Enferm Bras 2022;21(4):430-41
ARTIGO ORIGINAL
Vivência da religiosidade
após aborto espontâneo
Bruna Isabelly
Vaz Gonçalves*, Aline Maria da Silva Costa Barbosa*, Ivandira
Anselmo Ribeiro Simões**
*Acadêmica do Curso de
Enfermagem da Faculdade Wenceslau Braz (FWB), Itajubá, MG, **Docente da Curso
de Enfermagem da Faculdade Wenceslau Braz, Itajubá, MG
Recebido em 17 de janeiro de
2022; Aceito em 19 de julho de 2022.
Correspondência: Bruna Isabelly
Vaz Gonçalves, Avenida José de Souza Nogueira 582 Santa Rosa 37501-554 Itajubá
MG
Bruna Isabelly Vaz Gonçalves: brunaisabellyvaz@gmail.com
Aline
Maria da Silva Costa Barbosa: al_nny@hotmail.com
Ivandira Anselmo Ribeiro Simões:
ivandiranselmors@hotmail.com
Resumo
O aborto espontâneo é uma
perda inesperada da gestação e compreende-se que a maioria das mulheres não
estão preparadas para enfrentar essa situação de forma natural. Em busca de
respostas e alternativas para esse momento traumático, elas buscam, em seu
momento de fragilidade, aproximar-se da religião para encontrarem as respostas
às suas perguntas e amenizarem sua dor. O objetivo da pesquisa foi “conhecer a
vivência da religiosidade das mulheres que tiveram o abortamento espontâneo”.
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, do tipo descritivo. Como método
utilizou-se o discurso do sujeito coletivo (DSC). O cenário do estudo foi
Itajubá, cidade localizada no Sul do Estado de Minas Gerais. O tipo de
amostragem foi “bola de neve”, cuja amostra foi constituída por 20 mulheres que
estavam dentro dos critérios de inclusão. O presente estudo atendeu os
preceitos éticos estabelecidos pela Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de
Saúde e foi aprovado com o parecer n.4.519.435. A ideia central mais recorrente
entre as participantes em relação à religiosidade foi a “Confiança em Deus”.
Portanto, conclui-se que a vivência da religiosidade pode contribuir para
ajudar as mulheres que sofreram com o aborto espontâneo a enfrentarem o luto.
Palavras-chave: aborto; saúde da mulher; religião.
Abstract
Religious life after spontaneous abortion
Miscarriage is an unexpected loss of pregnancy, and it is understood
that most women are not prepared to face this situation in a natural way. In
search of answers and alternatives for this traumatic moment, we come across
women who, in their fragile moment, seek to approach religion to find the
answers to their questions and ease their pain. The objective of the research
was to know the experience of religiosity of women who had spontaneous
abortion. This is a study with a qualitative approach, of the descriptive type.
As a method, the collective subject discourse (DSC) was used. The study setting
was Itajubá, a city located in the South of the State
of Minas Gerais. The type of sampling was “snowball”, whose sample consisted of
20 women who met the inclusion criteria. This study complied with the ethical
precepts established by Resolution 510/2016 of the National Health Council and
was approved with opinion n.4.519,435. The most recurrent central idea among
the participants in relation to religiosity was “Trust in God.” Therefore, it
is concluded that the experience of religiosity can contribute to help women
who have suffered with miscarriage to face grief.
Keywords: abortion; women's health; religion.
Resumen
Experiencia de la religiosidad después de aborto espontáneo
El aborto espontáneo es una pérdida
inesperada del embarazo y
se entiende que la mayoría de las mujeres no están preparadas para
afrontar esta situación de forma natural. En busca de respuestas y alternativas
para este momento traumático, buscan, en su momento de fragilidad, acercarse a la religión para encontrar las respuestas a sus
interrogantes y aliviar su dolor.
El objetivo de la investigación
fue “conocer la experiencia de religiosidad de
mujeres que tuvieron aborto
espontáneo”. Se trata de un
estudio cualitativo, descriptivo. Como método se utilizó
el discurso del sujeto colectivo (CSD). El escenario del estudio
fue Itajubá, una ciudad ubicada en el
sur del estado de Minas
Gerais. El tipo de muestreo fue
“bola de nieve”, cuya muestra estuvo conformada por 20 mujeres que cumplieron con los criterios
de inclusión. El presente estudio
cumplió con los preceptos éticos establecidos por la Resolución 510/2016 del Consejo Nacional de Salud y fue aprobado con
dictamen n.4.519.435. La idea
central más recurrente entre los
participantes en relación a
la religiosidad fue “Confianza en Dios”. Por lo tanto, se concluye que la experiencia de la religiosidad puede contribuir para ayudar a las mujeres que sufrieron un aborto espontáneo a enfrentar el duelo.
Palabras-clave: aborto; la salud
de la mujer; religión.
A
Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Federação Internacional de Ginecologia e
Obstetrícia (FIGO) definem o aborto espontâneo como a interrupção involuntária
da gravidez, correspondendo à perda do feto até a 20ª e a 22ª semanas completas
e/ou com feto de até 500 gramas [1].
Quanto
mais precoce o abortamento, maiores são as chances de ser por consequência
genética (50% a 80% no primeiro trimestre por alterações cromossômicas). De 15%
a 27% associa-se a miomas, útero septado e incompetência istmo cervical. Para
que não haja reincidência de perda precoce, é de suma importância o diagnóstico
de alterações para direcionar o tratamento [2].
Sabe-se
que o aborto espontâneo é uma perda inesperada da gestação e compreende-se que
a maioria das mulheres não está preparada para enfrentar essa situação de forma
natural. Com a crescente valorização das demandas psíquicas e espirituais das pessoas,
consequentemente pelo crescimento do número de religiões, é visível a procura
de sentidos para alguns desígnios da vida. Sendo assim, a religiosidade serve
de ponte entre a pessoa e o transcendente. A espiritualidade ajuda a encontrar
significados da vida, promove fortalecimento do seu interior e auxilia no
enfrentamento das adversidades causadas pelo processo de saúde e doença. Neste
contexto é necessário um cuidado holístico considerando os aspectos
psicológico, espiritual, social e físico de cada um, pois a religião influencia
positivamente sobre o estado de saúde das pessoas, além de ensinar e cobrar de
seus fiéis comportamentos de proteção e de condução à saúde [3].
Sabe-se
que a religiosidade abrange aspectos culturais e sociais da existência humana
que são compartilhados entre um grupo, já a espiritualidade é caracterizada
como o transcendente, que reflete em indagações relacionadas ao propósito da
vida. O uso da religião, da espiritualidade e da fé são ferramentas utilizadas
no enfrentamento a experiências negativas sentidas ao longo da vida [4].
Ademais,
o cuidado espiritual está amplamente ligado ao sentimento de esperança,
proporcionando um aumento na qualidade de vida, já que a pessoa que acredita no
transcender espiritual promove seu próprio desenvolvimento de paz interior, na
valorização das suas capacidades e principalmente no enfrentamento positivo das
experiências negativas [5].
É visto
que a religiosidade poderá auxiliar o enfrentamento da dor, trazendo diretrizes
que perpetuam no comportamento da mulher durante seu período de fragilidade.
Desse modo, a religiosidade é um princípio importante para colocar em ordem a
resposta emocional causada pelo processo de incapacidade funcional oriundo do
momento do abortamento, reparando o esvaziamento existencial, trazendo
acolhimento. O sofrimento e o desgaste causado pelo aborto, aliado à crença
vivida, servem como uma fonte de apoio para o enfrentamento do momento vivido e
como tratamento das questões emocionais envolvidas nessa perda [6].
É por
meio da transcendência que o homem busca a religiosidade, através da qual ele
pode expressar sua espiritualidade refletindo sobre suas relações e sobre si
mesmo [7].
A
religiosidade traz às mulheres que tiveram a gravidez interrompida
indesejavelmente ajuda e compreensão no processo de enfrentamento do luto, a
fim de minimizar consequências negativas em sua vida [8].
É
essencial o cuidado do profissional da saúde com a mulher que sofreu aborto,
prestando uma assistência humanizada, com ética, atendendo-a em todas as suas
necessidades [9].
Salienta-se
a importância do respeito a pessoa no luto, principalmente o materno, pois
diante dessa perda gestacional deve-se identificar a causa para esclarecimento
dos pais e também para o planejamento de futuras gestações. Este processo
inclui um melhor suporte psicológico, assistência pré-natal adequada e
especializada que auxiliarão na obtenção de melhores resultados [10].
Diante do
exposto elaborou-se esta pesquisa com o seguinte objetivo: Conhecer a vivência
da religiosidade das mulheres que tiveram o abortamento espontâneo.
A
presente pesquisa possui abordagem qualitativa, descritiva e como método
utilizou-se o discurso do sujeito coletivo (DSC).
O
Discurso do Sujeito Coletivo consiste em realizar um estudo de um discurso na
primeira pessoa do singular, expressando uma coletividade, manifestando-se
assim, o sujeito coletivo. Sua técnica possui etapas metodológicas como a
análise das Expressões-Chave (ECH) que envolve a seleção de trechos ou do todo
que revelam a centralidade do conteúdo relatado, que foi coletado na
entrevista. Em seguida a Ideia Central (IC) que revela de maneira sintética e
mais aproximada possível o que realmente foi respondido. E finalmente
elabora-se o DSC que possui IC semelhantes que foram agrupadas com suas
respectivas ECH [11].
O cenário
do estudo foi a cidade de Itajubá, MG. O público participante foi composto por
mulheres que tiveram aborto espontâneo e a amostra foi constituída por 20
mulheres que tiveram disponibilidade para os relatos sobre o tema abordado.
Foram
elencados os seguintes critérios de inclusão: idade acima de 18 anos,
residentes na cidade de Itajubá que passaram pela experiência de um aborto
espontâneo. Como critério de exclusão: mulheres que tiveram abortos ocasionados
por outros motivos, as que estavam em período de internação, gestantes e
mulheres que tiveram abortos ocorridos em período menor que seis meses.
Foi
utilizado para coleta de dados um questionário de entrevista semiestruturada
com a seguinte questão: "Após o seu aborto espontâneo, de que maneira você
vivenciou a sua religiosidade? Poderia me falar?”
A
amostragem foi do tipo “bola de neve” que oferece
diversos benefícios para problemas de pesquisa específicos, onde a primeira
entrevistada citou outra participante que também estava dentro do critério de
inclusão e assim sucessivamente.
Foram
obedecidas e respeitadas todas as recomendações do Ministério da Saúde quanto
ao COVID 19, como o distanciamento, uso de máscara e álcool gel, uso de caneta
individual e utilização de um local arejado que não gerou aglomerações, pois a
entrevista foi individual. Em dias e horários em que as participantes estavam
disponíveis e a entrevista teve início após assinatura do Registro de
Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE), conforme determina a Resolução
510/2016 com parecer aprovado pelo comitê de ética em pesquisa (CEP)
n.4.519.435.
Pôde-se
analisar que a média de idade atual das mulheres que sofreram aborto espontâneo
é de 43,1 anos, 70% das entrevistadas eram casadas, a média de 2 filhos por
família e de abortos espontâneos de 1,5. O nível de escolaridade que ficou mais
evidente entre as entrevistadas foi o Ensino Médio Completo com 45%, e 40% do
percentual eram constituídas por donas do lar. A religião predominante entre as
mulheres foi a católica, apontada como a religião de 65% das entrevistadas.
Ademais, 80% das mulheres relataram ter ocorrido o aborto espontâneo há mais de
três anos.
Quanto as
IC encontradas relacionadas a questão: “Como as mulheres pós-aborto espontâneo
vivenciaram sua religiosidade?” tem-se apresentado o resultado na tabela I, com
suas respectivas frequências da IC.
Tabela I - Ideias Centrais, sujeitos e a
frequência das IC
As
ideias
centrais elencadas sobre o tema: “A vivencia da religiosidade
após aborto
espontâneo” foram: “Confiança em Deus”,
“Questionando Deus e revolta”, “Apoio
da religião”, “Apoio e orações de
familiares”, “Desapego à religião”.
Em
relação à ideia central “Confiança em Deus”, as expressões-chave que confirmam
essa ideia, foram:
“Depois de algum tempo
me converti, passei a frequentar a igreja. A partir daí senti a presença de
Deus na minha vida, sempre com confiança em Nele, pois sabia que ele estava no
controle da minha vida. Deus existe, tenho muita fé, acredito muito na
esperança e na proteção divina...”
Através
da religiosidade é possível resgatar possibilidades que auxiliam as pessoas
durante o processo. Em grande parte dos casos ocorre quando se acredita em uma
força superior e divina, que se é maior, trazendo fortificação durante o
processo de luto [12].
A fé, a
religiosidade e a busca por um ser superior são questões muito presentes na
vida das pessoas, principalmente, em momentos difíceis, o que pode ser
exemplificado pelo DSC a seguir:
“... Apeguei-me muito
mais a Deus depois desse aborto, Ele foi um socorro imediato, agradeço a Ele
todos os dias porque mesmo em meio à dor eu me tornei uma mulher melhor...”
Quando as
pessoas atravessam um período de dificuldade associado à doença, à morte e ao
luto, procuram uma aproximação maior com o divino, no intuito de que haja
salvação ou de resolução dos problemas [13].
Ferramentas
externas direcionam esse processo de elaboração, uma delas é a religiosidade.
Frente à impotência que a morte (ou mesmo sua possibilidade) pode gerar, os
indivíduos procuram certo controle sobre ela por meio de ritos que permitam a
construção de novas representações simbólicas. É nesse sentido que as pessoas
buscam o auxílio do sagrado, pois a religiosidade permite a atribuição de
significado às vivências que, em virtude de uma ruptura simbólica, não possuem
uma explicação disponível na realidade [14].
Feldman
[15] direciona níveis menores de sofrimento na vivência do luto recente de
indivíduos que dizem ser religiosos. De modo sucinto, a religiosidade
proporciona a concepção de que existe alguém superior, que deseja o melhor para
essas pessoas e que controla o trajeto e direciona a vida.
A fé em
Deus é um sentimento que está enraizado culturalmente, sendo tão importante
quanto os outros modos de enfrentamento. Ainda no DSC referente a IC “Confiança
em Deus” temos:
“... Deus em sua
infinita bondade nos permite viver certas coisas que na hora não entendemos,
Deus me livrou de um sofrimento maior. O meu Deus criador me ajudou muito. Deus
sabe de tudo, o sofrimento vem e ele vai, é só entregar na mão de Deus que o
conforto vem. Em cada perda eu pedia para Deus me ajudar, pra eu conseguir
continuar seguir em frente...Deus é bom, é justo. O Espírito Santo operou e
consolou meu coração, me fortaleceu.”
A
formação religiosa, logo, apresenta falhas, já que tende a enaltecer o lado
negativo em detrimento do aspecto positivo, surgindo a necessidade de uma
crença que defenda o que é bom. As religiões necessitam ainda transcenderem o
lado obscuro da moral conservadora, para compreenderem que por trás disso tudo
há uma mulher que sofre e precisa de apoio, e não de acusações e penitências
[16].
As
expressões-chave que confirmam a ideia central “Questionando Deus e revolta”
foram:
“Após o meu aborto
espontâneo eu tive uma revolta. Quando acontece isso na vida da gente, a gente
fica questionando Deus. Fiquei muito triste, com o psicológico totalmente
abalado, me sentindo impotente,
uma mistura de
sentimento de culpa e tristeza, fiquei péssima durante meses depois do aborto,
inacreditável, pois queria muito um filho. Lembro até hoje de como eu rezava e
chorava muito...”
As
famílias passam por um período de turbulência e quando ocorre uma perda existe
a necessidade de adaptação à nova realidade. É notório que ocorra o
aparecimento de sentimentos de grande intensidade e de negatividade como de
tristeza, decepção e sensação de abandono em toda a família. Esses sentimentos
são vividos intensamente pela primeira vez durante o período enlutado, o que
dificulta seu entendimento e resolução, levando em conta que a família nunca
vivenciou a dor de forma tão intensa e avassaladora, surgindo, além desses
sentimentos, o medo e a sensação de impotência diante do ocorrido [17].
Para Bromberg [18] “[...] a morte de um filho traz efeitos sobre
toda uma família. O luto dos pais é frequentemente associado também à raiva, à
culpa e à autorreprovação por sua incapacidade e
impotência em impedir a morte, bem como a sensação de estarem sendo vítimas da
injustiça”. Como o DSC referido que confirma tal afirmação:
“.... No calor do momento
a gente fica sem cabeça e pensa que pode ser castigo de Deus, a gente fica se
perguntando, por que comigo? O que aconteceu? O que eu fiz? Por que eu não tive
minha filha em meus braços? Fiquei um pouco desacreditada em relação à
religião. Questionava muito Deus do por que tinha acontecido tudo isso”
Ocorre a
negação, primeiro estágio do luto, quando não se enfrenta o que ocorreu, existe
uma revolta contra Deus e contra as pessoas que são denominadas culpadas pela
morte. Por outro lado, temos aquelas mulheres que sentiram “Apoio da religião”:
“... A religião sempre
ajuda, ajuda a recuperar. A religião me ajudou bastante, chorei durante muito
tempo e sempre ia à igreja rezar pedindo a paz do anjinho abortado, pois eu
tinha que crer em alguma coisa e a única solução que eu vi para não ficar muito
triste foi ir para igreja, lá o pessoal me acolheu como se eu fosse da família
e ali por diante o que me ajudou a superar um pouco foi a religião...”
Segundo Quitans [19], é recorrente que mulheres que passaram por
uma perda gestacional procurem apoio e ajuda espiritual, já que indivíduos
conectados às práticas religiosas proporcionam, predominantemente, apoio
emocional, por meio de conversas, missas e orações. Os casais vão em busca de
conforto, entendimento e significado para a perda [20].
Uma parte
das pessoas enlutadas procuram na religião um meio de alívio para vencer a dor
do luto advindo da perda inesperada. Além disso, os líderes religiosos possuem
grande influência no processo de superação através da palavra divina. No DSC
abaixo afirma-se:
“Houve bastante apoio do
pessoal da igreja e da minha fé, que me fortaleceu e me fez continuar de pé.
Nós católicos acreditamos muito nas imagens de Jesus e de Nossa Senhora da
Aparecida e isso me confortou bastante, me fez continuar de pé. A fé em Deus
foi o que me sustentou naqueles momentos de dor, me ajudou a sair de um estado
de sentimento de culpa por não ter conseguido segurar a gestação. Me ajudou a
superar as dores que eu e meu marido tivemos, portanto, o que me ajudou a
superar foi à religião”
Nesse
contexto religioso, a igreja fornece um ambiente de compreensão e apoio no
momento de vulnerabilidade, além de proporcionar rituais de passagem, que é uma
estratégia de enfrentamento ao luto [21].
A
religiosidade e as instituições religiosas são de extrema importância para o
processo do luto, já que elas podem utilizar da força do seu grupo como uma
forma de manter os enlutados em socialização. Há um suporte e conforto quando a
fé é compartilhada [22].
Ademais,
o apoio das relações próximas também exerce um papel fundamental. Como a IC
“Apoio e orações de amigos e familiares”:
“...Agradeço minha
família, principalmente da minha mãe por ser muito católica e ter uma fé
inabalável, as muitas orações de vizinhos e de amigos eu consegui me
restabelecer...”
No apoio
social, três dimensões são existentes: a fonte, as funções da rede e a
avaliação do apoio recebido. De modo sucinto, a rede de apoio é formada pelos
relacionamentos que o indivíduo considera importantes e fundamentais. Essas são
denominadas como íntimas e incluem os familiares e amigos próximos [23] e
geralmente são acionadas em circunstâncias de sofrimento, como, por exemplo, a
perda.
Se
reestruturar no apoio de fontes externas é crucial. As diferentes formas e
recursos de lidar com o luto devem ser utilizados [24].
“Embora meu marido nunca
tivesse cobrado filhos, também esteve sempre do meu lado, era um amparo e
conversávamos muito. À noite, alguns irmãos da igreja foram orar por mim
presencialmente, porque como corpo de Cristo, já estavam orando. A fé que eu
tive em Deus, além de muitas orações me fez voltar a ter minha vida de volta”
Além
disso, o diálogo nas relações pessoais, principalmente nas situações de luto,
merece destaque, pois verbalizar sobre a perda ajuda a criar contextos e
alternativas de enfrentamento.
No
entanto, há situações em que as mulheres que vivenciaram o aborto espontâneo
apresentam determinado “Desapego à religião”, que é representada pelo seguinte
DSC:
“Na época em que tive o
aborto não me ligava em religião. A religião não me influenciou. Fiquei muito
triste sem entender o porquê tinha acontecido aquilo, mas não me apeguei à
religião nem em Deus, eu era muito nova, para mim era indiferente”
Embora
determinadas pessoas rejeitem a fé em Deus, ainda acreditam em ideias e crenças
não racionais e éticas que se baseiam em preceitos religiosos. A mulher que
sofre um aborto espontâneo passa por uma degradação referente às suas crenças.
Há uma fraqueza da fé e uma abundância da descrença que traz reflexões
relacionadas ao significado dessa descrença e sobre a concepção que essas
pessoas possuem para o futuro. Ademais, o desapego relacionado à religião é uma
forma abrupta de se esquivar do sofrimento causado pelo aborto espontâneo,
tendo como resposta a indignação, a raiva e o enfraquecimento da fé, que
levaram ao desafeto com Deus [25].
É notório
que apesar da dor da perda estar presente em todas as participantes da
pesquisa, cada uma demonstrou uma forma individual de enfrentamento do luto
baseado em sua religiosidade.
Destaca-se
que a ideia central mais recorrente entre as participantes foi a “confiança em
Deus”. Para aquelas que confiam na força divina, em algo maior, há a convicção
de que o aborto espontâneo teve um significado e um propósito. Por outro lado,
uma pequena parte das mulheres demonstraram indiferença em relação ao apego à
Deus ou à religião no período da perda.
Contudo,
é imprescindível entender a religiosidade como uma ferramenta de alívio da dor
e sofrimento no processo do luto.
Portanto,
o presente estudo, longe de esvaziar a temática, direciona para novos caminhos
de estudo que tenham como objetivo explicitar as alternativas de enfrentamento
ao luto e, principalmente, da vivência da religiosidade, para as mulheres que
sofreram com o aborto espontâneo, sendo assim, sugere-se outras pesquisas com o
tema.
Conflitos
de interesse
Não houve
conflitos de interesse.
Fontes
de financiamento
Financiamento
próprio.
Contribuição
dos autores:
Concepção
e desenho da pesquisa:
Gonçalves BIV, Barbosa AMSC, Simões IAR; Coleta de dados: Gonçalves BIV,
Barbosa AMSC; Análise e interpretação dos dados: Gonçalves BIV, Barbosa
AMSC, Simões IAR; Análise estatística: Gonçalves BIV, Barbosa AMSC,
Simões IAR; Redação do manuscrito: Gonçalves BIV, Barbosa AMSC, Simões
IAR; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante:
Simões IAR