Enferm
Bras. 2023;22(2):166-81
ARTIGO
ORIGINAL
COVID-19:
A severidade dos sinais clínicos de ansiedade percebidos em enfermeiros
assistenciais na capital brasileira
Maísa
Vaz Mascarenhas1, Bianca Machado Ferreira1, Bruna Maria
Pereira Santos1,
Yngridi da Silva Paiva Costa dos Santos1,
Elissandro Noronha dos Santos2, Vanessa
Alvarenga Pegoraro1, Julliane Messias
Cordeiro Sampaio1
.
1Faculdade de Ciências da Educação e
Saúde do Centro Universitário de Brasília (FACES/CEUB), DF, Brasil
2Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil
Recebido
em: 24 de fevereiro de 2022; Aceito em: 12 de dezembro de 2022.
Correspondência: Julliane Messias Cordeiro Sampaio, julliane.sampaio@ceub.edu.br
Como citar
Mascarenhas MV, Ferreira
BM, Santos BMP, Santos YSPC, Santos EN, Pegoraro
VA, Sampaio JMC. COVID-19: A severidade dos sinais clínicos de ansiedade
percebidos em enfermeiros assistenciais na capital brasileira. Enferm Bras. 2023;22(2):166-81. doi: 10.33233/eb.v22i2.5114
Resumo
Introdução: A exaustão, a pressão e o acúmulo de
funções dentro e fora das organizações de trabalho, durante a pandemia, estão
associados à susceptibilidade dos profissionais de enfermagem em desenvolver
problemas de saúde mental. Objetivo: Analisar quais são os sinais
clínicos de ansiedade percebidos em enfermeiros assistenciais que atuam na
linha de frente ao COVID-19 durante a pandemia, buscando enquadrá-los em 4
níveis: mínimo, leve, moderado e grave, assim como correlacioná-los às
variáveis gênero, idade, tempo de assistência, nível de atenção que trabalha e
tipo de setor. Métodos: Trata-se de um estudo epidemiológico do tipo
transversal, com uma abordagem quantitativa, descritiva e exploratória. Para a
coleta de dados, utilizou-se um questionário validado, o Inventário de
Ansiedade Beck. Resultados: Os dados apresentaram prevalência de
ansiedade grave em mulheres, que estão na assistência há menos de cinco anos,
atuantes na Atenção Terciária em Saúde, nos serviços públicos. Conclusão:
Nessa perspectiva, urge a necessidade de medidas interventivas profiláticas no
que tange a prevenção da ansiedade nesses profissionais, a fim de assegurar o
bem-estar desses trabalhadores de saúde e a continuidade de uma assistência
integral com qualidade.
Palavras-chave: ansiedade; enfermagem; COVID-19;
pandemia por COVID-19.
Abstract
COVID-19: The severity of clinical signs of anxiety
perceived in clinical nurses in the Brazilian capital
Introduction: Exhaustion,
pressure and the accumulation of functions inside and outside work
organizations during the pandemic are associated with the susceptibility of
nursing professionals to develop mental health problems. Objective: To
analyze what are the clinical signs of anxiety perceived in care nurses who
work on the front line of COVID-19 during the pandemic, seeking to classify
them into 4 levels: minimum, mild, moderate and severe, as well as correlating
them with variables such as gender, age, time of assistance, level of care that
works and type of sector. Methods: This is a cross-sectional
epidemiological study, with a quantitative, descriptive and exploratory
approach. For data collection, a validated questionnaire, the Beck Anxiety
Inventory, was used. Results: The data showed a prevalence of severe
anxiety in women, who have been in care for less than five years, working in
Tertiary Health Care, in public services. Conclusion: In this
perspective, there is an urgent need for prophylactic interventional measures
regarding the prevention of anxiety in these professionals, in order to ensure
the well-being of these health workers and the continuity of comprehensive
quality care.
Keywords: anxiety; nursing; COVID-19;
COVID-19 pandemic.
Resumen
COVID-19:
La gravedad de los signos
clínicos de ansiedad percibidos
en enfermeros clínicos de la capital brasileña
Introducción: El agotamiento,
la presión y la acumulación de funciones
dentro y fuera de las organizaciones de trabajo durante
la pandemia están asociadas a la susceptibilidad de los profesionales de enfermería a desarrollar problemas de salud
mental. Objetivo: Analizar cuáles
son los signos clínicos de ansiedad percibidos en los enfermeros
asistenciales que actúan en la primera
línea de la COVID-19 durante la
pandemia, buscando clasificarlos en
4 niveles: mínimo, leve, moderado y severo, así como correlacionarlos con variables como género, edad, tiempo de atención, nivel de atención que trabaja y tipo de sector. Métodos: Se trata de un estudio epidemiológico
transversal, con enfoque cuantitativo,
descriptivo y exploratorio.
Para la recolección de datos, se utilizó un cuestionario validado, el Inventario de Ansiedad de
Beck. Resultados: Los datos mostraron
una prevalencia de ansiedad
severa en mujeres, que tienen menos de cinco años en el cuidado, que trabajan en la
Atención Terciaria de Salud,
en los servicios
públicos. Conclusión: En
esa perspectiva, urge la necesidad de medidas intervencionistas profilácticas en cuanto a la
prevención de la ansiedad en estos
profesionales, con el fin de garantizar
el bienestar de estos trabajadores de la salud y la
continuidad de una atención
integral de calidad.
Palabras-clave: ansiedad; enfermería;
COVID-19; pandemia COVID-19.
No
contexto da pandemia, enfermeiros enfrentam a exposição diária ao coronavírus em suas funções laborais. Atuam diretamente na
prestação de cuidados e na sistematização da assistência ao paciente
diagnosticado com COVID-19, em meio às denúncias de escassez de material de
proteção individual e condições de trabalho exaustivas [1].
Os
enfermeiros possuem maior susceptibilidade a desenvolverem problemas de saúde,
por maior interação com as pessoas que estão em tratamento, assim como uma
maior vulnerabilidade às pressões no trabalho, as quais acarretam de forma
significativa a sua saúde mental. Nessa perspectiva, ainda são os profissionais
da enfermagem que lidam diretamente com o tratamento, essa relação gera
expectativas, que por vezes são frustradas no tocante à cura do paciente [2].
No
Brasil, são mais de 579.816 mil enfermeiros, porém, segundo o documento “A
Situação da Enfermagem no Mundo” desponta um resultado ruim no que tange às
regulações e condições de trabalho, com condições abaixo de países africanos e
da Índia, apresentando um cenário que urge por Políticas Públicas que respeitem
e valorizem a autonomia do enfermeiro, sua capacidade ética e técnica, elevando
o impacto e a efetividade da atuação e liderança destes profissionais,
sequentemente ao aumento do investimento em ações que possibilitem melhoria no
processo de educação em saúde e treinamento [3].
A
COVID-19 provoca insegurança em todos os aspectos da vida, sensações negativas,
medo de contraí-la e de transmiti-la, assim como modificações nas relações
interpessoais e alteração no funcionamento da sociedade. Cabe salientar que as
consequências psicológicas geradas por uma pandemia são em maior número, quando
comparada ao número de óbitos, pois os sistemas de saúde entram em colapso, os
profissionais sofrem por exaustão com a longa jornada de plantões e, além
disso, o método de contenção mais efetivo do vírus, que é o distanciamento
social, impacta de forma substancial na saúde mental da população e dos
profissionais [4].
Nesse
contexto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declara que o Brasil já é o país
mais ansioso do mundo, cerca de 9,3% da população possui transtorno de
ansiedade, ou seja, aproximadamente 18,6 milhões de brasileiros. E, atualmente
a profissão de enfermagem é a mais associada ao risco de desenvolvimento de
ansiedade nos estudos científicos [3].
Sendo
assim, o objetivo da pesquisa foi analisar quais são os sinais clínicos de
ansiedade percebidos em enfermeiros assistenciais que atuam na linha de frente
a COVID-19 durante a pandemia, verificando os níveis em mínimo, leve, moderado
e severo, como também definir a frequência e prevalência da severidade dos
sinais clínicos de ansiedade.
Trata-se
de um estudo epidemiológico do tipo transversal, com uma abordagem
quantitativa, descritiva e exploratória que teve como objetivo analisar quais
são os sinais clínicos de ansiedade percebidos em enfermeiros assistenciais que
atuam na linha de frente à COVID-19 durante a pandemia.
Foram
entrevistados 315 enfermeiros assistenciais, no período de abril a julho de
2021, utilizando-se a técnica de snowball para a
coleta de dados, por meio de um formulário disseminado via aplicativos, redes
sociais e e-mails.
A
referida investigação foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro
Universitário de Brasília sob CAAE de nº 43696921.9.0000.0023 e aprovado sob
parecer de nº4.624.570 em 31/03/2021, respeitando-se as prerrogativas das
Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), então
vigente na ocasião da análise junto ao CEP. Foi solicitado o consentimento por
formulário eletrônico do Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Utilizou-se
como técnica de coleta de dados a bola de neve perguntas extraídas do
Inventário de Ansiedade Beck (BAI) [5]. O critério para seleção das pessoas de
pesquisa foram enfermeiros assistenciais de todo o Brasil, que atuavam nos
serviços públicos e/ou privados e que estivessem exercendo a função durante a
pandemia por COVID-19.
No
decorrer de situações de pandemias e epidemias, as sequelas causadas são sempre
maiores do que o número de óbitos ocasionado pelas infecções, referentes tanto
a questões fisiológicas como psicológicas, visto que o ser humano não possui
grande preparo psíquico para situações de tragédias em massa. Dessa forma, o
desenvolvimento de transtornos psiquiátricos é maçante e se torna um fator
preocupante em relação aos impactos sociais, profissionais e pessoais que podem
causar [6], pois, durante uma pandemia, é possível que seja vivenciada uma
opressão elevada de experiências e sentimentos negativos, descendendo a
necessidade de cuidados psicológicos assíduos desde o período inicial do
problema [7].
Entre
os transtornos psiquiátricos que podem ser desenvolvidos, a ansiedade é
considerada a mais prevalente e incapacitante, por conta dos sintomas
fisiológicos que são desencadeados em crise, que alteram a cognição e a
percepção da pessoa frente às diversas situações cotidianas, resultando em uma
grande procura por serviços médicos e psicológicos, e até mesmo em reclusão
social e absenteísmo do trabalho [8].
A
ansiedade é classificada em diferentes níveis, os quais possuem distintas
consequências na vida da pessoa acometida. O nível leve de ansiedade, por
vezes, se caracteriza por gerar sinais de alerta e por capacitar a pessoa a
agir em determinada situação, além de formular uma função adaptativa do
indivíduo. Nos casos moderados e severos, acomete funções importantes do
sistema nervoso, como memória e percepção, bem como confusão mental, alterando,
por vezes, o convívio social, as relações pessoais e no trabalho, pode
ocasionar déficit no desempenho. As consequências também podem ser ampliadas
com omissão de tratamento, resultando em graves comprometimentos funcionais
[9].
Resultados
sociodemográficos
Os
enfermeiros respondentes foram, em maioria, pessoas brancas (57,9%), adultos
jovens na faixa etária de 26-45 anos de idade (72,2%), de religião cristã
(74,4%). São casados (40,8%) e convivem com seus respectivos familiares
(42,9%). Assim como os dados revelados pela nota técnica da FIOCRUZ (2021) dos
315 enfermeiros respondentes, (58,7%) se declararam brancos e (69,9%) estão na
faixa etária dos 30-49 [10,11].
Salienta-se
o percentual de mulheres (89,9%) que participaram da pesquisa. A análise de
ansiedade relacionada ao gênero é fundamental, dada a condição inédita da
pandemia por coronavírus, na qual enfermeiras estão
trabalhando de maneira exaustiva, fomentando os cuidados de enfermagem
diuturnamente e, ainda, acumulando as atividades domésticas e seus papéis
sociais (mãe, esposa/companheira, filha). A mulher carrega a responsabilidade
de cuidadora e realiza dupla jornada de trabalho, o que pode resultar em um
comprometimento de sua saúde mental [12,13].
Esse
fato também está atrelado a feminização da história da Enfermagem, na qual o
cuidado é inerente ao feminino e, desde séculos passados, atribuía-se o cuidado
a uma ideia equívoca de vocação, narrativa defendida, inclusive por Florence Nightingale, patrona da profissão [14,15]. A feminização é
vista como algo subjetivo, uma alusão ao valor social de uma determinada
profissão/ocupação que resulta em um vínculo com a concepção de gênero em um
determinado recorte de tempo. Ainda se aborda sobre “uma categoria em
movimento, em processo de construção” [16].
Em
relação ao tempo de assistência, 39,7% responderam que está na área há mais de
10 anos e a maioria está atuando no setor público (55,9%), na área hospitalar
(61,3%) e na atenção terciária em Saúde (47,9%). Um estudo realizado pela
FIOCRUZ sobre o perfil dos profissionais de saúde pública no Brasil, aponta
resultados equiparados, dos 315 enfermeiros participantes, 141 (44,8%) atuam na
atenção terciária do setor hospitalar [10].
Resultados
BAI – Inventário Beck de Ansiedade
Os
resultados apontaram que a assistência prestada durante a pandemia, com a
aquisição do conhecimento sobre o agente etiológico e os desdobramentos da
infecção apreendidas simultaneamente ao crescimento exponencial do número de
vítimas infectadas pelo coronavírus, as condições
insalubres de trabalho, as longas jornadas de trabalho, o isolamento da família
e a quarentena obrigatória pelos que se contaminaram podem ter sido
responsáveis por algum grau de severidade de ansiedade.
Neste
aspecto, os sinais clínicos que mais foram mencionados pelos entrevistados,
sumarizando percentual das intensidades leve, moderada e severa estão
apresentados na tabela I por ordem de maior frequência. A dormência ou
formigamento, a sensação de calor, o tremor nas pernas e mãos, a perda de
equilíbrio, o tremor, a dificuldade de respirar, a sensação de desmaio, o rosto
afogueado e suor (não devido ao calor), foram os sintomas de ansiedade menos
referidos pelos entrevistados.
Tabela
I – Sinais clínicos
de ansiedade com maior prevalência relatados por enfermeiros durante a
assistência ao COVID-19. Brasília, DF, 2021
Fonte:
Elaboração própria dos autores (2021)
O
medo que aconteça o pior, medo de perder o controle e o medo de morrer foram
sinais psíquicos evidentes nos participantes (92%, 73,1% e 68 %,
respectivamente). De acordo com o Manual Diagnostico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-5), o medo excessivo é característico de quadros de
ansiedade, por ser uma resposta que o organismo antecipa frente a eventos
adversos reais ou irreais [17].
Em
meio a uma situação pandêmica relacionada à infecção pelo coronavírus,
muitas questões ainda estão insipientes e continuam sem respostas, apesar do
avanço em todos os níveis do setor saúde e, isso, pode apresentar como
desdobramentos não apenas alterações psicológicas. Os resultados da presente
pesquisa apontam que estão atreladas, principalmente, ao medo de que o pior
aconteça (92%), o fato desses profissionais se sentirem nervosos e impacientes
(91,2%) e por se sentirem incapazes de relaxar (87%), como também serem somatizados e alterarem o comportamento dessas pessoas.
Atrelado
a essas características próprias do transtorno de ansiedade, os sinais de
irritabilidade e incapacidade de relaxar também podem estar aumentados pelo
distanciamento da família, pelo ideário de heroísmo inexistente e, por fim,
pela própria atividade do profissional que está na linha de frente no combate
ao vírus, com exposição diária e contínua [18].
Outros
sintomas como perturbação do sono (15,8%), irritabilidade (13,6%), incapacidade
de relaxar (11,7%), dificuldade de concentração (9,2%), pensamento suicida
(8,3%), apatia e alterações de apetite (8,1%) foram resultados de uma
investigação conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz. Os profissionais que atuam
na linha de frente sofreram mudanças em seu estilo de vida, acarretada por
excesso de trabalho e sobrecarga de preocupação com a situação no setor saúde,
que podem ter sido o gatilho para os prejuízos psíquicos, em especial, para
enfermeiros que estão assistindo diuturnamente os pacientes infectados [19].
Não
houve associação entre ter ou não religião como fator de proteção no que tange
o sentimento de medo no enfrentamento da pandemia (Tabela II).
Tabela
II – Comparação
entre sexo, ter ou não religião e sintomas de medo referidos por enfermeiros
durante a assistência ao COVID-19. Brasília, DF, 2021
Fonte:
Elaboração própria dos autores (2021).
Quanto
maior a espiritualidade dos profissionais da saúde, maior é o reconhecimento da
influência positiva para a recuperação da pessoa assistida nesse setor [20].
Porém, os resultados desta investigação não foram significativos quando
comparada religião e medos (p > 0,05). Esses dados corroboram investigação
que despontou que os enfermeiros relataram que se sentiam despreparados no que
tange ao envolvimento de espiritualidade e saúde, tornando-se necessária a
implementação de dimensões espirituais no cuidar, algo que não é tão fácil,
porém, quando executada de maneira qualificada, o profissional poderá se sentir
mais seguro na prestação da assistência que será mais humanizada e de maneira
integral [15].
A
enfermagem já se configurava, mesmo antes da pandemia, em um cenário de gestão
precário e desfavorável no que tange às condições de trabalho; de acordo com a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), sete fatores de insegurança
definem e esclarece o cenário de precariedade e da falta de amparo legal que a
categoria é submetida, sendo eles: insegurança do mercado de trabalho,
insegurança pela demissão, insegurança de emprego, insegurança de integridade
física e de saúde, insegurança no trabalho pela falta de educação básica,
insegurança de renda pela baixa remuneração e insegurança de representação pelo
sindicato [21].
Diante
desse complexo cenário, emergiu a necessidade de ampliar a capacidade de
vigilância e das respostas de maneira rápida e assertiva frente às emergências
de saúde pública no Brasil, dada a rápida disseminação do vírus, número de
infectados com elevada morbimortalidade, em detrimento da saúde dos
profissionais que estão na linha de frente no atendimento as vítimas do coronavírus [10,22,23].
Estudos
recentes sobre a situação psicológica dos enfermeiros da linha de frente ao
COVID-19 apontam que são os enfermeiros os profissionais mais propensos a
desenvolverem danos psicológicos, fisiológicos e físicos. O tempo de
permanência hospitalar, a responsabilidade sobre o paciente, a exposição ao
vírus e a carga de trabalho foram aumentadas substancialmente, assim como houve
redução do tempo para benefício pessoal. O déficit de estratégias elaboradas
pelas instituições contratantes exige reflexões sobre o fornecimento de suporte
psicológico, biossegurança com redução de riscos e equipe com qualificação no
âmbito assistencial, o que poderá assegurar um ambiente de trabalho minimamente
seguro e, desta maneira, quem sabe, até reduzir o número de denúncias de
insuficiência de equipamentos de proteção individual só no início da pandemia
[24,25].
Neste
contexto, foram analisadas 237 respostas, das quais 58 (24,2%) enfermeiros
apresentaram nível mínimo de ansiedade, 66 (27,5%) enfermeiros apresentaram
nível leve de ansiedade, 61 (25,5%) têm nível moderado de ansiedade e 52 (21,7%)
enfermeiros estão com os níveis de ansiedade em um grau severo (tabela III).
Tabela
III - Avaliação do
grau de ansiedade em enfermeiros assistenciais durante a pandemia do COVID-19.
Brasilia-DF,2021
Fonte:
Elaboração própria dos autores (2021)
No
nível mínimo de ansiedade foi constatada uma prevalência de mulheres (83,9%),
na faixa etária dos 36 a 45 anos (39,2%) que atuam há mais de dez anos (60,7%)
no setor público (55,5%) e na atenção terciária (39,2%). Já no nível leve de
ansiedade a prevalência também foi com mulheres (95,5%), que atuam na rede
pública (61,7%) e na Atenção Terciária em Saúde (50%); porém, com predomínio da
faixa etária dos 26-35 (44,1%) e que estão a menos de 5 anos na atuação como
enfermeiro (39,7).
Nos
níveis moderado e severo respectivamente, foi evidenciado a maioria mulheres
(90,1/% e 88,4%), na faixa etária dos 26 a 35 anos (54% e 53,8%) que estão há
menos de 5 anos na assistência como enfermeiros (40,9% e 40,3%), que atuam
predominantemente na atenção terciária (54% e 51,9%) e no setor público (52,4%
e 55,7%).
Pesquisas
realizadas, em 2020, relataram a prevalência de sinais mais graves de ansiedade
em enfermeiras mulheres, assim como, alto grau de angústia e sofrimento moral
no setor hospitalar, pois muitas vezes durante a assistência, pela sobrecarga
do sistema, há a necessidade de escolher qual paciente irá viver e qual irá a
óbito, mediante a escassez de leitos e disponibilidade de oxigênio [26,27].
No
nível severo de ansiedade, os dados da presente pesquisa demonstram uma Média
elevada (41,7) na somatória das variáveis no BAI, denotando que enfermeiras e
enfermeiros 14 apresentam elevados níveis de intensidade ao referirem os sinais
e sintomas presentes no inventário. Cabe salientar, que esse último nível de
ansiedade pode resultar em um transtorno de ansiedade generalizada que,
posteriormente, não havendo intervenção, poderá ter como desdobramentos,
prejuízos psíquicos e sociais a curto e longo prazo, sendo necessária a
intervenção psiquiátrica e farmacológica com acompanhamento psicológico
contínuo.
Ressalta-se
maior frequência de níveis altos de ansiedade em
enfermeiras jovens, que estão
há menos de 5 anos na assistência, no setor hospitalar,
dentro do serviço de
Atenção Terciária em Saúde, no
serviço público. Essas profissionais, por vezes,
acumulam serviços profissionais e vivenciam a dupla jornada com
os afazeres
domésticos e familiares e, isso, as tornam mais
vulneráveis aos efeitos
deletérios do desgaste físicos e psicológico, pela
exposição, além da autocobrança
do próprio desempenho frente às situações
adversas do início da carreira, haja
vista que a recente inserção no campo profissional
acarreta inseguranças e
receios frente ao desconhecido [28].
No
tocante às condições de trabalho da Atenção Terciária da Saúde, no setor
público, os servidores enfrentam excessiva pressão, condições insalubres de
trabalho, escassez de equipamentos de proteção individual e coletivos, carga
horária exaustiva, discriminação, falta de autonomia, alto risco de se infectar
e contato direto com o sofrimento e morte do paciente e da família no estágio
mais avançado da doença. Um estudo realizado com 1257 profissionais de saúde na
China constatou similaridade nos resultados sobre níveis de ansiedade e
depressão, atestando o predomínio também de mulheres enfermeiras que atuam
desde o diagnóstico ao cuidado intensivo aos pacientes com COVID-19 [28,29].
Os
achados da presente pesquisa demonstraram que os profissionais com níveis
moderados e graves estão alocados no setor público (56,11%), divergindo do
estudo conduzido por Konig e Lantos [24]
que revelou níveis altos de ansiedade nos enfermeiros que atuam no setor
privado e relacionou tal situação à desvalorização salarial, instabilidade de
função e medo de perder o emprego, o que se contrapõe ao setor público que se
caracteriza por ofertar melhores salários e garantia do emprego [27,28,29].
Atualmente,
o serviço público passa por uma inconstância de gestão frente a situação da
pandemia, visto que o cenário de calamidade pela superlotação do sistema em
busca de internação e leitos de UTI cresceu exorbitantemente desde março de
2020, chegando a 100% de ocupação na maioria das regiões brasileiras, fato que
causou colapso de um sistema que já havia falhas estruturais e de gestão,
culminando em um ambiente com potencial papel estressor para o desenvolvimento
de sinais e sintomas de ansiedade [15], mesmo com bons salários e garantia de
ocupação aos servidores [30].
As
vigentes condições de trabalho também são gatilhos para o surgimento de sinais
clínicos de ansiedade, visto que os enfermeiros tiveram que se adaptar ao novo
cenário de maneira rápida e improvisada, tendo que muitas vezes aumentar sua
jornada de trabalho pelo elevado grau de absenteísmo dos colegas que entravam
em quarentena ao se contaminarem, assim como suprir as funções dos que foram a
óbito; só no Brasil cerca de 689 profissionais da enfermagem perderam suas
vidas decorrentes da infecção pela COVID [31,32].
Outro
ponto importante a ser ressaltado é que às condições insalubres da pandemia
impedem o avanço da assistência em setores de alta complexidade como as
unidades de terapia intensiva (UTI) que é considerada, entre os ambientes
hospitalares, o mais estressor e traumatizante, devido à rotina intensa de
lidar com a morte diariamente, manuseio de equipamentos complexos e
administração de medicamentos que precisam ser minuciosamente calculados, fatos
esses que podem ser alguns dos motivos da baixa iniciativa de especialização
dos enfermeiros nessa área [30,33].
Cabe
salientar, que os resultados apontaram um percentual de 38,39% de enfermeiros
do setor privado que apresentaram algum nível de ansiedade, exigindo um olhar
também atento para esses profissionais, dada as instabilidades e acúmulo de serviços
a fim de subsidiar um salário capaz de fomentar suas necessidades, que por sua
vez, se alcança com duplo vínculo empregatício, interferindo significantemente
em sua qualidade de vida (QV) e em sua saúde mental [34]. Destarte, a
profilaxia frente aos gatilhos desencadeantes de ansiedade é, de fato, uma
conduta adequada para garantir a continuidade de uma assistência qualificada
pelos enfermeiros que estão na linha de frente da atual pandemia [6].
Isso
posto, é importante programar condutas de escape para os profissionais da
assistência direta, contribuindo na elaboração de um espaço de trabalho
saudável e harmonioso, o qual possibilite aos profissionais momentos de
descanso adequado, proteção individual e coletiva seguras, boa interação entre
a equipe multidisciplinar e assistência psicológica e ou psiquiátrica quando
necessário, bem como treinamentos que capacitem e preparem física e
psicologicamente os profissionais para situações de pandemias e epidemias [8].
Ademais, espera-se que a justa remuneração, a valorização e o reconhecimento
das transformações oriundas da assistência de Enfermagem sejam perpetuados após
a pandemia pelo coronavírus.
Cabe
salientar que os resultados do presente estudo devem ser interpretados levando
em consideração algumas limitações. A primeira dela é que, apesar de resultados
estatisticamente significativos, o número de enfermeiros entrevistados não pode
ser atribuído a uma amostragem que representasse o perfil de toda categoria
destes profissionais.
E,
embora desponte em resultados promissores no que tange a exposição das
enfermeiras e dos enfermeiros à exaustão do serviço, baixa remuneração e
convívio diário com elevado número de infectados e mortes, outros estudos com
maior robustez na amostra e testes estatísticos devem ser estimulados a fim de
subsidiar medidas interventivas capazes de minimizar o sofrimentos ao qual
esses trabalhadores de saúde estão submetidos diuturnamente além de assegurar
condições salubres, carga horária e salário compatível com a realidade
assistencial.
A
ansiedade pode acarretar importantes alterações no cotidiano de enfermeiras e
enfermeiros, gerando emoções e sentimentos que podem culminar no
desenvolvimento de transtorno de ansiedade generalizada, que resultam na
diminuição da qualidade da assistência dados os efeitos deletérios que esse
transtorno pode trazer para o profissional, para o serviço e para os pacientes.
Em
meio ao ineditismo da pandemia, a Enfermagem foi obrigada a trabalhar de
maneira exaustiva, em condições insalubres, fato que pode estar associado aos
níveis elevados de exposição à condições estressantes que podem ter como
desdobramento o transtorno de ansiedade nos mais variados níveis de severidade,
exigindo dos gestores e instituições um plano de ação profilática no cuidado
desses cuidadores, ofertando condições que diminuam a insalubridade, na
adequação salarial e de uma jornada de trabalho justa, a fim de reduzir os
fatores que podem ser gatilho para o comprometimento da saúde mental desses
profissionais.
Sendo
assim, os dados da presente pesquisa podem fomentar e contribuir para novos
estudos sobre a temática, corroborando literaturas atuais, bem como subsidiar
estratégias de ação preventivas reduzindo sobremaneira os impactos na saúde
mental desses profissionais que compõem linha de frente COVID-19 e possíveis
desfechos após o período pandêmico.
Potencial
conflito de interesse
Não
há conflito de interesse
Fontes
de financiamento
Não
houve fontes de financiamento
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Mascarenhas MV, Ferreira BM, Santos BMP, Santos YSPC, Santos EN, Pegoraro VA, Sampaio JMC; Interpretação dos dados:
Mascarenhas MV, Ferreira BM, Santos BMP, Santos YSPC, Santos EN, Pegoraro VA, Sampaio JMC; Redação do manuscrito:
Mascarenhas MV, Ferreira BM, Santos BMP, Santos YSPC, Santos EN, Pegoraro VA, Sampaio JMC.