Enferm Bras 2021;20(6):838-64

doi: 10.33233/eb.v20i6.5060

REVISÃO

Aposentaria com melhor qualidade de vida no Brasil: evidências em artigos empíricos e de revisão da literatura

 

Samuel da Cruz Marques*, Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, D.Sc.**

 

 *Advogado, mestrando do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Enfermagem – Mestrado Acadêmico da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/SP (FAMERP), **Obstetriz, enfermeira, livre-docente em enfermagem, docente e orientadora de graduação e pós-graduação de enfermagem da FAMERP, SP

 

Recebido em 22 de novembro de 2021; aceito em 20 de dezembro de 2021.

Correspondência: Samuel da Cruz Marques, Av. Luciano Lopes de Carvalho, 1070, 15450-000 Onda Verde SP

 

Samuel da Cruz Marques: professor@samuelmarques.com.br

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler: zaidaaurora@gmail.com

 

Resumo

Introdução: O Brasil enfrenta o desafio de lidar com o envelhecimento populacional sem contar com o respaldo cultural propício ao envelhecimento com qualidade de vida. Objetivo: Analisar artigos científicos empíricos e de revisão da literatura que abordem o preparo para a aposentadoria para melhor qualidade de vida, no Brasil. Métodos: Revisão de artigos científicos empíricos e de revisões integrativas e sistemáticas, que abordam aspectos de preparo para a aposentadoria com qualidade de vida, com busca bibliográfica na base de dados Lilacs e no Google Acadêmico, de 2000 até 2021, com textos completos e gratuitos. Resultados: Foram selecionados 29 artigos, sendo 10 de revisão da literatura e 19 empíricos; com maior número de publicações nos anos de 2017, 2020 e 2021; foram publicados principalmente em periódicos interdisciplinares. Conclusão: Constatou-se baixo número de artigos científicos nesta área, indicando necessidade de realização de pesquisas sobre preparação da aposentadoria com maior qualidade de vida, no contexto brasileiro.

Palavras-chave: aposentadoria; pensões; previdência social; qualidade de vida.

 

Abstract

Retirement with better quality of life in Brazil: evidence from empirical articles and literature review

Introduction: Population aging in Brazil presents the challenge of dealing with old age without having the cultural support that favors aging with quality of life. Objective: To analyze empirical scientific articles and literature reviews that address the preparation for retirement with better quality of life in Brazil. Methods: Review of empirical articles and integrative and systematic reviews, which address aspects of preparing for retirement with quality of life, with literature search in Lilacs database and Academic Google, from 2000 to 2021, with free full texts. Results: 29 articles were selected, 10 from literature review and 19 empirical; with the highest number of publications in the years 2017, 2020 and 2021; they were published mainly in interdisciplinary journals. Conclusion: There was a low number of scientific articles in this area, indicating the need to carry out research on retirement preparation with better quality of life, in the Brazilian context.

Keywords: retirement; pensions; social security; quality of life.

 

Resumen

Jubilación con mejor calidad de vida en Brasil: evidencias de artículos empíricos y revisión de la literatura

Introducción: El envejecimiento poblacional en Brasil presenta el desafío de enfrentar la vejez sin contar con el apoyo cultural que promueve el envejecimiento con calidad de vida. Objetivo: Analizar artículos científicos empíricos y revisión de literatura que aborden la preparación para la jubilación con mejor calidad de vida en Brasil. Métodos: Revisión de artículos científicos empíricos y revisiones integrativas y sistemáticas, que abordan aspectos de la preparación para la jubilación con calidad de vida, con búsqueda bibliográfica en la base de datos Lilacs y Google Académico, de 2000 a 2021, con textos completos gratuitos. Resultados: Se seleccionaron 29 artículos, 10 de revisión bibliográfica y 19 empíricos; con mayor número de publicaciones en los años 2017, 2020 y 2021; se publicaron principalmente en revistas interdisciplinarias. Conclusión: Hubo un bajo número de artículos científicos en esta área, lo que indica la necesidad de realizar investigaciones sobre la preparación para la jubilación con mejor calidad de vida, en el contexto brasileño.

Palabras-clave: jubilación; pensiones; seguridad social; calidad de vida.

 

Introdução

 

Durante a maior parte da história, o ser humano trabalhou até que cessassem suas condições físicas ou mentais para o trabalho, sem direito a qualquer rendimento na velhice. Era inimaginável na antiguidade um sistema capaz de fornecer renda na velhice e o melhor plano de aposentadoria era ter muitos filhos e confiar que eles ofereceriam sustento e cuidados quando os pais não estivessem mais produtivos [1].

Com o aumento populacional de idosos em todo o mundo, muitas discussões têm sido feitas sobre a temática da aposentadoria. Os termos jubilación em espanhol e jubilatio em latim são traduzidos em português do Brasil como aposentadoria, mas não representam os sentimentos de quem se aposenta. Esses termos têm significado claramente positivo entre alegria e júbilo, mas a percepção de muitos que se aposentam é de retirada, separação, isolamento, de não ser mais útil [2].

O processo de envelhecimento de trabalhadores envolve reflexões cada vez mais profundas e tem despertado o interesse de pesquisadores de todo o mundo. No Brasil, geralmente o idoso tem sido visto como incapaz, improdutivo e dependente. Talvez contribua para isso o fato do valor da aposentadoria ser baixo e se defasar com o tempo, forçando o idoso a buscar alternativas para retornar ao mercado de trabalho [3,4,5].

Os primeiros sistemas de aposentadoria foram criados a partir do século XVIII, mas não era uma temática de interesse coletivo, já que muitos não tinham direitos a esses benefícios [6]. A primeira iniciativa de aposentadoria foi proposta pelo Chanceler Otto von Bismarck, na Alemanha, no final do século XIX, enquanto no Brasil a Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo) n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923 é considerado o marco inicial da proteção previdenciária [7,8].

O Brasil, que sempre foi reconhecido como uma nação de população jovem, neste século XXI enfrenta o desafio de lidar com o envelhecimento populacional, mas não conta com respaldo cultural propício ao envelhecimento com qualidade de vida. O viver por mais tempo contando com uma fonte de renda pode não ser encarado de forma positiva se o indivíduo não alcançar a qualidade de vida idealizada/planejada para este período da vida [9]. Neste contexto, o preparo para a aposentadoria se apresenta como uma resposta à necessidade de planejamento desta etapa de vida, contemplada pela legislação como um direito do idoso e assumida como parte da responsabilidade social de muitas organizações de trabalho, que proporcionam ao trabalhador de empresas privadas e órgãos públicos, a participação em programas de preparo para a aposentadoria (PPA) com reflexões sobre envelhecimento e transição de carreira [10,11,12,13,14].

É certo que os hábitos praticados durante a vida laboral refletem na qualidade de vida durante a aposentadoria, a identificação e reflexão sobre estas condutas pode contribuir fortemente para uma aposentadoria vista como positiva, ou seja, que contemple a qualidade de vida esperada/buscada para este período. Tais hábitos são oriundos das mais diversas áreas da vida, desde o esforço repetitivo ou a postura ergonômica no trabalho, até o hábito de fazer poupança ou cultivar os laços familiares [4].

Ante o exposto, este estudo tem como objetivo: analisar artigos científicos empíricos e de revisão da literatura que abordem o preparo para a aposentadoria para melhor qualidade de vida, no Brasil.

 

Métodos

 

A presente pesquisa é uma revisão narrativa reflexiva de artigos científicos empíricos e artigos de revisões integrativas e sistemáticas que abordam aspectos de preparo para a aposentadoria com qualidade de vida. O roteiro metodológico consistiu na identificação da questão da pesquisa, busca na literatura, categorização e avaliação dos estudos obtidos, interpretação dos resultados e síntese do conhecimento.

A busca bibliográfica dos artigos foi realizada na base de dados Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), que é o mais importante e abrangente índice da literatura científica e técnica da América Latina e Caribe e no Google Acadêmico, considerado nos últimos anos como uma base de dados bem organizada e com maior repertório de publicações científicas online. As palavras-chave utilizadas foram aposentadoria, preparo para aposentadoria e qualidade de vida.

Foram pesquisados artigos publicados nas bases de dados mencionadas, a partir dos anos 2000 até 2021, com vistas a verificar a evolução do interesse na investigação da temática aposentadoria associada à qualidade de vida, no século XXI, no Brasil. Como critério de inclusão os artigos deveriam ter texto completo disponível.

Para a extração das informações, utilizou-se instrumento de coleta de dados que denominamos de resenha, contendo variáveis relacionadas à identificação do estudo, introdução e objetivo, características metodológicas, resultados e conclusões.

 

Resultados

 

Foram selecionados os artigos que abordavam diretamente a questão da aposentaria e qualidade de vida e estão expostos em síntese, com a elaboração da resenha de cada um. São apresentados com nome do periódico de publicação, ano e numeral correspondente à referência bibliográfica. Encontramos 28 artigos com tal abordagem a partir de 2008 até 2021, correspondendo a um (1 – 3,45%) artigo nos anos de 2008, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2019; três (3 – 10,34%) artigos em 2009 e 2018, cinco artigos (5 – 17,24 %) nos anos de 2017 e 2021 e seis (6 – 20,69%) artigos em 2020.

 

Dos 29 artigos selecionados, 10 (34,48%) eram de revisão da literatura; foram publicados em periódicos das seguintes áreas profissionais: Interdisciplinar (10 – 34,48%) de Psicologia (5 – 17,24%), de Enfermagem e de Saúde Coletiva (4 – 13,79%), de Medicina, de Geriatria e Gerontologia e de Anais de eventos (2 – 6,90%). A seguir, uma breve síntese dos artigos selecionados.

 

Avaliação da qualidade de vida de aposentados com a utilização do questionário SF-36

Revista da Associação Médica Brasileira, 2008 [15]

O aumento que vem ocorrendo na população idosa no Brasil justifica a necessidade de avaliar os aspectos que podem interferir na qualidade de vida de aposentados. Em estudo com 87 aposentados, usou-se a versão brasileira do questionário SF-36 para avaliação da qualidade de vida, associados às características demográficas, socioeconômicas, condições de saúde e estilo de vida. A depressão e hipertensão arterial sistêmica foram as doenças mais prevalentes. Evidenciou-se melhor qualidade de vida apenas nos aposentados que praticavam atividade física regular ou que tinham alguma atividade de trabalho.

 

As contribuições da internet para o idoso: uma revisão de literatura

Revista Interface (Botucatu), 2009 [16]

A internet introduziu uma nova forma de aquisição de informação, raciocínio, comunicação e lazer para toda a população, inclusive para o idoso, como meio efetivo de divulgação de informações sobre saúde e atividade física, uma forma de lazer e uma ferramenta importante para a prevenção do isolamento social e da depressão, estimulando a atividade cerebral. O uso apropriado da rede contribui positivamente para o bem-estar do idoso, tanto por seu perfil informativo e lúdico quanto por seu uso caracterizar um processo de aprendizagem, com reflexos em melhor qualidade de vida. O idoso usuário da rede mundial de computadores tem benefícios psicológicos importantes, tais como: prevenção da depressão e do isolamento social, especialmente os limitados fisicamente, e manutenção dos níveis cognitivos. Além de a internet ser utilizada como recurso para estimular as atividades cerebrais, ela oferece diferentes possibilidades de interação social para todas as faixas etárias. Estudos demonstraram a sua efetividade como ferramenta de comunicação social para os idosos.

 

A educação em saúde como agente promotor de qualidade de vida para o idoso

Revista de Ciência e Saúde Coletiva, 2009 [17]

A educação em saúde como agente promotor da qualidade de vida, tendo como desafio a integração de conhecimentos dispersos das áreas humanas e biológicas aos saberes populares, pressupondo novas interfaces de atuação no modelo de assistência à saúde. Representa um elo entre os desejos e expectativas da população idosa por uma vida melhor e as projeções e estimativas dos governantes ao oferecer programas de saúde mais eficientes.

 

Repercussões da aposentadoria na qualidade de vida do idoso

Revista da Escola de Enfermagem da USP, 2009 [18]

O estudo destacou o quanto o advento da aposentadoria pode trazer benefícios ou malefícios, de acordo com o significado que cada pessoa atribui à aposentadoria. Os aspectos mencionados sobre a aposentadoria foram: ampliou outros espaços para seu papel social; uma fase de descanso e sem perspectivas de novos projetos para suas vidas; atitude de insatisfação frente à aposentadoria devido à diminuição de renda e a presença de sentimentos de inutilidade e de baixa autoestima. Outro aspecto que influencia no modo como a aposentadoria será vivenciada é a existência ou não de um pré-planejamento, com visão multidimensional, devendo ser estimulada a distribuição equilibrada do tempo entre a afetividade, vida familiar, lazer, participação sociocomunitária e uma atividade laborativa com tempo reduzido, remunerada ou voluntária, para melhor qualidade de vida.

 

Processos Psicossociais, bem-estar e estresse na aposentadoria

Revista Psicologia, Organizações e Trabalho, 2012 [19]

As dificuldades no enfrentamento dos eventos associados à aposentadoria, podem ser derivadas de um foco excessivo nas perdas e privações: das atividades de trabalho, do status, dos relacionamentos, do reconhecimento profissional, entre outras. O tempo livre, nessa configuração, pode deixar de ser visto como oportunidade para novas descobertas e aprendizagens e reduzir a capacidade de enfrentamento dos estressores característicos desse período de vida. Tudo fica ligado à história de vida no trabalho, contexto social e de lazer, condições socioeconômicas, ajustamento familiar, convicções filosóficas e religiosas, espiritualidade, construção da subjetividade e percepção da velhice, além de percepção da saúde, satisfação com a família, situação econômica, atividades fora da família, status social, capacidade de iniciar e manter contatos sociais e avaliação da situação atual.

 

Aposentadoria e saúde mental: uma revisão da literatura

Cadernos de Psicologia, Sociedade e Trabalho, 2013 [20]

A qualidade de vida pós-aposentadoria foi a terceira temática mais estudada nesta revisão da literatura. Os achados foram agrupados nas seguintes categorias: 1) Qualidade de vida e satisfação com a aposentadoria; 2) Preparação para aposentadoria; 3) Expectativas e perspectivas frente à aposentadoria; 4) Envelhecimento e 5) Consequências da aposentadoria na saúde. Houve um predomínio de estudos quantitativos e a temática consequências da aposentadoria na saúde foi a mais estudada na literatura internacional, proporcionando maior compreensão sobre essa relação.

 

Aposentadoria na Enfermagem: uma revisão da literatura

Revista Mineira de Enfermagem, 2014 [21]

A escassez de profissionais de enfermagem configura-se como uma preocupação mundial e a redução se dá, particularmente, pela aposentadoria de grande número de profissionais, com repercussões no ensino e na prática assistencial da enfermagem. Os fatores determinantes que dificultam a permanência da força de trabalho na enfermagem dizem respeito às questões sociais e pessoais, carga de trabalho e adoecimento dos trabalhadores, além de ambientes de trabalho sem condições adequadas. Identificou-se restrita produção de trabalhos referentes à temática em nível nacional, cabendo aos pesquisadores a realização de estudos que busquem características da aposentadoria da enfermagem no contexto brasileiro.

 

Qualidade de vida na terceira idade na pós-aposentadoria: uma revisão da literatura nacional nas duas últimas décadas

XIV SEPA- Seminário Estudantil de Produção Acadêmica, 2015 [22]

As produções empíricas e teóricas analisadas nesta pesquisa abordam o conceito de qualidade de vida para os idosos na mesma perspectiva da Organização Mundial de Saúde (OMS), tendo em conta que para viver com qualidade é necessário cultivar relacionamentos interpessoais, manter uma boa saúde física e mental, ter equilíbrio emocional, lazer, trabalhar com prazer e vivenciar a espiritualidade, ter acesso permanente aos conhecimentos e viver em ambientes favoráveis. Entre os aspectos negativos estão: surgimento das doenças crônico-degenerativas, viuvez, morte dos amigos e parentes, ausência de papeis sociais valorizados, isolamento social, perda de vínculos e dificuldades financeiras, afetando sua autoestima. Os dados mostram que são necessárias políticas públicas e mudanças de mentalidade sobre o envelhecimento, para permitir uma boa qualidade de vida pós-aposentadoria.

 

Qualidade de vida na concepção de docentes de enfermagem aposentadas por uma universidade pública

Ciência Cuidado e Saúde, 2016 [23]

Realizada pesquisa qualitativa com nove docentes de enfermagem aposentadas de uma universidade pública da Região Sul do Brasil, por meio de entrevistas semiestruturadas e as falas foram submetidas à análise de conteúdo temática. Das narrativas, foram elaboradas seis categorias temáticas: saúde como qualidade de vida; recursos financeiros como qualidade de vida; relacionamentos interpessoais como qualidade de vida; sentimento de sentir-se útil como qualidade de vida, cuidar-se como qualidade vida e planejamento para ter qualidade de vida. A aposentadoria com qualidade de vida teve concepções singulares e de ordem subjetiva, devendo haver o preparo para esta nova etapa da vida que precisa ser vivenciada com máximo de bem-estar.

 

Correlação entre desesperança e qualidade de vida, menos qualidade de vida em aposentados do Alto Tietê

Revista Científica UMC, 2017 [24]

Alguns estudos indicam que a aposentadoria se relaciona a representações como improdutividade, inutilidade e velhice. No trabalho desenvolvido com servidores federais, a aposentadoria é retratada como momento que permite às pessoas terem mais tempo para realizar novas atividades. Também foram observadas participantes do estudo, emoções como medo e insegurança frente às perdas relativas ao trabalho. Chegada a hora da aposentadoria há três possíveis desfechos: a aposentadoria definitiva, o adiamento da aposentadoria e permanência no mesmo trabalho, ou o trabalho após a aposentadoria (bridge employment). A intenção de aposentar-se está vinculada à ideia de usufruir o tempo e viver com mais qualidade, e o adiamento em resposta ao sentir-se atuante no trabalho, não ter atividades substitutivas, além de estratégias contra a ociosidade.

 

Papel do trabalho, carreira, satisfação de vida e ajuste na aposentadoria

Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2017 [25]

O advento da aposentadoria pode gerar um desequilíbrio na organização dos papéis que as pessoas desempenham durante suas vidas. Quatro fatores são considerados na satisfação de vida na aposentadoria: o financeiro, a rede social de apoio, a voluntariedade/involuntariedade da decisão de aposentar e a realização de trabalho voluntário. É preciso desmistificar o conceito que a aposentadoria é uma etapa de não atividade, pois a realização de ações não remuneradas como de voluntariado, comunitárias, sociais, familiares, de lazer ou de estudo, permitem uma nova configuração de organização do tempo antes ocupado pelas atividades laborais. A realização de pesquisas sobre aposentados oriundos de diferentes configurações (empresas privadas e públicas de portes distintos, profissionais liberais e autônomos) pode vir a enriquecer as descobertas sobre os fatores que influenciam a satisfação de vida na aposentadoria.

 

Revisão da literatura latino-americana sobre aposentadoria e trabalho: perspectivas psicológicas

Revista Psicologia, Organizações e Trabalho, 2017 [26]

Compreender a aposentadoria sob uma perspectiva psicológica significa enfatizar o estudo dos antecedentes comportamentais, subjetivos e os resultados da aposentadoria, considerando as diferenças inter e intraindividuais. Verificou-se que são incipientes os estudos latino-americanos sobre a perspectiva psicológica na relação trabalho/aposentadoria, examinados a partir de uma visão processual, em que as três fases (preparação, tomada de decisão e ajuste) sejam percebidas em um contínuo, de forma interligada. O aprofundamento e a diversificação das abordagens e dos métodos de pesquisa e de intervenção sobre o tema, a partir de abordagens psicológicas, a ênfase no caráter processual, no intercâmbio de informações entre pesquisadores e na criação e desenvolvimento de equipes de pesquisa, são caminhos promissores para dar continuidade aos avanços já conquistados.

 

Capacidade para o trabalho e fatores associados em profissionais no Brasil

Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, 2017 [27]

A promoção da capacidade funcional dos trabalhadores pode contribuir com a redução dos custos para a qualidade de vida na aposentadoria. A mensuração da capacidade para o trabalho pode ser realizada por meio do Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT) e possibilita avaliar e detectar precocemente alterações e predizer a incidência de incapacidades de trabalhadores em fase de envelhecimento, além de subsidiar medidas preventivas. Para isso, são necessárias intervenções em níveis individual e coletivo, de natureza ambiental e organizacional, por parte de trabalhadores e gestores. A redução dos fatores de risco é importante para melhorar a capacidade para o trabalho e a qualidade de vida dos trabalhadores.

 

Educação para aposentadoria: avaliação dos impactos de um programa para melhorar qualidade de vida pós-trabalho

Interações Campo Grande, 2017 [28]

Como um processo complexo, particular e heterogêneo, a aposentadoria relaciona-se, muitas vezes, com a velhice ou a inatividade, podendo impactar negativamente na qualidade de vida do indivíduo e provocar uma crise identitária. Também pode representar uma fase de recomeço, com novas possibilidades prazerosas e maior bem-estar. As ações de preparação para a aposentadoria devem estar respaldadas no autoconhecimento, no reconhecimento de potencialidades e limitações, bem como auxiliar na prevenção de possíveis conflitos e no apoio para o planejamento do seu futuro. Com programas de preparação, pode ser despertado em cada um a necessidade de se planejar e cuidar dos múltiplos fatores relacionados ao bem-estar na aposentadoria, como: planejamento financeiro, a promoção de autonomia, ao suporte afetivo e integração social com a família e amigos, no intuito de proporcionar a manutenção da saúde e mais qualidade de vida.

 

Qualidade de vida e fatores associados em aposentados por invalidez de uma universidade pública brasileira

Ciencia y Enfermeria, 2018 [29]

O estudo teve algumas limitações, mas permitiu identificar fatores associados e qualidade de vida de aposentados por invalidez, em uma universidade pública. Os aposentados apresentaram escores médios de qualidade de vida de componente físico e mental. As menores percepções nos domínios de qualidade de vida estiveram associadas sobretudo às doenças crônicas, enquanto que as melhores percepções de alguns domínios foram associadas ao lazer e possuir relacionamento conjugal. De modo geral, os participantes apresentaram uma qualidade de vida insatisfatória. Assim, faz-se necessário o controle das doenças crônicas, estímulo aos hábitos de vida saudáveis e promoção de saúde, a fim de melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.

 

Aspectos sociais e psicológicos frente à falta de planejamento e preparação para a aposentadoria na terceira idade

Revista FAROL, 2018 [30]

Tanto a terceira idade, quanto a aposentadoria tendem a desencadear diversos problemas psicossociais, na vida do indivíduo que se aproxima desta fase, sendo necessário o planejamento e preparação, aliados ao acompanhamento psicológico. O propósito é minimizar os danos causados pelo processo de aposentadoria do envelhecimento, pela quebra da estrutura social, da qual os trabalhadores sempre estiveram organizados. Durante este processo o indivíduo enfrenta uma série de mudanças, que são fatores desencadeantes de insegurança, medo, estresse, ansiedade, sentimento de inutilidade, isolamento, solidão e baixa autoestima, ou seja, produz instabilidade emocional, que pode evoluir para algo mais grave, como a depressão, ocasionando-se em um envelhecimento mais dolorosos.

 

Impacto da aposentadoria no cotidiano do servidor público federal

Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 2018 [31]

O objetivo principal da pesquisa foi analisar os impactos da aposentadoria no cotidiano de servidores públicos federais. Ocorreram mudanças positivas e negativas, sendo importante salientar que o primeiro impacto percebido com a aposentadoria foi a ausência de uma rotina que antes era proporcionada pelo trabalho. Ficou claro que a forma negativa de vivenciar a aposentadoria se deu em virtude do não planejamento da mesma e do significado que o trabalho teve na vida do sujeito. Notou-se que os sujeitos que possuíam maior dificuldade nessa ressignificação sofreram mais. Para a pessoa conseguir obter uma melhor qualidade de vida na aposentadoria, é necessário que se aproprie da resiliência para conseguir ressignificar seu cotidiano modificado.

 

Desligamento por aposentadoria: um estudo acerca dos aspectos psicológicos do aposentado. Cadernos de Graduação - Ciências Humanas e Sociais – UNIT, 2019 [32]

A privação do papel ocupacional pode acarretar para os idosos distintos níveis de ansiedade, porém irá depender de fatores como história pessoal, suporte afetivo, entre outros. Assim, percebeu-se a complexidade desse assunto, visto que é uma fase de transição em que pode ocorrer a perda da identidade do sujeito ligado anteriormente ao trabalho, de forma que é necessário que a organização institua programas de preparo para a aposentadoria. Quanto à atuação da Psicologia neste contexto, deve-se priorizar a concreticidade da aposentadoria e a fala do sujeito, visto como ser social, transformador da sua realidade e transformado por esta.

 

Fatores de postergação da aposentadoria de idosos: revisão integrativa da literatura

Ciências Saúde Coletiva, 2020 [33]

O fenômeno do envelhecimento populacional acarreta impactos sociais e econômicos diferentes entre as nações desenvolvidas e naquelas em desenvolvimento, como o Brasil. Neste estudo verificou-se que a decisão de aposentadoria dos idosos envolve uma variedade de fatores pessoais, organizacionais e outros (legislativos, culturais, sociopolíticos e tecnológicos). Ficou constatado escassez de estudos na temática com amostras exclusivas de idosos em ambas as categorias, assim como a maior ou menor relevância de determinado fator dependerá do contexto de vida de cada trabalhador. A decisão de aposentadoria é um processo dinâmico, existe carência de estudos longitudinais que necessitam ser supridos com pesquisas mais robustas nacionais, sobre a população idosa.

 

A relação entre educação financeira e aposentadoria: as decisões previdenciárias dos indivíduos são consistentes?

XX USP International Conference in Accounting, São Paulo – 29 a 31 de julho de 2020, 2020 [34]

Este trabalho teve como objetivo analisar a relação entre a educação financeira e as decisões relativas à aposentadoria, considerando que o conhecimento sobre decisões financeiras de longo prazo é fundamental para o planejamento do período de inatividade. Foi construído um índice de educação financeira, que apresentou resultados superiores àqueles constatados em trabalhos similares, o que deve estar associado à elevada escolaridade média dos respondentes. Corroborando a literatura, encontrou-se que mulheres têm menor índice de acerto nas questões sobre educação financeira. Indivíduos que possuíam planos de previdência complementar obtiveram melhor desempenho nas questões de educação financeira. Foram realizadas duas análises adicionais de forma que se supõe original na literatura. A primeira foi a comparação da taxa de reposição esperada pelos respondentes com sua taxa de poupança e a idade esperada de aposentadoria. Mesmo indivíduos de elevada escolaridade podem fazer escolhas previdenciárias inadequadas e que a educação financeira tem um papel fundamental para melhorar estas escolhas.

 

Programas de preparação para aposentadoria no Brasil: uma revisão da literatura.

Estudos Interdisciplinares do Envelhecimento, 2020 [35]

Os estudos sugerem que a maioria dos trabalhadores que têm contato com alguma experiência de preparação para a aposentadoria PPA reconhece o potencial transformador de tais iniciativas, no sentido da aquisição de conhecimentos ou da elaboração de decisões que permitem vislumbrar a nova etapa com mais otimismo ou com novas oportunidades. Pode-se defender que não basta instaurar um PPA: é preciso avaliar a experiência a partir da visão dos destinatários, para que se possa corrigir os defeitos e otimizar a inclusão, a assiduidade e a qualidade de participação dos interessados. Também se observa que para o necessário investimento de recursos financeiros nos programas, há necessidade de palestrantes qualificados, de locais adequados e de uma duração do programa que permita que os temas sejam tratados de forma mais aprofundada. Por fim, sugere-se que o poder público estabeleça estratégias de incentivo para que mais instituições (e não apenas entidades públicas) promovam PPAs, na medida em que os ganhos identificados pelos participantes dos PPAs dos estudos analisados englobam desde uma melhoria da autoestima individual, um impacto positivo nas relações familiares e sociais, até novas perspectivas de atuação profissional ou de voluntariado, com melhor qualidade de vida pós-aposentadoria.

 

Fatores sociodemográficos e ocupacionais associados aos recursos de bem-estar no planejamento da aposentadoria

Cogitare Enfermagem, 2020 [36]

O objetivo do estudo foi analisar os fatores sociodemográficos e ocupacionais associados à adoção de recursos de bem-estar no planejamento da aposentadoria. A adoção dos recursos de bem-estar no planejamento da aposentadoria esteve associada positivamente aos aspectos físico, social, emocional, cognitivo e motivacional e ao global. As variáveis sexo, titulação, religião, renda familiar e estar empregado representaram menor adoção de recursos de bem-estar. Os resultados fundamentam o processo de trabalho do enfermeiro, ao contribuir para o direcionamento das ações de promoção à saúde do trabalhador e para a necessidade de planejamento para a adaptação à aposentadoria.

 

Intervenções psicológicas no processo de aposentadoria: revisão integrativa da literatura brasileira

Revista Psicologia e Saúde, 2021 [37]

A aposentadoria representa uma fase de transição, com importantes repercussões para a vida do indivíduo em suas diferentes dimensões, como: carreira, saúde, família e socialização. As intervenções psicológicas pré e pós-aposentadoria objetivam contribuir nessa transição, promovendo bem-estar, adaptação e maior qualidade de vida no enfrentamento das mudanças inerentes a essa etapa desenvolvimental. A questão norteadora foi: qual o perfil das intervenções psicológicas no contexto da aposentadoria em termos de características, resultados e recomendações no Brasil? A partir das bases de dados Lilacs, Scielo, PePSIC e PsycINFO, foram realizadas buscas no período de 2002 a 2017. Foram recuperados dez artigos, sendo cinco empíricos e cinco teóricos. As intervenções atingiram mais o público feminino e buscaram promover o bem-estar a partir da exploração das perdas, dos ganhos e das mudanças ocorridas nessa fase. Recomenda-se a participação de psicólogos nesses programas, bem como a avaliação longitudinal das propostas existentes, buscando seu aperfeiçoamento constante.

 

Planejamento financeiro para a aposentadoria: uma revisão sistemática da literatura nacional sob o viés da psicologia

Estudos e Pesquisas em Psicologia, 2020 [38]

O objetivo deste estudo foi descrever e analisar o estado da arte nacional sobre o planejamento financeiro para aposentadoria, sob o escopo da Psicologia. Os artigos foram analisados a partir de sete categorias: ano de publicação, abordagem metodológica, setor, público investigado, instituição, elaboração de escalas e forma de abordar o planejamento financeiro. Ao final, foi constatada a necessidade de desenvolver novos estudos e políticas organizacionais que conduzam ao planejamento financeiro para a aposentadoria, fundamental para envelhecer com qualidade. Além do âmbito acadêmico, ações estratégicas precisam ser traçadas principalmente pela área de Recursos Humanos, a fim de sensibilizar os trabalhadores quanto ao planejamento financeiro como medida que deve acompanhar toda a trajetória profissional, para promover bem-estar.

 

Aposentadoria e planejamento para vida pós-trabalho: um estudo com servidores de um Instituto Federal de Educação

Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 2021 [39]

Buscou-se investigar fatores associados à construção de projeto de vida pós-trabalho em servidores do Instituto Federal do Tocantins e verificar temas de interesse para elaboração de um Programa de Preparação para a Aposentadoria. Foram entrevistados 94 servidores dentre técnicos administrativos e docentes, que estavam com 5, 10 e 15 anos para se aposentarem. Os participantes foram avaliados por meio de questionário sociodemográfico, QWLQbref questionário de avaliação da qualidade de vida no trabalho (QVT) e Escala dos Fatores-Chave de Planejamento para a Aposentadoria (KFRP). Houve correlações estatisticamente significantes e positivas entre o subdomínio psicológico de QVT e o Fator Risco ou Sobrevivência, e entre o domínio profissional de QVT e o Fator Relacionamentos Familiares. O grupo de profissionais com 5 a 10 anos para se aposentar apresentou a maior média no domínio psicológico de QVT; as mulheres focalizaram mais o novo começo profissional; participantes sem companheiro(a) apresentaram menor pontuação no item relacionamento familiar como fator de planejamento pós-aposentadoria. As temáticas propostas pelos servidores podem contribuir para o planejamento de um Programa de Preparação para a Aposentadoria.

 

Preparação para aposentadoria de docentes universitários: revisão integrativa

Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 2021 [40]

Foi feita análise de evidências disponíveis na literatura relacionadas à preparação para aposentadoria de docentes universitários. Os achados do estudo apontam que a produção científica sobre aposentadoria foi sendo gradativamente desenvolvida a partir da década de 1980. Apesar de serem discutidos, majoritariamente, aspectos que envolvem todos os docentes de uma instituição, os estudos apresentam discussões específicas para a área do saber da Medicina e Farmácia e para docentes Técnicos Administrativos e Seniores. Apesar de serem conduzidos a partir de delineamentos quantitativos, os resultados das pesquisas contemplaram as questões complexas e subjetivas que envolvem a aposentadoria e foram publicados em periódicos que abordam o processo de envelhecimento humano. A decisão por aposentadoria está relacionada ao planejamento implícito de se manter ativo, seja no ambiente laboral ou na pós-aposentadoria. Portanto, a preparação para a retirada do ambiente laboral pode promover e favorecer uma transição flexível e progressiva, com qualidade e saúde. Constata-se que cada trabalhador vivencia de diferentes formas a interrupção das atividades laborais. O rompimento com o trabalho pode despertar ansiedade, crises de identidade, sentimentos ambivalentes e confusos, alternâncias de humor e doenças psicossomáticas. Logo, programas de preparação para aposentadoria tendem a colaborar nesse processo, desde que o trabalhador integre e se prepare ainda durante o exercício da função. Os programas de preparação para aposentadoria podem ser referência para os trabalhadores que estão próximos de se aposentar, auxiliando na construção de projetos de vida após o trabalho

 

Efeitos das aposentadorias por tempo de contribuição e por idade sobre saúde e bem-estar dos indivíduos no Brasil

Cadernos de Saúde Pública, 2021 [41]

Foram analisados os efeitos das aposentadorias no Brasil por idade e tempo de contribuição por meio de medidas de saúde geral autoavaliada, sintomas depressivos da escala CES-D e rendas domiciliar e individual do responsável pelo domicílio. As análises também foram desagregadas por gênero e localidade. O método utilizado foi o Propensity Score Matching com dados de 9.412 indivíduos com 50 anos ou mais, obtidos do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), coletados nos anos de 2015 e 2016. Sobre a saúde geral autoavaliada, há aumento na probabilidade de avaliação da saúde como boa ou excelente para as mulheres da zona urbana, tanto para as que aposentaram por tempo de contribuição, em mais de 9%, como por idade, em mais de 7%. Há redução na probabilidade de presença de sintomas depressivos para as mulheres que aposentaram por tempo de contribuição em 11%, e, para homens da zona rural, há redução em mais de 16%. Já sobre a renda, os efeitos são de aumentos expressivos para todos os subgrupos. A pesquisa buscou contribuir para mitigar a escassez de evidências sobre efeitos das aposentadorias no Brasil, e, em geral, os resultados sugerem que os efeitos das aposentadorias sobre a saúde e o bem-estar dos indivíduos são benéficos, contudo, bastante heterogêneos entre homens e mulheres das zonas rural e urbana.

 

Envelhecimento e a preparação para a aposentadoria e a cessação do trabalho

Revista Longeviver, 2021[42]

Esta reflexão surgiu a partir dos conhecimentos adquiridos no Curso Fragilidades na Velhice (PUC-SP) e base para o projeto Preparação para Aposentadoria e Cessação do Trabalho. Seu objetivo principal é aplicar no cotidiano esse aprendizado, de forma a agregar ainda mais conhecimento sobre o envelhecimento e também replicá-lo, e a melhor forma encontrada foi aplicá-lo no trabalho como assistente social, agrupando ao projeto de trabalho do Serviço Social em uma empresa. Conhecer ainda mais formas de bem envelhecer e contribuir profissionalmente para que outras pessoas tenham acesso a mais conhecimento e melhores formas de envelhecer; buscar realização e bem-estar em qualquer fase da vida; diminuir prejuízos em diversos aspectos de sua vida na velhice. Um projeto de preparação para a aposentadoria deve prever um espaço diferenciado, propício à reflexão, e partir de temas que fazem sentido para o público alvo, entre eles: sobre o trabalho que exercem; o período de vida que estão vivendo com suas possibilidades e fragilidades - geralmente com a velhice se aproximando; refletir sobre projetos de vida a construir, seu planejamento antes e pós-aposentadoria.

 

Discussão

 

O que fica claro na leitura dos 29 artigos que analisamos neste estudo e outros apresentados, é o sofrimento de perda que a aposentadoria representa na vida de uma pessoa, que pode abalar sua saúde mental e sua qualidade de vida. No âmbito da qualidade de vida pós-aposentadoria, o primeiro impacto é a ausência de uma rotina, antes proporcionada pelo trabalho, sem a qual cada indivíduo busca alternativas a fim de se reestabelecer e se reconhecer na nova realidade da aposentadoria. Neste sentido, a formatação de novos projetos contribui na busca por mais qualidade de vida neste período [10].

O tempo livre que muitos desejam também é temido por outros, pelo sentimento de inutilidade e abandono que ele sugere [11]. Nosso interesse foi verificar e discutir as diferentes abordagens das pesquisas selecionadas no contexto brasileiro, de programas de preparo para aposentadoria e aposentadoria com vistas a melhor qualidade de vida, como segue:

 

Aposentadoria no Brasil

 

O cenário populacional no Brasil mostra que estamos saindo da condição de país com uma população jovem para um país de população idosa, o que certamente provocará intensas mudanças em diversos setores da sociedade, destacando-se a questão das aposentadorias. O envelhecimento da população tem impulsionado as pesquisas sobre a decisão trabalho-aposentadoria, uma vez que este fenômeno se mostra altamente dinâmico, complexo e multideterminado. Entre as diversas classes de variáveis encontramos as vivências individuais, familiares, tipo de organização de trabalho, cultura e outras [9].

A Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo) n. 4,682, de 24 de janeiro de 1923 representa o marco inicial da proteção previdenciária em nosso país, autorizando as empresas ferroviárias a criarem suas caixas de aposentadoria e pensão. Nesse modelo embrionário, a proteção se efetivava em relação aos riscos de doença, invalidez, idade e morte [7]. Com a Lei Elói Chaves, a saúde dos trabalhadores atrelada à previdência, torna-se componente de um sistema para os trabalhadores. Começa com as caixas de pensão, depois, os institutos e, finalmente, o grande instituto agregador de todos: o INPS, precursor do INSS [8].

Vale esclarecer que a Previdência Social no Brasil apresenta três regimes: a) Regime Geral de Previdência Social (RGPS), com caráter contributivo e de filiação obrigatória para os empregadores, empregados assalariados, domésticos, autônomos, contribuintes individuais e trabalhadores rurais; b) Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), compulsório para o servidor público do ente federativo que o tenha instituído e que não inclui os empregados das empresas públicas, os agentes políticos, servidores temporários e detentores de cargos de confiança, os quais são todos filiados obrigatoriamente ao RGPS; e c) Regime de Previdência Complementar (RPC), que se diferencia dos demais, principalmente por ser facultativo [43].

São muitas as normas previdenciárias no Brasil, com diferenças entre o trabalhador rural e urbano, do setor público e privado, para homem e mulher; servidor federal e municipal, além de muitas outras situações peculiares tratadas pela legislação pertinente, aprofundando o problema da desigualdade de renda no país [44]. Além de excesso de normas, a Previdência Social brasileira tem preocupado os governos em razão dos constantes déficits e dos perigos que trazem ao equilíbrio das contas nacionais. Esta realidade tem provocado um cenário de constantes mudanças nas normas do setor, com o objetivo de reduzir os custos previdenciários [43].

 Um exemplo de alteração constitucional foi a Emenda Constitucional 95/2016 que estabeleceu um teto, ou limite, para os gastos público pelos próximos 20 anos, incluindo os gastos com a Seguridade Social [45]. Toda esta imensidão de regras e de mudanças nas regras, deixa em evidência a deterioração do sistema previdenciário brasileiro, constatada pelo fato de que, em 1940 a razão entre contribuintes e beneficiários era de 31 contribuintes para cada beneficiário, enquanto em 2004 era menos de dois contribuintes na ativa para cada beneficiário do sistema [4].

Assim, a aposentadoria pode apresentar significados totalmente opostos conforme a experiência pessoal em família e nas relações de trabalho. De um lado pode significar o reconhecimento pelos anos dedicados ao trabalho, um momento de liberdade para realização de atividades que o trabalho privou. De outro, pode denotar a necessidade de enfrentar o envelhecimento e possíveis doenças, sentimentos de inutilidade e improdutividade perante a sociedade [12]. Da decisão de aposentar-se, três desfechos são possíveis: a aposentadoria definitiva, adiamento da aposentadoria e permanência no mesmo trabalho ou outro trabalho após a aposentadoria [13,14].

Na análise dos 29 artigos selecionados verificamos escassez de pesquisas sobre temas relacionados ao envelhecimento da forca de trabalho, bem como da transição entre a vida ativa e a aposentadoria, o que se constitui em obstáculo ao avanço dos debates e das políticas públicas neste contexto. Também, apesar da aposentadoria ser um assunto recorrente no contexto político e econômico, pouco se sabe a respeito dos critérios individuais que levam á decisão de se aposentar e a respeito da adaptação do aposentado a essa nova condição de vida [17].

O cenário da produção científica no Brasil não acompanha a velocidade das mudanças nesta área, revelando lacunas e um silêncio acadêmico que precisa ser rompido, para permitir a compreensão e o aprofundamento das questões referentes ao planejamento, assim como o preparo para a aposentadoria, para alcance de maior bem-estar e qualidade de vida [1].

 

Preparo para a aposentadoria

 

Os artigos que abordam o preparo para aposentadoria mostram a importância da temática porque existe um relacionamento complexo e multifacetado entre o trabalho e a saúde. Quando as atividades laborais são desenvolvidas sob condições ambientais, organizacionais e fisiológicas inadequadas, podem ocorrer danos á saúde e redução da capacidade para o trabalho. Então, o desafio é aprender a administrar as questões do local de trabalho associadas ao envelhecimento da forca de trabalho [46].

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a expectativa de vida no Brasil chegou aos 75,2 anos em 2015, e está acima da média mundial, de 71,4 anos. Assim, para que a aposentadoria não seja uma fase contraproducente é preciso que os trabalhadores se preparem financeira e emocionalmente para ela [11]. Para tanto, é altamente recomendável a oferta de programa de preparação para a aposentadoria com a participação voluntária e efetiva dos trabalhadores próximos de se aposentarem [47].

Um programa de preparação para aposentadoria pressupõe que os trabalhadores precisam ser educados para este novo momento em suas vidas e como conteúdo deste programa sugere-se que a organização de trabalho ofereça reflexões e incentivos para que o trabalhador cuide de sua saúde, cultive um hobby, faca planejamento financeiro, busque a realização de seus sonhos, pratique exercícios físicos, exerça a cidadania, frequente um clube, estude e viaje [30].

A partir de um programa de preparação para a aposentadoria, os trabalhadores podem modificar sua visão a respeito dos aspectos centrais na decisão de se aposentar. No que se refere à parte financeira, a postura de revolta, relacionada à perda de benefícios decorrente da aposentadoria, pode modificar-se para uma postura de enfrentamento do problema, com a consciência da necessidade de se planejar para a futura redução de orçamento [28].

Além disso, as ações de preparação para aposentadoria devem estar respaldadas no autoconhecimento, no reconhecimento de potencialidades e limitações, bem como auxiliar na prevenção de possíveis conflitos e no apoio para o planejamento do seu futuro. Dentre os vários aspectos que podem ser considerados num programa de preparo para a aposentadoria, o planejamento financeiro é essencial para elaborar aplicações dentro dos padrões de vida do trabalhador, com o objetivo de gerar uma renda complementar na aposentadoria [48].

O preparo para a aposentadoria pode influenciar na decisão e na experiência da retirada do trabalho. Entre os que dão significado positivo à aposentadoria estão os que apresentam bom relacionamento familiar, principalmente com o cônjuge. Estas pessoas desejam ter tempo para executar outras atividades, sem o compromisso do vínculo empregatício ou, ainda, têm a necessidade de prestar cuidado aos pais adoecidos. Já o outro grupo que atribui um significado negativo para a aposentadoria, inclui os que possuem relações familiares desarmoniosas, que receiam a dependência dos filhos para os cuidados pessoais [12].

A ausência de reflexões prévias prejudica a qualidade de vida do trabalhador, que sente um corte repentino na sua condição de trabalhador e cidadão participativo, sendo comum o surgimento de separações conjugais, uso e abuso de álcool, depressão, ansiedade, estresse, dificuldades de relacionamento com amigos e familiares, levando ao isolamento e doenças mais severas [3]. É fundamental para o planejamento do futuro período de aposentadoria, o enfrentamento das mudanças físicas, psicológicas e sociais, resultantes do envelhecimento e do afastamento do trabalho [49].

Ainda, o estabelecimento de metas contribui para que o trabalhador note concretamente seus avanços até o desligamento do trabalho [14]. É imprescindível, que se incentive a criação de programas de educação e preparação para aposentadoria e que estes sejam oferecidos desde a admissão dos indivíduos nas organizações de trabalho [50]. A ausência de planejamento pode dificultar a adaptação a novas circunstâncias do trabalho, sobretudo a aproximação da fase da aposentadoria [51]. O planejamento da aposentadoria contribui para o envelhecimento com qualidade de vida, independente da classe social do trabalhador [52].

Além da utilidade apontada pelos pesquisadores, o preparo para a aposentadoria está previsto em Lei como um direito do idoso e uma obrigação legal do poder público. O Estatuto do Idoso (Lei Federal 10.741/2003) estabelece os direitos fundamentais desta faixa etária e contém o seguinte comando: “Art. 28. O poder público criará e estimulará programas de: Preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, com antecedência mínima de 1 ano, por meio de estímulos a novos projetos sociais, conforme seus interesses, e de esclarecimento sobre os direitos sociais e de cidadania” [53]. Antes do Estatuto do Idoso, os programas de preparo para a aposentadoria já estavam previstos também na Política Nacional do Idoso (Lei 8.842/94) e na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, lei 8.742/1993) com o objetivo de trabalhar questões relacionadas à saúde e qualidade de vida, estimulando os trabalhadores a refletirem, de forma mais motivada e comprometida, sobre a decisão de aposentar-se enquanto ainda estão ativos [3].

A partir dessa determinação legal, diversos órgãos públicos e empresas privadas têm estabelecido programas de preparação para a aposentadoria oferecendo informação e reflexões aos trabalhadores, com o objetivo de amenizar os efeitos negativos desta transição de carreira, além de um leque de novas possibilidades. Em minha experiência pessoal, como consultor nesta área, a maioria das corporações de trabalho (públicas ou privadas) optam por atribuir esta iniciativa ao setor de Recursos Humanos, encarregando um psicólogo da direção do programa de preparo para a aposentadoria. Em alguns casos, também o setor de Serviço Social.

Com o intuito de contribuir com este processo de reflexão, em 2015, escrevi o livro “Aposentadoria sem medo, um guia prático para implantar um programa de preparo para a aposentadoria” com a sugestão de ações em cinco áreas de grande importância para os futuros aposentados: o aspecto previdenciário, psicológico, de saúde, financeiro e organizacional, enfim, com qualidade de vida [54].

 

Aposentadoria com qualidade de vida

 

O bem-estar é um importante indicador da qualidade de vida de qualquer pessoa, especialmente para os aposentados. Relações familiares com menos atritos facilitará o bem-estar de idosos aposentados, além de melhores condições de atendimento em saúde [55]. É válido o investimento em qualidade de vida, oferecendo melhores condições de trabalho em todas as fases da vida do trabalhador, não apenas em sua saúde, mas também no trabalho, uma vez que haverá um menor número de afastamentos temporários e permanentes [56].

A centralidade do trabalho na construção da identidade resulta em sofrimento no período da aposentadoria, o que justifica pesquisas de como reduzir os sentimentos negativos e o sofrimento do trabalhador que se aposenta. A utilização de uma ferramenta de avaliação psicológica chamada de Escala de Percepção de Futuro da Aposentadoria (EPFA) pode ser útil na avaliação da percepção dos empregados quanto à aposentadoria. Destacam-se cinco áreas de interesse num programa de preparação para a aposentadoria: saúde, desligamento do trabalho, finanças, relacionamentos interpessoais e perdas pessoais e profissionais [56].

Na análise dos artigos científicos deste estudo nota-se que a aposentadoria no enfoque da qualidade de vida ainda é um tema recente no Brasil. Talvez isso explique a lacuna de pesquisas sobre a associação entre aposentadoria e doença, exceto nas situações de aposentadoria por invalidez, em que a doença é a sua causa.

 

Conclusão

 

Este estudo trouxe à tona algumas questões interessantes, entre as quais podemos destacar: o baixo número de artigos científicos nesta área, com temas ainda inexplorados; a alta complexidade do tema e suas relações com múltiplas disciplinas, áreas profissionais, área de origem e interesse específico do orientador; as pesquisas têm sido feitas por diferentes categorias de profissionais, de forma compartilhada, como enfermeiros, psicólogos, assistente social, médicos, cientistas sociais, economistas, advogados, terapeutas ocupacionais, administradores de empresas e administradores públicos; os temas de maior recorrência nos artigos encontrados foram: os desafios no período de transição que antecede a aposentadoria e a busca por qualidade de vida no período posterior à decisão de aposentar-se.

Tais achados indicam a pertinência e oportunidade de empenhar esforços na busca de realização de mais pesquisas com abordagem da qualidade de vida na aposentadoria, no contexto brasileiro.

 

Conflitos de interesse

Não há conflito de interesse

 

Contribuição dos autores

Os dois autores contribuíram de forma igual, por tratar-se de orientando e orientadora de mestrado acadêmico e o trabalho ter sido apresentado no Exame Geral de Qualificação do mestrado. Este artigo é parte da dissertação de mestrado intitulada Aposentadoria e qualidade de vida: estudo entre trabalhadores de município paulista

 

Fonte de financiamento

Não houve fonte externa de financiamento, sendo custeado pelos autores.

 

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