Enferm Bras 2022;21(3):287-301

doi: 10.33233/eb.v21i3.5001

ARTIGO ORIGINAL

Doenças infectocontagiosas em indivíduos privados de liberdade

 

Patrícia Soares Epifania*, Jessica Santos Passos Costa**, Keila Cristina Costa Barros***, Kelly Santos de Freitas****, Gilmar Sampaio Maciel*****, Silvia da Silva Santos Passos******

 

*Enfermeira do Hospital Professor Eládio Lasserre, Salvador, BA, **Docente da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana, BA, ***Enfermeira do Consultório na Rua e Doutoranda da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, ****Graduanda em Enfermagem no Centro Universitário da Faculdade de Tecnologia e Ciências de Feira de Santana, BA, *****Graduando em Educação Física no Centro Universitário da Faculdade de Tecnologia e Ciências de Feira de Santana, Feira de Santana, BA, ******Docente da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Diretora do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, BA

 

Recebido em 29 de novembro de 2021; aceito em 9 de maio de 2022.

Correspondência: Keila Cristina Costa Barros, Rua Monte Verde, 76, Parque Getúlio Vargas, 44076736 Feira de Santana BA

 

Patrícia Soares Epifania: patisoarezbgd@gmail.com  

Jessica Santos Passos Costa: jessy17_sp@hotmail.com  

Keila Cristina Costa Barros: keilaccosta@hotmail.com

Kelly Santos de Freitas: santos.frei.k@gmail.com  

Gilmar Sampaio Maciel: giilmar.sampaiio@hotmail.com  

Silvia da Silva Santos Passos: ssspassos@yahoo.com.br  

 

Resumo

Introdução: A saúde no sistema penitenciário brasileiro possui como um dos seus agravos o aumento das doenças infectocontagiosas. Objetivo: Descrever a prevalência de doenças infectocontagiosas em indivíduos privados de liberdade em um presídio regional do semiárido baiano. Métodos: Estudo de prevalência, exploratório, realizado em um presídio regional do semiárido baiano, de junho a agosto de 2019. Coletaram-se informações sociodemográficas, a prevalência de doenças infectocontagiosas e a notificação compulsória. A coleta de dados foi realizada por meio de formulário com os registros dos prontuários. A estatística descritiva foi empregada para descrever as variáveis categóricas (%). Resultados: Em um total de 326 prontuários de detentos, 80,1% foram do sexo masculino e 19,9% do feminino, verificou-se uma elevada prevalência de tuberculose 28,8%, sífilis e hepatite B com taxas de 7,1%, o vírus da imunodeficiência Humana (HIV) representou 7,4%, as maiores prevalências foram entre as mulheres. A notificação compulsória das doenças encontradas representou 63,3%. Conclusão: As doenças infectocontagiosas com as maiores prevalências encontradas foram: tuberculose, sífilis, hepatite B e HIV. O perfil socioeconômico encontrado é de detentos jovens, negros e com baixa escolaridade, reafirmando assim a população alvo e o modo de adoecimento previsto no Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário.

Palavras-chave: prisões; assistência à saúde; prisioneiros; doenças transmissíveis; prevenção de doenças.

 

Abstract

Infectious diseases in individuals deprived of liberty

Introduction: One of the health problems in the Brazilian prison system is the increase in infectious diseases. Objective: To describe the prevalence of infectious diseases in individuals deprived of liberty in a regional prison in the semiarid region of Bahia. Methodology: Prevalence study, exploratory, carried out in a regional prison in the semiarid region of Bahia, from June to August 2019. Sociodemographic information, the prevalence of infectious diseases and mandatory notification were collected. Data collection was performed using a form with medical records. Descriptive statistics were used to describe categorical variables (%). Results: in a total of 326 inmates' records, 80.1% were male and 19.9% female, there was a high prevalence of tuberculosis 28.8%, syphilis and hepatitis B with rates of 7.1 %, the Human Immunodeficiency Virus (HIV) accounted for 7.4%, the highest prevalence was among women. Compulsory notification of the diseases found represented 63.3%. Conclusion: The infectious diseases with the highest prevalence found were: tuberculosis, syphilis, hepatitis B and HIV. The socioeconomic profile found is that of young, black and low-educated inmates, thus reaffirming the target population and the mode of illness provided for in the National Health Plan for the Penitentiary System.

Keywords: prisons; health care; prisoners; communicable diseases; prevention of diseases.

 

Resumen

Enfermedades infecciosas en personas privadas de libertad

Introducción: uno de los problemas de salud en el sistema penitenciario brasileño es el aumento de enfermedades infecciosas. Objetivo: describir la prevalencia de enfermedades infecciosas en personas privadas de libertad en una prisión regional del semiárido de Bahía. Metodología: estudio de prevalencia, exploratorio, realizado en un centro penitenciario regional del semiárido de Bahía, de junio a agosto de 2019. Se recopiló información sociodemográfica, prevalencia de enfermedades infecciosas y notificación obligatoria. La recolección de datos se realizó mediante un formulario con historias clínicas. Se utilizó estadística descriptiva para describir las variables categóricas (%). Resultados: de un total de 326 registros de internos, 80,1% eran hombres y 19,9% mujeres, hubo alta prevalencia de tuberculosis 28,8%, sífilis y hepatitis B con tasas de 7,1%, el Virus de Inmunodeficiencia Humana (VIH) para el 7,4%, la prevalencia más alta se registró entre las mujeres. La notificación obligatoria de las enfermedades encontradas representó el 63,3%. Conclusión: las enfermedades infecciosas con mayor prevalencia encontradas fueron: tuberculosis, sífilis, hepatitis B y VIH. El perfil socioeconómico encontrado es el de los internos jóvenes, negros y de bajo nivel educativo, reafirmando así la población objetivo y el modo de enfermedad previsto en el Plan Nacional de Salud del Sistema Penitenciario.

Palabras-clave: prisiones; cuidado de la salud; prisioneros; enfermedades contagiosas; prevención de enfermedades.

 

Introdução

 

A saúde no sistema penitenciário brasileiro, historicamente, foi pautada em três marcos fundamentais: a Lei de Execução Penal (LEP- 1984), na qual estava previsto o atendimento de saúde em estabelecimentos penais; o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP-2003), firmando a necessidade da organização das ações e serviços de saúde com base nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP-2014), que prevê o controle e/ou a redução dos agravos de saúde mais frequentes, bem como trabalhar na lógica da prevenção e da promoção em saúde [1]. Sendo assim, é um dever estatal a prevenção e promoção de saúde através de políticas públicas voltadas não apenas a amparos pontuais, ou seja, não apenas tratando de reparar danos causados pelo próprio estado na perda ou na ausência de direitos, mas realizar ações e estratégias efetivas para que o conceito de dignidade de pessoa humana seja de fato atendido em forma de política pública, em um aspecto preventivo, visto que se trata de um direito fundamental [1].

Nesse sentido, observa-se que as garantias de acesso a saúde à população privada de liberdade, embora sejam garantidas pela Política Nacional de Saúde (PNS), os altos índices de aprisionamento, entre os anos de 2004 e 2014 em torno de 111%, não foram acompanhados de melhorias nas condições físicas e estruturais das prisões no país, ferindo o princípio constitucional da dignidade humana. Essas condições, do sistema prisional brasileiro, aliadas a superlotação, pode-se observar nos altos índices das doenças transmissíveis e na dificuldade de se implementar serviços de saúde que sejam eficazes nesse contexto [2].

Uma das consequências da inadequação das prisões estão no aumento das doenças infectocontagiosas, que são aquelas causadas por um agente infeccioso ou suas toxinas e é contraída através da transmissão desse agente, ou seus produtos. As principais doenças que acometem as pessoas privadas de liberdade são as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), tuberculose, hepatites e dermatoses muitas vezes agravadas pelo uso de drogas e pelo contexto prisional [3].

Dentre as principais doenças infectocontagiosas relatadas está a Tuberculose (TB). Conforme aponta o Ministério da Saúde, a TB é uma doença infecciosa, transmissível que atinge principalmente os pulmões, apesar de ser possível atingir outros órgãos e sistemas [3]. Essa patologia é uma das principais causas de adoecimento/morte relacionadas às doenças infecciosas nos países em desenvolvimento. No contexto prisional a taxa de detecção de tuberculose é bem superior à população geral [4].

A TB em prisões é considerada um alarmante problema de saúde pública em muitos países. Em 2012, a prevalência de TB em todo mundo foi estimada em 169 casos por 100.000 habitantes, enquanto a taxa média de TB em presídios de diferentes regiões do mundo, entre 1993 e 2011, foi de 1913 casos por 100.000 habitantes [4,5]. Na Colômbia, a doença, tanto na forma ativa quanto na latente representam maior prevalência entre os reclusos quando comparados à população normal [6].

O crescimento da TB nos estabelecimentos prisionais demonstra de forma alarmante a urgência de atuação do Estado com o propósito de assegurar a igualdade de acesso à população como um todo aos serviços públicos essenciais. Caso contrário, os programas estatais que anunciam “Tuberculose têm cura!" ou que propagam "Brasil Livre da Tuberculose" serão apenas cartas de intenções frágeis e voláteis, fundamentos de um estado de emaranhados inconstitucionais [4].

Além da TB, são referidas altas taxas de IST, conceituadas pelo Ministério da Saúde como aquelas causadas por vírus, bactérias ou outros microrganismos, transmitidas, principalmente, por meio do contato sexual (oral, vaginal, anal) sem o uso de camisinha masculina ou feminina, com uma pessoa que esteja infectada [7]. Os tipos mais encontrados são síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS), sífilis, hepatites virais, clamídia e gonorreia.

      Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia em municípios do semiárido, em 2019, o complexo possui superlotação com cerca de 550 pessoas a mais do que a lotação máxima. Foram registrados, 34% de casos de TB, 26% de casos de hepatites, e ainda 37% casos de hanseníase [8].

Conforme aponta a Superintendência de Vigilância em Saúde da Bahia (SUVISA), desde o primeiro caso notificado (1984) até outubro de 2015, foram registrados 86% de casos de AIDS, desses, 63% eram do sexo masculino e 37% do sexo feminino. No ano de 2017, 16 casos de mulheres entre 35 a 49 anos foram diagnosticadas com AIDS [7,8].

Embora seja de responsabilidade do Estado, observa-se que as condições insalubres e inadequadas em que os detentos vivem, aliadas a superlotação, contribuem para elevada taxa de doenças infecciosas. O acesso universal e igualitário à saúde preconizados pelo SUS e às políticas que visam a prevenção e o combate às enfermidades constitui uma obrigatoriedade constitucional do Estado brasileiro e direito assegurado a todas as pessoas. As pessoas em situação de prisão, enquanto parcela vulnerável da população, devem ter a seguridade no acesso à rede de atenção à saúde com agilidade, equidade e qualidade, conforme previsão expressa da PNAISP [9].

Além da falta de garantia deste direito, a ausência de estrutura e as condições degradantes as que os presos estão expostos demostram um crescimento de doenças transmissíveis nos presídios brasileiros, o que, além de configurar violação aos direitos fundamentais destes indivíduos, impede que o Brasil avance como deveria nos indicadores de saúde pública. Dessa maneira, esta investigação tem como objetivo geral descrever a prevalência de doenças infectocontagiosas em indivíduos privados de liberdade em um presídio regional do semiárido baiano.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com abordagem quantitativa, realizado em um presídio regional do semiárido baiano. A instituição possui 1.850 homens e 62 mulheres encarcerados.

Para a composição da amostra deste estudo foram selecionados os detentos que estavam em regime fechado maior ou igual a 5 anos (cinco anos) de detenção, foram excluídas as gestantes e pessoas em regime semiaberto.

Desta forma, constituíram a amostra deste estudo prontuários de 326 detentos, desses 261 foram do sexo masculino e 65 do sexo feminino. O cálculo de seleção da amostra se deu por meio do survey populational, com poder de 80%, erro amostral de 5% e intervalo de 95% de confiança, utilizou-se a prevalência de 14% [10]. Sendo assim, o cálculo resultou em 43 mulheres e 130 homens. Contudo, foram coletadas informações de 261 homens e 65 mulheres, elevando o poder do estudo para 99%.

A coleta de dados foi realizada no período de junho a agosto de 2019 por meio do preenchimento de formulário de pesquisa, estruturado e fechado, com os registros dos prontuários e históricos dos presos preenchidos previamente pela equipe de saúde.

As variáveis analisadas foram as sociodemográficas: idade (< 40 anos, > 40 anos), sexo (feminino, masculino), cor da pele (branca, não-branca), grau de escolaridade (analfabeto, alfabetizado, fundamental incompleto, fundamental completo, médio incompleto, médio completo, superior incompleto, superior completo). Sobre questões gerais de saúde analisou-se: tatuagem (sim, não), uso de medicação em caso de doença (sim, não). A notificação compulsória de doenças e as doenças infectocontagiosas foram descritas por meio do coeficiente de prevalência.

Foram empregadas as estatísticas descritivas para caracterizar a amostra por meio dos cálculos dos valores absolutos e relativos, cálculos de medidas de tendência central e dispersão (média e desvio padrão), elaboração de tabelas univariadas e gráficos. Foi calculado o coeficiente de prevalência para avaliar, descrever e analisar a ocorrência das principais doenças que acometem os diagnósticos dados pela equipe de enfermagem assim como as fichas de notificação compulsória. A análise de dados foi realizada utilizando o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) do Instituto Mantenedor e Ensino Superior da Bahia Ltda – ME (CAAE 12071119.0.0000.5032). O estudo atendeu aos princípios que norteiam as pesquisas com seres humanos, respeitando-se as Resoluções 466/12 e 510/16, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Foram atendidos os critérios de sigilo e confidencialidade das informações. Utilizou-se o Termo de Compromisso de Utilização de Dados (TCUD).

 

Resultados

 

Da amostra estudada (326 prontuários de detentos), 80,1% eram do sexo masculino e 19,9% do feminino, 76,7% possuíam idade inferior a 40 anos (média 32,3 ± 9,1 anos), 90,1% declararam-se não brancos (indígenas, preto ou pardo), quanto à escolaridade a maioria (67,9%) possuíam nível fundamental incompleto e 53,2% possuíam relacionamento em união estável. No que se refere as questões gerais de saúde, 96,3% alegaram possuir tatuagem (Tabela I).

 

Tabela I - Caracterização das variáveis sociodemográficas, questões gerais de saúde, em um presídio regional do semiárido baiano, Brasil, 2019 (n = 326)

 

*para a variável uso de medicação, o número total de detentos doentes foi de 199. Fonte: Dados do autor (2019)

 

A prevalência de doenças infectocontagiosas em pessoas privadas de liberdade e a ocorrência de notificação compulsória de doenças podem ser observadas nas figuras 1, 2 e 3. Verificou-se uma elevada prevalência de tuberculose (28,8%), seguido por sífilis e hepatite B que apresentaram taxas de 7,1%, o vírus da HIV representou 7,4% (Figura 1). Dessas, a notificação compulsória das doenças encontradas foi de 63,3% (Figura 3). Dos que referiram estar doentes, 98,8% estavam em tratamento com uso de medicação específica (Tabela I).

 

 

Figura 1 - Prevalência de doenças infectocontagiosas em indivíduos privados de liberdade em um presídio regional do semiárido baiano, Brasil, 2019 (n = 199)

 

Ao estratificar por sexo as principais afecções infectocontagiosas encontradas no complexo prisional, verificou-se uma elevada prevalência entre o sexo feminino em relação ao sexo masculino de tuberculose (52,3%), de sífilis e HIV (18,8%) (Figura 2).

 

 

Figura 2 - Prevalência das principais doenças infectocontagiosas estratificada por sexo, Brasil, 2019 (homens n = 261; mulheres n = 65)

 

 

Figura 3 - Notificação Compulsórias de Doenças em indivíduos privados de liberdade, em um presídio regional do semiárido baiano, Brasil, 2019 (n = 199)

 

Discussão

 

Foi possível notar a superioridade numérica de homens (n = 261) em relação às mulheres (n = 65), no presídio regional, porém, conforme apontam outros estudos, o aumento exponencial do número de mulheres encarceradas tem sido cada vez maior nas últimas décadas [11]. 

No presente estudo, 90,1% dos detentos se autodeclaram não-brancos (indígenas, preto ou pardo), quanto à escolaridade a maioria, 67,9%, possuíam nível fundamental incompleto, dados em consonância com os do Departamento Penitenciárias Nacional (DEPEN), que evidenciou que 64% da população prisional é composta por pessoas negras em todo o Brasil, na Bahia essas taxas chegam a 69%, no que diz respeito a escolaridade, 52% dos detentos baianos tinham o ensino fundamental incompleto [12].

Esse resultado também corrobora pesquisa realizada no estado do Rio de Janeiro onde se verificou que a população carcerária é jovem: a maioria tem entre 20 e 39 anos, do sexo masculino chamando a atenção para o nível de escolaridade no qual o percentual de analfabetos e de presos que não têm curso fundamental completo é alto (cerca de 50% em ambos os sexos). O pouco investimento na educação formal se reflete no exercício de profissões e carreiras pouco estáveis e desprotegidas [13].

Quanto a cor da pele, os resultados fortalecem as discussões na literatura sobre desigualdades sociais relacionadas a essa variável. Em outro estudo a população carcerária 60% são negros enquanto 37% são brancos. Indicadores de vulnerabilidade analisados comparativamente entre a população evidenciam a diferença marcante entre os negros e os brancos no Brasil [14].

No tocante a faixa etária das pessoas privadas de liberdade, a média de idade foi de 32,3 anos. Resultado que está em consonância com os dados divulgados pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (INFOPEN), no qual o Brasil é o terceiro país no mundo com maior número de pessoas jovens encarceradas, as maiores taxas estão registradas no Acre (45%), Amazonas (40%) e Tocantins (39%) [12].

Esses resultados refletem a realidade socioeconômica na qual o Brasil/BA vive, resultante de profundas e históricas fragilidades, exclusões, desigualdades sociais, exposição a violência, desemprego, pouco acesso aos serviços de saúde, envolvimento com drogas, prostituição, dentre outros. Esse perfil evidencia que essa fatia populacional tem seus direitos sociais negligenciados, e, que as ações de punição estatal são, em sua maioria, aplicadas a uma determinada parcela da população [2,4,15,16,17].

As condições precárias de confinamento, a desnutrição, a superlotação das celas, a marginalização social, a dependência de drogas ilícitas e o baixo nível socioeconômico são apontados como fatores que elevam a disseminação de doenças e agravos entre presidiários de todo o mundo [2,4,15,16,17].

Quanto às doenças infectocontagiosas, foram observadas, neste estudo, uma elevada prevalência de registros de detentos com tuberculose (TB), comparando com as outras infecções. Esse resultado corrobora estudos realizados em outros complexos prisionais que trouxeram que a prevalência da TB foi 40 vezes maior do que na população geral [4,16]. Em outro estudo multicêntrico realizado na Europa Ocidental, Ásia central e regiões africanas, evidenciaram que a TB apresenta uma alta incidência nas unidades prisionais [16].

Notavelmente, observou-se no presente estudo, uma elevada prevalência de TB entre o sexo feminino (52,3%) quando comparadas com o masculino (23%), sugerindo que mais homens procuraram atendimento médico, e, divergindo de estudos encontrados na literatura, como em um estudo multicêntrico realizado na população de presidiários do Estado do Mato Grosso do Sul que evidenciou uma taxa de TB de 22,5% e 11,7% para homens e mulheres, respectivamente [15].

Além da TB, foram registrados altos índices de patologias infecciosas como de sífilis, HIV e hepatite B. Das 10,2 milhões de pessoas encarceradas em todo o mundo, estima-se que 3,8% possuem HIV (ou seja, 389 mil pessoas) [16]. Esses resultados vão ao encontro de estudo realizado na penitenciária de Ribeirão Preto em São Paulo, o qual identificou uma prevalência total de infecção por hepatite B nos presidiários de 19,5% [16].

A sífilis também se destaca dentre as patologias encontradas nas unidades prisionais, como o estudo realizado em uma penitenciária de Teresina (Piauí), o qual mostrou uma prevalência de 25,2% [17].

Dentre os dados encontrados identificamos que (n = 199), 98,8% fazem uso de medicação para tratamento das patologias infecciosas, revelando uma possível contradição, tendo em vista a elevada taxa de doenças encontradas. Na literatura, o confinamento proporciona dificuldades ao acesso à medicação e as taxas de abandono ao tratamento representam uma real barreira no controle dessas patologias [4].

Estas enfermidades infecciosas são consideradas controláveis, quando diagnosticadas precocemente, e as principais causas apontadas para a disseminação, são os comportamentos de alto risco como: o histórico de má nutrição, uso de álcool, tabaco, drogas ilícitas, sexo desprotegido, gestação sem acompanhamento pré-natal, e, falta de treinamento da equipe de saúde para o diagnóstico imediato [1].

Outro fator relacionado à elevação de doenças infecciosas é a confecção de tatuagens artesanais dentro das celas e compartilhamento dos objetos perfurocortantes (seringas contaminadas) que predispõem a disseminação da infecção causada pelo HIV e hepatite B [4]. Corroborando nossos achados, que evidenciaram que 96,3% da população privada de liberdade desta unidade prisional possuíam tatuagem. Estudos realizados em prisões internacionais mostraram que além das tatuagens, a contaminação se dá por meio de drogas injetáveis (compartilhamento de seringas), contribuindo para a transmissão de doenças entre prisioneiros [18,19,20,21,22,23].

As enfermidades infecciosas encontradas na população encarcerada são classificadas, de acordo com o Ministério da Saúde, de reporte obrigatório. As doenças de notificação compulsórias, foram estabelecidas conforme Portaria Ministerial nº 204 e 205, de 17 de fevereiro de 2016, e preveem o informe imediato à vigilância epidemiológica, por meio do preenchimento das fichas padronizadas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), para o registro e processamento de dados de notificação e acompanhamento [20,22].

As notificações quando são corretamente informadas permitem avaliar a situação de saúde e acompanhar os casos em tratamento, além de planejar as ações para controle dos danos, porém são observados muitos casos de subnotificação [4]. Na presente investigação a taxa de notificação foi de 63,3%, evidenciando que muitos casos não são reportados.

A subnotificação é responsável por dificultar a identificação do perfil de resistências das doenças, contribuindo para a elevação da morbimortalidade e propagação de cepas resistentes de determinadas patologias como a tuberculose [4]. Esse problema sugere que a grande maioria dos casos dessas doenças, em diversos presídios do país, não tenham sido corretamente diagnosticadas ou tenha havido subnotificação.

O combate a essas infecções nas populações carcerárias é um passo crucial no caminho para a erradicação das mesmas, que afeta milhões de indivíduos no Brasil e no mundo. A importância desse controle advém da necessidade em se preconizar a assistência à saúde, de acordo com o PNSSP, respaldando-se em princípios básicos em prol da promoção e atenção integral à saúde, como ética, cidadania, direitos humanos, dentre outros [9].

Essas medidas são corroboradas em estudos realizados fora do país onde coloca-se como necessário aumentar a capacidade de recursos humanos e fortalecimento dos sistemas de saúde prisional para garantir acesso universal à prevenção, tratamento e atendimento dessas infecções [28]. A carga desproporcional de HIV, tuberculose e hepatite está presente entre prisioneiros atuais e antigos evidenciando fracasso em garantir condições humanitárias nas prisões constituindo uma violação dos direitos humanos [22,23].

Além disso, as populações encarceradas estão em constante comunicação com a comunidade em geral, por meio do contato com funcionários da unidade, visitantes, ou retornarão à comunidade, o que torna essas pessoas importantes reservatórios de doenças e focos de disseminação [24,25].

O controle de doenças infectocontagiosas nesse ambiente encontra desafios como: subnotificação dos dados, interrupção de tratamento, baixa capacidade dos laboratórios, baixa prioridade política, as limitações na estrutura física, limitações no quantitativo de agentes penitenciários, limitações nas ações em saúde, na qualificação do profissional, e, limitações referentes a falta de segurança no atendimento com o paciente ou para colher amostra de exames nos pavilhões [26,27].

Esta pesquisa apresenta como principal limitador o tipo de estudo, que não permitiu a realização de testes estatísticos de caráter confirmatório que pudessem revelar a associação entre as variáveis. Porém, como ponto forte, com caráter relevante, permite descrever as prevalências das principais afecções de saúde que acometem a unidade prisional, contribuindo para a ampliação do conhecimento científico.

 

Conclusão

 

Diante dos dados coletados, apresentados e analisados, foi possível observar que as doenças infecciosas com as maiores prevalências encontradas foram: tuberculose, sífilis, HIV e hepatite B. As maiores prevalências foram entre as mulheres, principalmente de tuberculose. Além disso, o perfil socioeconômico encontrado é de detentos jovens, negros e com baixa escolaridade, reafirmando assim a população alvo e o modo de adoecimento previsto no PNSSP. Compreende-se dessa forma, que as doenças infecciosas é um grande problema de saúde na população privada de liberdade e isso necessita ser encarado como uma preocupação por parte dos governantes.

Outro achado relevante se trata da baixa notificação compulsória das doenças estabelecidas pelo Ministério da Saúde, evidenciando uma falha no reporte obrigatório à vigilância epidemiológica do Estado, e, na aplicabilidade dos critérios relacionados à clientela que se encontram encarcerados.

Essa área de estudo é considerada uma problemática latente e um campo aberto e amplo a ser explorado, na qual a própria condição de confinamento representa uma oportunidade singular para a implementação de programas terapêuticos e medidas preventivas para esse segmento da população que tem menos acesso aos serviços de atenção à saúde.

Diante disso, aponta-se a necessidade de produção de saberes específicos e estratégias na área da saúde penitenciária, que visem subsidiar práticas e ferramentas tendo em vista ações que possam proporcionar melhorias da precariedade do sistema prisional e com maior resolubilidade.

 

Conflito de interesse

Os autores declaram que não houve conflito de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve fonte de financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Epifania PS, Costa JSP; Coleta de dados: Epifania PS, Freitas KS; Análise e interpretação dos dados: Costa JSP, Barros KCC, Passos SSS; Análise estatística: Costa JSP, Maciel GS; Redação do manuscrito: Epifania PS, Costa JSP, Barros KCC, Passos SSS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Costa JSP, Passos SSS, Barros KCC

 

Referências

 

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