando comparados à população
normal [6].
O
crescimento da TB nos estabelecimentos prisionais demonstra de forma alarmante
a urgência de atuação do Estado com o propósito de assegurar a igualdade de
acesso à população como um todo aos serviços públicos essenciais. Caso
contrário, os programas estatais que anunciam “Tuberculose têm cura!" ou
que propagam "Brasil Livre da Tuberculose" serão apenas cartas de
intenções frágeis e voláteis, fundamentos de um estado de emaranhados
inconstitucionais [4].
Além
da TB, são referidas altas taxas de IST, conceituadas pelo Ministério da Saúde
como aquelas causadas por vírus, bactérias ou outros microrganismos,
transmitidas, principalmente, por meio do contato sexual (oral, vaginal, anal)
sem o uso de camisinha masculina ou feminina, com uma pessoa que esteja
infectada [7]. Os tipos mais encontrados são síndrome da Imunodeficiência
Humana (AIDS), sífilis, hepatites virais, clamídia e gonorreia.
Segundo a Secretaria de Administração
Penitenciária e Ressocialização da Bahia em municípios do semiárido, em 2019, o
complexo possui superlotação com cerca de 550 pessoas a mais do que a lotação
máxima. Foram registrados, 34% de casos de TB, 26% de casos de hepatites, e
ainda 37% casos de hanseníase [8].
Conforme
aponta a Superintendência de Vigilância em Saúde da Bahia (SUVISA), desde o
primeiro caso notificado (1984) até outubro de 2015, foram registrados 86% de
casos de AIDS, desses, 63% eram do sexo masculino e 37% do sexo feminino. No
ano de 2017, 16 casos de mulheres entre 35 a 49 anos foram diagnosticadas com
AIDS [7,8].
Embora
seja de responsabilidade do Estado, observa-se que as condições insalubres e
inadequadas em que os detentos vivem, aliadas a superlotação, contribuem para
elevada taxa de doenças infecciosas. O acesso universal e igualitário à saúde
preconizados pelo SUS e às políticas que visam a prevenção e o combate às
enfermidades constitui uma obrigatoriedade constitucional do Estado brasileiro
e direito assegurado a todas as pessoas. As pessoas em situação de prisão,
enquanto parcela vulnerável da população, devem ter a seguridade no acesso à
rede de atenção à saúde com agilidade, equidade e qualidade, conforme previsão
expressa da PNAISP [9].
Além
da falta de garantia deste direito, a ausência de estrutura e as condições
degradantes as que os presos estão expostos demostram um crescimento de doenças
transmissíveis nos presídios brasileiros, o que, além de configurar violação
aos direitos fundamentais destes indivíduos, impede que o Brasil avance como
deveria nos indicadores de saúde pública. Dessa maneira, esta investigação tem
como objetivo geral descrever a prevalência de doenças infectocontagiosas em
indivíduos privados de liberdade em um presídio regional do semiárido baiano.
Trata-se
de um estudo descritivo e exploratório, com abordagem quantitativa, realizado
em um presídio regional do semiárido baiano. A instituição possui 1.850 homens
e 62 mulheres encarcerados.
Para
a composição da amostra deste estudo foram selecionados os detentos que estavam
em regime fechado maior ou igual a 5 anos (cinco anos) de detenção, foram
excluídas as gestantes e pessoas em regime semiaberto.
Desta
forma, constituíram a amostra deste estudo prontuários de 326 detentos, desses
261 foram do sexo masculino e 65 do sexo feminino. O cálculo de seleção da
amostra se deu por meio do survey populational,
com poder de 80%, erro amostral de 5% e intervalo de 95% de confiança,
utilizou-se a prevalência de 14% [10]. Sendo assim, o cálculo resultou em 43
mulheres e 130 homens. Contudo, foram coletadas informações de 261 homens e 65
mulheres, elevando o poder do estudo para 99%.
A
coleta de dados foi realizada no período de junho a agosto de 2019 por meio do
preenchimento de formulário de pesquisa, estruturado e fechado, com os
registros dos prontuários e históricos dos presos preenchidos previamente pela
equipe de saúde.
As
variáveis analisadas foram as sociodemográficas: idade
(< 40 anos, > 40
anos), sexo (feminino, masculino), cor da pele (branca,
não-branca), grau de
escolaridade (analfabeto, alfabetizado, fundamental incompleto,
fundamental
completo, médio incompleto, médio completo, superior
incompleto, superior
completo). Sobre questões gerais de saúde analisou-se:
tatuagem (sim, não), uso
de medicação em caso de doença (sim, não).
A notificação compulsória de doenças
e as doenças infectocontagiosas foram descritas por meio do
coeficiente de
prevalência.
Foram
empregadas as estatísticas descritivas para caracterizar a amostra por meio dos
cálculos dos valores absolutos e relativos, cálculos de medidas de tendência
central e dispersão (média e desvio padrão), elaboração de tabelas univariadas e gráficos. Foi calculado o coeficiente de
prevalência para avaliar, descrever e analisar a ocorrência das principais
doenças que acometem os diagnósticos dados pela equipe de enfermagem assim como
as fichas de notificação compulsória. A análise de dados foi realizada
utilizando o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0.
Esta
pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP)
do Instituto Mantenedor e Ensino Superior da Bahia Ltda – ME (CAAE
12071119.0.0000.5032). O estudo atendeu aos princípios que norteiam as
pesquisas com seres humanos, respeitando-se as Resoluções 466/12 e 510/16, do
Conselho Nacional de Saúde (CNS). Foram atendidos os critérios de sigilo e
confidencialidade das informações. Utilizou-se o Termo de Compromisso de
Utilização de Dados (TCUD).
Da
amostra estudada (326 prontuários de detentos), 80,1% eram do sexo masculino e
19,9% do feminino, 76,7% possuíam idade inferior a 40 anos (média 32,3 ± 9,1
anos), 90,1% declararam-se não brancos (indígenas, preto ou pardo), quanto à
escolaridade a maioria (67,9%) possuíam nível fundamental incompleto e 53,2%
possuíam relacionamento em união estável. No que se refere as questões gerais
de saúde, 96,3% alegaram possuir tatuagem (Tabela I).
Tabela
I - Caracterização
das variáveis sociodemográficas, questões gerais de saúde, em um presídio
regional do semiárido baiano, Brasil, 2019 (n = 326)
*para
a variável uso de medicação, o número total de detentos doentes foi de 199.
Fonte: Dados do autor (2019)
A
prevalência de doenças infectocontagiosas em pessoas privadas de liberdade e a
ocorrência de notificação compulsória de doenças podem ser observadas nas
figuras 1, 2 e 3. Verificou-se uma elevada prevalência de tuberculose (28,8%),
seguido por sífilis e hepatite B que apresentaram taxas de 7,1%, o vírus da HIV
representou 7,4% (Figura 1). Dessas, a notificação compulsória das doenças encontradas
foi de 63,3% (Figura 3). Dos que referiram estar doentes, 98,8% estavam em
tratamento com uso de medicação específica (Tabela I).
Figura
1 - Prevalência de
doenças infectocontagiosas em indivíduos privados de liberdade em um presídio
regional do semiárido baiano, Brasil, 2019 (n = 199)
Ao
estratificar por sexo as principais afecções infectocontagiosas encontradas no
complexo prisional, verificou-se uma elevada prevalência entre o sexo feminino
em relação ao sexo masculino de tuberculose (52,3%), de sífilis e HIV (18,8%)
(Figura 2).
Figura
2 - Prevalência das
principais doenças infectocontagiosas estratificada por sexo, Brasil, 2019
(homens n = 261; mulheres n = 65)
Figura
3 - Notificação
Compulsórias de Doenças em indivíduos privados de liberdade, em um presídio
regional do semiárido baiano, Brasil, 2019 (n = 199)
Foi
possível notar a superioridade numérica de homens (n = 261) em relação às
mulheres (n = 65), no presídio regional, porém, conforme apontam outros estudos,
o aumento exponencial do número de mulheres encarceradas tem sido cada vez
maior nas últimas décadas [11].
No
presente estudo, 90,1% dos detentos se autodeclaram não-brancos (indígenas,
preto ou pardo), quanto à escolaridade a maioria, 67,9%, possuíam nível
fundamental incompleto, dados em consonância com os do Departamento
Penitenciárias Nacional (DEPEN), que evidenciou que 64% da população prisional
é composta por pessoas negras em todo o Brasil, na Bahia essas taxas chegam a
69%, no que diz respeito a escolaridade, 52% dos detentos baianos tinham o
ensino fundamental incompleto [12].
Esse
resultado também corrobora pesquisa realizada no estado do Rio de Janeiro onde
se verificou que a população carcerária é jovem: a maioria tem entre 20 e 39
anos, do sexo masculino chamando a atenção para o nível de escolaridade no qual
o percentual de analfabetos e de presos que não têm curso fundamental completo
é alto (cerca de 50% em ambos os sexos). O pouco investimento na educação
formal se reflete no exercício de profissões e carreiras pouco estáveis e
desprotegidas [13].
Quanto
a cor da pele, os resultados fortalecem as discussões na literatura sobre
desigualdades sociais relacionadas a essa variável. Em outro estudo a população
carcerária 60% são negros enquanto 37% são brancos. Indicadores de
vulnerabilidade analisados comparativamente entre a população evidenciam a
diferença marcante entre os negros e os brancos no Brasil [14].
No
tocante a faixa etária das pessoas privadas de liberdade, a média de idade foi
de 32,3 anos. Resultado que está em consonância com os dados divulgados pelo
Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (INFOPEN), no qual o Brasil é o
terceiro país no mundo com maior número de pessoas jovens encarceradas, as maiores
taxas estão registradas no Acre (45%), Amazonas (40%) e Tocantins (39%) [12].
Esses
resultados refletem a realidade socioeconômica na qual o Brasil/BA vive,
resultante de profundas e históricas fragilidades, exclusões, desigualdades
sociais, exposição a violência, desemprego, pouco acesso aos serviços de saúde,
envolvimento com drogas, prostituição, dentre outros. Esse perfil evidencia que
essa fatia populacional tem seus direitos sociais negligenciados, e, que as
ações de punição estatal são, em sua maioria, aplicadas a uma determinada
parcela da população [2,4,15,16,17].
As
condições precárias de confinamento, a desnutrição, a superlotação das celas, a
marginalização social, a dependência de drogas ilícitas e o baixo nível
socioeconômico são apontados como fatores que elevam a disseminação de doenças
e agravos entre presidiários de todo o mundo [2,4,15,16,17].
Quanto
às doenças infectocontagiosas, foram observadas, neste estudo, uma elevada
prevalência de registros de detentos com tuberculose (TB), comparando com as
outras infecções. Esse resultado corrobora estudos realizados em outros
complexos prisionais que trouxeram que a prevalência da TB foi 40 vezes maior
do que na população geral [4,16]. Em outro estudo multicêntrico realizado na
Europa Ocidental, Ásia central e regiões africanas, evidenciaram que a TB
apresenta uma alta incidência nas unidades prisionais [16].
Notavelmente,
observou-se no presente estudo, uma elevada prevalência de TB entre o sexo
feminino (52,3%) quando comparadas com o masculino (23%), sugerindo que mais
homens procuraram atendimento médico, e, divergindo de estudos encontrados na
literatura, como em um estudo multicêntrico realizado na população de
presidiários do Estado do Mato Grosso do Sul que evidenciou uma taxa de TB de
22,5% e 11,7% para homens e mulheres, respectivamente [15].
Além
da TB, foram registrados altos índices de patologias infecciosas como de
sífilis, HIV e hepatite B. Das 10,2 milhões de pessoas encarceradas em todo o
mundo, estima-se que 3,8% possuem HIV (ou seja, 389 mil pessoas) [16]. Esses
resultados vão ao encontro de estudo realizado na penitenciária de Ribeirão
Preto em São Paulo, o qual identificou uma prevalência total de infecção por
hepatite B nos presidiários de 19,5% [16].
A
sífilis também se destaca dentre as patologias encontradas nas unidades
prisionais, como o estudo realizado em uma penitenciária de Teresina (Piauí), o
qual mostrou uma prevalência de 25,2% [17].
Dentre
os dados encontrados identificamos que (n = 199), 98,8% fazem uso de medicação
para tratamento das patologias infecciosas, revelando uma possível contradição,
tendo em vista a elevada taxa de doenças encontradas. Na literatura, o
confinamento proporciona dificuldades ao acesso à medicação e as taxas de
abandono ao tratamento representam uma real barreira no controle dessas
patologias [4].
Estas
enfermidades infecciosas são consideradas controláveis, quando diagnosticadas
precocemente, e as principais causas apontadas para a disseminação, são os
comportamentos de alto risco como: o histórico de má nutrição, uso de álcool,
tabaco, drogas ilícitas, sexo desprotegido, gestação sem acompanhamento
pré-natal, e, falta de treinamento da equipe de saúde para o diagnóstico
imediato [1].
Outro
fator relacionado à elevação de doenças infecciosas é a confecção de tatuagens
artesanais dentro das celas e compartilhamento dos objetos perfurocortantes
(seringas contaminadas) que predispõem a disseminação da infecção causada pelo
HIV e hepatite B [4]. Corroborando nossos achados, que evidenciaram que 96,3%
da população privada de liberdade desta unidade prisional possuíam tatuagem.
Estudos realizados em prisões internacionais mostraram que além das tatuagens,
a contaminação se dá por meio de drogas injetáveis (compartilhamento de
seringas), contribuindo para a transmissão de doenças entre prisioneiros
[18,19,20,21,22,23].
As
enfermidades infecciosas encontradas na população encarcerada são
classificadas, de acordo com o Ministério da Saúde, de reporte obrigatório. As
doenças de notificação compulsórias, foram estabelecidas conforme Portaria
Ministerial nº 204 e 205, de 17 de fevereiro de 2016, e preveem o informe
imediato à vigilância epidemiológica, por meio do preenchimento das fichas
padronizadas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), para o
registro e processamento de dados de notificação e acompanhamento [20,22].
As
notificações quando são corretamente informadas permitem avaliar a situação de
saúde e acompanhar os casos em tratamento, além de planejar as ações para
controle dos danos, porém são observados muitos casos de subnotificação [4]. Na
presente investigação a taxa de notificação foi de 63,3%, evidenciando que
muitos casos não são reportados.
A
subnotificação é responsável por dificultar a identificação do perfil de
resistências das doenças, contribuindo para a elevação da morbimortalidade e
propagação de cepas resistentes de determinadas patologias como a tuberculose
[4]. Esse problema sugere que a grande maioria dos casos dessas doenças, em
diversos presídios do país, não tenham sido corretamente diagnosticadas ou
tenha havido subnotificação.
O
combate a essas infecções nas populações
carcerárias é um passo crucial no
caminho para a erradicação das mesmas, que afeta
milhões de indivíduos no
Brasil e no mundo. A importância desse controle advém da
necessidade em se
preconizar a assistência à saúde, de acordo com o
PNSSP, respaldando-se em
princípios básicos em prol da promoção e
atenção integral à saúde, como
ética,
cidadania, direitos humanos, dentre outros [9].
Essas
medidas são corroboradas em estudos realizados fora do país onde coloca-se como
necessário aumentar a capacidade de recursos humanos e fortalecimento dos
sistemas de saúde prisional para garantir acesso universal à prevenção,
tratamento e atendimento dessas infecções [28]. A carga desproporcional de HIV,
tuberculose e hepatite está presente entre prisioneiros atuais e antigos
evidenciando fracasso em garantir condições humanitárias nas prisões
constituindo uma violação dos direitos humanos [22,23].
Além
disso, as populações encarceradas estão em constante comunicação com a
comunidade em geral, por meio do contato com funcionários da unidade,
visitantes, ou retornarão à comunidade, o que torna essas pessoas importantes
reservatórios de doenças e focos de disseminação [24,25].
O
controle de doenças infectocontagiosas nesse ambiente encontra desafios como:
subnotificação dos dados, interrupção de tratamento, baixa capacidade dos
laboratórios, baixa prioridade política, as limitações na estrutura física,
limitações no quantitativo de agentes penitenciários, limitações nas ações em
saúde, na qualificação do profissional, e, limitações referentes a falta de
segurança no atendimento com o paciente ou para colher amostra de exames nos
pavilhões [26,27].
Esta
pesquisa apresenta como principal limitador o tipo de estudo, que não permitiu
a realização de testes estatísticos de caráter confirmatório que pudessem
revelar a associação entre as variáveis. Porém, como ponto forte, com caráter
relevante, permite descrever as prevalências das principais afecções de saúde
que acometem a unidade prisional, contribuindo para a ampliação do conhecimento
científico.
Diante
dos dados coletados, apresentados e analisados, foi possível observar que as
doenças infecciosas com as maiores prevalências encontradas foram: tuberculose,
sífilis, HIV e hepatite B. As maiores prevalências foram entre as mulheres,
principalmente de tuberculose. Além disso, o perfil socioeconômico encontrado é
de detentos jovens, negros e com baixa escolaridade, reafirmando assim a população
alvo e o modo de adoecimento previsto no PNSSP. Compreende-se dessa forma, que
as doenças infecciosas é um grande problema de saúde na população privada de
liberdade e isso necessita ser encarado como uma preocupação por parte dos
governantes.
Outro
achado relevante se trata da baixa notificação compulsória das doenças
estabelecidas pelo Ministério da Saúde, evidenciando uma falha no reporte
obrigatório à vigilância epidemiológica do Estado, e, na aplicabilidade dos
critérios relacionados à clientela que se encontram encarcerados.
Essa
área de estudo é considerada uma problemática latente e um campo aberto e amplo
a ser explorado, na qual a própria condição de confinamento representa uma
oportunidade singular para a implementação de programas terapêuticos e medidas
preventivas para esse segmento da população que tem menos acesso aos serviços
de atenção à saúde.
Diante
disso, aponta-se a necessidade de produção de saberes específicos e estratégias
na área da saúde penitenciária, que visem subsidiar práticas e ferramentas
tendo em vista ações que possam proporcionar melhorias da precariedade do
sistema prisional e com maior resolubilidade.
Conflito
de interesse
Os
autores declaram que não houve conflito de interesse.
Fontes
de financiamento
Não
houve fonte de financiamento.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Epifania PS, Costa JSP; Coleta de dados: Epifania PS, Freitas KS; Análise
e interpretação dos dados: Costa JSP, Barros KCC, Passos SSS; Análise
estatística: Costa JSP, Maciel GS; Redação do manuscrito: Epifania
PS, Costa JSP, Barros KCC, Passos SSS; Revisão crítica do manuscrito quanto
ao conteúdo intelectual: Costa JSP, Passos SSS, Barros KCC