Enferm
Bras 2022;21(4):413-29
ARTIGO ORIGINAL
Perfil dos atendimentos
de emergências psiquiátricas em um serviço de urgência e emergência em saúde
Marcos Vítor Naves Carrijo*, Liliane Santos da Silva**, Vagner Ferreira do
Nascimento, D.Sc.***, Elias Marcelino da Rocha, M.Sc.****, Tayla Quéren dos Santos Basso*****; Rosa Jacinto Volpato******, Alisséia Guimarães
Lemes, D.Sc.*******
*Enfermeiro, Docente do
Centro Universitário do Vale do Araguaia (UNIVAR), Barra do Garças, MT,
**Enfermeira, Mestranda em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP), São Paulo, SP,
***Enfermeiro, Docente Adjunto da Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT), Tangará da Serra, MT, ****Enfermeiro, Docente Assistente da
Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia
(UFMT/CUA), Barra do Garças, MT, *****Enfermeira, Prefeitura Municipal de Barra
do Garças MT, ******Enfermeira, Doutoranda pela Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo (EE/USP). São Paulo, SP, *******Enfermeira, Docente
Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do
Araguaia (UFMT/CUA), Curso de Enfermagem, Barra do Garças, MT
Recebido em 28 de dezembro
de 2021; Aceito em 7 de junho de 2022.
Correspondência: Liliane Santos da Silva, Avenida dos
Bandeirantes, 3900 Campus Universitário, Bairro Monte Alegre 14040-902
Ribeirão Preto SP
Marcos
Vítor Naves Carrijo: marcosvenf@gmail.com
Liliane
Santos da Silva: liliane_rodrigues23@hotmail.com
Vagner
Ferreira do Nascimento: vagnernascimento@unemat.br
Elias
Marcelino da Rocha: elefamoso@hotmail.com
Tayla Quéren
dos Santos Basso: tayla-queren@liive.com
Rosa
Jacinto Volpato: rosamjvolpato@gmail.com
Alisséia Guimarães Lemes:
alisseia.lemes@ufmt.br
Resumo
Objetivo: Descrever o perfil clínico e
sociodemográfico das emergências psiquiátricas atendidas em um hospital geral. Métodos:
Estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa, utilizando fichas
de atendimento de pacientes atendidos no setor de emergência de um hospital
público localizado no Vale do Araguaia, Brasil, entre janeiro de 2014 a janeiro
de 2015, analisados de forma descritiva. Resultados: Entre os 643
registros de atendimentos psiquiátricos, os principais agravos foram em
decorrência do uso de substância psicoativa, seguido de ansiedade, crise
nervosa e depressão. Prevaleceram usuários de 31 a 59 anos em todos os tipos de
registros. Solteiros e casados foram semelhantes nos atendimentos por
ansiedade. As maiores demandas ocorreram nos meses de agosto, novembro, março,
abril e junho, com relativa concentração nos finais de semana. Quanto ao
encaminhamento, 94,1% dos registros não possuíam descrição de possíveis
encaminhamentos após o atendimento emergencial. Conclusão: Os
atendimentos por emergência psiquiátrica foram mais presentes entre adultos,
com destaque para homens com problemas decorrentes do uso de substância psicoativa
e os demais transtornos em mulheres. Houve pouco encaminhamento registrado para
outros serviços de saúde ou especializado. Os dados servem para direcionar o
cuidado prestado pelos profissionais de saúde, com norteamento para adequação
da estruturação do ambiente e o gerenciamento adequado do fluxo para a rede de
saúde mental.
Palavras-chave: assistência à saúde mental; serviços
de emergência psiquiátrica; serviços de saúde mental.
Abstract
Profile of psychiatric emergency care in an urgent and emergency health
service
Objective: Describe the clinical and sociodemographic profile
of psychiatric emergencies attended at a general hospital. Methods:
Cross-sectional, descriptive research with a quantitative approach, using
patient care records treated in the emergency department of a public hospital
located in Vale do Araguaia, Brazil, between January 2014 and January 2015,
descriptively analyzed. Results: Among the 643 records of psychiatric
consultations, the main aggravations were due to the use of psychoactive
substances, followed by anxiety, nervous breakdown and depression. Users from
31 to 59 years old prevailed in all types of records. Singles and married were
similar in the attendances for anxiety. The highest demands occurred in the
months of August, November, March, April and June, with relative concentration
on weekends. As for referral, 94.1% of the records did not have a description
of possible referrals after emergency care. Conclusion: Psychiatric
emergency care was more present among adults, with emphasis on men with
problems resulting from the use of psychoactive substances and other disorders
in women. There was little recorded referral to other health or specialized
services. The data serve to direct the care provided by health professionals,
with guidance for the adequacy of the structuring of the environment and the
adequate management of the flow to the mental health network.
Keywords: mental health assistance; emergency services,
psychiatric; mental health services.
Resumen
Perfil de la atención de urgencias psiquiátricas en un servicio sanitario
de urgencias y urgencias
Objetivo: Describir el perfil clínico y sociodemográfico de las
urgencias psiquiátricas atendidas en
un hospital general. Métodos: Investigación transversal, descriptiva,
con enfoque cuantitativo,
utilizando registros de pacientes atendidos en el servicio de urgencias de un hospital público ubicado en Vale do Araguaia,
Brasil, entre enero de 2014 y enero
de 2015, analizada descriptivamente.
Resultados: Entre los 643 registros de
consultas psiquiátricas, las principales
agravaciones se debieron al
uso de sustancias psicoactivas,
seguidas de ansiedad, crisis
nerviosa y depresión. Prevalecieron los usuarios de 31 a 59 años en todo tipo de registros. Solteros
y casados fueron similares en
las asistencias por ansiedad. Las mayores
demandas se dieron en los meses de agosto, noviembre, marzo, abril y junio, con relativa concentración en los fines de semana. En cuanto a la
derivación, el 94,1% de los registros no tenían una descripción de las posibles derivaciones después de la atención
de emergencia. Conclusión:
La atención de urgencias
psiquiátricas estuvo más presente
entre los adultos, con énfasis en los
hombres con problemas
derivados del uso de sustancias
psicoactivas y otros trastornos en las
mujeres. Se registró poca derivación a otros servicios de salud o especializados. Los datos sirven para orientar la atención prestada por los profesionales de la salud, con orientación
para la adecuación de la estructuración del ambiente y la gestión adecuada del flujo a la
red de salud mental.
Palabras-clave: atención a la
salud mental; servicios de urgencia psiquiátrica; servicios
de salud mental.
Os
principais marcos das transformações no âmbito do cuidado em saúde mental no
Brasil deram-se com a implementação da lei 10.206/2001, conhecida como a Lei da
Reforma Psiquiátrica Brasileira, e a aprovação da Portaria n° 3.088 que
instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e estabelece critérios
organizativos e de implementação, integrando a saúde mental em todos os níveis
e pontos do Sistema Único de Saúde (SUS) [1].
Um dos
componentes da RAPS é a “Atenção à Urgência e Emergência”, que tem como
responsabilidade o gerenciamento e acompanhamento dos atendimentos de
emergência psiquiátrica, que pode ser em serviços específicos pronto socorro
psiquiátrico ou em pronto socorro de hospitais gerais, tornando assim a porta
de entrada para atendimento emergencial a pessoas que se encontram em momento
de crise psiquiátrica [1].
Vários
são os conceitos utilizados para definir o que realmente são emergências
psiquiátricas. Um dos mais utilizados é a caracterização de uma condição em que
ocorra qualquer alteração de pensamento, emoções ou comportamento que necessite
de uma intervenção médica imediata, objetivando minimização dos prejuízos à
saúde psíquica, física e social do indivíduo [2]. Desta forma, observa-se que
quaisquer que sejam as alterações mentais que configuram um quadro de
emergência psiquiátrica é notório que gera um episódio conflituoso, requerendo
assim intervenção adequada e imediata, realizada por uma equipe de saúde
qualificada com o intuito de evitar maiores danos à saúde do paciente ou de
diminuir possíveis riscos e agravos à sua vida e de seus familiares [3].
Diante da
importância do serviço de atenção à urgência e emergência para o atendimento
psiquiátrico, justifica-se a necessidade de identificar as principais demandas
em saúde mental atendidas no setor de emergência de um hospital geral, a fim de
contribuir para o levantamento das necessidades e apontar melhorias para esse
atendimento. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo descrever o perfil
clínico e sociodemográfico das emergências psiquiátricas atendidas em um
hospital geral.
Trata-se
de um estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa, utilizando
fichas de atendimento de pacientes de ambos os sexos, atendidas no setor de
emergência de um hospital público localizado no Vale do Araguaia, Brasil, no
período de 12 meses.
Foram
incluídas fichas que apresentaram registros legíveis, de pacientes atendidos no
período de janeiro de 2014 a janeiro de 2015, que reportassem, na anamnese ou
hipótese diagnóstica, atendimento do paciente em decorrência de uma emergência
psiquiátrica.
A escolha
desse recorte temporal ocorreu por retratar um panorama que contribuiu para
fundamentar muitas ações de saúde mental em 2015, principalmente com o início
da campanha do setembro amarelo no contexto brasileiro.
Do total
de 59.268 atendimentos registrados no setor de emergência, independente da
causa, 1.131 indicavam atendimento psiquiátrico, sendo incluídos neste estudo
643 atendimentos por atender os critérios de elegibilidade. Foram excluídas 488
fichas de atendimentos, seja devido a registro que apresentaram motivo ou
diagnóstico de DNV (173) - parte dos registros essa sigla indicava uma Doença
Não Verificada, enquanto em outras indicava para Doença Neurovegetativa, e em
muitas outras apenas continha a sigla; por falta de informação que sustentasse
um atendimento por causas psiquiátricas (290) ou por escrita ilegível (25). A
coleta de dados foi realizada, nas dependências do setor de arquivamento do
hospital, entre os meses de junho a agosto de 2015, por meio do registro em
câmera fotográfica de dois celulares de uso pessoal dos pesquisadores, cujas
fotos foram transferidas diariamente para um acervo no computador da equipe de
pesquisa.
As
informações coletadas compreenderam as seguintes variáveis: identificação do
atendimento (dia e período); identificação do paciente (idade, sexo, cor da
pele, estado civil, escolaridade), anamnese médica, diagnóstico referido,
tratamento recebido, destino do paciente. Esses dados foram duplamente lançados
e analisados no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0, através de análise descritiva,
apresentando os achados em tabelas, por meio de números absolutos e relativos.
Todas as
providências em relação à dimensão ética do estudo foram tomadas de acordo com
a Resolução de ética 466/2012. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso/Campus Universitário do
Araguaia, sob o CAAE: 18394713.0.0000.5587, e parecer número 515/705.
Foram
considerados 643 registros de atendimento, os principais diagnósticos referidos
foram em decorrência do uso de substância psicoativa (SPA) sendo álcool e
outras drogas (n = 224), ansiedade (n = 123), crise nervosa (n = 109) e
depressão (n = 88) que somadas representam 84,6% dos atendimentos (Tabela
I).
Tabela I - Descrição dos motivos de
atendimento e/ou diagnóstico médico referidos nas fichas de atendimento no
setor de emergência. De janeiro de 2014 a janeiro de 2015. Região do Vale do
Araguaia, Brasil (N = 643)
*Outros
motivos = agitação psicomotora; alucinação; anorexia; autointoxicação por
medicamentos; hipocondria, insônia; esquizofrenia; surto psicótico; tentativa
de suicídio; transtorno de estresse agudo; transtorno de somatização; e
transtorno psiquiátrico não especificado
Na tabela
II, pode-se observar o perfil dos usuários atendidos, os quais apresentaram
idade entre 10 e 87 anos, média de 36,06 anos, com predomínio de atendimento de
pessoas adultas com faixa etária de 31 a 59 anos em todos os tipos de registros
de atendimentos. As mulheres foram as mais atendidas na emergência em
decorrência da ansiedade (n = 86) e crise nervosa (n = 84), representação
diferente nos atendidos em decorrência por uso de SPA onde predominou os homens
(69,7%, n = 156). As pessoas que se autodeclaram como pardas somaram a maioria
dos atendimentos devido ao uso de SPA (n = 146) e ansiedade (n = 91), exceto em
outros motivos psiquiátricos que predominaram as pessoas negras (69,7%). Os indivíduos
solteiros e casados foram semelhantes nos atendimentos por ansiedade (n = 59 e
n = 53, respectivamente). Nos demais atendimentos houve predomínio de pessoas
solteiras (uso de SPA n = 152 e crise nervosa n = 62). Aqueles com ensino
fundamental tiveram predomínio no atendimento por uso de SPA (n = 122), no
entanto para o atendimento em relação à ansiedade, o ensino fundamental
apresentou resultados semelhantes em comparação com o ensino médio (41,5% e
43,1%, respectivamente) tabela II.
Tabela II - Distribuição dos motivos de
atendimento e/ou diagnóstico médico referidos com o perfil sociodemográfico dos
casos atendidos no serviço de urgência e emergência. De janeiro de 2014 a
janeiro de 2015. Região do Vale do Araguaia, Brasil (N = 643)
SPA =
substância psicoativa**; Outros motivos = agitação
psicomotora; alucinação; anorexia; autointoxicação por medicamentos;
hipocondria, insônia; esquizofrenia; surto psicótico; tentativa de suicídio;
transtorno de estresse agudo; transtorno de somatização; e transtorno
psiquiátrico não especificado
Na tabela
III, verifica-se que houve uma maior concentração dos atendimentos de
emergências psiquiátricas nos meses de agosto (n = 80), novembro (n = 72),
março (n = 69), abril (n = 62) e junho (n = 61), distribuídos em todos os dias
da semana, com relativa concentração nos finais de semana (média de 124,5
registros por dia), comparado aos atendidos durante a semana (média de 78,4
registros por dia). Quanto ao turno do atendimento, houve um discreto aumento
dos atendimentos ocorridos no período noturno (38,7%) quando comparado aos
atendidos no período diurno (32,3%).
Tabela III - Distribuição dos motivos de
atendimento e/ou diagnóstico médico referidos no setor de urgência e emergência
por dia da semana do atendimento, turnos de horários da admissão e
encaminhamentos. De janeiro de 2014 a janeiro de 2015. Região do Vale do
Araguaia, Brasil (N = 643)
*SPA =
substância psicoativa; **Outros motivos = agitação psicomotora; alucinação;
anorexia; autointoxicação por medicamentos; hipocondria, insônia;
esquizofrenia; surto psicótico; tentativa de suicídio; transtorno de estresse
agudo; transtorno de somatização; e transtorno psiquiátrico não especificado
Pode-se
ainda observar na tabela III que o comportamento dos casos atendidos por
Transtorno por Uso de Substâncias (TUS) ocorreram com maior concentração nos
meses de junho (n = 36), março (n = 27), agosto (n = 25), julho (n = 24) e
novembro (n = 24), em sua maioria admitidos no final de semana (média de 56
atendimento por dia) e no período noturno (n = 107/47,8%). Já nos atendidos em
decorrência da ansiedade tiveram maiores registros nos meses de novembro (n =
22), agosto (n = 18), abril (n = 14) e julho (n = 13), atendidos no final de
semana (média de 21,5 por dia), ocorridos tanto no período diurno (n = 43) e no
noturno (n = 44). Houve uma maior concentração dos atendimentos de Crise
Nervosa nos meses de março (n = 16), agosto (n = 16), setembro (n = 16), abril
(n = 10) e outubro (n = 10), ocorridos durante a semana (média 17,2 por dia),
tanto no turno diurno (36) quanto no noturno (35). E os casos de Depressão
foram mais frequentes nos meses fevereiro (n = 17), outubro (n = 13), março (n
= 8) e setembro (n = 9), com maior número de atendimentos realizados no final
de semana (média de 16 por dia), atendidos igualmente no período diurno (n =
30) e noturno (n = 30).
Quanto ao
encaminhamento dos pacientes atendidos, 94,1% dos registros não possuíam
descrição de possíveis encaminhamentos para outros serviços de saúde após o
atendimento emergencial. Entre os encaminhamentos, destaca-se que os casos de
depressão (n =8) foram os mais encaminhados para o serviço especializado em
saúde mental, seguido de ansiedade (n = 5), crise nervosa (n = 4) e TUS (n =
3). Apenas houve registro de encaminhamento para outros serviços de saúde para
os casos de TUS e ao serviço de atenção básica para os casos de crise nervosa
(Tabela III).
Este
estudo possibilitou a identificação do perfil sociodemográfico e clínico de
pacientes atendidos em decorrência de emergências psiquiátricas em um hospital
geral público no interior de Mato Grosso, Brasil. O uso de SPA foi responsável
pela maioria dos atendimentos, seguido pela ansiedade, crise nervosa e
depressão. Os transtornos de ansiedade e humor foram predominantes entre as
mulheres, e o uso de SPA entre os homens. No geral, a maior concentração de
atendimento ocorreu no fim de semana (média de 124,5 registros por dia), no
período noturno. Poucos indivíduos receberam encaminhamento para serviços de
saúde mental.
Estudos
semelhantes a este apresentam prevalência das características sociodemográficas
predominantes nesta pesquisa, como: idade adulta [4,5], sexo feminino [4,6,7],
estado civil solteiro [6,8], e baixa escolaridade [7,8].
Apesar do
envelhecimento populacional e do aumento das taxas de Doenças e Agravos Não
Transmissíveis (DANT), principalmente entre pessoas idosas [5], é importante
destacar que em termos de idade, as pessoas que apresentaram demandas de
transtorno psiquiátrico concentram-se na faixa de 20 a 59 anos [5], cenário
compatível com o encontrado em nosso estudo. Sendo a fase adulta a mais longa
da vida, marcada por expectativas, realizações laborais, pessoais e sociais. No
entanto essas expectativas podem não ser atingidas, desencadeando sentimento de
impotência e frustração, o que pode contribuir para o adoecimento mental,
aliado a predisposições genéticas [9,10].
Alguns
transtornos corroboram para a dificuldade da manutenção dos vínculos
familiares, e são mais frequentes entre os indivíduos solteiros, ocasionando
inconstância nas relações sociais, como a depressão [11] e o transtorno por uso
de substâncias [12]. O que pode indicar que a ausência do vínculo amoroso pode
estar relacionada à implicação de algum transtorno psiquiátrico [13]. No
entanto, autores apontam que tanto o estado civil solteiro quanto o
casado/relação estável podem ser fator de risco para o adoecimento mental,
considerando que o indivíduo solteiro não possui alguém para compartilhar suas
emoções e vivências; e o casado ou em uma relação estável irá depender de sua
natureza, se calmo/conflituoso, se há maturidade, diálogo e respeito; sendo
fatores que irão definir se este é benéfico ou não a saúde mental [13,14].
Outro
fator comum foi a baixa escolaridade entre indivíduos identificados nos estudos
sobre emergências psiquiátricas, o que pode indicar um fator de risco devido à
falta de informação sobre adoecimento mental e as possibilidades para o
tratamento, a busca tardia do cuidado e a má adesão medicamentosa, chegando a
um estado de agravamento do caso, que se torna necessário recorrer ao serviço
de emergência [15]. Já o indivíduo com melhor escolaridade aumenta as
possibilidades de escolhas no transcorrer da vida, influenciando em suas
realizações, aquisições e autoestima [15].
Em
relação ao sexo, as mulheres foram responsáveis pelo maior número de
atendimentos nesse estudo e as causas principais foram ansiedade e crise
nervosa. Em outros estudos os motivos apontados foram: o transtorno do humor,
esquizotípicos e delirantes [16], transtorno de humor, neuróticos e de
personalidade [3]. Corroborando nossos achados, autores apontam que o
transtorno de ansiedade é cada vez mais comum entre as doenças psiquiátricas
crônicas, resultando inúmeros atendimentos psiquiátricos em serviços de
emergências [11]. Em levantamento realizado na Itália no período entre 2005 a
2010, encontrou-se o predomínio entre as mulheres os transtornos de ansiedade,
de humor e as psicoses [17]. Isso evidencia a necessidade em conhecer o que
torna as mulheres mais vulneráveis aos transtornos mentais comuns [14], uma vez
que são inúmeros os prejuízos desencadeados por estes, tais como: a diminuição
da produtividade, cognição, fala, sono, apetite, atividade sexual, entre
outros. O que resulta em comprometimento do funcionamento interpessoal, social
e ocupacional [11], além do aumento nos gastos públicos com o tratamento, reduz
os anos de vida útil das pessoas e de produtividade, afetando diretamente o
desenvolvimento do seu país [18].
Já a
crise nervosa foi a terceira causa de procura de atendimento na unidade de
emergência em nosso estudo. Estudo aponta que em torno de 10 a 45% das pessoas
que possuem algum distúrbio psiquiátrico em algum momento apresentam
comportamento de agressividade, agitação e ameaçadores, como sintomatologia de
quadros psicóticos agudos, e aumento das tensões [19]. Este tipo de
comportamento não é característica de uma patologia específica, existem alguns
transtornos mentais que tem como sintoma a percepção alterada da realidade que
favorece a manifestação deste tipo de comportamento, por este motivo esta demanda
requer maior investigação, pois além de possuir relação com alguns transtornos
mentais, este comportamento também pode estar presente em casos de baixa
tolerância a frustrações e impulsos, o que leva o indivíduo a crise [19]. Um
claro exemplo desse colapso ao estresse é o impacto psicológico causado pela
pandemia da COVID-19 [20]. Alguns fatores podem ser agravantes entre as
mulheres para o adoecimento mental como as alterações hormonais, a necessidade
de desempenhar múltiplos papéis no contexto familiar e profissional que a leva
à sobrecarga física e mental [21,22], a desigualdade de gêneros, questões
relacionadas a violência doméstica e abuso sexual na infância [22] e que podem
se perpetuar durante a vida adulta.
As
demandas psiquiátricas não são exclusividade das mulheres, em nosso estudo os
homens apresentaram predominância no atendimento devido ao uso de SPA.
Corroborando estudos realizados no sul do país [3,16], os casos de embriaguez
foram destacados em Botucatu (SP) [23] e em Porto Alegre (RS) [24]. Estudo
aponta o atendimento devido ao uso de SPA no estado de São Paulo apresentou
aumento de cerca de 93% no período de 2000 a 2018 nos serviços de emergência,
em oposição a redução das internações por outros transtornos mentais [25].
Reforçando, os dados do Relatório Mundial Sobre Drogas de 2021, evidencia que o
consumo de SPA é mais reportado pelos homens do que pelas mulheres [26].
O
uso/abuso de substâncias psicoativas é um problema social
que desencadeia
efeitos deletérios à saúde do usuário,
às relações familiares, às expectativas
profissionais e à sociedade em geral [27]. Esses resultados apontam para a
necessidade de se desenvolver mais ações destinadas à prevenção e/ou
intervenção desse uso, principalmente entre os mais jovens [11], pois essas
demandas referentes ao uso de SPA nos serviços de emergência podem estar
relacionadas ao crescente consumo de forma global, início precoce e facilidade
de acesso [26].
A
concentração dos atendimentos de emergências psiquiátricas em nosso estudo foi
nos meses de março, agosto e novembro, com frequência de segunda a sexta, no
período noturno, sendo a demanda principal devido ao uso de SPA. Um estudo
retrospectivo dos atendimentos de emergência realizados entre 2015 e 2017 em um
hospital do Extremo Sul Catarinense (SC) apontou os meses de março (11,9%),
outubro (10,0%) e agosto (9,3%) [28], e a frequência no período de segunda a
sexta [3,28]. Diferente dos nossos dados, o período diurno foi identificado com
maior frequência em estudos publicados no ano de 2020 [28] e 2016 [3]. No
entanto, autores apontam que a maioria das ocorrências psiquiátricas ocorrem
durante a noite, porém não apresentam diferenças estabelecidas em relação aos
dias da semana, mês, fases lunares ou em época de Natal [11].
Em
relação ao desfecho dos atendimentos, evidenciamos a ocorrência de poucos
registros de encaminhamento, sendo os serviços de atenção especializada em
saúde mental o mais frequente. O que possibilitou a continuidade no processo do
cuidado nos diferentes dispositivos da RAPS para os casos de depressão e outros
motivos. No estudo realizado no Rio Grande do Sul a internação ou observação
foi mais frequente, enquanto o encaminhamento para o Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) e outros ocorreram nos casos de transtornos de humor e
transtorno por uso de substâncias [3]. A maioria das pessoas atendidas em nosso
estudo não receberam encaminhamento para outros serviços de saúde ou uma
orientação para continuar ou iniciar um acompanhamento, assim como os dados de
Santa Catarina, já que cerca de 69% dos atendimentos não possuíam informações
para realizar algum tipo de seguimento [28].
Cabe
lembrar que os serviços de emergência são um componente da RAPS, que é
destinado à estabilização com os cuidados iniciais e que geralmente não
contemplam as dimensões psicossociais, devido a deficiência na formação
acadêmica desses profissionais em relação à saúde mental. O conhecimento da
rede de cuidado é essencial para o evento de encaminhamento para a continuidade
do cuidado e o acompanhamento por equipe multiprofissional especializada [29].
Diante do exposto, fica evidente a necessidade de ações que possam melhorar a
formação dos profissionais [30] e o preparo das equipes de saúde de emergência
em relação à saúde mental, bem como a importância do estabelecimento de um
fluxo para os devidos encaminhamentos no município. Esses achados sinalizam a
fragilidade da articulação da Rede de Atenção Psicossocial que possibilita a
ampliação do cuidado de acordo com as necessidades dos usuários. O que revela a
necessidade de treinamento das equipes de saúde com o objetivo de despertar
além de conhecimento científico, contribuir para que esses profissionais tornem
pessoas mais sensíveis ao sofrimento humano, que vá além de procedimentos
técnicos de saúde, como por exemplo o ato de medicar a dor.
Diante
disso destacamos a importância do acompanhamento e tratamento eficiente desta
população, uma vez que a cronicidade dos transtornos mentais interfere
negativamente na produtividade destas pessoas [9], conhecerem o perfil dos
transtornos mais frequentemente atendidos nos serviços de saúde, facilita o
planejamento de cuidado de forma estratégica. Mesmo que a população adulta
represente a maior frequência de visitas nos serviços de emergência e
internação com demandas psiquiátricas [21], não podemos esquecer que os
transtornos mentais podem se desenvolver em qualquer fase da vida, independente
do sexo e classe social.
A
principal limitação deste estudo foi devido à dificuldade em identificar os
diagnósticos psiquiátricos. De forma geral as informações e registros são
focados na avaliação no momento da entrada do indivíduo e as características da
crise, com impossibilidade ou pouca informação do paciente ou acompanhante.
Outro fato importante foi a ausência de padronização e registro do CID
(Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados
com a Saúde) nas fichas de registros.
Foi
possível identificar as principais características e motivos que levaram a
população ao atendimento na unidade de emergência. Em geral foram adultos com
média de idade de 36 anos, sexo feminino, no período noturno e com poucos
encaminhamentos para outros serviços de saúde ou especializados. O principal
motivo de atendimento foi devido ao uso de SPA que predominava entre os homens,
as mulheres foram as mais atendidas na emergência em decorrência da ansiedade e
crise nervosa.
Esse tipo
de levantamento é recomendado que seja realizado periodicamente para identificação
da demanda de casos psiquiátricos, direcionando assim o cuidado prestado, com
norteamento para adequações da estruturação do ambiente e o gerenciamento
adequado do fluxo para a rede de saúde mental. As taxas de emergências
psiquiátricas em hospitais gerais podem ser um termômetro importante para uma
análise das ações necessárias nos municípios, identificando lacunas no
funcionamento dos serviços especializados em saúde mental e na atenção primária
à saúde a esses indivíduos, bem como o primeiro acolhimento e identificação nos
casos de primeiros episódios psicóticos.
Conflitos
de interesse
Os autores
declaram que não houve quaisquer conflitos de interesse neste artigo.
Fonte
de financiamento
Não houve
fonte externa de financiamento.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Carrijo MVN, Nascimento VF, Volpato
RJ, Lemes AG; Coleta de dados: Carrijo
MVN, Basso TQS, Lemes AG; Análise e interpretação dos dados, análise
estatística e redação do manuscrito: Carrijo MVN,
Silva LS, Nascimento VF, Rocha EM, Basso TQS, Volpato
RJ, Lemes AG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual
importante: Lemes AG, Nascimento, Volpato RJ