Enferm Bras.
2023;22(2):182-98
ARTIGO
ORIGINAL
Satisfação
no trabalho de professores do ensino básico, técnico e tecnológico
Iracema
Mirella Alves Lima Nascimento1, José Antônio Spencer Hartmann Júnior1,
Mirtson Aécio dos Reis Nascimento1, Sonia Maria da Silva
Garcia1, Juliana de Castro Nunes Pereira1, Judicléia Marinho da Silva1, Angélica de Godoy
Torres Lima1
1Instituto Federal de Pernambuco, campus
Belo Jardim, PE, Brasil
Recebido
em: 30 de março de 2022; Aceito em: 20 de janeiro 2023
Correspondência: Angélica de Godoy Torres Lima, angelicagodoytl@gmail.com
Como citar
Nascimento IMAL, Hartmann
Júnior JAS, Nascimento MAR, Garcia SMS, Pereira JCN, Silva JM, Lima AGT. Satisfação
no trabalho de professores do ensino básico, técnico e tecnológico. Enferm Bras 2023;22(2):182-98. doi: 10.33233/eb.v22i1.5135
Resumo
Introdução: Satisfação profissional dos
professores é um sentimento e uma forma de estar positivo perante a profissão,
originados por fatores contextuais e/ou exteriorizados pela dedicação, defesa e
mesmo felicidade face à mesma. Objetivo: Analisar o nível de satisfação
no trabalho entre docentes do ensino básico, técnico e tecnológico,
considerando os aspectos intrínsecos, ambiente físico e relações hierárquicas
em associação com os aspectos pessoais, profissionais e de saúde desses
professores. Métodos: Estudo transversal com dados coletados entre julho
e agosto de 2020, por meio do Google forms, em uma
instituição pública de educação em Pernambuco. Teve como amostra 82
professores. O instrumento de coleta de dados foi um questionário sobre
características pessoais, profissionais e de saúde e a escala de satisfação no
trabalho. Os dados foram analisados no software SPSS. Resultados:
Evidenciou-se que 59,8% dos professores estavam satisfeitos com o trabalho de
uma maneira geral. Houve correlações significativas entre a satisfação no
trabalho e os fatores possuir religião, número de turmas em que o professor
leciona e grau de escolaridade do professor. Conclusão: As respostas
possivelmente foram influenciadas pela pandemia COVID-19, sugere-se a
realização de pesquisas no contexto pós-pandêmico, para constituir um
contraponto acerca do diagnóstico apresentado.
Palavras-chave: satisfação no emprego; docentes; assistência
à saúde mental.
Abstract
Job satisfaction of teachers in basic, technical and
technological education
Introduction: The
professional satisfaction of teachers is a feeling and a way of being positive
towards the profession, originated by contextual factors and/or externalized by
dedication, defense and even happiness in the face of it. Objective: To
analyze the level of job satisfaction among teachers of basic, technical and
technological education, considering the intrinsic aspects, physical environment
and hierarchical relationships in association with the personal, professional
and health aspects of these teachers. Methods: Cross-sectional study
with data collected between July and August 2020, through Google forms, in a
public educational institution in Pernambuco. The sample consisted of 82
teachers. The data collection instrument was a questionnaire about personal,
professional and health characteristics and the job satisfaction scale. Data
were analyzed using SPSS software. Results: It was shown that 59.8% of
the teachers were generally satisfied with their work. There were significant
correlations between job satisfaction and the factors having a religion, number
of classes in which the teacher teaches and the teacher's level of education. Conclusion:
The responses were possibly influenced by the COVID-19 pandemic, it is
suggested to carry out research in the post-pandemic context, to constitute a
counterpoint to the diagnosis presented.
Keywords: job satisfaction; faculty; mental
health assistance
Resumen
Satisfacción en el trabajo de los
docentes de educación básica, técnica y tecnológica
Introducción: La satisfacción
profesional de docentes es un
sentimiento y una forma de ser positivo hacia la profesión,
originada por factores contextuales
y/o exteriorizada por la dedicación,
defensa e incluso alegría frente a ella. Objetivo: Analizar el nivel de satisfacción
laboral de los docentes de educación
básica, técnica y tecnológica, considerando los
aspectos intrínsecos, el entorno físico y las relaciones jerárquicas en asociación con
los aspectos personales, profesionales y de salud. Métodos:
Estudio transversal con datos recolectados entre julio y agosto de 2020, a través de formularios
de Google, en una institución
educativa pública de Pernambuco, con una muestra de 82 docentes. El instrumento de recolección fue un cuestionario sobre características
personales, profesionales y
de salud y la escala de satisfacción laboral. Los datos
se analizaron utilizando el
software SPSS. Resultados: Se evidenció que el 59,8% de los docentes en general se encuentran satisfechos con su trabajo. Hubo
correlaciones significativas entre la satisfacción laboral y los factores tener religión, número de clases en las que enseña
el profesor y nivel de educación del profesor. Conclusión:
Las respuestas posiblemente fueron influenciadas
por la pandemia de COVID-19, se sugiere
realizar investigación en el contexto pospandemia, para
constituir un contrapunto
al diagnóstico presentado.
Palabras-clave: satisfacción en el trabajo;
docentes; atención a la salud mental.
A
satisfação profissional dos professores é um sentimento e uma forma de estar
positivo perante a profissão, originados por fatores contextuais e/ou
exteriorizados pela dedicação, defesa e mesmo felicidade face à mesma [1].
Também pode ser definida como bem-estar, prazer e níveis de contentamento dos
empregados, manifestados a partir de uma perspectiva obtida pela relação com as
tarefas desempenhadas, interações vividas, remuneração recebida e significados
que atribuem aos serviços realizados [2].
Mesmo
não existindo um consenso na literatura acerca do conceito que melhor define
este aspecto, entende-se que professores mais satisfeitos com a função obtêm
melhores resultados e por isso tem sido considerada como um aspecto fundamental
da docência [3].
Ressalta-se
que esta satisfação está intimamente relacionada com a proteção da saúde mental
desses trabalhadores. Logo, a saúde mental é um fator importante na saúde
física, uma vez que o bom estado mental confere ao indivíduo a aptidão
necessária para executar suas habilidades pessoais e profissionais, e
possibilita o equilíbrio para lidar com as emoções sendo elas positivas ou
negativas [4].
Diante
do exposto, existe a necessidade de a instituição repensar os valores agregados
com o fortalecimento do relacionamento interpessoal, promovendo um ambiente de
bem-estar para motivação de todos e satisfação dos funcionários. Assim sendo,
constata-se que essa ambiência das relações de trabalho, tem potencialidade
para contribuir tanto para um espírito laborativo do
empregado quanto para o comprometimento da saúde física e mental dos
trabalhadores [5,6].
O
adoecimento vivenciado pelo docente, o qual está relacionado a transtornos
mentais, que mais apareceram nos estudos com professores são o estresse, a
ansiedade, o esgotamento e problemas relacionados ao sono, sendo o principal a
síndrome de burnout. Alguns fatores que ocasionam o
adoecimento docente são comuns aos diferentes níveis de ensino investigados e
se relacionam com a organização do trabalho, a falta de reconhecimento,
problemas comportamentais dos alunos, pouco acompanhamento familiar e
deficiências no ambiente físico [7,8].
Dessa
forma, quando se fala em satisfação profissional docente, os estudos pontuam
que há uma necessidade de aprofundar as pesquisas frente a esta temática na
tentativa de compreender as idiossincrasias geradoras do adoecimento dos
educadores, os quais são fundamentados pelos elevados índices de
comprometimento da saúde mental dos profissionais citados. Associado a isso,
revela-se a importância da implementação de programas de prevenção de agravos e
promoção da saúde deste público com foco na melhoria das condições de trabalho
e das relações interpessoais, o que poderá gerar benefícios a toda comunidade
acadêmica [9].
Vale
destacar que há peculiaridades que se diferem de acordo com o ambiente e
contextos em que o educador está inserido. Além da docência, são exigidas
atividades de pesquisa, extensão e administrativas. Dessa forma, se faz
necessário a inquirição quanto a satisfação do trabalho docente, pois se
compreende que quando satisfeitos com seu trabalho os professores terão maiores
condições para melhorar seu desempenho profissional em todos os ambientes nos
quais desenvolvem suas atividades [10].
Assim
sendo, o presente estudo pretende analisar o nível de satisfação no trabalho
entre docentes do ensino básico, técnico e tecnológico, considerando os
aspectos intrínsecos, ambiente físico e relações hierárquicas em associação com
os aspectos pessoais, profissionais e de saúde desses professores.
Trata-se
de uma pesquisa com abordagem quantitativa, descritiva e transversal. Realizada
em um dos campi de uma instituição pública de ensino em Pernambuco. O tamanho
da amostra foi determinado por meio da equação para população finita que
considerou o intervalo de confiança (IC) de 95 %, nível de significância de 5%
e margem de erro na estimativa de 5%. Nesta perspectiva, a amostra foi
constituída por 82 professores.
Adotou-se
como critérios de inclusão ser professor em exercício em qualquer nível de ensino
ofertado na instituição educacional escolhida para o local da pesquisa.
Excluiu-se da pesquisa os docentes afastados das atividades profissionais, por
período maior que dois anos, durante a coleta de dados.
A
coleta de dados ocorreu no período de julho a agosto de 2020, por meio de
formulário eletrônico, Google form. Os professores foram convidados a
participar da pesquisa por meio do e-mail institucional e na ocasião receberam
o link de acesso ao instrumento. Ao abrir a página, os convidados acessavam o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para assiná-lo. Se o convite
fosse aceito, o professor era diretamente encaminhado aos questionários, se não
concordasse, o docente era encaminhado para uma página de agradecimento.
Foram
utilizados dois instrumentos: (1) um questionário sociodemográfico, ocupacional
e de saúde com os itens gênero, idade, escolaridade, número de filhos, estado
civil, possuir alguma religião/crença/doutrina; em quantas escolas trabalhava,
número de turmas em que lecionava, número de estudantes por turma, tempo de
exercício na profissão, carga horária semanal de trabalho, realizar atividades
de trabalho em outro local que não fosse a escola, exercer outra atividade
trabalhista além de professor; histórico de afastamento das atividades por
motivo de saúde, por causas relacionadas a transtornos mentais; e (2) a escala
de satisfação no trabalho (S20/23), que considera os domínios da satisfação
intrínseca, ambiente físico e relações hierárquicas no trabalho. As propriedades
psicométricas da versão validada para o português brasileiro foram avaliadas
por Carlotto e Câmara em 2008 [11].
O
S20/23 é uma versão reduzida do Questionário S4/82 desenvolvido por Meliá e Peiró (1989) [12], esta
versão reduzida é composta por 23 itens distribuídos em cinco fatores, sendo
estes: Satisfação com a supervisão (6 itens), Satisfação com o ambiente físico
de trabalho (5 itens), Satisfação com benefícios e políticas da organização (5
itens), Satisfação intrínseca do trabalho (4 itens) e Satisfação com a
participação (3 itens) [11].
As
informações foram tabuladas na planilha eletrônica Microsoft Excel e o
processamento foi realizado por meio do software SPSS (Statistical Package for the Social Science),
versão 21. Os dados foram analisados por meio de cálculos estatísticos das
frequências percentuais e distribuições de frequências; do teste Qui-quadrado; da média, mediana, desvio padrão e amplitude
interquartil; da normalidade dos escores padronizados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov; dos testes de Mann-Whitney e de Kruskal-Wallis nos casos indicados; e dos testes t de Student e da ANOVA nos casos aplicáveis. Todas as
conclusões foram extraídas, considerando o nível de significância de 5%.
Este
estudo foi derivado de uma pesquisa acadêmica mais ampla desenvolvida no âmbito
de um curso stricto sensu a nível de mestrado, aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa, sob o número de parecer 4.161.383 e encontra-se em conformidade com a
Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012 [13].
A
amostra foi constituída por 82 respondentes, com idade entre 28 anos e 65 anos
e média de 41,3 anos. Foi identificado que 61% eram mulheres, 75,6% eram
casados ou em união estável, 36,6% não possuíam filhos, 82,9% alegaram seguir
uma religião, dos quais 55,9% eram católicos. O teste de comparação de
proporção foi significativo em todos os fatores avaliados (p< 0,05),
indicando que o perfil descrito é, consideravelmente, o mais frequente entre os
grupos estudados.
Quanto
ao perfil profissional dos participantes, 95,1% dos docentes possuíam um único
vínculo profissional. Entretanto, 40,2% destes lecionava em 3 a 4 turmas, com
uma média de 30 alunos por turma (41,5%). Destaca-se que 74,4% dos pesquisados
assumem carga horária semanal de 40 horas. Outrossim, 30,5% dos investigados
exercem a docência entre 11 e 20 anos. Referente à
titulação, 42,7% possuem mestrado. Relacionado a saúde mental, foi evidenciado
que 87,8% nunca se afastou das atividades por causa de transtornos mentais. O
teste de comparação de proporção foi significativo em todos os fatores
avaliados (p< 0,05), exceto para os fatores: número de alunos por turma (p =
0,079) e tempo que exerce a profissão de professor (p = 0,702).
Ao
analisar os dados dos domínios de satisfação intrínseca, ambiente físico e
relações hierárquicas (Tabela I), verificou-se que 59,8% dos docentes
apresentaram satisfação com o trabalho. No contexto do domínio satisfação
intrínseca, observou-se que houve maior satisfação dos professores com o
trabalho enquanto “fator de realização” aqui representado pelo percentual de
84,1%. Foi identificado, também, que 75,6% dos pesquisados enxergam o trabalho
como oportunidade "(...) de fazer coisas de que gosta" e 70,7%
afirmam que “o trabalho oferece oportunidades para fazer coisas nas quais se
destaca”.
Tabela
I - Análise da
escala de satisfação com o trabalho dos professores avaliados
Com
relação ao domínio do ambiente físico, constatou-se que 54,9% dos profissionais
referiu maior satisfação com a iluminação de seu local de trabalho e 52,4%
sente-se satisfeito com ambiente e espaço físico, ventilação e climatização de
local de trabalho. Porém, os escores de contentamento neste domínio foram menores,
se comparados aos outros avaliados pela escala.
No
que se refere ao fator relações hierárquicas, 68,3% dos professores estão mais
satisfeitos com a possibilidade de decidir com autonomia sobre o próprio
trabalho. Contudo, observa-se, também, que 65,9% dos professores sentem-se
realizados com a participação nas decisões na organização ou na área de
trabalho a que pertence. Como também, 61,0% dos profissionais se satisfaz nas
relações pessoais com as instâncias de poder.
Tabela
II - Análise da
escala de satisfação com o trabalho, segundo os domínios e o perfil pessoal dos
professores avaliados
Mediana
(Amplitude interquartil); ¹p-valor do teste de Mann-Whitney; ²p-valor do teste Kruskal-Wallis
Ao
analisar a Tabela II, identificou-se que a distribuição do escore da escala
apresentou teste significativo para variável ter religião, nos domínios
satisfação intrínseca (p-valor = 0,038), relações hierárquicas (p-valor =
0,001), assim como para o instrumento global (p-valor = 0,006).
Tabela
III - Análise da
escala de satisfação com o trabalho, segundo os domínios e o perfil
profissional dos professores avaliados
Mediana
(Amplitude interquartil); ¹p-valor do teste de Mann-Whitney; ²p-valor do teste Kruskal-Wallis
Ao
fazer a análise dos domínios da escala de satisfação com o trabalho, segundo o
perfil profissional dos professores avaliados (Tabela III), foi possível
perceber que o escore de satisfação com o trabalho difere de forma
significativa, no que diz respeito às variáveis número de turmas em que o
professor leciona e grau de escolaridade do docente participante.
Quanto
ao número de turmas que o professor leciona, o teste foi significativo nos
domínios satisfação intrínseca (p-valor = 0,008) e relações hierárquicas
(p-valor = 0,013), assim como para o instrumento global (p-valor = 0,007).
Observa-se,
na Tabela III, que quanto maior o número de turmas que o professor possui,
menor satisfação é referida com os aspectos próprios da docência como também
com a sua chefia e quanto menor o número de turmas maior satisfação é
exteriorizada. Quanto à associação encontrada entre o grau de escolaridade e o
domínio das relações hierárquicas, houve significância do teste de comparação
de distribuição para a variável escolaridade máxima (p-valor = 0,022).
Os
resultados desta pesquisa revelaram que a amostra estudada possui semelhança
com os participantes de estudo realizado por Pedrolo et
al. [14], o qual apresentou o seguinte perfil de professores: idade média
de 44,62 ± 8,40 anos, a maioria era casado/ com companheiro e com filhos e com
titulação acadêmica doutorado. No tocante à atuação profissional, houve
predominância de docentes que atuavam no ensino técnico subsequente ou na
graduação/tecnólogo, em regime de dedicação exclusiva.
Já
em investigação realizada por Pires et al. [15], observou-se uma maior
prevalência de participantes do gênero masculino (69,11%), com idade, maior que
50 anos (32,93%), 64,64% possuíam mais de 40 anos. Em se tratando do tempo de atuação
no magistério, 86,18% dos professores tinham mais de seis anos de exercício
docente, 47,16% desse total trabalhavam na atividade há mais de 18 anos e
apenas 13,82% atuavam a menos de 5 anos, 82,11% atuavam no Ensino Técnico
Integrado ao Nível Médio.
Na
presente pesquisa, identificou-se elevado nível de escolaridade dos
participantes da pesquisa, haja vista existir na amostra docente com doutorado.
Ressalte-se que a educação profissional desenvolvida em escolas da rede
federal, com ênfase naquelas que ofertam o nível médio, tem sua excelência
reconhecida tanto pela comunidade civil quanto pela acadêmica, especialmente,
entre outros fatores, pela qualificação do corpo docente, composto em sua
maioria por mestres e doutores [16].
No
que tange ao histórico de transtornos mentais desenvolvidos pelos professores
em questão, verificou-se a ocorrência de casos consideráveis entre o público
docente. Há falta de conhecimento ou de interesse quando se trata de
transtornos mentais desenvolvidos pelo público docente, tanto pelos gestores,
quanto pelos próprios professores. Esses aspectos e até mesmo a negação deste
fato dificultam que o sujeito busque atendimento especializado o que
inviabiliza o rastreamento e diagnóstico, levando a dados imprecisos [17].
Mesmo diante da realidade citada, as taxas de prevalência de transtornos
mentais apresentadas em estudos epidemiológicos com docentes são evidentes e
representam a necessidade de priorizar o tema.
Diante
dos dados apresentados, verifica-se que, ao comparar os escores percentuais dos
três fatores presentes na escala, os itens pertinentes ao domínio satisfação
intrínseca, são os mais elevados, exceto “a possibilidade de decidir com
autonomia sobre o próprio trabalho”, que também tem nível de satisfação
elevado, no entanto, diz respeito ao âmbito das relações hierárquicas.
Isto
posto, é possível constatar a satisfação do professor com a prática docente,
com o trabalho enquanto fator de realização, da possibilidade de fazer o que
gosta, por meio dessa atividade, dos objetivos e metas que deve alcançar. E,
além disso, destaca-se o sentimento de autonomia gerado pela possibilidade de
decidir, livremente, sobre o próprio trabalho.
De
uma maneira geral, os professores apresentam-se mais satisfeitos com o trabalho
enquanto fator de realização do que com as relações hierárquicas e ambiente
físico de trabalho, pelo fato da prática docente lhes permitir fazer coisas nas
quais se destacam e gostam. Somado a este resultado, o item autonomia também
foi destacado pelos altos níveis de satisfação no trabalho [18].
A
maioria dos professores demonstra-se satisfeita com o trabalho docente,
especialmente, quando se trata das dimensões relevância social, leis e normas
do trabalho, progressão na carreira e autonomia no trabalho [19].
Com
relação ao domínio do ambiente físico, evidencia-se, no presente estudo, a
necessidade de investimentos na infraestrutura da instituição. Este achado
corrobora a investigação realizada por Ferreira et al. [20], que
observaram que o ambiente e espaço físico de trabalho apresentaram o menor grau
de satisfação.
Hanzelmann et al. [21] identificaram que os
componentes físicos, ambientais e organizacionais do trabalho apresentaram
associações estatísticas significativas e, para a maioria dos professores
estudados, suas condições laborais eram inapropriadas em relação aos aspectos
físicos do ambiente, o que pode gerar estresse. Em contrapartida, investigação
realizada por Abrantes e Andrade [22] não foram encontradas associações entre
os níveis de bem-estar e elementos como: condições de trabalho, estrutura
física da instituição, escolaridade ou sexo.
Deste
modo, percebe-se que o adoecimento mental docente está relacionado às precárias
condições de trabalho, e os fatores de estresse e o ambiente interno e externo
podem favorecer o processo de adoecimento. A garantia de uma saúde mental é
intrínseca a uma realização pessoal, satisfação profissional, com autoestima a
partir do respeito a si e às outras pessoas. A valorização da profissão é um
fator determinante para o sucesso, reconhecimento e prestígio do trabalho como
educador [23].
Na
presente pesquisa, identificou-se que educadores com religião apresentam mais
contentamento nos aspectos intrínsecos ao trabalho e estão mais satisfeitos com
seus superiores hierárquicos, como também de uma maneira geral. Este resultado
pode estar relacionado ao modo como este grupo de pessoas percebem o sentido e
o significado do trabalho desempenhado e as relações interpessoais.
Os
trabalhadores podem utilizar a religiosidade como ferramenta para enfrentar
sofrimentos, nos diversos contextos familiares e sociais em que está inserido,
portanto esta valorização no ambiente de trabalho pode proporcionar satisfação
e bem-estar psicológico [24]. É incipiente na literatura pesquisas que abordem
como a religião ou religiosidade interagem, em um sentido mais amplo, com as
relações de um indivíduo e a organização onde atua. Tampouco, no que concerne
ao relacionamento com os demais colaboradores, satisfação no trabalho,
desempenho profissional e carreira [25].
Em
pesquisa realizada com professores, a religiosidade apresentou associação
significante com os relacionamentos interpessoais e sentido (propósito),
apontou que um maior nível de religiosidade dos participantes está relacionado
com uma melhor percepção de seus relacionamentos interpessoais. Além disso,
observou-se uma maior percepção do sentido de vida entre os docentes mais
religiosos, mais velhos e com maior renda. Com relação a satisfação com o
trabalho, nesse estudo, a religiosidade não apresentou associação direta [26].
Nos
resultados apresentados, constatou-se que há influência da carga horária de
aulas na satisfação no trabalho docente, já que quanto mais turmas, maior
sobrecarga de atividades de ensino. Somado a isto, pode estar a maior
dificuldade no acompanhamento dos discentes devido à heterogeneidade dos níveis
de aprendizagem em uma turma. E toda esta insatisfação pode gerar um
descontentamento com os gerentes da instituição.
O
aumento do número de turmas sobrecarrega o trabalho, o que pode influenciar
negativamente a saúde mental do professor [27]. O perfil de risco para
depressão frequentemente é composto por docentes que apresentam maior jornada
de trabalho, atuam em uma única escola, ministrando aulas para turmas mais
numerosas e com alunos com necessidades especiais [28].
Aspectos
como hierarquia, ambiente físico e relação intrínseca são importantes, na
medida em que se sabe que o indivíduo passa a maior parte do seu tempo no
trabalho. Neste caso, quando existem no ambiente fatores que levam à
insatisfação, o estresse ocasionado é, praticamente inevitável. E, entre as causas
geradoras desse estresse, na instituição pública, estão a má qualidade nos
relacionamentos interpessoais tanto com os colegas quanto com os superiores
[29].
Em
estudo realizado por Lorenzo et al. [9], ao considerar os domínios
específicos da satisfação no trabalho, os maiores índices de satisfação foram
atribuídos ao ambiente físico e os menores às relações hierárquicas. O estresse
é um sinal de adoecimento ocasionado pelas características do trabalho docente,
entre elas a dificuldade de relacionamento com os supervisores [8].
Nossos
achados identificaram que os mestres, seguidos de doutores, estão mais
satisfeitos com seus supervisores hierárquicos. A literatura aponta que
conflitos de relacionamento nas organizações podem ser originados de preferências
individuais e valores pessoais, isso contribui para a queda na satisfação no
trabalho, além de comprometer as atividades coletivas, no que se refere às
questões afetivas. Relacionar-se bem com os colegas de trabalho e profissionais
da área da educação é significante para a percepção de satisfação e na
diminuição de ocorrências de conflitos [30].
As
relações de saber e poder ocorrem nas diversas instituições, inclusive, no meio
acadêmico. O poder não está concentrado em um único lugar ou em uma única
instituição e ele não parte de uma macroestrutura para uma microestrutura, mas
está sim, nas microrrelações entre os sujeitos. Ele
pode ser encontrado nas relações sociais e acontece de maneira sutil e discreta
[31].
A
partir deste estudo foi possível evidenciar que existe uma satisfação no
trabalho dos professores em questão, de um modo geral e, no que tange aos itens
analisados, os mesmos estão mais felizes com as características intrínsecas a
sua prática profissional e com a autonomia para decidir sobre seu trabalho. Com
relação aos itens da escala de satisfação, destaca-se a influência dos fatores
possuir religião, número de turmas que o professor possui e grau de
escolaridade dos docentes.
Os
resultados desta pesquisa apontam para a necessidade de estudos mais
aprofundados que forneçam subsídios para a criação de ferramentas
institucionais de promoção de saúde docente. Verifica-se a necessidade de
ponderação com relação ao número de turmas, no intuito de evitar uma sobrecarga
de carga horária, considerando as outras atribuições que o professor acumula no
contexto escolar, como administrativo-pedagógicos, pesquisa e extensão.
Destaca-se como fundamental os investimentos em aspectos específicos, como o
ambiente físico e as relações hierárquicas entre os trabalhadores. Sugere-se o
desenvolvimento de programas institucionais que estimulem a prática de forças
pessoais como espiritualidade e inteligência social e emocional, no intuito de
atender demandas de proteção à saúde mental, e manejo de problemas
psicopatológicos.
Como
limitação deste estudo está o fato de a coleta de dados ter sido realizada no
momento de pandemia COVID-19, em que algumas atividades docentes estavam
suspensas na instituição e o próprio momento histórico pode ter influenciado
nos resultados desta pesquisa. Diante disso, faz-se necessário um
aprofundamento quantitativo e qualitativo, no intuito de verificar a satisfação
no trabalho no contexto pós-pandêmico, de modo a contribuir como contraponto relevante
para o diagnóstico apresentado.
Conflito
de interesse
Não
há nenhum conflito de interesse de quaisquer um dos autores.
Fontes
de financiamento
Não
houve fontes de financiamento. Financiamento próprio.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Nascimento IMAL, Hartmann Júnior JAS; Coleta de dados: Nascimento
IMAL, Hartmann Júnior JAS; Análise e interpretação dos dados: Nascimento
IMAL, Hartmann Júnior JAS, Nascimento MAR; Análise estatística: Lima
AGT; Redação do manuscrito: Nascimento IMAL, Hartmann Júnior JAS,
Nascimento MAR, Garcia SMS, Pereira JCN, Silva JM, Lima AGT; Revisão crítica
do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Nascimento IMAL
Hartmann Júnior JAS, Nascimento MAR, Garcia SMS, Pereira JCN, Silva JM, Lima
AGT.