ATUALIZAÇÃO
Processo
de regionalização na saúde: perspectivas históricas, avanços e desafios
Mariana de Castro
Brandão Cardoso, M.Sc.*, Amália Ivine Santana Mattos,
M.Sc.**, Adje Silva Santos, M.Sc.***, Técia Maria Santos Carneiro e Cordeiro,
M.Sc.****
*Psicóloga, Pesquisadora do Núcleo de Epidemiologia da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), **Enfermeira, Pesquisadora do
Núcleo de Epidemiologia da UEFS, ***Enfermeira, UEFS, ****Enfermeira,
Doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade Federal da Bahia,
Pesquisadora do Núcleo de Epidemiologia da UEFS, Professora da Faculdade Santo
Antônio (FSAA)
Recebido em 17 de
outubro de 2015; aceito em 28 de fevereiro de 2016.
Endereço
de correspondência:
Técia Maria Santos Carneiro e Cordeiro, Av. Transnordestina, s/n, Novo
Horizonte, UEFS – Módulo VI – Núcleo de Epidemiologia, 44036-900 Feira de
Santana BA, E-mail: teciamarya@yahoo.com.br, adjesantos@yahoo.com.br, Mariana
de Castro Brandão Cardoso: cardoso_mariana@yahoo.com.br, Amália Ivine Santana Mattos: amalia0807@gmail.com,
Adje Silva Santos: adjesantos@yahoo.com.br
Resumo
Propõe-se descrever o
processo da regionalização da saúde no contexto histórico do Sistema Único de
Saúde e apontar seus avanços, limites e alternativas. Trata-se do estado da
arte, as categorias foram sintetizadas a partir de teóricos da área, sendo
dimensionadas nos aspectos históricos, enfatizando o Pacto pela Saúde e as
novas legislações vigentes. O processo de regionalização da saúde foi proposto
anterior à implementação do Sistema Único de Saúde,
junto ao qual foi consolidado, porém, na terceira década de vigência, ainda
depara-se com limitações na resolubilidade do acesso aos serviços de saúde pela
população e necessita superar os desafios por meio de alternativas solidárias e
cooperativas.
Palavras-chave:
Sistema Único de
Saúde, descentralização,
regionalização, atenção integral à
saúde.
Abstract
Regionalization in health care process: historical perspectives,
advances and challenges
The aim of this study was to describe the regionalization process in
health care based on the historical context of the Unified Health System and to
point their advances, limits and alternatives. This is state of the art, the
categories were synthesized using theorists, being dimensioned the historical
aspects, emphasizing the Health Pact and the current new legislations. The
regionalization in health care process was proposed before the implementation
of the Unified Health System, which was consolidated together, but, in the
third decade of application, we still face limitations in resolution of access
to health care facilities by population and needs to overcome the challenges
through solidarity and cooperative alternatives.
Key-words: Unified Health System, decentralization, regional health
planning, comprehensive health care.
Resumen
Proceso de regionalización en salud:
perspectivas históricas, avances y desafíos
Se propone describir el proceso de regionalización de la salud en el contexto
histórico del Sistema Único de Salud e indicar sus avances, limitaciones y
alternativas. Este es el estado del arte, las
categorías se sintetizaron a partir del área teórica y dimensionada en los
aspectos históricos, enfatizando el Pacto por la Salud y las nuevas
legislaciones. El proceso de regionalización de la
salud se ha propuesto antes de la implementación del Sistema Único de Salud,
por la que se consolidó; no obstante, en la tercera década de operación todavía
se enfrentan limitaciones en la solución del acceso a los servicios de salud
por la población y tiene que superar desafíos a través de alternativas
solidarias y cooperativas.
Palabras-clave: Sistema Único de
Salud, descentralización, regionalización, atención integral de salud.
O Sistema Único de
Saúde (SUS) consolidado na Constituição Federal de 1988, a partir de lutas
sociais durante a Reforma Sanitária Brasileira, é constituído por princípios e
diretrizes. As diretrizes são: a descentralização com direção única em cada
esfera de governo, o atendimento integral com prioridades para as atividades
preventivas e a participação da comunidade por meio das instâncias colegiadas.
A descentralização constitui-se da regionalização e hierarquização, integradas
pelas ações e serviços públicos de saúde que constituem o SUS [1].
Para Alcântara [2] descentralizar é
repassar atribuições de um órgão diretivo central a órgãos locais,
considerando-se que necessariamente ocorre transferência de poder político,
administrativo e/ou fiscal do poder central para as esferas subnacionais. A regionalização,
por sua vez, é um processo político e técnico condicionado pela capacidade de
oferta e financiamento da atenção à saúde da população, assim como a
distribuição de poder e as relações estabelecidas entre os governos,
organizações públicas e privadas e cidadãos em diferentes espaços geográficos
[3].
A hierarquização é definida como a
organização dos níveis de complexidade de atendimento no sistema de saúde sob
as três esferas de governo. Diante destes conceitos, é necessário salientar que
a regionalização é uma estratégia importante para a governabilidade do país e
orienta a descentralização das ações e serviços ao potencializar os processos
de pactuação e negociação entre os gestores [4].
Na década de 1990, o processo de
descentralização tinha ênfase na municipalização, uma ação política e
administrativa com a qual a direção nacional e estadual do SUS promove a
descentralização dos serviços e das ações de saúde, até então sob suas
gerências, para os municípios. Isto tem sido objeto de avaliação por vários
autores devido a pouca ênfase referente à regionalização. Como consequência, o
processo de implementação do SUS contribuiu pouco para
a integração da saúde nas regiões que agregam diversos municípios [5,6].
Cordeiro et al. [7] apontam que a descentralização constitui uma das
dificuldades do processo de consolidação do SUS e que está relacionada ao
subfinanciamento. Essa diretriz oscilou entre avanços e recuos e ainda não foi
capaz de reduzir as iniquidades sociais.
Diante do exposto,
este estudo se justifica por se tratar de uma diretriz do SUS que visa garantir
o direito à saúde da população por meio da territorialização e do
reconhecimento de regiões de saúde para assegurar a assistência à saúde básica,
de média e alta complexidade. A responsabilidade é das três esferas de governo
de forma cooperativa e solidária. Assim sendo, este artigo tem como objetivos
descrever o processo da regionalização da saúde no contexto histórico do
Sistema Único de Saúde e apontar os avanços, os limites e as alternativas deste
processo.
Para tanto, foi
desenvolvido por meio do estado da arte, por ser de caráter bibliográfico,
inventariante e descritivo da produção científica sobre um tema específico à
luz de categorias [8]. As categorias apresentadas são sintetizadas a partir de
teóricos da área, sendo dimensionadas nos aspectos históricos, no contexto do
Pacto pela Saúde 2006 e das novas legislações vigentes.
Considerações
históricas sobre a regionalização da saúde no Brasil
A revisão histórica
sobre a regionalização da saúde no Brasil nos remete a discussão sobre a
descentralização, ou seja, da necessidade de assegurar a autonomia municipal,
que no nosso país foi o evento que precedeu o processo em questão. No caso
brasileiro, é possível estabelecer uma relação de causalidade entre
municipalização e descentralização, uma vez que um evento promoveu o outro
diretamente.
Partindo da
Constituição de 1891, na qual a tripartição é de fato instituída, o município
passa a ser considerado autônomo, apesar do poder de decisão estar concentrado
nas mãos do Estado [9,10]. Mais tarde, com a Revolução de 1930, inicia-se a Era
Vargas na qual muitas conquistas sociais são
alcançadas. Cria-se o Ministério da Saúde e, nesse sentido, a saúde passa a
ocupar um maior espaço institucional. A Constituição de 1934 reafirma a
autonomia dos municípios em todo o território nacional, no entanto, a
competência de cuidar da saúde e assistência pública era, ainda, privativa dos
estados [11,12].
No ano de 1946 é
promulgada uma nova Constituição. Esta avança em alguns aspectos, pois além de
assegurar a autonomia dos municípios confere a estes a responsabilidade de
organizar os serviços públicos locais. Nesse período, ocorre também uma
expansão crescente dos serviços de saúde por todo o país, no entanto essa
expansão é acompanhada por um alto grau de autoritarismo. Afinal, ao manter a
centralização do poder nas mãos do estado, institui-se a oferta de serviços de
saúde sem considerar as necessidades reais de cada contexto social [12-14].
Anos mais tarde, em
1988 é promulgada a Constituição Cidadã, que traz à luz aspectos antes
negligenciados e institui a saúde como direito de todos e dever do estado.
Nela, a expressão rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços
públicos de saúde [1] nos remete à descentralização do poder de decidir sobre o
planejamento e a implementação de ações e serviços de
saúde e de fato a responsabilizar os municípios por prestar serviços de
atendimento à saúde da população.
Nesse contexto, em
1990, através da Lei 8.080 é instituído o Sistema Único de Saúde, que apresenta
como diretrizes organizativas: a regionalização, preconizando que a rede de
serviços do sistema deve ser organizada de forma que permita o maior
conhecimento dos problemas de saúde da população em uma área delimitada; a
descentralização político-administrativa, que admite a redistribuição das
responsabilidades das ações e serviços de saúde entre as três esferas de
governo a partir do entendimento de que, quanto mais perto do fato a decisão
for tomada maior a chance de êxito; e a participação popular, entendida como um
processo que garante o direito da sociedade de participar das gestões públicas
[5,15,16]. Nesse aspecto, em particular, a
regionalização facilita a execução desse princípio, uma vez que confere o poder
de decisão para esferas subfederais.
A
partir da definição
da responsabilidade municipal, tornou-se evidente a necessidade de
estabelecer
normas e procedimentos que regulassem o processo de
descentralização das ações
e serviços de saúde. Assim, a Norma Operacional
Básica (NOB) publicada em 1993,
definiu explicitamente o município como gestor específico
desses serviços
[17,18]. As limitações apresentadas pela da NOB 93 exigiu
a elaboração a NOB
96, que consolidou a política de municipalização,
estabelecendo o pleno
exercício do poder municipal, cuja função era
gerir a atenção à saúde no seu
território [19]. No entanto, apesar dos avanços
alcançados, apresentou
limitações e a manutenção de alguns
problemas, como a nítida polarização institucional
entre o governo federal e os municípios: o primeiro seria o
detentor do poder
normatizador e financeiro; e o segundo, os novos atores sociais com
capacidade
de responder com agilidade às demandas impostas pelo
Ministério da Saúde [20].
Assim, no ano de
2002, diante dos impasses apresentados pela municipalização, tais como a
fragmentação das ações em saúde, a baixa qualidade dos serviços prestados, além
de ineficiência da gestão do sistema em algumas localidades, surge a Norma
Operacional da Assistência à Saúde (NOAS), que organizou o território de forma
a contemplar espaços supramunicipais, onde se articulariam as redes de
assistência à saúde [21-23]. Apontava para a necessidade de melhoria da
qualidade da atenção. Ainda assim apresentou problemas, dentre eles o pouco
interesse por parte dos municípios; a fragilidade dos espaços de negociação
entre gestores e extrema burocratização [20].
Desse modo, no ano de 2006, o Ministério
da Saúde lança o Pacto pela Saúde, que na perspectiva da regionalização,
estabeleceu diretrizes às esferas gestoras para implementaçãodas
políticas de saúde, bem como propôs novos
mecanismos e dispositivos de
gestão [4]. Atualmente, com a publicação do
Decreto 7.508 de 2011, as regiões
de saúde se apresentam como espaços privilegiados para a
garantia da
integralidade na atenção à saúde da
população. A proposta para a regionalização
da saúde se sustenta nas Redes de Assistência à
Saúde, cuja lógica de
funcionamento não se baseia apenas na definição de
regiões baseada na divisão
de territórios contíguos, mas também nas
características comuns e inerentes a
cada um deles [24]. A Figura 1 sintetiza todas as
considerações históricas do
processo de regionalização da saúde no Brasil.
Figura
1 – Linha do tempo: Regionalização da saúde no
Brasil, 1891-2011 Ver anexo em PDF).
A
regionalização da saúde no contexto do pacto pela saúde 2006
O processo de
descentralização oportunizou maior contato com a realidade e especificidades
sociais, políticas, administrativas e econômicas das regiões do nosso país.
Essa aproximação da realidade gerou desafios para os gestores na busca de
superação na fragmentação das políticas e programas de saúde por meio da
organização de uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de
saúde [4,22,25]. Assim, na primeira década após a
implantação do SUS, depois de efetivada a descentralização, ficou evidente que
a estrutura municipalizada não era capaz de oferecer as condições para a plena
realização dos objetivos propostos.
Dessa forma,
pretendia-se garantir acesso aos serviços de saúde em qualquer nível de atenção
a todos os cidadãos, constituindo-se redes hierarquizadas de serviços e no
estabelecimento de fluxos de referência e contra referência intermunicipais.
Diante dessa necessidade, o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de
Secretários de Saúde e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
pactuaram responsabilidades entre os três gestores do SUS, no campo da gestão
do sistema e da atenção à saúde. Nessa perspectiva, em 2006 foi aprovado o Pacto
pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. Nele a regionalização é assumida como
elemento basilar do sistema e assume essa diretriz como eixo estruturante do
Pacto de Gestão. A regionalização passa a orientar os processos de
descentralização e as relações intergovernamentais na busca da equidade social,
através da redefinição de responsabilidades coletivas em função das
necessidades de saúde da população [4,16,22,23].
Assim sendo, o Pacto
pela Saúde traz a possibilidade de importantes alterações na dimensão política
do planejamento regional do SUS a partir de um novo modelo de funcionamento das
relações intergovernamentais no campo da saúde. Esse cenário flexibiliza a
dimensão prescritiva do Ministério da Saúde na relação direta com os municípios
para intensificar o exercício da negociação política, privilegiando os acordos
constituídos no contexto estadual e regional [4,6,22,25].
A regionalização, por sua vez,
viabiliza a promoção da democratização, garante o direito à saúde, reduzindo as
desigualdades sociais e territoriais. No entanto, na prática, a municipalização
ainda está burocratizada, o que dificulta o alcance dos seus pressupostos e
objetivos [3,16]. Dessa forma, destaca-se que a regionalização está pautada nos
seguintes pressupostos: territorialização, flexibilidade, cooperação,
subsidiariedade, financiamento solidário, cogestão, participação e controle
social [4].
Em relação à
Territorialização, esta pode ser definida como a apropriação e reconhecimento dos
espaços locais, ou seja, adequação das práticas sanitárias às reais
necessidades de saúde através da apropriação e reconhecimento dos dados
demográficos e epidemiológicos e a utilização de dados relevantes na
intervenção do processo saúde-doença, como o contexto histórico e cultural da
região [4].
A
Flexibilidade
consiste em respeitar as diversidades regionais próprias de um
país, no
processo de identificação das regiões de
saúde, sendo que a heterogeneidade
territorial brasileira revela-se de muitas formas: nas especificidades
estaduais e municipais, nas dinâmicas regionais distintas, e
mesmo nas
distribuições desiguais dos serviços de
saúde. Já a Cooperação é a
ação
conjunta entre as esferas de governo, entre gestores e entre as equipes
técnicas no processo de implementação regional do SUS,
o partilhamento de experiências, do estabelecimento de ações de apoio ou na
busca de soluções solidárias para as dificuldades enfrentadas em cada
território [4].
No
que diz respeito à
cogestão, a regionalização exige dos gestores
esforços políticos e técnicos de
planejamento, articulação e pactuação.
Dessa forma, é necessário um espaço de
cogestão que se efetive por meio do Colegiado de Gestão
Regional (CGR). Este
propicia um novo significado às relações entre os
gestores da saúde, permitindo
que desenvolvam de forma solidária e cooperativa as
funções relativas ao
planejamento, programação, orçamento,
coordenação, execução e
avaliação das
ações, das estratégias e dos serviços
regionais [4].
Assim, é importante que haja uma
definição clara dos recursos financeiros destinados a apoiar os processos e
iniciativas, priorizando os investimentos que a fortaleçam, respeitando as
estratégias nacionais e estaduais, como o Plano Diretor de Investimento (PDI) e
o mapeamento atualizado da distribuição e oferta de serviços, nos espaços
regionais [16,23]. Com isso, espera-se a garantia de acesso amplo às ações e
serviços de saúde, reduzindo as desigualdades de oferta existentes nas Regiões
de Saúde.
A subsidiariedade,
outro pressuposto da regionalização, norteia as tomadas de decisões pela qual
uma função não deve ser repassada à esfera subsequente sempre que puder ser
exercida pela esfera local, pressupondo pactuação sobre quais sejam as
responsabilidades mínimas não-compartilhadas e as
responsabilidades que devam ser objetos de compartilhamento entre as esferas de
gestão [4].
E a participação e o
controle social, últimos pressupostos, têm possibilitado avanços significativos
na qualificação do sistema, por isso é fundamental que os gestores apóiem e
estimulem a mobilização e a participação social por estes possibilitarem e
ajudarem a expressar as necessidades reais da população [4]. Contanto, esses
pressupostos sustentam os objetivos da regionalização e contribuem com a
efetivação destes, garantindo o direito da população à saúde, reduzindo
desigualdades sociais e territoriais e promovendo a equidade.
Nesse sentido,
torna-se pertinente pontuar os objetivos da regionalização, essa estratégia tão
importante para a qualificação do SUS e para a efetivação de relações
intergestores mais solidárias e cooperativas, que são: garantir acesso,
resolutividade e qualidade às ações e serviços de saúde; garantir a
integralidade na atenção à saúde, por meio do acesso a todos os níveis de complexidade
do sistema; potencializar a descentralização do sistema fortalecendo o papel
dos estados e dos municípios, para que exerçam amplamente suas funções
gestoras; e racionalizar os gastos e otimizar a
aplicação dos recursos, possibilitando ganhos de escala nas ações e serviços de
saúde de abrangência regional [4].
Quando se descrevem os pressupostos
e objetivos da regionalização, observa-se a sua abrangência no contexto da
saúde pública dos brasileiros, o que favorece o atendimento as necessidades da
população, no entanto o processo da regionalização na prática não consegue
almejar as suas propostas.
O
desenho da regionalização da saúde na perspectiva do pacto 2006
A regionalização é
uma diretriz do SUS que objetiva garantir o direito à saúde da população,
reduzindo as desigualdades sociais e territoriais por meio da identificação e
reconhecimento das regiões de saúde [4,16,22], assim,
o Ministério da Saúde prevê que para implementar a regionalização deve-se
atentar para os desenhos propostos no planejamento regional, identificando
interações regionais que contemplem os serviços de saúde para a população.
Dessa forma, os
gestores têm a autonomia para identificar as regiões de saúde, porém devem
sempre manter um olhar diferenciado para a inserção do município no formato de
regionalização que seja mais efetivo [4,16]. Mas, as identidades e
características regionais são diversas e é preciso flexibilidade no processo de
configuração do desenho regional de saúde.
No entanto, não há
ponto de corte para o nível assistencial a ser disponibilizado nas estruturas
das regiões de saúde. Os gestores e colegiados de gestão regional têm autonomia
para decidir as ações e serviços de saúde em cada região, mas devem-se
contemplar os critérios que propiciem resolutividade ao território, com
suficiência em atenção básica, média e alta complexidade dependendo da divisão
da estrutura [16].
A NOAS determinava a
estruturação assistencial em módulos assistenciais, que constituía a menor
unidade territorial da regionalização formado por um ou mais municípios, além
das regiões de saúde e das macrorregiões. Com o Pacto 2006, os módulos
assistenciais e as microrregiões foram extintos estabelecendo os limites
geográficos da regionalização, apenas, as regiões de saúde e as macrorregiões [23,26].
No que diz respeito
às regiões de saúde, essas são recortes territoriais inseridos em espaços
geográficos contínuos, devem garantir o desenvolvimento da atenção básica,
parte da média complexidade, e as ações básicas de vigilância em saúde,
contando com um município pólo referência em todos os serviços. E as
macrorregiões de saúde são arranjos territoriais que agregam mais de uma região
de saúde e que contemplem as ações e serviços de média e alta complexidade,
contando também com um município pólo referente aos serviços [4,23,26].
Para identificar as
macrorregiões e regiões de saúde é necessário considerar a acessibilidade às
distintas densidades tecnológicas e capacidades de oferta de ações e serviços
de saúde, além da noção de institucionalidade pelos gestores no planejamento
regional [3]. Guimarães [26] critica essa autonomia dos gestores em definir
essas regiões de saúde sem critérios estabelecidos, o qual compara com as
divisões dos estados pelo IBGE que concebe a região como uma unidade espacial de
intervenção e ação do Estado.
No estudo de Machado
[23] é apresentado um caso hipotético, no qual um município é exportador de
serviços e dois municípios são habilitados para receber recursos para o
atendimento da média e alta complexidade. A crítica se sobrepõe a duas
questões, em que o município exportador teria que configurar-se no compromisso
com seu eleitorado ou no compromisso com a região de saúde.
Assim sendo, as
regiões de saúde contemplam diferentes desenhos de acordo com sua formação por
diferentes municípios, pode ser: intramunicipal, dentro de um município de
grande extensão; intraestadual, formado por municípios de um mesmo estado;
interestadual, composto por municípios de estados diferentes; e fronteiriça,
formado por municípios de um ou mais estados e de um ou mais países vizinhos.
Para o reconhecimento destas regiões deve-se seguir um fluxo que atenda às suas
características e identidades determinantes das formas que assumem. E também
devem constar no Plano Diretor de Regionalização (PDR) do(s) estado(s)
envolvido para o reconhecimento pela CIB e CIT em caso de região fronteiriça
[4].
O planejamento
regional é imprescindível, assim como o compromisso firmado pelos gestores para
a garantia da integralidade da atenção a saúde. Este deve ser fundamentado em
indicadores de saúde sociais e epidemiológicos, fomentando ações embasadas nas
concepções de território, risco e situação de saúde. O Pacto de Gestão manteve
os principais instrumentos de regulação do planejamento utilizados pela NOAS
01/2002: PDR, Programação Pactuada Integrada (PPI) e PDI [22,23].
O PDR deve traçar o
desenho final do processo de identificação e reconhecimento das regiões de
saúde. O PDI deve expressar os recursos de investimento tripartite que visam à
superação das desigualdades de acesso e a garantia de integralidade da atenção
à saúde em consonância com o planejamento estadual e regional. E a PPI
constituída em consonância com o planejamento, define e quantifica o
atendimento e efetiva os pactos intergestores, aloca os recursos de forma
transparente nos municípios polos [4,23,27]. No que
diz respeito ao teto financeiro da média e alta complexidade deve ser definido
a partir do planejamento regionalizado das ações e serviços de saúde através da
ferramenta da PPI, a qual somente se viabilizará a partir dos pactos de gestão
e dos processos regulatórios [28]. Lima et al. [25]
sustentam que existe o risco de desarticulação entre os processos de
planejamento e de pactuação intergovernamental em cursos nos estados, devido a
pouca valorização dos instrumentos e recursos relativos ao planejamento
regional.
Qualificar
a atenção
à saúde consiste num desafio central enfrentado pelos
gestores do SUS, pois as
atribuições e as competências dos entes federados
podem ser traduzidas de forma
sucinta na promoção, proteção e
recuperação da saúde da população
[4]. E para
consolidação da regionalização da
saúde no SUS é necessário a
potencialização
de esforços das três esferas de governo, e isso só
ocorrerá em um país
federativo de dimensões continentais como o Brasil com o
fortalecimento dos
mecanismos político-institucionais em vigor [6,16]. Assim, os
gestores
sanitários das três esferas assumiriam compromissos
negociados e definiriam
metas a serem atingidas de forma cooperativa e solidária.
Todos estes
compromissos são firmados no âmbito dos CGR, figura instituída pelo Pacto 2006,
os quais foram concebidos para funcionar como espaço de articulação decisório
permanente de pactuação e cogestão solidária garantindo e aprimorando a
aplicação dos princípios do SUS. São instâncias deliberativas semelhantes às
CIB diferenciando apenas pela abrangência regional e obrigatoriedade da
participação de todos os gestores municipais envolvidos na região,
representante do gestor estadual e nas regiões intramunicipais todos os
gestores dos distritos de saúde [4,6,16,23]. Os CGR
devem elaborar uma agenda de trabalho a ser cumprido por todos os atores
envolvidos, além da responsabilidade de elaborar diagnósticos, propor e implementar planos de intervenção visando qualificar o
cuidado e integrar serviços nas regiões de saúde [6].
Estudo realizado por
Lima et al. [5], no período de 2006 a 2010, apontou
que nesse período foram implantados 417 CGR no país, que abrangem 5.332
municípios em 24 estados, exceto Roraima e Maranhão que não tinham instituído
colegiados. Neste aspecto, percebe-se uma fragilidade devido aos CGR manter
correlação com processos de regionalização previamente existente e serem
influenciados pela prática de revisão e atualização do desenho regional adotado.
Além disso, constatou-se que o funcionamento dos CGR implantados era irregular e incipiente em muitas regiões e, em geral, não
possuíam estruturas e recursos suficientes que permitissem o desenvolvimento de
parcerias e a resolução de conflitos federativos.
Este
desenho da regionalização
proposto pelo Pacto 2006 foi uma proposta estruturada visando sempre
às
questões de acessibilidade da população aos
sistemas e serviços de saúde da
população, no entanto vários são os
entraves na consolidação das legislações e
cumprimento dos princípios e diretrizes do SUS no Brasil,
destacando o
subfinanciamento do sistema que impede a efetividade das implementações.
Avanços,
limites e alternativas na regionalização em saúde
A
partir do ano de 2009
já é possível encontrar estudos que avaliam o
processo de regionalização da
saúde no Brasil com a inserção do Pacto pela
Saúde. Autores [27,29] apontam
como principal avanço uma maior garantia do acesso à
saúde, conquistado
principalmente através da oferta municipal de serviços de
atenção básica com a
Estratégia da Saúde da Família e de
ações de Vigilância em Saúde,
ações
presentes em todos os municípios do país, independente do
porte populacional.
Essa conquista foi possível devido à
descentralização da gestão no sistema de
saúde e o repasse financeiro fundo a fundo do Governo Federal
aos municípios.
Apesar dos avanços no
acesso à saúde ainda existem muitos obstáculos a serem superados no SUS.
Alcançou a garantia do acesso em todos os municípios à saúde primária, mas não
a qualidade desta atenção e nem tampouco o acesso à saúde especializada.
Destacam-se limitações na garantia da resolutividade da promoção e proteção da
saúde, com fragmentação e multiplicação de procedimentos no processo de atenção
a saúde, além de incorporação de tecnologia inadequada [27,29].
É possível destacar
alguns entraves no SUS que contribuem para essas dificuldades encontradas. Os
municípios a partir do processo de regionalização na saúde com enfoque na
municipalização conquistaram autonomia administrativa, mas alguns autores
apontam que esta autonomia é relativa. Muitos não conseguem garantir a
autonomia financeira para gerir seus municípios, o que os deixam dependentes
dos repasses financeiros do Governo Federal. Destaca-se, também, que as
estratégias propostas pelo SUS não têm conseguido garantir estímulos à
integração entre os municípios, as relações intergovernamentais são marcadas
por muitos conflitos e embates por recursos, centralização excessiva,
fragmentação institucional e fragilidade da capacidade reguladora [27].
O processo de
descentralização do SUS tem sido construído com o enfoque na municipalização, o
que vem garantindo avanços e apontando muito entraves na garantia da atenção
integral e resolutiva a saúde [16]. O processo de descentralização não pode se
esgotar na municipalização, atualmente a regionalização é uma diretriz muito
defendida entre os principais estudiosos da área. Porém, Vasconcelos e Pasche
[27] salientam que a regionalização deve acontecer a partir de uma organização
racionalizada dos serviços de saúde através da distribuição mais equânime e dos
recursos assistenciais no território, integralidade das ações através das redes
assistenciais, além do acesso oportuno, continuidade do cuidado e economia de
escala.
Diante desses
desafios, a partir de 2010 o Ministério da Saúde tem criado novas estratégias
para garantir a resolutividade do processo de descentralização na saúde
pública, no contexto da regionalização, através do Planejamento Regional
Integral (PRI) instituído através da Portaria nº 4.279/2010 e principalmente do
Decreto Presidencial nº 7.508/2011 [24,30].
O Decreto
Presidencial 7.508 de 2011 regulamenta a Lei 8.080 de 1990 e dispõem sobre
sistema organizativo do SUS, destacando o planejamento da saúde, a assistência
à saúde e a articulação interfederativa. Este decreto é indutor de políticas
públicas, cria novos conceitos e estratégias de gestão em saúde, como
instrumentos para pactuação e monitoramento das ações realizadas nas três
esferas de governo, mecanismos de controle mais eficazes, regiões de saúde como
espaços privilegiados para garantia da integralidade na atenção à saúde da
população.
A região de saúde
deixa de ser construída por proximidade de espaço geográfico, para ser um
espaço programático, um conjunto de municípios, com proximidade geográfica,
identificados pela cultura e hábitos de cada população. Construindo dessa
forma, uma rede interfederativa com serviços hierarquizados objetivando otimizar recursos de forma mais eficiente e direta com a
contribuição de recursos pelos três entes federativos [24,31].
As
redes
regionalizadas de assistência à saúde (RRAS)
são arranjos organizativos de
ações e serviços de saúde de diferentes
níveis de atenção que estão integradas
e reguladas por sistema de apoio técnico, logístico e de
gestão. Tem como
objetivo garantir a integralidade do cuidado à saúde,
através da construção de
Plano de Ação Regional da Rede de cada RRAS [30].
A responsabilização
de cada ente federativo na oferta de ações e serviços de saúde tem sido um dos
maiores obstáculos a ser alcançado na regionalização. Estas responsabilidades,
atualmente, são firmadas a partir do Contrato Organizativo da Ação Pública da
Saúde (COAP), um instrumento jurídico que expressa o acordo interfederativo
firmado, formalizando as responsabilidades de cada esfera do governo no
Planejamento Regional Integrado. Objetivando-se organizar e integrar as ações e
serviços de saúde na Região de Saúde [24].
Contudo, o processo
de regionalização avançou pouco no contexto da implantação do SUS, mas ainda
necessita superar os desafios que são as dificuldades encontradas no sistema de
saúde por meio de alternativas que cumpram as legislações vigentes e os
princípios e diretrizes do SUS.
Diante deste retrocesso
histórico acerca do processo de regionalização da saúde no Brasil, podemos
observar que esta foi proposta desde antes da implementação
do SUS, junto a qual foi consolidada nas legislações vigentes. Destaca-se que
as políticas públicas deram ênfase na descentralização, através da
municipalização, sendo a regionalização limitada, o que passou a integrar as
discussões e ações de saúde recentemente. A descentralização garantiu avanços
importantes na saúde pública brasileira, todos os municípios dispõem de
serviços de atenção primária, mas ainda é um desafio garantir
a sua qualidade de atenção.
No entanto, ainda
depara-se com limitações na resolubilidade dos problemas de saúde e do acesso
aos serviços e ações de saúde, principalmente na atenção especializada,
problemas estes que só serão resolvidos através da efetivação da regionalização
da saúde. Contanto, é necessário superar os desafios, entendidos como
dificuldades e limitações, por meio de alternativas solidárias e cooperativas
entre todas as esferas do governo que fazem parte deste processo.