Enferm Bras. 2023;22(2):182-98

doi: 10.33233/eb.v22i1.5135

ARTIGO ORIGINAL

Satisfação no trabalho de professores do ensino básico, técnico e tecnológico

 

Iracema Mirella Alves Lima Nascimento1, José Antônio Spencer Hartmann Júnior1, Mirtson Aécio dos Reis Nascimento1, Sonia Maria da Silva Garcia1, Juliana de Castro Nunes Pereira1, Judicléia Marinho da Silva1, Angélica de Godoy Torres Lima1

 

1Instituto Federal de Pernambuco, campus Belo Jardim, PE, Brasil

 

Recebido em: 30 de março de 2022; Aceito em: 20 de janeiro 2023

Correspondência: Angélica de Godoy Torres Lima, angelicagodoytl@gmail.com

 

Como citar

Nascimento IMAL, Hartmann Júnior JAS, Nascimento MAR, Garcia SMS, Pereira JCN, Silva JM, Lima AGT. Satisfação no trabalho de professores do ensino básico, técnico e tecnológico. Enferm Bras 2023;22(2):182-98. doi: 10.33233/eb.v22i1.5135

 

 

Resumo

Introdução: Satisfação profissional dos professores é um sentimento e uma forma de estar positivo perante a profissão, originados por fatores contextuais e/ou exteriorizados pela dedicação, defesa e mesmo felicidade face à mesma. Objetivo: Analisar o nível de satisfação no trabalho entre docentes do ensino básico, técnico e tecnológico, considerando os aspectos intrínsecos, ambiente físico e relações hierárquicas em associação com os aspectos pessoais, profissionais e de saúde desses professores. Métodos: Estudo transversal com dados coletados entre julho e agosto de 2020, por meio do Google forms, em uma instituição pública de educação em Pernambuco. Teve como amostra 82 professores. O instrumento de coleta de dados foi um questionário sobre características pessoais, profissionais e de saúde e a escala de satisfação no trabalho. Os dados foram analisados no software SPSS. Resultados: Evidenciou-se que 59,8% dos professores estavam satisfeitos com o trabalho de uma maneira geral. Houve correlações significativas entre a satisfação no trabalho e os fatores possuir religião, número de turmas em que o professor leciona e grau de escolaridade do professor. Conclusão: As respostas possivelmente foram influenciadas pela pandemia COVID-19, sugere-se a realização de pesquisas no contexto pós-pandêmico, para constituir um contraponto acerca do diagnóstico apresentado.

Palavras-chave: satisfação no emprego; docentes; assistência à saúde mental.

 

Abstract

Job satisfaction of teachers in basic, technical and technological education

Introduction: The professional satisfaction of teachers is a feeling and a way of being positive towards the profession, originated by contextual factors and/or externalized by dedication, defense and even happiness in the face of it. Objective: To analyze the level of job satisfaction among teachers of basic, technical and technological education, considering the intrinsic aspects, physical environment and hierarchical relationships in association with the personal, professional and health aspects of these teachers. Methods: Cross-sectional study with data collected between July and August 2020, through Google forms, in a public educational institution in Pernambuco. The sample consisted of 82 teachers. The data collection instrument was a questionnaire about personal, professional and health characteristics and the job satisfaction scale. Data were analyzed using SPSS software. Results: It was shown that 59.8% of the teachers were generally satisfied with their work. There were significant correlations between job satisfaction and the factors having a religion, number of classes in which the teacher teaches and the teacher's level of education. Conclusion: The responses were possibly influenced by the COVID-19 pandemic, it is suggested to carry out research in the post-pandemic context, to constitute a counterpoint to the diagnosis presented.

Keywords: job satisfaction; faculty; mental health assistance

 

Resumen

Satisfacción en el trabajo de los docentes de educación básica, técnica y tecnológica

Introducción: La satisfacción profesional de docentes es un sentimiento y una forma de ser positivo hacia la profesión, originada por factores contextuales y/o exteriorizada por la dedicación, defensa e incluso alegría frente a ella. Objetivo: Analizar el nivel de satisfacción laboral de los docentes de educación básica, técnica y tecnológica, considerando los aspectos intrínsecos, el entorno físico y las relaciones jerárquicas en asociación con los aspectos personales, profesionales y de salud. Métodos: Estudio transversal con datos recolectados entre julio y agosto de 2020, a través de formularios de Google, en una institución educativa pública de Pernambuco, con una muestra de 82 docentes. El instrumento de recolección fue un cuestionario sobre características personales, profesionales y de salud y la escala de satisfacción laboral. Los datos se analizaron utilizando el software SPSS. Resultados: Se evidenció que el 59,8% de los docentes en general se encuentran satisfechos con su trabajo. Hubo correlaciones significativas entre la satisfacción laboral y los factores tener religión, número de clases en las que enseña el profesor y nivel de educación del profesor. Conclusión: Las respuestas posiblemente fueron influenciadas por la pandemia de COVID-19, se sugiere realizar investigación en el contexto pospandemia, para constituir un contrapunto al diagnóstico presentado.

Palabras-clave: satisfacción en el trabajo; docentes; atención a la salud mental.

 

Introdução

 

A satisfação profissional dos professores é um sentimento e uma forma de estar positivo perante a profissão, originados por fatores contextuais e/ou exteriorizados pela dedicação, defesa e mesmo felicidade face à mesma [1]. Também pode ser definida como bem-estar, prazer e níveis de contentamento dos empregados, manifestados a partir de uma perspectiva obtida pela relação com as tarefas desempenhadas, interações vividas, remuneração recebida e significados que atribuem aos serviços realizados [2].

Mesmo não existindo um consenso na literatura acerca do conceito que melhor define este aspecto, entende-se que professores mais satisfeitos com a função obtêm melhores resultados e por isso tem sido considerada como um aspecto fundamental da docência [3].

Ressalta-se que esta satisfação está intimamente relacionada com a proteção da saúde mental desses trabalhadores. Logo, a saúde mental é um fator importante na saúde física, uma vez que o bom estado mental confere ao indivíduo a aptidão necessária para executar suas habilidades pessoais e profissionais, e possibilita o equilíbrio para lidar com as emoções sendo elas positivas ou negativas [4].

Diante do exposto, existe a necessidade de a instituição repensar os valores agregados com o fortalecimento do relacionamento interpessoal, promovendo um ambiente de bem-estar para motivação de todos e satisfação dos funcionários. Assim sendo, constata-se que essa ambiência das relações de trabalho, tem potencialidade para contribuir tanto para um espírito laborativo do empregado quanto para o comprometimento da saúde física e mental dos trabalhadores [5,6].

O adoecimento vivenciado pelo docente, o qual está relacionado a transtornos mentais, que mais apareceram nos estudos com professores são o estresse, a ansiedade, o esgotamento e problemas relacionados ao sono, sendo o principal a síndrome de burnout. Alguns fatores que ocasionam o adoecimento docente são comuns aos diferentes níveis de ensino investigados e se relacionam com a organização do trabalho, a falta de reconhecimento, problemas comportamentais dos alunos, pouco acompanhamento familiar e deficiências no ambiente físico [7,8].

Dessa forma, quando se fala em satisfação profissional docente, os estudos pontuam que há uma necessidade de aprofundar as pesquisas frente a esta temática na tentativa de compreender as idiossincrasias geradoras do adoecimento dos educadores, os quais são fundamentados pelos elevados índices de comprometimento da saúde mental dos profissionais citados. Associado a isso, revela-se a importância da implementação de programas de prevenção de agravos e promoção da saúde deste público com foco na melhoria das condições de trabalho e das relações interpessoais, o que poderá gerar benefícios a toda comunidade acadêmica [9].

Vale destacar que há peculiaridades que se diferem de acordo com o ambiente e contextos em que o educador está inserido. Além da docência, são exigidas atividades de pesquisa, extensão e administrativas. Dessa forma, se faz necessário a inquirição quanto a satisfação do trabalho docente, pois se compreende que quando satisfeitos com seu trabalho os professores terão maiores condições para melhorar seu desempenho profissional em todos os ambientes nos quais desenvolvem suas atividades [10].

Assim sendo, o presente estudo pretende analisar o nível de satisfação no trabalho entre docentes do ensino básico, técnico e tecnológico, considerando os aspectos intrínsecos, ambiente físico e relações hierárquicas em associação com os aspectos pessoais, profissionais e de saúde desses professores.

 

Métodos

 

Trata-se de uma pesquisa com abordagem quantitativa, descritiva e transversal. Realizada em um dos campi de uma instituição pública de ensino em Pernambuco. O tamanho da amostra foi determinado por meio da equação para população finita que considerou o intervalo de confiança (IC) de 95 %, nível de significância de 5% e margem de erro na estimativa de 5%. Nesta perspectiva, a amostra foi constituída por 82 professores.

Adotou-se como critérios de inclusão ser professor em exercício em qualquer nível de ensino ofertado na instituição educacional escolhida para o local da pesquisa. Excluiu-se da pesquisa os docentes afastados das atividades profissionais, por período maior que dois anos, durante a coleta de dados.

A coleta de dados ocorreu no período de julho a agosto de 2020, por meio de formulário eletrônico, Google form. Os professores foram convidados a participar da pesquisa por meio do e-mail institucional e na ocasião receberam o link de acesso ao instrumento. Ao abrir a página, os convidados acessavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para assiná-lo. Se o convite fosse aceito, o professor era diretamente encaminhado aos questionários, se não concordasse, o docente era encaminhado para uma página de agradecimento.

Foram utilizados dois instrumentos: (1) um questionário sociodemográfico, ocupacional e de saúde com os itens gênero, idade, escolaridade, número de filhos, estado civil, possuir alguma religião/crença/doutrina; em quantas escolas trabalhava, número de turmas em que lecionava, número de estudantes por turma, tempo de exercício na profissão, carga horária semanal de trabalho, realizar atividades de trabalho em outro local que não fosse a escola, exercer outra atividade trabalhista além de professor; histórico de afastamento das atividades por motivo de saúde, por causas relacionadas a transtornos mentais; e (2) a escala de satisfação no trabalho (S20/23), que considera os domínios da satisfação intrínseca, ambiente físico e relações hierárquicas no trabalho. As propriedades psicométricas da versão validada para o português brasileiro foram avaliadas por Carlotto e Câmara em 2008 [11].

O S20/23 é uma versão reduzida do Questionário S4/82 desenvolvido por Meliá e Peiró (1989) [12], esta versão reduzida é composta por 23 itens distribuídos em cinco fatores, sendo estes: Satisfação com a supervisão (6 itens), Satisfação com o ambiente físico de trabalho (5 itens), Satisfação com benefícios e políticas da organização (5 itens), Satisfação intrínseca do trabalho (4 itens) e Satisfação com a participação (3 itens) [11]. 

As informações foram tabuladas na planilha eletrônica Microsoft Excel e o processamento foi realizado por meio do software SPSS (Statistical Package for the Social Science), versão 21. Os dados foram analisados por meio de cálculos estatísticos das frequências percentuais e distribuições de frequências; do teste Qui-quadrado; da média, mediana, desvio padrão e amplitude interquartil; da normalidade dos escores padronizados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov; dos testes de Mann-Whitney e de Kruskal-Wallis nos casos indicados; e dos testes t de Student e da ANOVA nos casos aplicáveis. Todas as conclusões foram extraídas, considerando o nível de significância de 5%.

Este estudo foi derivado de uma pesquisa acadêmica mais ampla desenvolvida no âmbito de um curso stricto sensu a nível de mestrado, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o número de parecer 4.161.383 e encontra-se em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012 [13].

 

Resultados

 

A amostra foi constituída por 82 respondentes, com idade entre 28 anos e 65 anos e média de 41,3 anos. Foi identificado que 61% eram mulheres, 75,6% eram casados ou em união estável, 36,6% não possuíam filhos, 82,9% alegaram seguir uma religião, dos quais 55,9% eram católicos. O teste de comparação de proporção foi significativo em todos os fatores avaliados (p< 0,05), indicando que o perfil descrito é, consideravelmente, o mais frequente entre os grupos estudados.

Quanto ao perfil profissional dos participantes, 95,1% dos docentes possuíam um único vínculo profissional. Entretanto, 40,2% destes lecionava em 3 a 4 turmas, com uma média de 30 alunos por turma (41,5%). Destaca-se que 74,4% dos pesquisados assumem carga horária semanal de 40 horas. Outrossim, 30,5% dos investigados exercem a docência entre 11 e 20 anos. Referente à titulação, 42,7% possuem mestrado. Relacionado a saúde mental, foi evidenciado que 87,8% nunca se afastou das atividades por causa de transtornos mentais. O teste de comparação de proporção foi significativo em todos os fatores avaliados (p< 0,05), exceto para os fatores: número de alunos por turma (p = 0,079) e tempo que exerce a profissão de professor (p = 0,702).

Ao analisar os dados dos domínios de satisfação intrínseca, ambiente físico e relações hierárquicas (Tabela I), verificou-se que 59,8% dos docentes apresentaram satisfação com o trabalho. No contexto do domínio satisfação intrínseca, observou-se que houve maior satisfação dos professores com o trabalho enquanto “fator de realização” aqui representado pelo percentual de 84,1%. Foi identificado, também, que 75,6% dos pesquisados enxergam o trabalho como oportunidade "(...) de fazer coisas de que gosta" e 70,7% afirmam que “o trabalho oferece oportunidades para fazer coisas nas quais se destaca”.

 

Tabela I - Análise da escala de satisfação com o trabalho dos professores avaliados

 

 

Com relação ao domínio do ambiente físico, constatou-se que 54,9% dos profissionais referiu maior satisfação com a iluminação de seu local de trabalho e 52,4% sente-se satisfeito com ambiente e espaço físico, ventilação e climatização de local de trabalho. Porém, os escores de contentamento neste domínio foram menores, se comparados aos outros avaliados pela escala.

No que se refere ao fator relações hierárquicas, 68,3% dos professores estão mais satisfeitos com a possibilidade de decidir com autonomia sobre o próprio trabalho. Contudo, observa-se, também, que 65,9% dos professores sentem-se realizados com a participação nas decisões na organização ou na área de trabalho a que pertence. Como também, 61,0% dos profissionais se satisfaz nas relações pessoais com as instâncias de poder.

 

Tabela II - Análise da escala de satisfação com o trabalho, segundo os domínios e o perfil pessoal dos professores avaliados

 

Mediana (Amplitude interquartil); ¹p-valor do teste de Mann-Whitney; ²p-valor do teste Kruskal-Wallis

 

Ao analisar a Tabela II, identificou-se que a distribuição do escore da escala apresentou teste significativo para variável ter religião, nos domínios satisfação intrínseca (p-valor = 0,038), relações hierárquicas (p-valor = 0,001), assim como para o instrumento global (p-valor = 0,006).

 

Tabela III - Análise da escala de satisfação com o trabalho, segundo os domínios e o perfil profissional dos professores avaliados

 

Mediana (Amplitude interquartil); ¹p-valor do teste de Mann-Whitney; ²p-valor do teste Kruskal-Wallis

 

Ao fazer a análise dos domínios da escala de satisfação com o trabalho, segundo o perfil profissional dos professores avaliados (Tabela III), foi possível perceber que o escore de satisfação com o trabalho difere de forma significativa, no que diz respeito às variáveis número de turmas em que o professor leciona e grau de escolaridade do docente participante.

Quanto ao número de turmas que o professor leciona, o teste foi significativo nos domínios satisfação intrínseca (p-valor = 0,008) e relações hierárquicas (p-valor = 0,013), assim como para o instrumento global (p-valor = 0,007).

Observa-se, na Tabela III, que quanto maior o número de turmas que o professor possui, menor satisfação é referida com os aspectos próprios da docência como também com a sua chefia e quanto menor o número de turmas maior satisfação é exteriorizada. Quanto à associação encontrada entre o grau de escolaridade e o domínio das relações hierárquicas, houve significância do teste de comparação de distribuição para a variável escolaridade máxima (p-valor = 0,022).

 

Discussão

 

Os resultados desta pesquisa revelaram que a amostra estudada possui semelhança com os participantes de estudo realizado por Pedrolo et al. [14], o qual apresentou o seguinte perfil de professores: idade média de 44,62 ± 8,40 anos, a maioria era casado/ com companheiro e com filhos e com titulação acadêmica doutorado. No tocante à atuação profissional, houve predominância de docentes que atuavam no ensino técnico subsequente ou na graduação/tecnólogo, em regime de dedicação exclusiva.

Já em investigação realizada por Pires et al. [15], observou-se uma maior prevalência de participantes do gênero masculino (69,11%), com idade, maior que 50 anos (32,93%), 64,64% possuíam mais de 40 anos. Em se tratando do tempo de atuação no magistério, 86,18% dos professores tinham mais de seis anos de exercício docente, 47,16% desse total trabalhavam na atividade há mais de 18 anos e apenas 13,82% atuavam a menos de 5 anos, 82,11% atuavam no Ensino Técnico Integrado ao Nível Médio.

Na presente pesquisa, identificou-se elevado nível de escolaridade dos participantes da pesquisa, haja vista existir na amostra docente com doutorado. Ressalte-se que a educação profissional desenvolvida em escolas da rede federal, com ênfase naquelas que ofertam o nível médio, tem sua excelência reconhecida tanto pela comunidade civil quanto pela acadêmica, especialmente, entre outros fatores, pela qualificação do corpo docente, composto em sua maioria por mestres e doutores [16].

No que tange ao histórico de transtornos mentais desenvolvidos pelos professores em questão, verificou-se a ocorrência de casos consideráveis entre o público docente. Há falta de conhecimento ou de interesse quando se trata de transtornos mentais desenvolvidos pelo público docente, tanto pelos gestores, quanto pelos próprios professores. Esses aspectos e até mesmo a negação deste fato dificultam que o sujeito busque atendimento especializado o que inviabiliza o rastreamento e diagnóstico, levando a dados imprecisos [17]. Mesmo diante da realidade citada, as taxas de prevalência de transtornos mentais apresentadas em estudos epidemiológicos com docentes são evidentes e representam a necessidade de priorizar o tema.

Diante dos dados apresentados, verifica-se que, ao comparar os escores percentuais dos três fatores presentes na escala, os itens pertinentes ao domínio satisfação intrínseca, são os mais elevados, exceto “a possibilidade de decidir com autonomia sobre o próprio trabalho”, que também tem nível de satisfação elevado, no entanto, diz respeito ao âmbito das relações hierárquicas.

Isto posto, é possível constatar a satisfação do professor com a prática docente, com o trabalho enquanto fator de realização, da possibilidade de fazer o que gosta, por meio dessa atividade, dos objetivos e metas que deve alcançar. E, além disso, destaca-se o sentimento de autonomia gerado pela possibilidade de decidir, livremente, sobre o próprio trabalho.

De uma maneira geral, os professores apresentam-se mais satisfeitos com o trabalho enquanto fator de realização do que com as relações hierárquicas e ambiente físico de trabalho, pelo fato da prática docente lhes permitir fazer coisas nas quais se destacam e gostam. Somado a este resultado, o item autonomia também foi destacado pelos altos níveis de satisfação no trabalho [18].

A maioria dos professores demonstra-se satisfeita com o trabalho docente, especialmente, quando se trata das dimensões relevância social, leis e normas do trabalho, progressão na carreira e autonomia no trabalho [19].

Com relação ao domínio do ambiente físico, evidencia-se, no presente estudo, a necessidade de investimentos na infraestrutura da instituição. Este achado corrobora a investigação realizada por Ferreira et al. [20], que observaram que o ambiente e espaço físico de trabalho apresentaram o menor grau de satisfação.

Hanzelmann et al. [21] identificaram que os componentes físicos, ambientais e organizacionais do trabalho apresentaram associações estatísticas significativas e, para a maioria dos professores estudados, suas condições laborais eram inapropriadas em relação aos aspectos físicos do ambiente, o que pode gerar estresse. Em contrapartida, investigação realizada por Abrantes e Andrade [22] não foram encontradas associações entre os níveis de bem-estar e elementos como: condições de trabalho, estrutura física da instituição, escolaridade ou sexo.

Deste modo, percebe-se que o adoecimento mental docente está relacionado às precárias condições de trabalho, e os fatores de estresse e o ambiente interno e externo podem favorecer o processo de adoecimento. A garantia de uma saúde mental é intrínseca a uma realização pessoal, satisfação profissional, com autoestima a partir do respeito a si e às outras pessoas. A valorização da profissão é um fator determinante para o sucesso, reconhecimento e prestígio do trabalho como educador [23].

Na presente pesquisa, identificou-se que educadores com religião apresentam mais contentamento nos aspectos intrínsecos ao trabalho e estão mais satisfeitos com seus superiores hierárquicos, como também de uma maneira geral. Este resultado pode estar relacionado ao modo como este grupo de pessoas percebem o sentido e o significado do trabalho desempenhado e as relações interpessoais.

Os trabalhadores podem utilizar a religiosidade como ferramenta para enfrentar sofrimentos, nos diversos contextos familiares e sociais em que está inserido, portanto esta valorização no ambiente de trabalho pode proporcionar satisfação e bem-estar psicológico [24]. É incipiente na literatura pesquisas que abordem como a religião ou religiosidade interagem, em um sentido mais amplo, com as relações de um indivíduo e a organização onde atua. Tampouco, no que concerne ao relacionamento com os demais colaboradores, satisfação no trabalho, desempenho profissional e carreira [25].

Em pesquisa realizada com professores, a religiosidade apresentou associação significante com os relacionamentos interpessoais e sentido (propósito), apontou que um maior nível de religiosidade dos participantes está relacionado com uma melhor percepção de seus relacionamentos interpessoais. Além disso, observou-se uma maior percepção do sentido de vida entre os docentes mais religiosos, mais velhos e com maior renda. Com relação a satisfação com o trabalho, nesse estudo, a religiosidade não apresentou associação direta [26].

Nos resultados apresentados, constatou-se que há influência da carga horária de aulas na satisfação no trabalho docente, já que quanto mais turmas, maior sobrecarga de atividades de ensino. Somado a isto, pode estar a maior dificuldade no acompanhamento dos discentes devido à heterogeneidade dos níveis de aprendizagem em uma turma. E toda esta insatisfação pode gerar um descontentamento com os gerentes da instituição.

O aumento do número de turmas sobrecarrega o trabalho, o que pode influenciar negativamente a saúde mental do professor [27]. O perfil de risco para depressão frequentemente é composto por docentes que apresentam maior jornada de trabalho, atuam em uma única escola, ministrando aulas para turmas mais numerosas e com alunos com necessidades especiais [28].

Aspectos como hierarquia, ambiente físico e relação intrínseca são importantes, na medida em que se sabe que o indivíduo passa a maior parte do seu tempo no trabalho. Neste caso, quando existem no ambiente fatores que levam à insatisfação, o estresse ocasionado é, praticamente inevitável. E, entre as causas geradoras desse estresse, na instituição pública, estão a má qualidade nos relacionamentos interpessoais tanto com os colegas quanto com os superiores [29].

Em estudo realizado por Lorenzo et al. [9], ao considerar os domínios específicos da satisfação no trabalho, os maiores índices de satisfação foram atribuídos ao ambiente físico e os menores às relações hierárquicas. O estresse é um sinal de adoecimento ocasionado pelas características do trabalho docente, entre elas a dificuldade de relacionamento com os supervisores [8].

Nossos achados identificaram que os mestres, seguidos de doutores, estão mais satisfeitos com seus supervisores hierárquicos. A literatura aponta que conflitos de relacionamento nas organizações podem ser originados de preferências individuais e valores pessoais, isso contribui para a queda na satisfação no trabalho, além de comprometer as atividades coletivas, no que se refere às questões afetivas. Relacionar-se bem com os colegas de trabalho e profissionais da área da educação é significante para a percepção de satisfação e na diminuição de ocorrências de conflitos [30].

As relações de saber e poder ocorrem nas diversas instituições, inclusive, no meio acadêmico. O poder não está concentrado em um único lugar ou em uma única instituição e ele não parte de uma macroestrutura para uma microestrutura, mas está sim, nas microrrelações entre os sujeitos. Ele pode ser encontrado nas relações sociais e acontece de maneira sutil e discreta [31].

 

Conclusão

 

A partir deste estudo foi possível evidenciar que existe uma satisfação no trabalho dos professores em questão, de um modo geral e, no que tange aos itens analisados, os mesmos estão mais felizes com as características intrínsecas a sua prática profissional e com a autonomia para decidir sobre seu trabalho. Com relação aos itens da escala de satisfação, destaca-se a influência dos fatores possuir religião, número de turmas que o professor possui e grau de escolaridade dos docentes.

Os resultados desta pesquisa apontam para a necessidade de estudos mais aprofundados que forneçam subsídios para a criação de ferramentas institucionais de promoção de saúde docente. Verifica-se a necessidade de ponderação com relação ao número de turmas, no intuito de evitar uma sobrecarga de carga horária, considerando as outras atribuições que o professor acumula no contexto escolar, como administrativo-pedagógicos, pesquisa e extensão. Destaca-se como fundamental os investimentos em aspectos específicos, como o ambiente físico e as relações hierárquicas entre os trabalhadores. Sugere-se o desenvolvimento de programas institucionais que estimulem a prática de forças pessoais como espiritualidade e inteligência social e emocional, no intuito de atender demandas de proteção à saúde mental, e manejo de problemas psicopatológicos.

Como limitação deste estudo está o fato de a coleta de dados ter sido realizada no momento de pandemia COVID-19, em que algumas atividades docentes estavam suspensas na instituição e o próprio momento histórico pode ter influenciado nos resultados desta pesquisa. Diante disso, faz-se necessário um aprofundamento quantitativo e qualitativo, no intuito de verificar a satisfação no trabalho no contexto pós-pandêmico, de modo a contribuir como contraponto relevante para o diagnóstico apresentado.

 

Conflito de interesse

Não há nenhum conflito de interesse de quaisquer um dos autores.

 

Fontes de financiamento

Não houve fontes de financiamento. Financiamento próprio.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Nascimento IMAL, Hartmann Júnior JAS; Coleta de dados: Nascimento IMAL, Hartmann Júnior JAS; Análise e interpretação dos dados: Nascimento IMAL, Hartmann Júnior JAS, Nascimento MAR; Análise estatística: Lima AGT; Redação do manuscrito: Nascimento IMAL, Hartmann Júnior JAS, Nascimento MAR, Garcia SMS, Pereira JCN, Silva JM, Lima AGT; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Nascimento IMAL Hartmann Júnior JAS, Nascimento MAR, Garcia SMS, Pereira JCN, Silva JM, Lima AGT.

 

Referências

 

  1. Cardoso CGLV, Costa NMSC. Fatores de satisfação e insatisfação profissional de docentes de nutrição. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(8):2357-64. doi: 10.1590/1413-8123201521803862016 [Crossref]
  2. Assis FAA, Fabre CS. Um estudo comparativo sobre a abordagem da satisfação no trabalho entre três escalas de medidas comportamentais. RVS 2020;11(2):31. doi: 10.31994/rvs.v11i2.700 [Crossref]
  3. Ramos MFH, Fernandez APO, Furtado KCN, Ramos EMLS, Costa e Silva SS, Pontes FAR. The teacher job satisfaction: An analysis from the social cognitive model of job satisfaction and collective efficacy from teachers. Estud Psicol (Natal). 2016;21(2):179-91. doi: 10.5935/1678-4669.20160018 [Crossref]
  4. Santana GMX, Morais EC, Silva BS. Aulas remotas: uma reflexão sobre a saúde mental do professor [TCC] [Internet]. Guanambi: Psicologia, Centro Universitário FG; 2021. 27 p. [citado 2021 Jan 12]. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/13468/1/TCCIIpdf.pdf
  5. Cardoso AM, Rebouças MHG, Ramos AANN, Melo MCC. Doenças e disfunções ocupacionais ligadas à prática docente: causas e consequências. RECS-Rev Expressão Católica Saúde. 2019;4(2):26-34. doi: 10.25191/recs.v4i2.3233 [Crossref]
  6. Guljor APF, Ramos ES, Cruz PN. Clima organizacional e seus reflexos na saúde mental dos trabalhadores. Revista GETS [Internet]. 2020;3:98-121. [citado 2021 Jan 12]. Disponível em: https://ojs3x.gets.science/index.php/gets/article/view/60
  7. Dalagasperina P, Monteiro JK. Estresse e docência: um estudo no ensino superior privado. Rev Subj. 2016;16(1):36-51. doi: 10.5020/23590777.16.1.37-51 [Crossref]
  8. Diehl L, Marin AH. Adoecimento mental em professores brasileiros: revisão sistemática da literatura. Est Inter Psicol 2016;7(2):64-85. doi: 10.5433/2236-6407.2016v7n2p64 [Crossref]
  9. Lorenzo SM, Alves APR, Silva NR. Burnout e satisfação no trabalho em professores do ensino infantil. Braz J Develop. 2020;6(5):26937-50. doi: 10.34117/bjdv6n5-226 [Crossref]
  10. Moreira HR, Farias GO, Both J, Nascimento JV. Qualidade de vida no trabalho e síndrome de burnout em professores de educação física do estado do Rio Grande Do Sul, Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2021;14(2):115-22. doi: 10.12820/rbafs.v.14n2p115-122 [Crossref]
  11. Carlotto MS, Câmara SG. Propriedades psicométricas do Questionário de Satisfação no Trabalho (S20/23). Psico-USF. 2008;13:203-10. doi: 10.1590/S1413-82712008000200007 [Crossref]
  12. Meliá JL, Peiró JM. La medida de la satisfacción en organizaciones laborales: El Cuestionario de Satisfacción S20/23. Psicologema. [Internet] 1989;5:59-4. Disponível em: https://www.uv.es/~meliajl/Research/Art_Satisf/1989%20S20_23%20Melia%20y%20Peiro%20Red.pdf
  13. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Estabelece diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jun 2013. [citado 2021 Mar 20]. Disponível em: https://bit.ly/20ZpTyq
  14. Pedrolo E, Santana LL, Ziesemer NBS, Carvalho TP, Ramos TH, Haeffner R. Impacto da pandemia de COVID-19 na qualidade de vida e no estresse de docentes de uma instituição federal. RSD 2021;10(4):e43110414298. doi: 10.33448/rsd-v10i4.14298 [Crossref]
  15. Pires AP, Bahia MGM, Ferreira SAB, Caires VG. Professores do ensino básico, técnico e tecnológico: perfil e atuação profissional. RevCTED 2017;3(2):109-26. doi: 10.22476/revcted.v3i2.145 [Crossref]
  16. Brazorotto CM, Venco SB. Educação profissional no Brasil: História e política dos institutos federais. ETD-Educação Temática Digital 2021;23(1):98-116. doi: 10.20396/etd.v23i1.8656863 [Crossref]
  17. Campos T, Véras RM, Araújo TM. Trabalho docente em universidades públicas brasileiras e adoecimento mental: uma revisão bibliográfica. Rev Docência Ens Sup 2020;10:1-19. doi: 10.35699/2237-5864.2020.15193 [Crossref]
  18. Ferreira ACM. Satisfação no trabalho de docentes de uma instituição pública de ensino superior: reflexos na qualidade de vida [Dissertação]. Goiânia: Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás; 2011. p. 131. [citado 2021 Mar 12]. Disponível em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tde/711
  19. Raycik L, Oliveira LV, Viganó IC, Novello D. Satisfação do profissional docente: revisão bibliográfica. In: I Congresso Sul Brasileiro de Psicologia Positiva nas Organizações e no Trabalho: felicidade, espiritualidade e prosperidade; 2019 Out 10-11; Florianópolis, SC. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2019. p. 49. https://lappot.paginas.ufsc.br/files/2020/02/Anais-CBPPOT-1.pdf#page=50
  20. Ferreira ACM, Brasil VV, Zatta LT, Moraes KL, Soares LR, Santos LF. Satisfação no trabalho de docentes de ensino superior na área da saúde. Saúde & Ciência em Ação [Internet]. 2016;2(1):1-17. Disponível em: http://www.revistas.unifan.edu.br/index.php/RevistaICS/article/view/206
  21. Hanzelmann RS, Pereira EAA, Velasco AR, Silva AS, Oliveira EB, Passos JP. Stress of Elementary School teachers: environment in evidence. RDS. 2020;9(8):e53982910. doi: 10.33448/rsd-v9i8.2910 [Crossref]
  22. Abrantes DSS, Anadrade RF. Ambiente de trabalho e saúde mental: o caso dos docentes da UNIFAP. PRACS [Internet]. 2021 [citado 2021 Mar 12];13(3):357-71. Disponível em: https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs/article/view/5110/diegov13n3.pdf
  23. Tuma KSR. Enfermidades em profissionais docentes: uma realidade nas escolas públicas do Pará. RECIMA21. 2021;2(5):e25375. doi: 10.47820/recima21.v2i5.375 [Crossref]
  24. Silva RR. Espiritualidad y religión en el trabajo: Posibles implicaciones para el contexto organizacional. Psicol Ciênc Prof 2008;28(4):768-79. doi: 10.1590/S1414-98932008000400009 [Crossref]
  25. Santos CRS, Roazzi A, Souza BC. Religiosidade e suas interposições na relação indivíduo-organização. Revista Brasileira de Administração Científica. 2020; 11(1):145-60. doi: 10.6008/CBPC2179-684X.2020.001.0011 [Crossref]
  26. Cintra CL. Educação positiva: satisfação com o trabalho, forças de caráter e bem-estar psicológico de professores escolares [Dissertação] [Internet]. Vitória: Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo; 2016. 109 p. [citado 2021 Mar 12]. Disponível em: http://repositorio.ufes.br/handle/10/9054
  27. Tostes MV, Albuquerque GSC, Souza e Silva MJ, Petterle RR. Sofrimento mental de professores do ensino público. Saúde Debate. 2018;42(116):87-99. doi: 10.1590/0103-1104201811607 [Crossref]
  28. Lorenzo SM. Indicadores de ansiedade, burnout, depressão, satisfação no trabalho e qualidade de vida em professores da rede municipal [Tese] [Internet]. Marília: Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista; 2020. 148 p. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/193467
  29. Frazão EB. Índice de Satisfação no Trabalho e sua relação com o Clima Organizacional entre Servidores de uma Instituição Pública Federal [Dissertação] [Internet]. Catalão: Programa de Pós-Graduação em Gestão Organizacional, Universidade Federal de Goiás; 2016. 80 p. [citado 2021 Mar 12]. http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6568
  30. Pauli J, Tomasi M, Gallon S, Coelho E. Satisfação, conflitos e engajamento no trabalho para professores do ensino médio. RPCA. 2017;11(4):72-85. doi: 10.12712/rpca.v11i4.1004 [Crossref]
  31. Gonzales AL, Pereira RA, Pereira VA. Os saberes populares e seu lugar na universidade: as relações de poder no âmbito acadêmico. In: Anais da 17ª Mostra da Produção Universitária [Internet]; 2018 out 1-3. Rio Grande: Universidade Federal do Rio Grande–FURG; 2018. [citado 2021 Mar 15]. Disponível em: https://mpu.furg.br/anais1?layout=edit&id=129