Enferm Bras 2022;21(4):400-12

doi: 10.33233/eb.v21i4.5032

ARTIGO ORIGINAL

Características sociodemográficas, estado de saúde e capacidades de autocuidado de cuidadores familiares primários de pessoas idosas

 

José Vitor da Silva, D.Sc.*, Bruno Vilas Boas Dias, M.Sc.**, Murilo César do Nascimento, D.Sc.***, Jessica Luanda Lemos Melo***, Rodolfo Francisco***, Silvana Maria Coelho Leite Fava***, Rogério Donizeti Reis, M.Sc.****

 

*Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, **Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí, SP e Centro Universitário Campo Limpo Paulista de Campo Limpo Paulista, SP, ***Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Alfenas, MG, ****Faculdade de Medicina de Itajubá, MG 

 

Recebido em 14 de dezembro de 2021; Aceito em 25 de julho de 2022.

Correspondência: José Vitor da Silva, Rua João Faria Sobrinho, 59 Bairro Varginha 37501-080 Itajubá, MG

 

José Vitor da Silva: enfjvitorsilva2019@gmail.com

Bruno Vilas Boas Dias: prof.me.bruno@gmail.com

Murilo César do Nascimento: murilo.nascimento@unifal-mg.edu.br

Jessica Luanda Lemos Melo: jessica.melo@sou.unifal-mg.edu.br

Rodolfo Francisco: rodolfo.francisco@sou.unifal-mg.edu.br 

Silvana Maria Coelho Leite Fava: silvana.fava@unifal-mg.edu.br  

Rogério Donizeti Reis: rogerioreisfisio@yahoo.com.br

 

 

Resumo

Introdução: O cuidador informal familiar primário requer para si próprio, em seu cotidiano, uma série de demandas que pode prejudicar o autocuidado. Objetivo: Identificar as características sociodemográficas e de saúde, dos cuidadores informais familiares primários de pessoas idosas e avaliar as capacidades de autocuidado. Métodos: Estudo quantitativo, descritivo e transversal, com 50 cuidadores, familiares primários de pessoas idosas. A amostragem foi não probabilística do tipo snow-ball. Utilizaram-se dois instrumentos: Caracterização Sociodemográfica e de Saúde do Cuidador e a Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado (ASA-A). Para a análise dos dados, utilizou-se a estatística descritiva; para as variáveis categóricas e contínuas. Da estatística inferencial, empregou-se o coeficiente de alfa de Cronbach. Resultados: 62% dos participantes foram homens, idade média = 40,7 anos (DP= 15,8), com ensino fundamental incompleto (60%), casados (60%) e empregados (64%). As capacidades de autocuidado obtiveram média = 64,48 ± 17,76). Conclusão: Na condição de cuidador informal familiar primário, prevaleceram adultos do sexo masculino e com autocuidado em nível regular.

Palavras-chave: autocuidado; cuidador; idoso.

 

Abstract

Sociodemographic characteristics, health status and self-care agency of primary family caregivers of elderly people

Introduction: The informal primary family caregiver requires for him/herself, in his/her daily life, a series of demands that can harm self-care. Objective: To identify the sociodemographic and health characteristics of informal primary family caregivers of elderly people and to assess their self-care capabilities. Methods: Quantitative, descriptive and cross-sectional study, with 50 caregivers, elderly people’s first-degree relatives. The sampling was non-probabilistic of the snow-ball type. Two instruments were used: Sociodemographic and Health Characterization of the Caregiver and the Scale to Assess Self-Care Capabilities (ASA-A). For data analysis, descriptive statistics was used; for categorical and continuous variables. From the inferential statistics, Cronbach's alpha coefficient was used. Results: 62% of the participants were men, mean age = 40.7 years (SD= 15.8), with incomplete primary education (60%), married (60%) and employed (64%). The self-care skills had a mean = 64.48 ± 17.76). Conclusion: In the condition of informal primary family caregiver, male adults with regular self-care prevailed.

Keywords: selfcare; caregiver; elderly.

 

Resumen

Características sociodemográficas, estado de salud y capacidades de autocuidado de los cuidadores familiares primarios de adultos mayores

Introducción: El cuidador informal familiar primario requiere para propio en su cotidiano una serie de demandas, que puede perjudicar el autocuidado. Objetivos: Identificar las características sociodemográficas y de salud, de los cuidadores informales familiares primarios de adultos mayores y valuar las capacidades de autocuidado. Métodos: Estudio cuantitativo, descriptivo y transversal, con 50 cuidadores, familiares primarios de adultos mayores. El muestreo fue no probabilístico del tipo “snow-ball” . Se utilizaron dos instrumentos: Caracterización Sociodemográfica y de Salud del Cuidador y la Escala para Evaluar las Capacidades de Autocuidado (ASA-A). Para el análisis de los datos, se utilizó la estadística descriptiva para las variables categóricas y continuas. De la estadística inferencial, se empleó el alfa de Cronbach. Resultados: El 62% de los participantes fueron hombres, edad promedia de 40,7 años (DS = 15,8), con enseñanza fundamental incompleta (60%), casados (60%) y empleado (64%). Las capacidades de autocuidado obtuvieron promedia = 64,48 ± 17,76). Conclusión: En la condición de cuidador informal familiar primario, se evidenció el sexo masculino y con autocuidado en nivel regular.

Palabras-clave: autocuidado; cuidadores; adulto mayor.

 

Introdução

 

Na contemporaneidade, vive-se a realidade das doenças crônicas, que estão se acelerando no contexto de vida e de saúde das pessoas idosas. As doenças crônicas já são consideradas problemas de saúde pública, sendo responsáveis por 68% das mortes globais registradas no ano de 2012. As complicações das doenças crônicas, que ocorrem com o passar dos anos, concentrando-se nas pessoas idosas, requerem a necessidade e a presença de cuidador [1].

O cuidador informal familiar é aquele que realiza o ato de cuidar a partir de finalidades estabelecidas por familiares e que não recebem recursos financeiros pelos cuidados prestados. Esse familiar presta cuidados de natureza física, como, por exemplo, higiene corporal, alimentação, administração de medicamentos, dentre outros [2].

Há dois grupos: 1) Cuidador formal, que é o indivíduo com treinamento específico em instituição reconhecida que receba remuneração pelo serviço prestado e 2) Cuidador informal, que se refere a um familiar ou pessoa próxima do ser idoso, como amigo ou vizinho, que irá prestar cuidados sem que haja remuneração. O cuidador informal familiar realiza suas atividades devido a vínculos ou a laços familiares e de amizade, sem financiamento de benefícios e exercendo a atividade em tempo integral [3].

A escolha pelo cuidador informal pode estar relacionada a diversos fatores, sendo os mais frequentes, a dificuldade financeira, a tradição familiar, a obrigação matrimonial, filial ou sentimental. À medida que a dependência e a debilidade da pessoa idosa evoluem, as exigências do ato de cuidar aumentam, ocasionando mudanças e maiores esforços para que as necessidades geradas pela diminuição das capacidades sejam supridas. Isso pode ocasionar no cuidador algum tipo de fragilidade física, psíquica ou social [1].

Nesse contexto, com o surgimento de uma doença crônica na família, o familiar adoecido passa a necessitar de cuidados devido às complicações clínicas de seu estado de saúde. A vida ocupacional do cuidador apresenta comprometimentos, no que tange às áreas de desempenho, de trabalho e de lazer, pois este possui menos tempo para cuidar de si e para se relacionar fora de seu núcleo familiar. Passa a ter dificuldades que podem gerar consequências negativas em seu cotidiano, tais como sobrecarga, sintomas depressivos, ansiedade, aumento dos níveis de estresse e ausência de autocuidado [4,5].

A ausência de autocuidado pode ser um dos fatores que mais comprometem a vida e a saúde do cuidador familiar, pois essa ausência leva a diversas consequências em relação às atividades da vida diária e às que requerem o autocuidado, relacionado com a presença de problemas de saúde desses cuidadores. O autocuidado é a prática ou a ação de algo de forma deliberada para a manutenção da vida, da saúde e do bem-estar, assim como para evitar complicações de doenças já instaladas no organismo e que requerem o devido controle [6].

Nesse sentido, o conceito de autocuidado remete a uma abordagem no sentido de cuidar da saúde e de prevenir doenças, o que demanda conhecimento e tempo para seu desenvolvimento, haja vista que reflete tomada de decisão sobre a própria saúde. O conceito é amplo e possui relação estreita com a autonomia e com o autocontrole, ou seja, são ações avaliadas e implementadas pelos próprios indivíduos para benefício próprio de manutenção da saúde e para propósitos de bem-estar e de saúde. É importante esclarecer que, em relação ao autocuidado, é preciso conhecer, decidir livremente e exercer a ação de autocuidado [7,8].

Realizar ações de autocuidado significa entender, avaliar e aplicar para si, de forma deliberada, ações para satisfazer necessidades de saúde, tornando-se protagonista das próprias decisões assertivas na manutenção da saúde, do bem-estar e da qualidade de vida. Nessa perspectiva, o cuidador precisa de tempo e de conhecimento para cuidar de si e para cuidar do outro. Todos são protagonistas nesse processo. É preciso que o cuidador conheça os próprios limites como as capacidades físicas, psicológicas e emocionais, as entenda como limitadas e as respeite [9].

O presente trabalho trata de um tema que é recorrente na área de geriatria e da gerontologia. Entretanto, não se encontraram estudos na literatura que considerem a avaliação das capacidades de autocuidado de cuidador informal familiar primário ou agregado de pessoas idosas, assim como de aspectos que contribuíram ou não para o autocuidado, o que torna este estudo inovador, com informações e preenchendo lacunas de conhecimento.

Esses resultados poderão ser importantes na elaboração de programas de atenção à saúde dessa população, com a participação assídua da enfermagem, considerando o estabelecimento de políticas públicas de autocuidado de cuidadores informais, visto que o déficit de autocuidado poderá comprometer acentuadamente não só o cuidador, mas também a pessoa idosa sob cuidados.

Diante do exposto anteriormente, identificaram-se os seguintes objetivos: analisar o perfil e o autocuidado de cuidadores informais familiares primários de pessoas idosas; identificar as características pessoais, familiares, sociais e de saúde e o autocuidado dos cuidadores informais familiares primários de pessoas idosas.

 

Métodos

 

O presente estudo foi de abordagem quantitativa do tipo descritivo e transversal. Os participantes do estudo foram 50 cuidadores informais familiares primários de pessoas idosas, residentes na cidade de Itajubá, MG e a amostragem foi não probabilística do tipo “snowball”, que consiste em o pesquisador solicitar aos participantes referências de novos informantes que possuam as características desejadas ao estudo em questão [10]. O primeiro entrevistado foi localizado, após informação de um aluno de enfermagem.

Os critérios de inclusão se limitaram a: ser cuidador informal familiar primário de pessoas idosas há pelo menos seis meses, ter capacidade cognitiva e de comunicação verbal preservadas, que foram avaliadas por meio do Questionário de Avaliação Mental [11] e também ser maior de 18 anos de idade. Os critérios estabelecidos para a exclusão constituíram em os instrumentos preenchidos de forma incorreta ou incompletos.

A entrevista foi estruturada direta, durante a qual o pesquisador leu para o participante cada item dos instrumentos, com as possíveis opções de respostas, identificando a resposta do participante e a registrando no respectivo instrumento. A coleta de dados ocorreu no próprio domicílio do cuidador informal familiar primário, no período de março a maio de 2017, com data e horário agendados de acordo com a disponibilidade do entrevistado.

 

Os instrumentos selecionados para a investigação foram:

1) Caracterização pessoal, familiar, social e de saúde do cuidador: constituído por perguntas fechadas, abrangendo aspectos relacionados a sexo, idade, estado civil, escolaridade, religião, situação atual de trabalho, tipo de família, percepção do estado de saúde.

2) Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado (ASA-A): É uma escala desenhada por Isenberg e Evers (1993) [12], adaptada transculturalmente e validada para o Brasil, por Silva e Domingues [13]. O instrumento incluiu 24 itens, sem nenhum domínio, aos quais as pessoas atribuem valor em uma escala de Likert que vai de um a cinco pontos. As opções de resposta são: discordo totalmente; discordo; nem discordo nem concordo; concordo e concordo totalmente. As respostas tomam um valor mínimo de 24 e, máximo, de 120 pontos. Quanto maiores os escores, melhores serão as operações das capacidades de autocuidado da pessoa que responde à escala. Cada pessoa entrevistada indicou o número que correspondia ao grau que melhor lhe descreveu, sendo este circulado.

 

Realizou-se o pré-teste, com cinco cuidadores informais familiares primários, correspondendo a 10% da amostra definitiva, que não se integraram a mesma, porém estiveram de acordo com os critérios de inclusão e de exclusão. A realização desse procedimento mostrou total entendimento dos itens dos instrumentos pelos participantes, dispensando estratégias complementares de aplicação ou mudanças de itens.

Os dados foram inseridos, eletronicamente, em banco de dados próprio, elaborado a partir do programa computacional SSPS, versão 22.0. Para a análise dos dados, foi utilizada a estatística descritiva por meio da frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas, assim como das medidas de tendência e de dispersão central para as variáveis contínuas. Na estatística inferencial, utilizou-se o coeficiente alfa de Cronbach.

Após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade Wenceslau Braz de Itajubá, MG, sob o Parecer Consubstanciado n° 498.103 e CAAE: 26023913.3.0000.5099 e de acordo com cumprimento dos preceitos estabelecidos pela Resolução CNS 466/2012, de 12 de dezembro de 2012, do Ministério da Saúde, deu-se o início ao procedimento de coleta de dados.

 

Resultados

 

Em relação às características sociodemográficas, dos 50 participantes, cuidadores informais familiares primários, 31 (62%) dos cuidadores eram do sexo masculino (na condição de filhos das pessoas idosas); a média de idade foi de 40,7 anos (Desvio padrão DP = ± 15,8); 30 (60%) eram casados e os demais, solteiros; 41 (82%) eram católicos e os demais eram adeptos de outras religiões; a média de filhos dos cuidadores por família era de 1,3  ± 1,3; 30 (60%) tinham o Ensino Fundamental Incompleto; 64% pertenciam à família nuclear. Identificou-se que 32 (64%) estavam empregados.

 

Tabela I - Percepção de saúde, informações sobre doença e atividade física dos participantes do estudo. Itajubá, MG, 2018 (n = 50)

 

Fonte: instrumento de pesquisa

 

Tabela II - Avaliação das capacidades de autocuidado dos participantes do estudo. Itajubá, MG, 2018 (n = 50)

 

Fonte: instrumento de pesquisa; DP = Desvio padrão

 

Tabela III - Itens que mais contribuíram e os itens que menos contribuíram para as capacidades de autocuidado dos participantes do estudo 2018 (n = 50)

 

Fonte: instrumento de pesquisa

 

A consistência interna da Escala de Capacidades de Autocuidado, realizada pelo Teste de alfa de Cronbach, apresentou valor de α = 0,944.

 

Discussão

 

A discussão do presente trabalho foi feita em duas partes distintas: na primeira, foram analisados dados sociodemográficos e de saúde e, na segunda, o autocuidado do cuidador informal familiar primário.

Observou-se predominância do gênero masculino. Esse dado não corresponde aos demais trabalhos sobre cuidadores familiares, pois, nestes, a maior frequência com esse ator está relacionada ao sexo feminino. A literatura evidencia a maioria dos cuidadores como sendo as mulheres e, geralmente, também idosas, no cuidado informal [14,15]. A maioria das famílias tem como foco, até então, a mulher para ser a cuidadora [1] por entenderem que tal papel é “naturalmente” feito pelo gênero [16].

A possível explicação para a maior ocorrência do sexo masculino, neste trabalho, pode estar relacionada ao fato de a mulher, no contexto atual, estar assumindo outros papéis sociais e, neste, está também sua inserção no mundo do trabalho. Elas estão concorrendo com os homens, muitas vezes, na empregabilidade. Há famílias nas quais a mulher está exercendo a função de provedora e o homem está desenvolvendo as funções domiciliares, devido ao fato do aumento de desemprego em nível nacional [17,18].

Por outro lado, há um evidente aceno para a mudança nesse cenário. No Reino Unido, por exemplo, os homens já ocupam grande parte do cuidado informal [19]. No Brasil, parece não ser diferente e o que pode ajudar a explicar a maior participação dos homens no cuidado, ainda que a literatura careça de mais pesquisas relacionadas, é o sentimento de “obrigação” e/ou de reciprocidade como dever familiar, de lealdade, de gratidão, além de questões financeiras [20].

Em relação à idade, encontrou-se que pessoas na quarta década da vida estavam exercendo a função de cuidador. Em um trabalho realizado por Loureiro et al. [14], acerca da sobrecarga de cuidadores familiares de pessoas idosas, a faixa etária predominante de cuidadores foi de 80 anos ou mais (51,9%); em estudo realizado por Wachholz, Santos e Wolf [15], a respeito de sobrecarga e de qualidade de vida de cuidadores, prevaleceu idade média de 55,13 (45-65) anos; em pesquisa realizada por Durante et al. [20], sobre a contribuição do cuidador para o autocuidado, encontrou-se que os cuidadores tinham em média 53,6 anos; no trabalho realizado por Souza et al. [21], acerca de dificuldades encontradas pelo cuidador com Alzheimer, as idades foram entre 30 e 69 anos.

Ao confrontar esses trabalhos com a idade dos cuidadores do presente trabalho, observou-se que, de forma geral, os cuidadores informais familiares das outras pesquisas tinham maiores idades. Pode-se deduzir que os dados encontrados não corroboram os resultados obtidos neste estudo. O fato de eles serem mais jovens poderá ser um facilitador em relação ao vigor físico para prestação do cuidado, entretanto não dispõem de tempo para seu autocuidado, considerando que além de serem cuidadores têm outro tipo de trabalho, o profissional ou formal. Além disso, cuidam da sua família de origem, sejam como mães ou pais. As pessoas idosas, cuidadas por esses cuidadores eram, na sua grande maioria, totalmente dependentes, exigindo dos cuidadores tempo dedicação e muitos cuidados.

Quanto à escolaridade, predominou o ensino fundamental incompleto. Ao comparar esse dado com a escolaridade de outros trabalhos realizados, tais como de Loureiro et al. [14]; Wachholz et al. [15] e Santos et al. [22], encontrou-se oscilação entre primeiro grau incompleto, completo e nível superior. As pessoas com diferentes níveis de escolaridade estão realizando a função de cuidador. É importante mencionar que, nas suas atividades diárias os cuidadores ministram medicamentos. Para tanto, necessitam de saber ler e conhecer as operações matemáticas para ministração dos medicamentos e suas dosagens de forma completa. Esse é um dos motivos que evidencia a importância do nível de escolaridade aos cuidadores.

No que tange ao estado civil, detectou-se que a maioria dos participantes eram casados. Esse dado coincide com outros estudos [15,22] que obtiveram predominância do estado civil casado, união consensual (70%) ou presença de um companheiro (22,69%). Entretanto, o trabalho de Loureiro et al. [14] mostrou predominância de viúvos (40,4%). Isso significa que as pessoas casadas ou que vivem com companheiro têm mais disponibilidade para assumir as funções de cuidador. Pode-se inferir que, do ponto de vista de saúde, os cuidadores apresentaram melhores condições ao realizarem suas atividades de cuidar do seu parente, pois ter boa saúde é excelente indicador para a realização das atividades da vida diária.

Normalmente, é encontrado na literatura que os cuidadores são aqueles desprovidos de um trabalho formal ou informal e essa incumbência está mais reservada às mulheres, na condição de donas de casa ou solteiras sem trabalho. Entretanto, no presente trabalho, encontrou-se uma situação adversa, na qual a predominância de cuidadores coube ao gênero masculino. Esse dado remete à reflexão de que, ao homem, cabem as funções de provedor do lar. Logo, esse raciocínio remete ao fato de que ele exercia duas funções: cuidador e trabalhador, ao se considerar que a proporção maior de cuidadores estava empregada. No que diz respeito aos tipos de família, a família nuclear, que é constituída por pai, mãe e filho, foi a mais frequente entre os integrantes do estudo. Pode-se explicar essa ocorrência pela idade dos cuidadores familiares que foi, em média 40 anos, o que indica ainda os filhos dependentes e vivendo no seio familiar, o que sugere que esses cuidadores tinham filhos menores de idade, vivendo com a família.

Em relação à saúde física, os cuidadores a perceberam como “boa”. Pode-se afirmar que essa percepção esteja relacionada com a idade dessas pessoas, considerando-se que a média foi de 40 anos. Em um estudo realizado na Espanha, encontrou-se que a média de idade dos cuidadores foi de 47 anos (interquartil igual a 21) e também perceberam a própria saúde como boa, não havendo menção de doenças crônicas [23], dados que corroboram o presente estudo.

Na condição de cuidador, perceber o próprio estado de saúde como conceito “bom” é muito significativo, pois a saúde é essencial. Por outro lado, levando-se em consideração, ainda, a idade, esse fator condicionante básico pode ser um elemento indicador do motivo dessa percepção, pois as doenças crônicas não transmissíveis são frequentes após a quarta década da vida. Segundo estudo realizado por Silva e Reis [24], do ponto vista etário, as Doenças Crônicas não Transmissíveis surgem no final da terceira década da vida, porém com mais frequência, após a quarta década. A ausência de atividade física pode estar relacionada com dois aspectos. O primeiro, pela falta de tempo, considerando-se que esses cuidadores tinham duas jornadas diárias de trabalho. O segundo aspecto está relacionado à falta de cultura ainda entre a população brasileira em realizar atividades físicas no dia a dia, porém esse tipo de atividade física, muitas vezes, também é confundido com a ação de utilizar a bicicleta para o trabalho ou para outras atividades, o que, na realidade, não constitui atividade física [25].

De acordo com os participantes do estudo, o autocuidado foi classificado com conceito “regular”. Isso significa que os cuidadores informais familiares primários desenvolviam o autocuidado de forma comprometida, incompleta ou até mesmo inadequadamente, pois, segundo Ore [6], o conhecimento e a prática de autocuidado devem ser desenvolvidos sistemática e deliberadamente para que suas necessidades sejam atendidas ao longo da vida e, com isso, haver prevenção, promoção, recuperação e reabilitação da saúde.

As prováveis justificativas da classificação de autocuidado como “regular” podem estar relacionadas, inferencialmente, com a dupla jornada desses cuidadores, pois, além das funções de cuidadores, cumpriam um trabalho formal ou informal. A redução do autocuidado pode estar ainda relacionada com o cansaço físico resultante dos trabalhos diários.

 

Conclusão

 

Entre os participantes do estudo, predominou o gênero masculino, com idade média de 40 anos de idade, nível fundamental incompleto de escolaridade, casados, católicos, que, além da função de cuidador informal, tinham um trabalho formal e não realizavam atividades físicas.

O autocuidado foi conceituado regular. As práticas de autocuidado mais realizadas foram a verificação de alguma anormalidade física corporal e as providências para a manutenção da segurança pessoal e familiar. As atividades de autocuidado menos praticadas foram praticar atividades físicas, encontrar um tempo para descansar durante o dia e para autocuidar-se.

O tema cuidador familiar é considerado recorrente na área de gerontologia, porém trata-se de um assunto considerado problema de saúde pública. Apesar das repetidas pesquisas que mostram os comprometimentos de natureza física, mental, familiar, social e espiritual, nenhuma política pública ou programas de atendimento a esse segmento populacional foi elaborada. São pessoas ainda secundárias e pouco valorizadas no contexto familiar, social e, sobretudo, de saúde.

Finalmente, pode-se afirmar que os resultados advindos deste trabalho podem ser generalizados a essa população da cidade que foi cenário de estudo dos cuidadores, o que requer da área de saúde providências para que o autocuidado seja prioritário e sistemático junto a essas pessoas.

Cabe, nesse contexto, à enfermagem, estabelecer planos de trabalho e contribuir na elaboração de programas de saúde para o atendimento não só aos familiares idosos sob cuidados, mas também aos seus cuidadores, levando-se em consideração a promoção do autocuidado e, com isso, proporcionar-lhes condições adequadas para a realização do próprio cuidado e do cuidado do outro. Nesse contexto é indispensável que, sistematicamente, a enfermagem possa acompanhar esses cuidadores no sentido de orientá-los na prestação dos cuidados como também na realização do seu autocuidado.

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram que não houve conflito de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve fonte de financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Dias BVD, Nascimento MC, Silva JV; Coleta de dados: Reis RD, Melo JLL, Francisco R; Análise e interpretação dos dados: Silva JV, Nascimento MC, Fava SML; Análise estatística: Silva JV, Nascimento MC; Redação do manuscrito: Dias BVD, Melo JLL, Reis RD, Francisco R; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva JV, Fava SML

 

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