Enferm Bras
2022;21(3):302-17
ARTIGO
ORIGINAL
Dificuldades
encontradas pelas pessoas idosas em tempo de pandemia pela COVID-19
José
Vitor da Silva, D.Sc.*, Rogério Donizeti
Reis, M.Sc.**, Murilo César do Nascimento, D.Sc.***, Jéssica Luanda Lemos Melo****, Ricardo Antônio
Vieira*****, Tatiana Albina Daniel de Lima******, Matheus Henrique Alves de
Moura*******, Daniel Carlos dos Santos Silva********
*Escola
de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, **Universidade do Vale do Sapucaí
de Pouso Alegre, MG, ***Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Alfenas,
MG, ****Enfermeira, Mestranda em Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem, Universidade Federal de Alfenas, MG, *****Enfermeiro RT na Oftalmoclínica Oliveira Ribeiro, Alfenas, MG,
******Enfermeira Assistencial da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do
Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Poços de Caldas. Preceptora da
Graduação de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (PUC), *******Enfermeiro, Mestrando em Enfermagem pela Escola de
Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas, ********Enfermeiro, Faculdade
Wenceslau Braz de Itajubá, MG
Recebido
em 31 de março de 2022; Aceito em 25 de abril de 2022.
Correspondência: José Vitor da Silva, Rua João Faria
Sobrinho, 59, Bairro Varginha, 37501-080 Itajubá MG
José
Vitor da Silva: enfjvitorsilva2019@gmail.com
Rogério
Donizeti Reis: rogerioreisfisio@yahoo.com.br
Murilo
César do Nascimento: murilo.nascimento@unifal-mg.edu.br
Jessica
Luanda Lemos Melo: jessica.melo@sou.unifal-mg.edu.br
Ricardo
Antônio Vieira: ricardovieira.auditoria@gmail.com
Tatiana
Albina Daniel de Lima: tatidaniellima@gmail.com
Matheus
Henrique Alves de Moura: matheus.moura@sou.unifal-mg.edu.br
Daniel
Carlos dos Santos Silva: carloscssdaniel@gmail.com
Resumo
Introdução: A pandemia pela COVID-19 trouxe
alterações na vida diária das pessoas idosas e isso lhes exigiu novas
adaptações cotidianas e, consequentemente, diversas dificuldades. Objetivos:
Identificar as características sociodemográficas, familiares e de saúde de
pessoas idosas e conhecer as dificuldades encontradas pelas pessoas idosas
nesse momento de pandemia. Métodos: Estudo de abordagem quali-quantitativa, descritivo e exploratório. Utilizou-se
o método do Discurso do Sujeito Coletivo. A pesquisa foi realizada em
Itajubá/MG com 20 pessoas idosas de ambos os sexos. Utilizaram-se dois
instrumentos de pesquisa: Caracterização sociodemográfica e de saúde de pessoas
idosas e uma pergunta semiestruturada sobre as dificuldades encontradas pelas
pessoas idosas em tempo de pandemia. Resultados: Observou-se que a idade
média foi de 66,20 anos DP= 4,71; 75% eram do sexo feminino; 40% eram casados;
60% tinham um trabalho informal; 85% residiam em casa própria e 60% perceberam
sua saúde como boa. As dificuldades foram representadas por “Uso de máscara”;
“Ficar em casa e não atender as necessidades pessoais”; “Uso do álcool em gel e
não poder entrar em diversos locais” e “Não poder trabalhar o suficiente”. Conclusão:
As medidas sanitárias e a impossibilidade de trabalhar foram as dificuldades
consideradas pelas pessoas idosas em tempos de pandemia pela COVID-19.
Palavras-chave: idoso; COVID-19; pesquisa qualitativa.
Abstract
Difficulties faced for elderly people during the
COVID-19 pandemic period
Introduction: The COVID-19
pandemic brought changes to elderly diary life, which ordered those elderly to
re-adapt to new conditions, causing several difficulties. Objectives: To
identify sociodemographic, familiar and health characteristics of elderly
people; Recognize difficulties faced for those elderly people during the
pandemic period. Methods: This is a quali-quantitative,
descriptive and exploratory study. The method of Collective Discourse was used.
The research was developed in Itajubá with 20 elderly
people, both genders. Two research instruments were used: sociodemographic
description and elderly health situation, and a semi-structured question about
the difficulties faced for the elderly during the pandemic. Results: The
average age was 66,20 years old, SD = 4,71; 75% were female; 40% were married;
60% had an informal job; 85% lived in their own house and 60% defined their
health as “good”. The difficulties were represented for “mask use”; “Stay at
home and not attend to personal needs”; “70° Alcohol use and the prohibition to
not get in at many place” and “Cannot work enough”. Conclusion: To stay
at home and the mask use were, associated each other or not, the most
identified difficulties.
Keywords: elderly; COVID-19; qualitative
study.
Resumen
Dificultades encontradas por los
adultos mayores en tiempo de pandemia por la
COVID-19
Introducción: La pandemia por la
COVID-19 trajo alteraciones en
la vida de los adultos mayores y esto les exigió nuevas
adaptaciones cotidianas. Objectivos:
Identificar las características sociodemográficas,
familiares y de salud de adultos mayores;
Conocer las dificultades encontradas por los
adultos mayores en neste tiempo de pandemia. Métodos: Estudio
de abordaje cuali-cuantitativa,
descriptivo y exploratorio.
Se utilizó el método del Discurso del Sujeto Colectivo. La investigación fue realizada en la ciudad
de Itajubá-MG con 20 adultos mayores
de ambos sexos. Se utilizaron dos instrumentos de investigación: Caracterización
sociodemográfica y de salud de adultos mayores y una pregunta semiestructurada
a cerca de las dificultades
encontradas por los adultos mayores
en tiempo de pandemia. Resultados:
Se observó que la edad M = 66,20 DP = 4,71; el 75% eran mujeres; el
40% eran casados; el 60% tenían trabajo informal; el 85% residían en casa propia y el 60% percibieron su salud “buena”.
Las dificultades se representaron por “Uso de mascarillas”;
“Quedarse en la casa y no atender sus necesidades
personales”; “Uso de alcohol
en gel y no poder entrar en
diversos locales” y “No poder trabajar
lo suficiente”. Conclusión:
Quedarse en la casa y uso de “mascarillas” fueron las dificultades
más encontradas.
Palabras-clave: adulto mayor; COVID-19; investigación cualitativa.
Atualmente, o considerável aumento
da população idosa tem proporcionado reorganização das políticas públicas de
saúde, pois devem considerar as experiências inerentes à trajetória de vida das
pessoas mais velhas. O enfrentamento de diversas dificuldades vivenciadas pelas
pessoas idosas ao longo da vida se soma, neste momento, a uma situação
exclusiva, complexa e inédita: as restrições e as mudanças de hábito estabelecidas
pela COVID-19.
A pandemia coincide com o aumento do
envelhecimento populacional, considerado o principal evento demográfico do
século XXI nos níveis mundial e nacional. A constituição brasileira, no seu
Art. 230, dispõe que, além da família, a sociedade e o Estado têm o dever de
amparar as pessoas idosas, “defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida” [1].
Além disso, o Brasil, como
signatário do Plano Internacional de Envelhecimento de 2002, assim como a
Década de Envelhecimento Saudável, que corresponde ao período de 2021 a 2030,
estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tem o compromisso de
reconhecer a vulnerabilidade das pessoas idosas em situações de emergência
humanitária, como é o caso de uma pandemia. O sociólogo Norbert Elias afirma
que envelhecer está relacionado com distanciamento social, invisibilidade, luto
e abandono. Essas questões preocupam ainda mais no contexto atual da inesperada
pandemia da COVID-19 [1].
A pandemia pelo Novo Coronavírus-19
(SARS-CoV-2) foi um fator determinante na vida dos indivíduos, em especial das
pessoas idosas, para profundas mudanças no contexto diário, do ponto de vista
pessoal e social. As transformações nas atividades da vida diária foram
marcantes e contribuíram para o enfrentamento de diversas dificuldades.
Principalmente de natureza social e especificamente, familiar. As privações
representadas pela expressão "fique em casa” foram marcantes e exigente na
vida delas [1].
Nessa perspectiva, pode-se afirmar
que juntamente com a pandemia de COVID-19 surge um estado de pânico social em
nível global e a sensação do isolamento social desencadeia os sentimentos de
angústia, insegurança e medo, que podem se estender até mesmo após o controle
do vírus. Nesse sentido, apesar do afastamento social ser uma medida muito
empregada no contexto de saúde pública para a preservação da saúde física das
pessoas idosas, é fundamental pensar em saúde mental e bem-estar das pessoas
submetidas a esse período de afastamento social [2].
Cabe mencionar que a recente
pandemia representa um grande desafio para a sociedade por se tratar de um
evento potencialmente estressante, considerando as medidas de prevenção e
contenção da doença, impactos econômicos, políticos e sociais. Assume alta relevância
o impacto na saúde mental, tendo em vista os comprometimentos cognitivos,
emocionais e comportamentais, características do dia a dia dos indivíduos
idosos [3].
Além dessas medidas, o aumento do
número dos casos confirmados de infecção pela COVID-19 foi muito rápido e
acentuado. A orientação “fique em casa” foi intensificada, principalmente para
as pessoas idosas e portadores de doenças crônicas [4]. O documento do Grupo de Trabalho (GT) de envelhecimento da
ABRASCO [5] aponta em seu escopo a grande preocupação com as vulnerabilidades
que abrangem as pessoas idosas e as múltiplas fragilidades dos cuidados
relativos a esse grupo social, apontando para um genocídio relacionado à idade
(faixa etária 60 anos ou mais) caso medidas imediatas não fossem adotadas.
Medidas de prevenção e proteção
devem ser preconizadas de forma eficaz na redução das várias formas de contágio
em todos os locais onde tiverem a presença de pessoas idosas, seja no contexto
dos seus domicílios, assistidos por cuidadores e familiares, sob afastamento
social, seja para os residentes em Instituições de Longa Permanência para
Idosos (ILPI), contribuindo com a diminuição da mortalidade por COVID-19 na
faixa etária de 60 anos ou mais [6].
É
necessário que a população idosa
pratique medidas de proteção e prevenção em
relação à COVID-19 e essas são consagradamente representadas por uma pirâmide que
apresenta as três medidas essências (Figura 1) [7].
Fonte:
Autores do estudo.
Figura
1 – Medidas de
proteção e prevenção da COVID-19
Faz-se necessário que tanto as
pessoas idosas utilizem essas medidas quanto aquelas que por determinados
motivos têm contatos com os indivíduos mais velhos. Não basta apenas uma parte.
É preciso realizar a auto e a hétero proteção. Só assim, essas medidas podem
alcançar ou alcançaram sua efetividade e segurança.
Diante do cenário e do reflexo
pandêmico proveniente da COVID-19 que envolvem as pessoas idosas, traçou-se a
seguinte questão de entrevista: “Nesse tempo de pandemia, quais são as
principais dificuldades encontradas pelas pessoas idosas?”. Dentro deste
panorama, os objetivos do presente estudo foram: identificar as características
sociodemográficas, familiares e de saúde de pessoas idosas e conhecer as
dificuldades encontradas pelas pessoas idosas nesse momento de pandemia.
Trata-se de um estudo quali-quantitativo,
descritivo e exploratório, realizado em
Itajubá, Minas Gerais, com 20 pessoas idosas de ambos os sexos.
Utilizou-se o
método do Discurso do Sujeito Coletivo que consiste em um
discurso-síntese
elaborado com partes de discursos de sentido semelhante, por meio de
procedimentos sistemáticos e padronizados fundamentado na Teoria
das
Representações Sociais representado por quatro figuras
metodológicas: 1)
Expressão-chave (ECH) que são partes ou todo o
conteúdo das transcrições
literais do discurso de cada sujeito; 2) Ideia Central (IC) que
são nomes ou
expressões linguísticas que revelam e descrevem da
maneira mais sintética,
precisa e fidedigna possível o sentido de cada um dos discursos
analisados; 3)
Ancoragem (AC) que é a manifestação
linguística explícita de uma determinada
teoria, ou crença que o autor do discurso professa e que, na
qualidade de
afirmação genérica, está sendo utilizada
pelo enunciador para “enquadrar” uma situação
específica; e 4) Discurso do Sujeito Coletivo (DSC):
reunião das ECH presentes
nos depoimentos, que têm ICs e/ ou ACs de sentido semelhante ou complementar [8]. No presente
estudo adotaram-se três figuras metodológicas, excluindo a Ancoragem levando em
consideração a tipologia dos participantes e segundo Léfèvre
a dispensa dessa figura não traz alteração alguma ao método do DSC [8].
Para abordagem quantitativa
utilizou-se a estatística descritiva (frequência para as variáveis categóricas
e desvio padrão assim como média, desvio padrão para as variáveis contínuas e
numéricas). A amostragem foi intencional ou teórica. Foram adotados os
seguintes critérios de inclusão: pessoas idosas residentes em Itajubá, MG; o
critério de não inclusão foi: pessoas idosas acamadas, institucionalizadas e
hospitalizadas e o critério de exclusão foram: instrumentos preenchidos de
forma incorreta ou incompleta. O estudo foi aprovado pelo CEP da Faculdade de
Medicina de Itajubá sob o parecer número: 4.290.876. Obedeceu-se aos preceitos
estabelecidos pela Resolução nº 466/12, de 12 de dezembro de 2012, do
Ministério da Saúde que trata da ética em pesquisa envolvendo seres humanos e
pela especial proteção devida aos participantes das pesquisas científicas.
Utilizaram-se, para a coleta de
dados, dois instrumentos, sendo o primeiro denominado Caracterização
Sociodemográfica e de Saúde da Pessoa Idosa, formado por perguntas abertas e
fechadas referente à idade, sexo, estado civil, escolaridade, entre outras
características. O segundo, formado pela pergunta: “Comente para mim quais
foram suas principais dificuldades encontradas nesse momento de pandemia”.
Considerando as medidas de prevenção, proteção e biossegurança da pessoa idosa
nessa fase de pandemia da COVID-19 foram adotadas os seguintes procedimentos
para a coleta de dados.
- Os
pesquisadores dispõem de amplo banco de WhatsApp de pessoas idosas, a partir
desse banco de dados, foram convidadas 20 pessoas idosas e enviado um link que
consta o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) o qual convida,
orienta e solicita a anuência da pessoa idosa.
- Após a
concordância em participar do estudo, ao final do TCLE, o participante clicou
na afirmativa: “concordo em participar”. A seguir, ficou a sua disposição o
Questionário sobre suas características pessoais, sociais e de saúde. Ao ter
completado esse instrumento, foi-lhe apresentado outro contendo a questão de
entrevista: Comente para mim quais foram suas principais dificuldades
encontradas nesse momento de pandemia, justificando-as.
Os resultados são apresentados em
duas etapas distintas: 1) Aspectos sociodemográficos e de saúde e 2)
Dificuldades encontradas na pandemia pela COVID-19.
Tabela
I – Características
sociodemográficas e de saúde
Fonte:
Instrumento de pesquisa
Observou-se que a idade média foi de
66,20 anos DP = (4,71); 75% eram do sexo feminino; 40% eram casados; 60% tinham
um trabalho informal; 85% residiam em casa própria e 60% perceberam sua saúde
como boa.
Dificuldades
encontradas na pandemia pela COVID-19
As dificuldades foram representadas
por quatro ideias centrais e seus respectivos Discursos do Sujeito Coletivo
descritas a seguir: 1) Uso de máscara; 2) Ficar em casa e não atender as
necessidades pessoais; 3) Uso do álcool em gel e não poder entrar em diversos
locais e 4) Não poder trabalhar o suficiente.
Uso de
máscara
DSC: A
máscara foi minha principal dificuldade. Usar máscara, eu sinto muita canseira
e uma dificuldade em respirar por conta da fibrose. É difícil de respirar para
mim que uso óculos, embaça muito. Aprender a usar a máscara em todo lugar que
vou é a principal dificuldade. Usar máscara é o que mais me incomoda.
Ficar em
casa e não atender as necessidades pessoais
DSC:
Sinto dificuldade de ter que ficar em casa sem poder sair por conta do
isolamento social. Não poder sair e ver meus familiares e minhas amigas; não
poder sair e ir à casa da minha irmã que é em outro bairro; ir à igreja e em
outros lugares que eu quero entrar. Não poder ter a presença das pessoas
especiais em minha vida. A minha parte pior foi ter que ficar afastada, sem
trabalhar, sem ter dinheiro para me sustentar. Fiquei sem pagar as minhas
contas. Por conta disso não posso ir ao supermercado. Ter que ficar quieta em
casa e depender de ajuda dos familiares é triste. Quando preciso sair é difícil
e me sinto muito exposta. Na minha casa são dois idosos, estamos mais
vulneráveis e dependemos de sobrinhos, netos e filhos. Porém, eles trabalham e
não é sempre que estão à nossa disposição. Muito difícil!
Uso do
álcool em gel e não poder entrar em diversos locais
DSC: A
minha maior dificuldade é quando eu tenho que sair e tenho que ficar usando
álcool em gel e não podendo entrar nos lugares que eu quero entrar. Agora tudo
mudou! Sinto que isso é a pior coisa para mim! Não ter a liberdade de ser, de
ir e vir, de existir.
Não
poder trabalhar o suficiente
DSC: Não
poder trabalhar o suficiente, tem sido a minha maior dificuldade.
A figura 2, apresenta o tema explorado
com suas respectivas Ideias Centrais.
Fonte:
Autores do estudo
Figura
2 – Dificuldades
encontradas na pandemia pela COVID-19 pelas pessoas idosas
Em relação ao sexo feminino, que foi
predominante neste estudo, há um consenso no qual às mulheres constituem a
maioria da população idosa em todas as regiões do mundo. Estatisticamente, no
Brasil, dados encontrados mostram que o contingente feminino de mais de 60 anos
de idade passou de 2,2%, em 1940, para 4,7% em 2000; e 6% em 2010 e, em 2050 as
mulheres continuarão sendo maioria, com estimativa de população com 7 milhões
de mulheres a mais do que homens. A proporção de mulheres idosas que alcança
idades mais avançadas também é superior à dos homens, ou seja, o mundo das
pessoas idosas com mais de 80 anos é o mundo das mulheres [9]. Esses dados vêm
ao encontro dos achados deste estudo nos quais 75% dos participantes do estudo
eram do sexo feminino.
No último censo da população
brasileira, foi apresentado o predomínio do sexo feminino em relação ao
masculino. A World Health Organization (WHO) menciona
que além dos fatores intrínsecos, as mulheres buscam mais cuidar-se do que os
homens. O fato de, até então, ser a cuidadora da família, participando das
práticas de saúde com os filhos e até mesmo como cuidadora familiar, ela se
capacita melhor para o autocuidado da saúde e esse poderá ser um fator
importante [10].
Quanto ao estado civil, neste estudo
apontou que 40% dos entrevistados eram casados. Essa situação conjugal entre as
pessoas idosas está progressivamente aumentando, isto pode estar relacionado ao
aumento da longevidade oportunizando ao casal mais anos de manter-se casados
[11]. Outro fator que pode estar associado à extensão desse estado conjugal, é
o aumento do número de casamentos entre pessoas idosas e viúvas. Levantamento realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou-se que se
casaram mais de 38.700 homens viúvos com mais de 60 anos em 2014. No ano de
2015, foram celebrados 611 casamentos entre pessoas idosas viúvas [9].
Outro dado que merece ser explorado
diz respeito aos trabalhadores informais uma vez que 60% dos participantes do
estudo se encontravam nessa situação. O aumento da perspectiva de vida é
acompanhado pela permanência dos trabalhadores por mais tempo no mercado de
trabalho dentro de um contexto de informalidade, induzida primordialmente pelo
aumento da idade mínima para aposentadoria, bem como pela permanência ou
retorno a uma atividade remunerada objetivando complementar a renda [12].
A esse respeito, o atual modelo de
aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição apresenta uma série de
obstáculos para trabalhadores informais que, apesar de nunca terem parado de
trabalhar e de terem começado a trabalhar ainda na infância, apresentam
trajetórias ocupacionais instáveis e encontram dificuldades para computar o
tempo de serviço concomitante às atividades rurais e urbanas [13].
Na atual conjuntura brasileira
imposta pelo distanciamento social devido a COVID-19 estar alocado em um
ambiente laboral é um privilégio, mesmo que de modo informal. Porém o que se
está vivenciando é o número de desemprego cada vez maior a notar pelas pessoas
idosas.
A informalidade, de um modo geral, é
considerada subproduto do desemprego; com raras exceções, as pessoas não optam
pelo trabalho informal por vontade própria. Independente do seu conteúdo, o
trabalho informal está sendo visto como uma saída para garantir a sobrevivência
de um contingente cada vez maior de brasileiros. Enquanto milhões deles buscam
o próprio sustento e de seus dependentes, não se pode desconsiderar que outros
milhões de cidadãos deste País não encontram sequer essa opção [14].
Associado ao que foi exposto em
relação à pessoa idosa no contexto do trabalho, há outra questão muito complexa
a ser considerada: refere-se ao preconceito em relação à pessoa idosa na
tentativa de obtenção de um trabalho, até mesmo de natureza informal, pois o
ser idoso, no contexto sociocultural, é considerado pessoa improdutiva e
incapacitado para o trabalho. Com isto, o número de pessoas idosas é cada vez
maior, mesmo com suas capacidades funcionais preservadas [14].
Ao identificar as condições de
moradia, 85% dos participantes do estudo relataram possuir casa própria, desta
forma, a possível explicação para essa realidade está relacionada, por exemplo,
a implementação da Política Nacional de Habitação, que é responsável por
acompanhar e avaliar, além de formular e propor, os instrumentos em articulação
com as demais políticas públicas e instituições voltadas ao desenvolvimento
urbano, com o objetivo de promover a universalização do acesso à moradia.
Sabe-se que a Política Habitacional no Brasil remonta há muitos anos atrás, o
que teve como resultado diversas mudanças políticas e sociais, porém, é uma
preocupação, ainda que conturbada, facilitar para os brasileiros possuir casa
própria. Infere-se que as pessoas idosas, depois de longos anos de trabalho, se
preocupam e se esforçam para ter uma casa própria, ainda que em condições não
totalmente adequadas, pois na cultura brasileira, possuir uma casa faz parte do
provedor de lar [15].
Salienta-se neste estudo que 60% dos
entrevistados perceberam sua saúde como boa, que coincide com o estudo
intitulado “A autopercepção de saúde em idosos residentes em um munícipio do
interior do Rio Grande do Sul”, no qual 47.820 dos respondentes perceberam sua
saúde como “boa” [16]. Esse dado pode ser confirmado ao encontrar que a maior
parte dos atores do estudo estão trabalhando, ainda que seja trabalho informal.
Ao refletir sobre a ideia central
“uso de máscara” nota-se que as dificuldades atribuídas pelas pessoas idosas
perpassam por processos únicos e de maneira singular. O enfrentamento das
medidas de proteção é essencial para lidar com eventos diversos e complexos,
sobretudo quando se trata de algo novo e ainda desconhecido.
O uso de máscara como medida de
proteção traz dificuldade na adaptação diária [17]. Alguns estudos demonstraram
relato de desconforto pelo uso de máscaras, além de reações alérgicas na pele
[18],
o que pode dificultar a adesão a esta medida protetiva.
Além disso, a
máscara pode causar resistência à
inalação, tornando a respiração mais
difícil
com o aumento do tempo de uso, o que pode diminuir sua adesão,
principalmente
entre as pessoas idosas com doenças crônicas pulmonares.
Essas dificuldades
coincidem com o presente estudo, quando as pessoas idosas relataram no
DSC:
Usar máscara, eu sinto muita canseira e uma dificuldade em
respirar por conta
da fibrose. Considerando que o uso de máscaras não
é uma prática comum na população
em geral, em tempos de pandemia, essa medida tem sido fortemente
incentivada e
representa uma nova realidade vivenciada entre as pessoas idosas [6].
Neste contexto, sabe-se também que
qualquer procedimento introduzido na cultura das pessoas, em especial idosas,
há maior dificuldade e resistência de adotá-la, pois as práticas da vida diária
perdem a conformidade e aceitação por qualquer elemento ou prática nova.
Conclui-se também que a introdução vertical do uso de máscara foi outra
dificuldade encontrada e rebatida pelas pessoas idosas, pois não houve tempo de
entendimento e de concepção ideológica para essa prática. Todos esses aspectos
podem ser considerados adversos à prática do uso da máscara [19].
Ao discutir sobre a ideia central
“ficar em casa e não atender as necessidades pessoais” notou-se a difícil
realidade das pessoas idosas no contexto da pandemia da COVID-19. Como
consequência desse panorama emergem pessoas idosas vulneráveis e dependentes
econômica e socialmente. E isto pode ser nitidamente identificado nas falas dos
participantes: Sinto dificuldade de ter que ficar em casa sem poder sair por
conta do isolamento social. A minha parte pior foi ter que ficar afastada, sem
trabalhar, sem ter dinheiro para me sustentar.
As dificuldades e as
vulnerabilidades são evidentes em tempo de pandemia entre as pessoas idosas
[20]. Mesmo antes da pandemia, os seres idosos compunham um dos grupos
populacionais que mais sofrem com o distanciamento social devido aos
preconceitos sociais impostos por uma sociedade que exclui a pessoa idosa do
convívio familiar e social. Antes da pandemia, o processo de distanciamento
social era acompanhado de diminuição dos laços com a família, com a igreja,
pela atividade laboral ou até mesmo quando são excluídos dentro da própria casa
e esse processo incrementou-se no contexto atual [21].
A condição de vulnerabilidade é
empregada ao ser humano por sua natureza relacional, na medida em que depende
do outro para viver e tal dependência acarreta vulnerabilidade. Esse caráter
relacional do ser humano tem como efeito a ideia de que a pessoa existe e se
reconhece a partir de seus relacionamentos, dos quais é dependente, embora,
comumente não se dê conta disso [21].
A ideia central “Uso do álcool em
gel e não poder entrar em diversos locais” faz-se notório as dificuldades das
pessoas idosas em se adaptar ao contexto de pandemia. Mesmo sendo uma medida
assertiva e inquestionável a não utilização do álcool em gel ainda é uma
realidade, haja vista que a falta de hábito associada à resistência tende a ser
uma tendência conflituosa entre algumas pessoas idosas. Além da medida de
higienização das mãos, as pessoas idosas deparam-se com as imposições das
barreiras sanitárias, restrição com grande rejeição da sociedade, pois cerceia
e limita o homem no querer e o poder fazer [8].
Por fim, a ideia central “Não poder
trabalhar o suficiente” significa a diminuição da carga horária.
A perspectiva de agravamento da
precarização do trabalho durante e após a pandemia da COVID-19 aponta para a
acentuação do cenário de irregularidades no mundo do trabalho principalmente
entre os mais velhos [22].
O trabalho informal, assim como a
flexibilização dos direitos trabalhistas em um passado recente, acentuou a
condição de vulnerabilidade [23,24] e com a pandemia os vínculos empregatícios
e as garantias trabalhistas que são fatores decisivos para garantir as
condições de vida seguras e dignas deram espaços as fragilidades ocupacionais
[25], o que consequentemente ocasionou a diminuição da renda familiar, trazendo
dificuldades de subsistência à família. Outra questão que pode ser identificada
nesse contexto é o problema de saúde mental. Cultural e socialmente o indivíduo
idoso sempre se dedicou ao trabalho e a ausência do mesmo pode lhe significar falta
de condições do ponto de vista operacional, vigor e improdutividade. Essa
interpretação pode ser responsável por agravos mentais que juntamente com
outras situações poderão lhe trazer comprometimentos constantes [26].
Por outro lado, sabe-se que o ser
humano traz ao longo da vida modelos vivenciados e visualizados. Atualmente, no
contexto da pandemia, observa-se que lideranças políticas são adversas as
medidas de proteção da COVID-19. Esse modelo de extensão nacional pode ser um
exemplo subjacente que está interferindo negativamente na aceitação de uso da
máscara e do fato da permanência constante no domicílio [1]. Outra explicação
que deve ser inferida é a questão mental. É sabido que ficar em casa há mais de
dezoito meses pode ser o motivo dessa dificuldade, que sobressai entre as
pessoas idosas por se constituir em grupo de risco, que não suportam mais ouvir
a expressão “ficar em casa”.
Ficar em casa e o uso da máscara,
seguidos do uso do álcool em gel e não poder trabalhar o suficiente foram as
dificuldades apresentadas pelas pessoas idosas. O contexto cultural pode ter
sido um fator significativo para essas adversidades.
Entretanto, o tempo indeterminado de
utilização dessas medidas de prevenção, principalmente ficar em casa, foi a mais
insistente por serem as pessoas idosas consideradas grupo de risco.
A frequência cada vez mais exigida dessa
atitude levou esse grupo de pessoas à sobrecarga mental diante dessa
“exigência”, que foi atenuada com o advento das vacinas, pois o comentário que
se fazia até então era que a imunidade artificial contra o vírus seria a grande
solução da suspensão dessas medidas.
Ainda que se saiba da importância da
manutenção dessa medida sanitária, de vacinação, no contexto atual da pandemia,
parece que as pessoas idosas se posicionam contra, principalmente, a prática de
ficar em casa e do uso da máscara por não saber até quando terão que se manter
assim.
Essa constatação pode ser uma dificuldade
para a qual políticas de saúde precisam ser implantadas. Neste sentido,
torna-se necessário atender necessidades de saúde mental, e que práticas
esclarecedoras de prevenção sejam difundidas, sistematizadas e ajustadas às
necessidades das pessoas idosas.
Desta forma, presume-se que o ato de
ficar em casa associado às outras estratégias sanitárias precisa ser refletido
e implantado com novos olhares, principalmente para minimizar efeitos nocivos.
Conflito
de interesses
Não
houve conflitos de interesse
Financiamento
Não
houve financiamento
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Silva JV, Reis RD; Coleta de dados: Vieira RAV, Lima TAD; Análise e
interpretação dos dados: Silva JV, Reis RD, Nascimento MC; Análise
estatística: Silva JV; Redação do manuscrito: Silva JV, Henrique M; Revisão
crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Melo JLL,
Nascimento MC