Enferm Bras 2022;21(4):462-481
ARTIGO ORIGINAL
Influências da
religiosidade e espiritualidade para o cuidado e autocuidado de pessoas com estomia intestinal
Wanderson Alves Ribeiro, M.Sc.*, Bianca Ribeiro Porto de Andrade**, Norma Valéria
Dantas de Oliveira Souza, D.Sc.***, Fátima Helena do
Espírito Santo, D.Sc.****, Marilda Andrade, D.Sc.*****, Larissa Christiny
Amorim dos Santos******
*Enfermeiro, Doutorando
pelo Programa Acadêmico em Ciências do Cuidado em Saúde pela Escola de
Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense Niterói,
RJ, Docente do curso de Graduação e Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade
Iguaçu, Nova Iguaçu, RJ, **Enfermeira, Docente do curso de Graduação em
Enfermagem na Universidade Castelo Branco, Realengo, RJ, ***Enfermeira,
Professora Titular do Departamento de Enfermagem Médico-cirúrgica da Faculdade
de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - ENF/UERJ,
Coordenadora do curso de Pós-Graduado em Enfermagem em Estomaterapia
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ****Enfermeira, Professora
Associada no Departamento enfermagem medico-cirúrgica da Escola de Enfermagem
Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense, Niterói RJ,
*****Enfermeira, Vice-Diretora, Professora Associada na Escola de Enfermagem
Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ,
******Acadêmica do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Iguaçu,
Nova Iguaçu, RJ
Recebido em 9 de maio de
2022; Aceito em 20 de julho de 2022.
Correspondência: Wanderson Alves Ribeiro, Rua Airoca, 12 casa 3 Austin 26076-255 Nova Iguaçu RJ
Wanderson
Alves Ribeiro: nursing_war@hotmail
Bianca
Ribeiro Porto De Andrade: bianca_ribeiroandrade@yahoo.com.br
Norma
Valéria Dantas de Oliveira Souza: norval_souza@yahoo.com.br
Fátima
Helena do Espírito Santo: fatimahelena@id.uff.br
Marilda
Andrade: marildaandrade@uol.com.br
Larissa Christiny Amorim dos Santos: amorimlari224@gmail.com
Resumo
Objetivo: Descrever as influências da religião e
da espiritualidade para o autocuidado da pessoa com estomia
intestinal. Métodos: Estudo qualitativo, descritivo e exploratório,
realizado em um Núcleo de Atenção à Saúde da Pessoa Estomizada,
localizado no município de Niterói, Estado de Rio de Janeiro, cujos
participantes foram 32 pessoas com estomias
intestinais. A técnica de coleta foi a entrevista semiestruturada e o
tratamento dos dados ocorreu por meio da técnica de análise de conteúdo. Resultados:
Aplicação dessa técnica fez emergir 28 unidades de registro agrupadas em três:
1) aceitar a vontade de Deus; 2) a estomia intestinal
e a fé para viver; 3) as rezas, orações e a religião. Conclusão: Este
estudo evidenciou que a espiritualidade e a religiosidade são relevantes
elementos para a aceitação da nova condição de saúde e para o desenvolvimento
do autocuidado. Ademais, caracterizam-se como amenizadoras do sofrimento
psíquico pelas perdas advindas da confecção da estomia.
Palavras-chave: autocuidado; espiritualidade; estomia; Enfermagem.
Abstract
Influences of religiosity and spirituality for the care and self-care of
people with intestinal ostomy
Objective: To describe the influences of religion and
spirituality for the self-care of the person with an intestinal ostomy. Methods:
Qualitative study, described and exploratory, carried out in a Center for
Health Care of the Ostomized Person, located in the
city of Niterói, State of Rio de Janeiro, whose
participants were 32 people with intestinal ostomies. The collection technique
was the semi-structured interview and the data processing took place through
the content analysis technique. Results: Application of this technique
led to the emergence of 28 registration units grouped into three: 1) accepting
the will of God; 2) intestinal ostomy and faith to live; 3) prayers, prayers
and religion. Conclusion: This study showed that spirituality and
religiosity are relevant elements for the acceptance of the new health
condition and for the development of self-care. In addition, they are
characterized as mitigating psychic suffering due to the losses arising from
the making of the ostomy.
Keywords: self-care; spirituality; ostomy; Nursing.
Resumen
Influencias de la religiosidad y espiritualidad para el cuidado y
autocuidado de personas con ostomía
intestinal
Objetivo: Describir las influencias de la religión y la espiritualidad
para el autocuidado de la
persona con ostomía
intestinal. Métodos: Estudio cualitativo, descritivo y exploratorio,
realizado en un Centro de Atención a la Salud
de la Persona Ostomizada, ubicado
en la ciudad
de Niterói, Estado de Rio de Janeiro, cuyos
participantes fueron 32 personas con
ostomías intestinales. La
técnica de recolección fue la entrevista semiestructurada y el procesamiento de datos se realizó a través de la técnica de análisis de contenido. Resultados: La aplicación
de esta técnica llevó al surgimiento
de 28 unidades de registro agrupadas en tres: 1) aceptar la voluntad de Dios; 2) ostomía intestinal y fe para vivir; 3) oraciones, rezos y religión. Conclusión: Este estudio mostró que la espiritualidad
y la religiosidad son elementos relevantes para la aceptación de la nueva condición de salud y para el desarrollo del autocuidado. Además, se caracterizan por
mitigar el sufrimiento
psíquico por pérdidas derivadas de la realización de la ostomía.
Palavras-clave: autocuidado; espiritualidad;
estomía; Enfermería.
As
palavras ostomia, ostoma, estoma ou estomia são de origem grega. Elas significam boca, orifício
ou abertura. A confecção de um estoma intestinal é um procedimento
relativamente frequente nas cirurgias do trato digestivo. Os estomas do
segmento distal do intestino delgado (íleo) são denominados ileostomias e os do
intestino grosso são as colostomias [1,2].
Os
estomas temporários, quando o problema de saúde que originou sua confecção é
devidamente tratado, possibilitam a reconstrução do trânsito intestinal.
Todavia, os definitivos são os que apresentam o segmento distal do intestino
extirpado, impedindo o restabelecimento do trânsito intestinal normal. Tanto a
pessoa com estomia intestinal temporária quanto
definitiva deve ser incentivada para realização do autocuidado a fim de
assegurar a melhor adaptação possível a tal condição de saúde e, portanto,
qualidade de vida [3,4].
No que
concerne ao autocuidado, com base na teoria formulada por Dorothea Orem,
corresponde a um dos três construtos que formam o arcabouço da Teoria de
Enfermagem do Déficit de Autocuidado, cujo pressuposto é que todos os seres
humanos têm potencial para desenvolver suas habilidades intelectuais e
práticas, além da motivação essencial para o autocuidado. Em termos conceituais
define-se como autocuidado, a prática de atividades que o indivíduo inicia e
realiza para benefício próprio, para manter a vida, a saúde e o bem-estar.
Nesse sentido, tal teoria propõe que todos os pacientes sejam encorajados a
cuidar de si próprios e tenham participação ativa no processo de cuidados [5].
Na
perspectiva de uma pessoa com estomia intestinal, é
muito importante que ele desenvolva o autocuidado, pois há vários limitadores
para uma boa qualidade de vida impactando negativamente nas dimensões física,
psicológica e psicossociais. A imagem corporal está relacionada à juventude,
beleza, vigor, integridade e saúde, e aqueles que não correspondem a esse
conceito de beleza corporal podem experimentar significativo senso de rejeição
[6,7].
Ademais,
a presença da estomia repercute em problemas sexuais,
sentimentos depressivos, insatisfação com a aparência, mudança no vestuário,
baixa autoestima, odor desagradável, dificuldade de viajar, sentimento de
cansaço e preocupação com os sons produzidos [8,9,10,11].
Os
pacientes com estomias têm de adotar inúmeras medidas
de adaptação e reajustamento às atividades diárias, como o autocuidado e a
manipulação dos equipamentos coletores e adjuvantes. A pessoa que se submete a
uma estomia necessita de cuidados específicos e
acompanhamento especializado. Estes cuidados devem abranger as necessidades
biológicas, psicossociais e espirituais, e o plano de cuidados de enfermagem
demanda avaliação ampla e contínua [12,13,14].
Corrobora-se
ainda que é relevante considerar a objetividade e a subjetividade inerentes ao
trabalho em saúde, tendo-se em vista que o objeto que o constitui são seres
humanos cujas intervenções técnicas são sempre permeadas por relações
interpessoais. É nesse sentido que a espiritualidade é abordada para chamar a
atenção para a dimensão da religiosidade e da espiritualidade, uma vez que esta
concede esperança e resiliência para se adaptar ao processo saúde-doença e
vislumbrar dias melhores [14].
No que se refere as inúmeras necessidades
adaptativas e enfrentamentos, muitos pacientes mostraram melhor perspectiva
para confrontar o processo saúde-doença, quando associaram essa experiência à
fé e à espiritualidade. Ter fé e praticar alguma religião provoca bons efeitos
nas pessoas, servindo como pilar de apoio e força para superação dessa fase,
com consequente bem-estar [15].
A
espiritualidade é, por definição, umas das fontes primordiais de inspiração
para o novo. Resulta em esperança, é geradora de sentido pleno e de capacidade
de autotranscedência para o ser humano, e diz respeito a algo para além do
plano físico, dotado de finitude, num trilhar pela infinitude [16].
É a busca
por significado e propósito na vida, numa conexão com o eu mesmo, os outros, o
transcendente ou sagrado, e vai além de religiosidade, podendo ou não conter a
espiritualidade [17,18,19]. É proporcionadora e propiciadora do encontro de um
sentido para a existência humana [20].
Concerne
ainda que espiritualidade é forte condicionante da organização social. O mundo,
em pluralidade, tem admitido ampliação da espiritualidade que transcende à
religiosidade, e, como tal, deve ser admitida por enfermeiros como fenômeno
antropológico da experiência biográfica dos indivíduos, e amparado durante o
cuidado, principalmente quando esta propicia adaptações positivas na vida das
pessoas com estomias [21,22].
Mediante
o exposto, o estudo tem como objetivo descrever as influências da religião e da
espiritualidade para o autocuidado da pessoa com estomia
intestinal.
Salienta-se
que este estudo é um recorte de dissertação, oriunda do Programa de Mestrado
Acadêmico em Ciências do Cuidado em Saúde, da Universidade Federal Fluminense,
que tinha como objetivo caracterizar o perfil sociodemográfico e de saúde dos
participantes da pesquisa e discutir o autocuidado realizado pelos
participantes, indivíduos com estomias intestinais, à
luz de Dorothea Orem. Vale ressaltar que, para esta construção, foram
trabalhados apenas os resultados que visaram aprofundar as questões da religião
e da espiritualidade para o autocuidado das pessoas com estomias,
sendo elaborada uma proposta diferenciada, na qual o presente eixo trouxe
relevante contribuição para o conhecimento da temática.
Trata-se
de um estudo exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa, que teve
como fonte de informação a pesquisa de campo, realizada no Núcleo de Atenção à
Saúde da Pessoa Estomizada, localizado no município
de Niterói, Estado de Rio de Janeiro.
Esta
pesquisa atendeu aos princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de
Saúde (CNS) nº.466/12, que assegura os direitos e deveres da comunidade
científica e dos participantes da pesquisa, respeitando-se os princípios de
justiça, equidade e segurança. Nesta perspectiva, tal estudo foi submetido ao
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Antônio Pedro da
Universidade Federal Fluminense, tendo o parecer com a aprovação do estudo
liberado em 04/09/18 sob o número 2.872.449.
Os
participantes do estudo foram pessoas com estomias de
eliminação, com idade acima de dezoito anos, em acompanhamento ambulatorial e
que receberam orientação prévia para o manuseio do estoma intestinal, que
aceitaram participar da pesquisa, respondendo ao questionário e assinando o
termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos do estudo
indivíduos que não apresentavam condições mentais preservadas e que não
compareceram ao Núcleo no período da coleta de dados.
Realizou-se
a abordagem dos participantes da pesquisa no período de agosto a outubro de
2018, quando foram esclarecidos sobre o objetivo da pesquisa e obtida a
autorização por meio da assinatura no termo de consentimento livre e
esclarecido, no qual garantiu-se o anonimato e o não prejuízo da continuidade do
tratamento em caso de não concordância em participação na investigação.
Para
coleta de dados utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturada, com
perguntas fechadas e abertas, realizada de forma individual, em uma sala
reservada. Solicitou-se a cada participante que falasse sobre o processo
vivenciado com a estomia intestinal, a realização do
autocuidado e suas limitações frente a mesma. A entrevista contou com as
seguintes questões investigativas: Como tem sido viver com a estomia intestinal? Como o(a) senhor(a) realiza os cuidados
com sua estomia? O (A) senhor(a) encontra alguma
dificuldade para realizar o autocuidado?
Frente a
isso, para confecção deste estudo, foram extraídas apenas os trechos das
respostas onde os pacientes verbalizaram o uso da religiosidade ou
espiritualidade como rede de apoio no processo de viver com a estomia intestinal.
As
entrevistas foram gravadas e, na medida do possível, transcritas o mais breve
pelo pesquisador principal com o objetivo de não eliminar nenhuma informação
que resultasse na perda do sentido na fala do participante e apreender a
totalidade do conteúdo dos depoimentos.
Após a
transcrição na íntegra do conteúdo das entrevistas e a identificação dos
participantes com a sigla PE (Paciente Estomizados)
associada a uma numeração crescente, iniciou-se o tratamento e análise dos
dados coletados por meio da técnica de Análise de Conteúdo de Bardin [23].
Essa
técnica preconiza três etapas, assim, procedeu-se a pré-análise
na qual o pesquisador realiza a escolha dos documentos a serem submetidos à
análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos e a elaboração de
indicadores que fundamentem a interpretação final. Na sequência efetuou-se a
descrição analítica, na qual o material é submetido a um estudo aprofundado
orientado pelas hipóteses e pelo referencial teórico. Procedimentos como a
codificação, a categorização e a classificação são básicos
nesta etapa, buscando sínteses coincidentes e divergentes de ideias.
Finalmente, realizou-se à interpretação referencial, na qual a reflexão, junto
com o embasamento no material empírico estabelece relações, aprofundando as
conexões das ideias. Nessa etapa, o pesquisador aprofunda sua análise e chega a
resultados mais concretos da pesquisa [23].
O corpus
do estudo foi composto por 32 entrevistas, originando 28 unidades de registro
agrupadas em 3 categorias, sendo essas o resultado final da codificação e
categorização do material discursivo analisado. Após a transcrição das
entrevistas, identificaram-se as frases relevantes para o alcance do objetivo
utilizando cores; essas frases relevantes e suas respectivas cores foram
organizadas da seguinte forma: 1) aceitar a vontade de Deus (amarelo); 2) a estomia intestinal e a fé para viver (verde); 3) as rezas,
orações e a religião (azul).
A partir
dessa codificação, as frases foram reunidas formando as seguintes categorias:
1) Medo, Aceitação e Superação; 2) A Condição de estomizado
e a crença inabalável; 3) Conexões de acesso com o sagrado.
Observa-se,
no Quadro 1, a organização categórica final resultante da análise dos dados,
bem como a visualização da proporção numérica das unidades de registro
encontradas em cada categoria do presente estudo, de acordo com a tendência das
respostas seguidas pelos participantes.
Quadro 1 - Organização categórica final
Fonte:
Dados da pesquisa construídos pelos autores (2021)
Além
disso, apresenta-se o gráfico 1, construído para melhor visualização da
organização da categoria.
Gráfico 1 - Organização categórica final
Caracterização dos
participantes
Nesta
etapa do estudo, foram analisados os dados e discutidos os resultados obtidos
na pesquisa de campo, através da coleta de dados, tendo como escopo alcançar o
objetivo deste estudo.
Vale
mencionar que se considerou relevante apresentar uma caracterização do perfil
dos participantes, com o fito de enriquecer o estudo e expor dados que
conduzissem ao melhor entendimento das questões da espiritualidade e da
religiosidade que permeiam a pessoa com estomia.
Nesse sentido, descrevem-se a seguir informações sobre aspectos socioeconômicos
e culturais dos participantes, no que se refere ao gênero; estado civil; faixa
etária; raça e religião. Posteriormente, apresenta-se as características
clínicas dos participantes, referente às causas da estomia;
tipos de estomias intestinais e tempo de estomia intestinal.
Tabela I – Características sociodemográficas
dos pacientes estomizados intestinais.
Niterói, Rio de
Janeiro, Brasil, 2018 (N = 32)
Fonte:
Dados da pesquisa construídos pelos autores (2021)
Na Tabela
I, verifica-se predomínio de pacientes estomizados
intestinais do sexo masculino (60,8%), casados (44,8%), com idade média de 61 a
91 anos (57,6%), pardo (61,6%) e evangélico (30%).
Cabe
mencionar que as mulheres conseguem se adaptar ao processo de reabilitação em
curto espaço de tempo, quando comparadas aos pacientes do sexo masculino, mesmo
ao apresentarem maior fragilidade emocional no período pré-operatório. Nesse
sentido, os homens evidenciam necessidade de tempo maior para se adaptarem às
atividades do novo cotidiano, advindo da construção da colostomia e ileostomia.
Ressalta-se ainda que essa dificuldade de aceitação da nova rotina de vida
poderá impactar na aderência ao autocuidado [24].
Estudos
apontam que a faixa etária mais acometida para a realização de procedimentos
cirúrgicos que geram estomias intestinais é a de 58 a
78 anos, pois constitui fator de risco para o aparecimento de neoplasias e
outras doenças crônicas que resultam em confecção de estomias
[25].
Tabela II – Características clinica dos
pacientes estomizados intestinais. Niterói, Rio de
Janeiro, Brasil, 2018 (n = 32)
Fonte:
Dados da pesquisa construídos pelos autores (2021)
Foi
evidenciado que a causa principal da estomia, na
maioria dos pacientes, foi o câncer colorretal e a segunda causa em países
desenvolvidos. O estudo de Menezes [26] ratificou o câncer colorretal como o
principal fator causal para a confecção de estomias,
além das doenças inflamatórias e dos traumas abdominais.
O número
predominante de pessoas colostomizadas em relação às ileostomizadas faz com que, ao planejar assistência,
algumas considerações sejam observadas: menor número de lesões peri-estomais, possibilidade de se realizar a irrigação,
consistência das fezes, maior tempo entre alimentação e evacuação, condição de
absorção de alimentos e medicamentos, dentre outros [27].
Baseado
nos dados descritos, nota-se que o tempo de estomização
dos participantes variam de 4 meses a 52 anos, sendo que 16% dos participantes
possuem tempo inferior a 1 ano de estomia intestinal;
48% dos participantes possuem período com a estomia
intestinal entre 2 e 5 anos; 12% dos participantes possuem período entre 5 e 10
anos; e 24% dos participantes possuem mais de 10 anos de vivência com a estomia intestinal.
Resultados e discussão da
análise de conteúdo
No
transcender dos tempos, a protagonização da
enfermagem passou por relevantes mudanças em seu contexto assistencial, antes
apenas as funções de vigilância e cuidados técnicos eram exercidos por esses
profissionais. Atualmente, a categoria defende de forma pertinaz a humanização
tanto do cuidado, como também daquele que o recebe, ou seja, a priorização do
paciente ao incorporar em todos os níveis de assistência as suas necessidades
básicas. Desta forma, a enfermagem passa a exercer também funções terapêuticas
[28,29].
O
conforto espiritual é uma necessidade do individual, independente se esse
sujeito possui alguma religião ou crença. Visto que, no contexto da saúde, tal
temática está mais relacionada com qualidade de vida e enfrentamento de
doenças, que com doutrinas e práticas religiosas, portanto, para o exercício da
enfermagem deve-se abordar todas as áreas da vida em que se possa existir algum
déficit, contemplando o ser humano como um todo - corpo, mente e espírito [30].
As
crenças relacionadas à religiosidade e à espiritualidade podem subsidiar as
pessoas com estomias intestinais, sobretudo,
dando-lhes suporte em momentos de adversidades vivenciadas em situações de ser estomizado intestinal. Na análise das respostas dos
participantes da pesquisa observaram-se, em cada categoria, os referencias
conceituais referente a religiosidade e espiritualidade as quais estão
apresentadas a seguir.
Medo, aceitação e
superação
A
dificuldade de aceitação da doença e, consequentemente, seu tratamento podem
levar à depressão acompanhada de sentimento de culpa, raiva, apatia e tristeza,
com desdobramentos negativos para o enfrentamento do câncer, o que pode
acarretar na negligência do autocuidado. Porém, esse quadro é capaz de ser
revertido com a prática espiritual, que leva o indivíduo a ter maior aceitação
e disposição para o tratamento oncológico proposto e a desenvolver uma atitude
positiva para consigo mesmo, melhorando o humor e a disposição para atividades
de lazer [31,32].
Os
participantes mencionaram que buscam ajuda em um Ser Superior para lhes dar
força e esperança a fim de enfrentar as situações difíceis. Geralmente,
recorrem ao apoio de Deus em diversos momentos pelos quais têm passado, após
receberem a notícia da necessidade da estomia [33].
Quando o médico me
contou sobre a bolsinha, não sabia o que era ainda então, fiquei com medo,
[...] No primeiro momento senti uma reação muito triste, e até pedi a Deus a
morte, mas é a vida né?! Tive que aceitar a vontade Dele
(PE14).
[...] Vi meu pai passar
por tudo isso e, no final, morreu. Eu estou tentando viver um dia de cada vez e
confiar que tudo ficará bem, se Deus quiser (PE32).
[...] Quando acordei, já
estava no hospital e usando a bolsa. Sei lá, foi tanta alegria por estar vivo
que acho que acabei aceitando que Deus sabe de tudo, e aceitei tudo com maior
facilidade (PE25).
Eu tive medo de morrer
de câncer. Depois tive medo de colocar a bolsa e agora, tenho medo da
reconstrução intestinal não dar certo. [...] Eu acredito que ninguém morre
antes da hora. A hora que o Cara lá de cima me chamar, eu vou. Ele quem sabe!
(PE9).
A
espiritualidade influencia o comportamento humano e tem relação com a busca de
significado, paz e propósito. Ela não se limita a tipos de crenças ou práticas
e pode contribuir com o bem-estar e enfrentamento das adversidades. O ser
humano é dotado desta esfera espiritual, sendo esta aflorada, ou não, de acordo
com as vivências de cada indivíduo. Integrar-se com a própria espiritualidade
pode ser uma experiência muito significativa, em especial no contexto
saúde-doença, visto que amplifica o entendimento e compreensão das
dificuldades, resignificando o sofrimento [34,35,36].
Nesse
ponto, percebe-se que o exercício da espiritualidade, independente da sua
forma, funciona como proteção a agravos psicoemocionais, facilita a aceitação
do diagnóstico de câncer e contribui para o bem-estar e qualidade de vida do
indivíduo, por reforçar a fé, a esperança e facilitar o uso de estratégias de
enfrentamentos.
A condição de estomizado e a crença (in)abalável
Em um
estudo realizado, ficou evidente que a fé pode favorecer a saúde, pois
possibilita o resgate da vida, proporcionando paz interior, equilíbrio e
simetria consigo mesmo, com os outros e com a Força Superior em que se
acredita. A fé promove uma devoção esperançosa nos propósitos ou planos de
Deus, proporcionando ao devoto o profundo sentimento de amor [37].
A
religiosidade é uma ferramenta para o exercício espiritual. Essa contribuição é
importante porque a ansiedade, apesar de ser uma emoção natural do ser humano,
em excesso pode gerar prejuízos significativos na vida do indivíduo [38,39].
Assim, ressalta-se a importância do exercício da espiritualidade na vida dos
pacientes com câncer, com desdobramentos que refletem no bem-estar físico emocional
[30,32,35].
Diante do
supracitado, acerca da fé/crença, foi elaborado tal categoria, na qual se
evidenciou através da fala dos entrevistados a corroboração desses autores
acerca da aceitação apoiada na fé.
Honestamente, difícil
não é viver com estomia. Eu aprendi rápido a me
virar, mas é muito complicado viver com o psicológico bom. Eu procurei me
apegar a Deus e aos meus orixás e a minha religião. Senti que, muitas vezes
acordava com minha fé destruída, mas acho que hoje estou bem. Eu acho! (PE01).
Sob o
ponto de vista positivo, ressalta-se a possibilidade de constituição de uma
rede social de apoio para o enfrentamento de adoecimento e o sentimento de
pertença a um grupo, que contribui para diminuir a solidão, para ajudar em
questões concretas do tratamento e para manter um diálogo constante com
diferentes pessoas. Em contrapartida, a espiritualidade e a religiosidade podem
repercutir de maneira negativa, em alguns casos, estimulando a veiculação de um
pensamento mágico de resolução da situação de adoecimento que pode diminuir o
nível de adesão ao tratamento e até mesmo o seu abandono [40,41,42,43,44,45,46,47,48].
Até hoje não entendi
porque estou passando por tudo isso. Eu sempre fui uma pessoa de muita fé, [...] Percebi que não acredito mais em nada. Fiquei um tempo
sem ir nas consultas, mas não tem jeito, preciso me cuidar (PE08).
Para mim é normal usar a
bolsa de colostomia. Já uso há muito tempo, já ajudei muita gente que estava
começando a usar. Procuro ser sempre independente com essa situação [...] Deus
tem me ajudado todos os dias e com fé Nele vou seguindo. O importante é eu
estar vivo e com saúde (PE13).
A colostomia foi uma
forma que Deus usou para salvar minha vida. Eu agradeço todos os dias por esse
milagre (PE26).
Acredito que as coisas
acontecem quando tem que acontecer. Não vou mentir em dizer que sou cem por
cento feliz assim, mas precisamos se manter com fé e continuar a vida né?!
(PE30).
Desde os
primórdios, a religiosidade, crença e espiritualidade estão relacionadas à
forma com que o ser humano enfrenta as situações difíceis na vida, tendo grande
influência no enfretamento de situações de estresse e sofrimento, inclusive
quando se passa por problemas de saúde física e mental. A religiosidade e a
espiritualidade podem promover maior capacidade de aceitação e de adaptação às
circunstâncias difíceis da vida, as quais todo ser humano está sujeito. Em
contrapartida, algumas religiões podem instruir seus adeptos de forma
obstinada, fazendo com que o sujeito deixe de procurar serviços de saúde
agravando seu estado ou tornando mais difícil sua recuperação [41].
Seguindo
a linha de pensamento dos tais autores supracitados, mesmo com conceitos
diferentes, entre espiritualidade e religiosidade, a sociedade não faz
distinção entre ambas. Porém, sabe-se que a religiosidade está associada com
doutrinas e crenças constituídas por uma crença; já a espiritualidade tem
vínculo de como o indivíduo consegue visualizar o significado de sua
existência, no entanto ambos fatores conseguem induzir o condicionamento mental
e físico do paciente, tornando-se estratégias na condução de sua patologia,
auxiliando na colaboração do enfrentamento da ansiedade, pensamentos suicidas,
uso de drogas e depressão [41].
Em
contrapartida, estudo recente traz ainda que a prática espiritual pode afetar
positivamente as funções imunológicas do indivíduo com câncer, isso porque o
cortisol, que se eleva facilmente com estresse psicossocial, suprime o sistema
imunológico. Portanto, o estímulo ao bem-estar psicológico por meio da
espiritualidade ajuda a manter níveis adequados de cortisol, contribuindo de
forma eficaz para o bem-estar físico do paciente em tratamento oncológico [42].
A
espiritualidade se apresenta como ferramenta que possibilita o cuidado integral
dos pacientes, devido à sua característica holística, tornando-se crucial para
melhor a compreender e dela apropriar-se tanto para o paciente quanto para a
prática profissional em saúde, adquirindo maior completude em suas obrigações
[40].
Conexões de acesso com o
Sagrado
Durante
toda a sua vida, o ser humano busca alguma coisa para se completar e essa busca
também está relacionada à plenitude de tudo que ele deseja, mas também por algo
que vai além dos seus conhecimentos e de suas possibilidades, o que pode
instigá-lo a transcender, vislumbrando sua existência para além de si mesmo
[43].
As
práticas espirituais são comumente utilizadas por pacientes acometidos por
câncer a fim de encontrar alívio para o sofrimento emocional e suporte para
lidar com o estresse relacionado ao tratamento [44]. Este exercício espiritual,
por sua vez, pode ser considerado um impulsionador da resiliência e do
enfrentamento no cenário de adoecimento oncológico [45].
A
espiritualidade é anterior à institucionalização das crenças e, em vez de
respostas, traz perguntas, tolerância, meditação. Ressalta-se, mais uma vez, a
diferença entre a espiritualidade e religião, indicando que estas se
complementam, mas que não devem ser confundidas. A espiritualidade existe desde
que o ser humano apareceu na natureza; já as religiões são recentes, datam de
oito mil anos. Salienta-se ainda que a religião é a institucionalização da
espiritualidade, já a espiritualidade pode ser caracterizada como vivência,
algo pessoal, de conexão interior [46].
A relação
com o sagrado faz parte integral do ser humano e pode trazer grandes
benefícios, principalmente em momentos críticos como o de uma doença,
possibilitando influenciar positivamente na saúde mental, física e social
[43,44,45,46,47,48,49,50].
[...] eu continuo sendo
uma mulher de fé e de muita oração. Na verdade, acho que o câncer foi uma forma
de me aproximar mais de Deus. Minha fé aumentou muito depois disso. Eu consigo
dobrar os joelhos para orar e sentir que ele está me ouvindo, então eu fico em
paz e vou vivendo (PE04).
No começo foi tudo muito
difícil, mas toda semana eu recebia as irmãs do círculo de oração e isso foi
muito especial para mim. Me ajudou a manter minha fé em Deus para aceitar o
tratamento. Meu Pastor foi e tem sido um líder espiritual muito presente.
Depois disso tudo eu voltei para igreja evangélica e larguei tudo que estava
fazendo de errado (PE17).
[...] mas
rezar tem sido meu canal de conforto, minha maneira de me acalmar e fugir de
tudo isso (PE30).
[...] só espero que, na
próxima vida, Deus me deixe ter uma vida com mais paz. Eu “tô”
rezando para isso (PE23).
De acordo
com os relatos, cabe ressaltar que a religião é o apoio espiritual buscado com
maior frequência pelas pessoas com estomia. Esse
serve de referência para as concepções gerais, embasa os significados da
experiência intelectual, emocional e moral, tanto para o indivíduo como para o
grupo. Além disso, proporciona sustentação para a esperança e para o
enfrentamento de situações adversas e conflitantes [3].
Observou-se
que as práticas espirituais funcionam como fator de conforto, aumentando assim,
a qualidade de vida da pessoa com estomia intestinal.
Nesse sentido, aqueles pacientes que recorrem à oração como método para sentir
alívio físico e mental, apresentam maior estabilidade emocional e bem-estar
geral [47].
A
espiritualidade e a religiosidade ocasionam efeitos favoráveis, diretos ou
indiretos sobre a saúde dos indivíduos, com destaque para a melhoria na
qualidade de vida e na saúde mental, aumento da sobrevida, da atenção com a
própria saúde e da capacidade de cuidar-se, além da diminuição do acometimento
dos indivíduos por doenças em geral. Compreende-se que a partir da
espiritualidade e da religiosidade, pode-se modificar a maneira de cuidar do corpo
e da mente, ampliando em contrapartida, a capacidade de resistência humana
diante do adoecer [40].
Corrobora-se
ainda que a religiosidade e a espiritualidade têm demonstrado grande impacto
sobre a saúde física, sendo considerado como possível fator de prevenção no
desenvolvimento de doenças, e eventual redução de óbitos [43]. Outros estudam
relatam que praticar regularmente algum tipo de atividade religiosa pode
reduzir em até 50% o risco de óbito [48,49].
Considera-se
que estar na situação de pessoa com estomia não é uma
condição simples e trivial. Há inúmeras repercussões que alteram as dimensões
biopsicossociais e espirituais dessas pessoas, as quais envolvem a perda da
continência vesico-intestinal, mudanças em hábitos alimentares, de lazer,
sexuais, de vestimenta, bem como a transformação na imagem corporal e na
autoestima. Consequentemente, faz-se necessário ampliar e, ao mesmo tempo,
aprofundar as formas de cuidar, utilizando-se de inúmeras estratégias e
conhecimentos para auxiliar aos indivíduos a alcançarem o bem-estar.
Nesta
perspectiva, este estudo evidenciou que a espiritualidade e a religiosidade são
relevantes elementos para a aceitação da nova condição de saúde e,
posteriormente, para o desenvolvimento do autocuidado. Ademais, as mesmas se
caracterizam como amenizadoras do sofrimento psíquico pelas perdas advindas da
confecção da estomia. Mas, também contribui para o
entendimento de que o estoma carretou em ganhos, como a manutenção da vida e,
muitas vezes, em melhor condição de saúde que a anterior ao procedimento.
Portanto,
faz-se mister a enfermagem relevar a espiritualidade e a religiosidade dos
pacientes no planejamento, na execução e na avaliação do processo de
cuidar-cuidado, pois emergiu das falas dos participantes esta importância,
corroborada também pela literatura que fundamentou a discussão dos resultados.
Conflitos
de interesse
Não há
conflito de interesse.
Fontes
de financiamento
Não houve
fonte de financiamento. Todos os custos da pesquisa foram arcados pelos
autores.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Santo FHE, Andrade M, Souza NVDO; Coleta de dados: Ribeiro WA, Andrade
BRP, Santos LCA; Análise e interpretação dos dados: Ribeiro WA, Andrade
BRP, Souza NVDO; Análise estatística: Andrade M, Santos LCA; Redação do
manuscrito: Santo FHE, Souza NVDO, Ribeiro WA; Revisão crítica do manuscrito
quanto ao conteúdo intelectual importante: Santo FHE, Souza NVDO