Enferm
Bras 2021;20(6):715-18
EDITORIAL
COVID-19: uma odisseia sem fim
(2020-2022 (...) !?
Zaida Aurora Sperli Geraldes
Soler, D.Sc.
Obstetriz, enfermeira, livre-docente em
enfermagem, docente e orientadora de graduação e pós-graduação de enfermagem da
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)
Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler: zaidaaurora@gmail.com
A
infecção por COVID-19 foi relatada em
dezembro de 2019, em Wuhan, na China, sendo considerada uma pandemia
pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), em
março de 2020, e desde então tem afetado
todos os segmentos da sociedade, praticamente em todos os países
do mundo. No
final de novembro de 2021, o número total de casos de COVID-19
ultrapassou 250
milhões em todo o mundo, com mais de 5,1 milhões de
mortes, com impactos
catastróficos na saúde, na economia e na sociedade.
Muitas medidas drásticas de
saúde pública foram colocadas em prática para
impedir a propagação do vírus, no
aguardo da disponibilização de vacinas. Em cerca de 18
meses, pelo esforço
colaborativo de entidades e cientistas internacionais, as vacinas
contra a
COVID-19 receberam aprovação regulatória para uso
humano de emergência em
muitas jurisdições. Mesmo com várias dessas
vacinas em uso há algum tempo, a
pandemia ainda está em curso e provavelmente persistirá
por anos, por fatores
ligados à redução do cumprimento das
restrições à saúde pública,
capacidade
limitada de fabricação/distribuição de
vacinas, altas taxas de hesitação
vacinal, questões políticas, religiosas,
desinformação, surgimento de novas
variantes entre outros aspectos [1].
Talvez milhões de publicações tenham
sido feitas sobre a COVID-19, mas são questionáveis a qualidade dos artigos no
âmbito científico pela necessidade de rápida publicação sobre o assunto, sendo
a maioria de revisões e editoriais, faltando diretrizes baseadas em evidências.
Muitas informações incorretas foram e são veiculadas, sendo responsabilizados
por isso a mídia, pessoas notáveis e formuladores de políticas. Assim, são necessários
estudos bem desenhados para achatar a curva infodêmicaem
relação à prevenção,
diagnóstico e complicações a longo prazo da
COVID-19
[2].
A desinformação tornou-se uma
problemática contemporânea no contexto do ciberespaço, que ganhou destaque
inclusive pelas estratégias de marketing digital. As fake
news podem apresentar uma narrativa unilateral para
fomentar as opiniões, “fatos” e pontos de vista, de modo que simples rumor de
uma fonte teoricamente “confiável” é possível desmerecer uma empresa e em casos
extremos derrubar um governo, ou comover uma nação inteira com inverdades.
Nessa perspectiva, o ineditismo não está nas fake news
em si, mas no surgimento de um veículo capaz de reproduzi-las e disseminá-las
com amplitude e velocidade extraordinária [3].
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que "não estamos apenas lutando com
uma pandemia; estamos lutando contra um infodímico".
O termo infodemic foi cunhado em 2003 por David Rothkopf, escritor do Washington Post e tem diferentes
definições, variando de "alguns fatos, misturados com medo, especulação e
rumor, amplificados e retransmitidos rapidamente em todo o mundo pelas
tecnologias de informação modernas" a "uma rápida e abrangente
disseminação de informações precisas e imprecisas sobre algo, como uma
doença" [4]
A infodemia
com a COVID-19 mostra os riscos de desinformação em redes sociais como um
problema global e o WhatsApp está sendo usado como uma fonte importante de
informações ou desinformações durante a atual pandemia. A liderança em
organizações de saúde pode trabalhar ativamente, no sentido de abordar a
consciência digital entre os profissionais de saúde, que são os pontos de
ancoragem das informações para o resto da comunidade. As autoridades de saúde podem
realizar campanhas de conscientização para educar os usuários a reconhecer a
desinformação. A profilaxia da desinformação COVID-19 pode ser alcançada
tomando medidas concretas para melhorar a confiança na ciência e nos
cientistas, como a construção da compreensão do processo científico [5,6,7].
A imunização é uma das intervenções de
saúde mais seguras e econômicas, além de propiciar tanto a imunidade coletiva,
quanto a individual, favorecer o decréscimo da morbidade e da mortalidade
causada pelas doenças imunopreveníveis. Para o
estabelecimento do sucesso do processo de imunização é necessário que se tenham
boas taxas de cobertura de vacinação e adesão vacinal da população. Indivíduos
adeptos ao movimento antivacina questionam a
segurança dos imunobiológicos e seus possíveis efeitos colaterais. Entende-se a
hesitação vacinal como o atraso em aceitar ou a recusa das vacinas
recomendadas, apesar de sua disponibilidade nos serviços de saúde. Os
movimentos de defesa a liberdade individual e direito a escolher se vacinar ou
não são manifestações contemporâneas e apesar dos bons resultados alcançados
pelos programas de vacinação, a recusa vacinal está presente desde o surgimento
da primeira vacina [8].
Os fatores relacionados à adesão e
hesitação vacinal em adultos da população em geral ainda são pouco conhecidos e
um desafio, pois seus determinantes variam ao longo do tempo e são específicos
de cada contexto e região. Considera-se que os principais fatores de
interferência na decisão vacinal estão relacionados à confiança/conhecimento em
relação a vacinas e/ou sistema de saúde e a fatores socioeconômicos, além de
confiança no governo, medo da doença e confiança na própria saúde [9].
As
discussões atuais são sobre (não)
vacinar ou sobre (não) seguir as medidas preventivas e de
controle da
propagação da COVID-19, centradas nos indivíduos,
envolvendo questões
políticas, diferenciações sociais, na
percepção de risco, na susceptibilidade
ao adoecimento e no acesso aos serviços de saúde.
Está em evidência a
responsabilização individual, a
culpabilização dos sujeitos, que não levam em
conta as complexidades do tempo presente e podem reforçar
estereótipos e
preconceitos ao não considerar os atravessamentos de
gênero, raça/cor, classe,
geração e outros marcadores sociais que informam
“escolha” e “cuidado” em
saúde. No plano social, a resposta à epidemia e seu
sucesso exige o compromisso
de instituições, organizações e governos na
formulação de políticas públicas,
para o alcance de seguridade socioeconômica e na
assistência aos grupos de
maior vulnerabilidade, que devem ser baseadas nas melhores
evidências
disponíveis. O processo saúde-doença-cuidado na
pandemia da COVID-19 ainda em
curso é muito complexo, refletindo valores e crenças que
são constituídos no entrecruzamento
das dimensões política, econômica e sociocultural.
Neste contexto, precisam se
ancorar na racionalidade biomédica, na ciência, na
validação matemática e
probabilística dos riscos e tendências, além de
outros aportes disciplinares
para a compreensão do impacto da epidemia na experiência
de indivíduos e
populações [10].
Na situação epidemiológica que a
humanidade atravessa agora, é imprescindível realizar pesquisas robustas, que
tragam evidências para aplicação de ações necessárias em cada país. Para a
pandemia de uma doença ainda desconhecida, sem medicamento eficaz disponível, o
melhor remédio continua sendo investigações científicas e a informação
verdadeira, confiável, simples e acessível ao grande público. Além da confiança
depositada no método científico para a superação de grandes desafios
epidemiológicos, é preciso que prevaleça a ética e a justiça e a corrupção seja
exterminada. Infelizmente, ao menos no Brasil, ainda nos esperam desventuras em
série.