Enferm Bras 2022;21(3):235-38

doi: 10.33233/eb.v21i3.5210

EDITORIAL

Dupla excepcionalidade: negligenciados na educação e na qualidade de vida!

 

Sônia Maria Maciel Lopes*, Júlio César André, D.Sc.**, Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, D.Sc.***

 

*Pedagoga, graduada em Letras, Especialista em Transtorno do Espectro Autista (TEA) discente do Programa de Mestrado em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), SP, Brasil, **Médico, Docente da graduação e pós-graduação da FAMERP e docente e orientador dos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e Enfermagem da FAMERP, ***Obstetriz, Enfermeira, livre docente em Enfermagem, docente e orientadora da graduação e pós-graduação da FAMERP e docente e orientadora dos Programa de Mestrado em Enfermagem da FAMERP

 

Sônia Maria Maciel Lopes: soniamacielopes@gmail.com

Júlio César André: julio.andre@edu.famerp.br

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler: zaidaaurora@gmail.com  

 

Inclusão, educação, justiça.

Diversidade, diferenças, respeito.

Convivência, tolerância, paz.

Palavras soltas que, conectadas e

incorporadas à nossa vida,

 resultam num mundo melhor.

Joseli Barros

 

Dupla Excepcionalidade (DE) é a denominação dada a pessoas que junto com uma deficiência, síndrome ou transtorno, apresentam altas habilidades ou superdotação (AHSD). Algumas vezes as limitações ou deficiências podem “esconder” certas competências, potencialidades e especificidades, ofuscando ou impedindo o reconhecimento de AHSD, o que deve ser feito já nos primeiros anos escolares [1].

O Brasil foi o primeiro país latino-americano a contar com espaços voltados à escolarização das pessoas com deficiência, o que ficou denominado como Educação Especial. No entanto, apesar de períodos marcados por pressões sociais, ainda são evidenciadas negligências na educação dita inclusiva e equitativa, também para crianças com AHSD. Como consequência, ocorrem problemas emocionais, na integração social, no aprendizado, no desenvolvimento neuropsíquico e na qualidade de vida [2].

Pensando no contingente de alunos matriculados em todas as redes de ensino do país, dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) [3], com base no Censo Escolar da Educação Básica, mostram o número de matrículas da educação especial chegando a 1,3 milhão em 2021, um aumento de 26,7% em relação a 2017 e as de ensino médio são as que mais cresceram, 84,5%. O que nos preocupa, e será tema de dissertação de mestrado, é como são identificados e acompanhados na escola os alunos com a DE. Tal fato tem particular interesse no Ensino Infantil e Ensinos Fundamental I e II, fases da escolarização que requerem um cuidado especial com o desenvolvimento da criança e do jovem adolescente para sua vida em sociedade.

Vale lembrar que ao aluno com deficiências, transtorno globais do desenvolvimento e altas habilidades, a oferta de ensino na sala regular e em salas para alunos com educação especial (AEE) de forma complementar e suplementar está estabelecida desde 2009 [4]. No entanto, tal direito ainda não está em sua completude no atendimento do AEE.

Apesar das limitações, acreditamos que a identificação desse alunado na escola seria o caminho para que a sua vida em sociedade fosse mais produtiva nas suas respectivas áreas de interesse, por terem um potencial mais elevado. O número de alunos matriculados com AH/SD no Censo de 2019 perfazia um total de 22.161 alunos com AH/SD, que frequentam classes comuns e em AEE. Perante o número total de matrículas, mesmo que em anos diferentes, levando-se em consideração a pandemia e os desajustes causados por ela, os dados mostram desconhecimentos sobre a presença desse alunado nas escolas para que o atendimento aos alunos com DE seja efetivado na rede pública estadual, conforme disposto na Política Nacional da Educação Especial.

No fenômeno da DE, os alunos simultaneamente às habilidades superiores apresentam dificuldades comportamentais, emocionais e de aprendizagem, necessitando de atendimento educacional especializado para a inclusão, conforme prevê a Política Nacional de Educação Especial. Sem dúvida, trata-se de um processo complexo, que depende da integração da comunidade escolar com a família [5].

A Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) [6] traz o modelo escolar inclusivo com a exigência da adoção de novas práticas pedagógicas. Desse modo, não bastam a criação de atos normativos de Educação Inclusiva, é necessário que a formação dos professores seja efetiva e eficaz, permitindo que se rompam concepções de padrões homogêneos dos alunos.

Outro dado importante a ser considerado, que mostra a relevância e pertinência de pesquisas científicas no enfoque educacional e de qualidade de vida, é que a DE é um tema recente de investigações no Brasil. Também, são poucas as informações obtidas sobre esse público e a atenção que recebem no Atendimento Educacional Especializado (AEE), nas escolas de todo o país. Como já mencionado, o atendimento adequado deve contribuir tanto com o aprendizado quanto com melhor qualidade de vida no contexto escolar.

O direito de acesso ao ensino de forma gratuita é garantido na Constituição Federal de 1988, no artigo 208, assim como outros direitos fundamentais. No entanto, enquanto esse atendimento não for equitativo aos alunos com DE, o sofrimento continuará afetando a qualidade de vida não só dessa clientela, mas também no âmbito da sua família, preocupando aqueles no espaço escolar que se importam.

 

Com o crescimento do discurso da inclusão social/escolar,

é triste ver ainda gestores com mentes atrofiadas.

      Lady Daiane Matos

 

Referências

 

  1. Silva JCG, Rangni RA. Dupla excepcionalidade: é possível identificar altas habilidades ou superdotação em adultos com deficiência visual? Revista Educação Especial 2022;35. doi: 10.5902/1984686X67646 [Crossref]
  2. Schabbach LM, Rosa JGL. Segregar ou incluir? Coalizões de defesa, ideias e mudanças na educação especial do Brasil. Rev Adm Pública 2021;55(6). doi: 10.1590/0034-761220210034 [Crossref]
  3. Brasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da educação básica 2020: resumo técnico [Internet]. Brasília: Inep; 2021. [cited 2022 June 23]. https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo _tecnico_censo_escolar_2020.pdf
  4. Brasil. Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União; 2009. [cited 2022 June 23]. Available from: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf
  5. Coutinho-Souto WKS, Fleith DS. Inclusão educacional: estudo de caso de um aluno com dupla excepcionalidade. Revista de Psicologia 2021;39(1):339-81. doi: 10.18800/psico.202101.014 [Crossref]
  6. Brasil. Presidência da República, Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) [Internet]. [cited 2022 June 23]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13146.htm