Enferm Bras. 2023;22(1):20-35

doi: 10.33233/eb.v22i1.5193

ARTIGO ORIGINAL

Percepções da cuidadora familiar de crianças com necessidades especiais de saúde em uso de dispositivos tecnológicos

 

Gisele Fabiane Zimmermann Custodio1, Maria Teresa Wolf Kratsch1, Lidiane Ferreira Schultz, D.Sc.1

 

1Faculdade IELUSC, Joinville, SC, Brasil

 

Recebido em: 12 de junho de 2022; Aceito em: 9 de fevereiro de 2023.

Correspondência: Lidiane Ferreira Schultz, e-mail: lidiane.schultz@ielusc.br.

 

Como citar

Custodio GFZ, Kratsch MTW, Schultz LF. Percepções da cuidadora familiar de crianças com necessidades especiais de saúde em uso de dispositivos tecnológicos. Enferm Bras 2023;22(1):20-35 doi: 10.33233/eb.v22i1.5193

 

Resumo

Introdução: O perfil epidemiológico de mortalidade e morbidade infantil vem se modificando nas últimas décadas. Com o aumento da sobrevida das crianças com doenças crônicas, surge um novo grupo denominado Crianças com Necessidades Especiais de Saúde (CRIANES). Objetivo: Descrever as percepções do cuidador familiar de crianças com necessidades especiais de saúde em uso de dispositivo tecnológico. Métodos: Estudo descritivo de abordagem qualitativa. Participaram sete cuidadoras familiares de crianças em uso de dispositivo tecnológico. Os dados foram coletados a partir de uma entrevista com perguntas abertas e fechadas, transcritas na íntegra e analisadas pela análise temática. Resultados: Foram elaboradas seis categorias temáticas: Transformando o susto e o medo em aceitação para o uso do dispositivo na CRIANES; A transição do cuidado hospitalar para o cuidado domiciliar; Múltiplas dificuldades no cuidado com a CRIANES no domicílio; Vivenciando as intercorrências relacionadas aos cuidados da CRIANES e ao uso do dispositivo; Fragmentação das redes de serviço em saúde; Aceitação como missão para o enfrentamento e a importância da rede de apoio. Conclusão: Este estudo pode contribuir para a prática profissional ampliada e direcionada a CRIANES em uso de dispositivo no domicílio e sua família.

Palavras-chave: cuidados de enfermagem; cuidadores; saúde da criança; equipamentos e provisões.

 

Abstract

Perceptions of family caregivers of children with special health needs using a technological device

Introduction: The epidemiological profile of infant mortality and morbidity has been changing in recent decades. With the increase in the survival of children with chronic diseases, a new group called Children with Special Health Needs appears. For the family that takes care of these children at home, many challenges are experienced. Objective: To describe the perceptions of family caregivers of children with special health needs using a technological device. Methods: Descriptive study with a qualitative approach. Seven family caregivers of children using a technological device. Data were collected from an interview with open and closed questions, transcribed in full and analyzed by thematic analysis. Results: Six thematic categories were created, namely: transforming fright and fear into acceptance for the use of the device in children; the transition from hospital care to home care; multiple difficulties in caring for children at home; experiencing the complications related to the care of children and the use of the device; fragmentation of health service networks; accepted as a mission to confront and the importance of the support network. Conclusion: Describing the perceptions of the family caregiver of children with special health needs using a technological device can contribute to the expanded professional practice.

Keywords: nursing care; family caregiver; child health; equipment and supplies.

 

Resumen

Percepciones del cuidador familiar de niños con necesidades especiales de salud que utilicen dispositivos tecnológicos

Introducción: El perfil epidemiológico de mortalidad y morbilidad infantil, viene modificándose en las últimas décadas. Con el aumento de la sobrevida de los niños con enfermedades crónicas, surge un nuevo grupo denominado: Niños con necesidades especiales de salud. Objetivo: describir las percepciones del cuidador familiar de niños con necesidades especiales de salud que utilicen dispositivo tecnológico. Métodos: Estudio descriptivo de abordaje cualitativo en el cual participaron siete cuidadoras familiares que utilizan dispositivos tecnológicos. Los datos fueron recolectados a partir de una entrevista con preguntas abiertas y cerradas, transcritas íntegramente y analizadas por análisis temático. Resultados: Se elaboraron seis categorías temáticas, siendo estas: transformando el susto y el miedo en aceptación para el uso del dispositivo en niños con necesidades especiales de salud; la transición del cuidado hospitalario para el cuidado domiciliario; múltiples dificultades en el cuidado de niños con necesidades especiales de salud en el domicilio; experiencia de dificultades concomitantes relacionadas a los cuidados de niños con necesidades especiales de salud y al uso de dispositivos; fragmentación de las redes del servicio de salud; aceptación del contexto como misión para enfrentar la situación y la importancia de la red de apoyo. Conclusión: Describir las percepciones de la cuidadora familiar de niños con necesidades especiales de salud en uso de dispositivo tecnológico puede contribuir para la práctica profesional más amplia y dirigida a los niños con necesidades especiales de salud y a su familia.

Palabras-clave: cuidados de enfermería; cuidador familiar; salud del niño equipos y suministros.

 

Introdução

 

O perfil epidemiológico mundial de morbidade e mortalidade de crianças vem se modificando desde 1990 [1]. No Brasil, a mortalidade infantil reduziu em 77% a partir da década de 70 [2]. Essa conquista resultou das melhorias nos acessos de serviços à saúde, ampliação do acompanhamento do pré-natal-parto-puerpério, realização de testes de triagens neonatais, incentivo ao aleitamento materno, avanços tecnológicos e científicos, aumento dos leitos de unidade de terapia intensiva neonatal, capacitação e treinamento profissional [3,4].

E a partir dessas modificações e aumento da sobrevivência das crianças com condições crônicas e complexas de saúde [5], surge o grupo de crianças com necessidades especiais de saúde. O termo Children with Special Health Care Needs (CSHCN), surgiu nos Estados Unidos, em 1994, através de Merle McPherson médica pediatra (EUA) [6].

CSHCN são crianças que têm ou estão em maior risco de sofrer de doenças físicas crônicas, condição de desenvolvimento, comportamental ou emocional e que também requerem atendimentos de saúde frequentes e serviços relacionados quando comparados ao exigido pelas crianças em geral [7]. Em 1999, no Brasil, o termo para as Crianças com Necessidades Especiais de Saúde (CRIANES) foi traduzido [8,9].

Essas crianças quando necessitam de alguma tecnologia ou dispositivo incorporada ao seu corpo para compensar a perda ou falta de mobilidade de alguma função vital, requerem, assim, habilidosos e contínuos cuidados dos profissionais de saúde e do cuidador familiar, a fim de evitar complicações, hospitalizações e até a morte por causas evitáveis [10]. Sendo um desafio o preparo da família para o cuidado com a criança além de um importante problema de saúde pública.

Conhecer as percepções e vivências do cuidador familiar, nesse contexto, pode ampliar a atuação da equipe de saúde frente às dúvidas, cuidados realizados, suas necessidades e podem proporcionar também melhores planejamentos e estratégias de ações educativas para um cuidado integral [11]. Nesse sentido, faz-se necessário ouvir e dar voz ao cuidador familiar para aprimorar o planejamento do cuidado de imediato e futuro [12].

Quando essas vivências não são conhecidas ou reconhecidas pelos profissionais da saúde, podem ser assistidas sem a familiaridade necessária para a percepção das necessidades das CRIANES e sua família, fazendo com que não participem ativamente da organização e decisões do cuidado, aumentando assim o tempo de internação e da transição do cuidado do hospital domicílio [12]. Neste contexto, a enfermagem tem um importante papel em todos os níveis de atenção à saúde, relacionados aos cuidados com a criança com demanda tecnológica e sua família [13].

 

Métodos

 

Este estudo é descritivo e de abordagem qualitativa. Nesta pesquisa o checklist com os domínios que se enquadram das diretrizes de Critérios Consolidados para Pesquisa Qualitativa (COREQ) foram utilizados [14] .

A pesquisa foi realizada em um município localizado no Nordeste de Santa Catarina. Participaram do estudo sete cuidadoras familiares que vivenciam e realizam diretamente o cuidado domiciliar da CRIANES em uso de dispositivo tecnológico. O cuidador familiar foi contatado via mídia digital como WhatsApp, Instagram e Facebook, sendo enviado o convite para a participação da pesquisa junto ao link do endereço eletrônico com o texto, contendo informações sobre o estudo.

A coleta dos dados se deu através de videochamada pelo Google Meet, sendo possível observar expressões faciais, emoções e comportamentos não verbais e agendadas conforme a disponibilidade do participante. Os participantes puderam estar no local de sua escolha, com privacidade, a fim de que pudessem participar da entrevista individualmente evitando interferências.

Foi realizado um teste piloto para verificação e adequação do instrumento de coleta de dados que não fez parte dos resultados. A coleta dos dados foi realizada após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Associação Educacional Bom Jesus IELUSC sob parecer número 4.724.618, CAAE 46359021.9.0000.5365 de 20 de maio de 2021, e realizou-se entre os meses de julho-agosto de 2021.

A coleta dos dados foi realizada através de uma entrevista, utilizando um instrumento de coleta de dados com perguntas abertas e fechadas com o cuidador familiar. Tiveram duração de aproximadamente 40-60 minutos e foram gravadas pelo Meet Recordings 2021. Posteriormente, transcritas na íntegra, utilizando o programa Transcriptor (2021) e conferida em duplicidade pelas pesquisadoras do estudo.

O término da coleta dos dados se deu segundo o critério de saturação dos dados descritos por Minayo [15] e seguindo também as recomendações do COREQ [14]. O programa Iramuteq versão 0.7 Alpha 2 (2008/2014) foi utilizado e demonstra a homogeneidade dos dados do estudo, apontando para a finalização e saturação dos dados conforme figura abaixo.

 

 

Fonte: Desenvolvido a partir do uso do Software IRaMuTeQ version 0.7 alpha 2 2008-2014

Figura 1 - Homogeneidade dos dados do estudo. Joinville, 2021

 

A análise temática, conforme Minayo [15], que consiste na pré-análise, exploração classificatória, busca dos núcleos de sentido e tratamento dos resultados obtidos e sua interpretação, foi utilizada neste estudo. A interpretação dos resultados foi discutida a partir da literatura científica. Este estudo seguiu os preceitos éticos da Resolução nº 510/16 [16] e o ofício circular n. 2/2021/CONEP/SECNS/MS [17].

 

Resultados

 

Participaram desta pesquisa sete cuidadoras familiares de CRIANES em uso de dispositivo tecnológico de uma cidade localizada no Nordeste de Santa Catarina, no ano de 2021. O Quadro 1 apresenta as características dos participantes da pesquisa e no Quadro 2 as características das CRIANES em uso de dispositivo tecnológico.

 

Quadro 1 - Caracterização do cuidador familiar de CRIANES em uso de dispositivo tecnológico de uma cidade do Nordeste de Santa Catarina no ano de 2021

 

Salário-Mínimo 2021:R$ 1.100,00. Fonte: Desenvolvida pelas autoras, 2021.

 

Quadro 2 - Caracterização da CRIANES em uso de dispositivo em 2021

 

Fonte: Desenvolvida pelas autoras, 2021.

 

As unidades de sentido mais significativas foram agrupadas e formaram as seguintes categorias.

 

Transformando o susto e o medo em aceitação para o uso do dispositivo na CRIANES

 

A cuidadora familiar das CRIANES descreve o momento em que receberam a notícia da necessidade do uso do dispositivo pela criança, como sendo um misto de sentimentos, desde choque, pavor, susto, medo, até uma certa resiliência e aceitação. E deixam evidenciados que a insegurança sobre a evolução da doença e o difícil prognóstico na criança foram pontos cruciais que nortearam a aceitação para o uso do dispositivo, sendo essa tecnologia, primordial para uma melhor qualidade de vida e sobrevida da CRIANES.

 

Fonte: Desenvolvida pelas autoras, 2021.

 

A transição do cuidado hospitalar para o cuidado domiciliar

 

Entre as cuidadoras das CRIANES, 71,42% relatam que tiveram treinamento para alta hospitalar e 28,58% não tiveram esse preparo para o cuidado no domicílio da CRIANES. Sendo o treinamento descrito como um processo importante e que ajudou muito nessa transição hospital domicílio. Identifica-se essa etapa como uma transição que as levou a um renascimento, gerando autonomia e confiança em relação aos cuidados.

 

 

Fonte: Desenvolvida pelas autoras, 2021.

 

Múltiplas dificuldades no cuidado com a CRIANES no domicílio

 

Para muitas cuidadoras familiares das CRIANES, as dificuldades foram múltiplas, entre elas: medo da piora e das manifestações clínicas na criança, relacionadas ao acesso aos materiais ou equipamentos, falta de assistência por equipe de profissionais da saúde, dificuldades ou desconhecimento quanto ao cuidado e manuseio com os dispositivos. Relatam também as limitações para o cuidado com a CRIANES, insegurança, a busca por melhor conhecimento e a sobrecarga de quem cuida da CRIANES.

Fonte: Desenvolvida pelas autoras, 2021.

 

Vivenciando as intercorrências relacionadas aos cuidados da CRIANES e ao uso do dispositivo

 

As cuidadoras familiares das crianças falam que as intercorrências acontecem e que quando ocorre pela primeira vez, vivenciam um grande susto. Descrevem também que no primeiro momento não sabiam muito bem como agir, mas que, com a experiência do cuidado, criaram protocolos próprios para esses momentos, o que acaba ajudando a manter a calma durante as intercorrências.

 

 
Fonte: Desenvolvida pelas autoras, 2021.

 

A fragmentação das redes de serviço em saúde

 

A maioria das cuidadoras familiares relatam que as CRIANES utilizam a rede pública de saúde, em especial a atenção terciária. Duas cuidadoras familiares têm acompanhamento médico e multiprofissional pelo serviço de saúde complementar. Poucas CRIANES fazem ou recebem acompanhamento pela atenção primária à saúde, e quando utilizam a unidade básica de saúde, os fazem para retirada de materiais, medicamentos e insumos.

 
Fonte: Desenvolvida pelas autoras, 2021.

 

Aceitação como missão para o enfrentamento e a importância da rede de apoio

 

Muitas das participantes relatam que ter uma CRIANES é uma missão ofertada por Deus e que vai muito além do amor ou de qualquer coisa que se pode compreender. Que o início do tratamento foi difícil, mas que a fé ajudou para ter mais segurança, fortalecendo para realizar o cuidado da criança da melhor maneira possível, principalmente os cuidados diferenciados.

 

Fonte: Desenvolvida pelas autoras, 2021

 

Discussão

 

Os avanços tecnológicos e assistenciais nos últimos anos refletem em uma maior sobrevida às crianças com necessidades especiais de saúde com doenças graves ou incapacitantes [10]. A cuidadora familiar é a principal responsável pelos cuidados complexos à CRIANES nesta pesquisa em seu domicílio, assim como em outros estudos [10,18] nos quais, tornaram-se um desafio, gerando repercussões em suas vidas e de toda família.

As CRIANES dependem de cuidados temporários ou permanentes e requerem uma assistência contínua dos serviços de saúde, devido à sua fragilidade clínica e vulnerabilidade social [10,19]. Foi possível identificar o processo que ocorreu de aceitação da cuidadora familiar para o uso do dispositivo tecnológico na CRIANES e a importância deste para a melhora clínica, redução de intercorrências e facilitação para a transição do cuidado do hospital para o domicílio.

Nesta pesquisa identificou-se que a tecnologia utilizada na CRIANES gera na cuidadora familiar, medo, angústia, insegurança, pois requer conhecimento e um conjunto de informações complexas e importantes para o cuidado. Os cuidados, muitas vezes, não são compreendidos, fazendo com que as cuidadoras comecem a realizá-los, sem um preparo qualificado. E quando essa cuidadora recebe as instruções e orientações de forma clara, efetiva e satisfatória, resulta em uma melhor adaptação a sua realidade e acabam minimizando esses sentimentos. Observou-se esses achados semelhantes a outros estudos nacionais [10,20].

Necessidades de cuidados contínuos no domicílio junto aos esforços da cuidadora familiar, para a busca ampliada de conhecimento, treinamento na prática do cuidado e superação de múltiplos desafios mostram o renascimento de uma nova mãe e a reorganização do funcionamento e estrutura familiar nesta pesquisa. Etapas essas de cuidado e superação que gradativamente é realizado amorosamente com a CRIANES em uso de dispositivo tecnológico no domicílio.

Essas crianças utilizam os serviços de saúde com maior frequência por serem mais suscetíveis ao adoecimento e ao desenvolvimento de condições crônicas de saúde, quando comparamos com as que não possuem nenhum comprometimento [5,18]. Assim como nesta pesquisa que foram descritos os diversos procedimentos que são necessários para o cuidado da criança pela cuidadora familiar, os diversos profissionais de saúde no qual a criança recebe atendimento, a fragmentação das redes de serviços de saúde e a escolha pelos serviços terceirizados como o hospital infantil.

Preparar o cuidador familiar é necessário e acompanhar a criança em toda sua singularidade se torna um desafio que precisa ser concretizado para a equipe de saúde [21].

Outro ponto identificado na pesquisa e também por Neves e Silveira [22] foram as contínuas necessidades assistenciais, sociais, emocionais do cuidador familiar. A. invisibilidade das CRIANES e a necessidade das cuidadoras recorrerem à justiça para melhorar o acesso aos serviços de saúde, aos equipamentos e insumos essenciais para o seu tratamento da criança são realidades descritas no estudo. Mesmo que o Sistema Único de Saúde garanta a todas as pessoas o direito e o acesso à saúde de forma igualitária, os familiares dessas CRIANES se deparam com dificuldades de acesso aos serviços de saúde e também falhas no sistema de referência e contrarreferência, ferindo os princípios preconizados pelo SUS.

A rede mais próxima dessas famílias é a terciária [9,18,23] assim como nesta pesquisa que mostrou a confiança e a escolha do hospital infantil do município para o acompanhamento, atendimento e referência para quaisquer necessidades da CRIANES.

O estudo de Reis [18] relata que devido ao fato das CRIANES necessitarem de cuidados específicos integrais, elas tornam-se dependentes de um cuidador para realizar as atividades de seu dia a dia, muitas delas não conseguem se alimentar e se locomover sozinhas, são dependentes de equipamentos evidenciando a necessidade de uma reabilitação constante.

Nesta pesquisa a mãe é a cuidadora principal, e, na maioria das vezes ela abandona seu trabalho para se dedicar exclusivamente à criança, fica sobrecarregada, sem lazer além de prestar os cuidados a CRIANES, ela também é responsável por cuidar da casa e dos outros filhos, gerando impactos na sua qualidade de vida. Resultados que vão ao encontro de outros estudos [18].

O pai também está inserido no tratamento da CRIANES, compartilhando, assim, a intimidade de seu filho e o cuidado com a criança e com o dispositivo tecnológico, mas o fato de estarem vinculados ao sustento da família, muitas vezes, a sobrecarga fica com a cuidadora principal, a mãe. Algumas vezes, a cuidadora familiar pode ter o auxílio de alguma pessoa mais próxima e de sua confiança tais como tias, avós e madrinhas. Também evidenciamos que uma minoria tem acesso a um profissional qualificado que as auxilia no cuidado a CRIANES, assim como nos estudos [19,24].

Devido à complexidade desse cuidado, é importante que os profissionais de saúde tenham conhecimentos específicos e uma boa comunicação com a família e contribuam para o bem-estar físico, emocional e social da criança e dos membros de sua família [12].

Outro achado descrito pela cuidadora familiar é a dificuldade em encontrar profissionais qualificados que conheçam o diagnóstico, tratamento e os cuidados da CRIANES. A literatura nos mostra que existem inconsistências entre as orientações dadas pela equipe de saúde e as reais demandas da família, pois esta tem dificuldades em compreender os termos utilizados pelos profissionais de saúde [18].

As evidências mostram que as práticas educativas realizadas pelas enfermeiras fortalecem os vínculos com a família, principalmente quando são adaptadas às particularidades da família, garantindo, assim, a continuidade do cuidado. Porém, antes de traçar um plano de cuidados é importante ouvir as famílias, identificar suas preocupações e dúvidas relacionadas ao uso da tecnologia [12].

O estudo realizado demonstra que mesmo as famílias tendo acesso às Unidades Básicas de Saúde para a retirada de materiais e insumos utilizados no cuidado à CRIANES, os integrantes da equipe de saúde não realizam o acompanhamento amplo das condições de saúde das mesmas e, que em algumas famílias, recebem somente a visita do agente comunitário. E os que recebem, relatam parecer ser uma obrigação por parte da equipe de enfermagem. Outros estudos também apontam a importância da ampliação de cuidados na atenção primária à saúde e a elaboração de protocolos específicos de cuidado para a CRIANES em domicílio [18,25].

Sabe-se que a Atenção Primária é a porta de entrada ao sistema de saúde, garantindo um atendimento universal a toda população [26]. Quando a criança e sua família têm um atendimento de qualidade e um acompanhamento integral de sua saúde, isso impacta positivamente na condição de saúde [18].

 

Conclusão

 

Este estudo descreveu as percepções da cuidadora familiar de crianças com necessidades especiais de saúde, em uso de dispositivo tecnológico, de um município localizado no Nordeste de Santa Catarina, no ano de 2021. Permitiu identificar algumas experiências, dificuldades, limitações no cuidado com a CRIANES em uso de tecnologia ou dispositivo, descrição de sentimentos, conquistas e vivências desde a necessidade do uso do diagnóstico tecnológico.

Assim, foi possível identificar que a cuidadora familiar aceita o uso do dispositivo tecnológico como uma possibilidade de melhoria clínica, redução de intercorrência, aumento de sobrevida e qualidade de vida da CRIANES. Que a transição do cuidado hospitalar para o domiciliar é um desafio. Além da sobrecarga física e emocional da cuidadora familiar, pouca rede de apoio e da importância do enfrentamento para o melhor cuidado a CRIANES.

Como ponto positivo do estudo destacamos que possa contribuir para a prática profissional ampliada e direcionada ao cuidador familiar de CRIANES, além de possibilitar maior visibilidade, podendo intensificar a implementação de políticas públicas específicas às demandas de saúde, educação, social e de vida das CRIANES e sua família.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse

 

Fontes de financiamento

Sem financiamento

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Custodio GFZ, Kratsch MTW, Schultz LF; Coleta de dados: Custodio GFZ, Kratsch MTW; Análise e interpretação dos dados: Custodio GFZ, Kratsch MTW, Schultz LF; Redação do manuscrito: Custodio GFZ, Kratsch MTW, Schultz LF; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Schultz LF

 

Referências

 

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