Enferm Bras 2022;21(3):254-68

doi: 10.33233/eb.v21i3.5211

ARTIGO ORIGINAL

Ensino remoto emergencial e morbidade autorreferida no contexto da pandemia por covid-19: percepção entre graduandos de enfermagem

 

Isabella Sabadin*, Jéssica Reis do Rosário*, Maria Eduarda Dóro Mota*, Yuri Sacardo*, Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, D.Sc.**, Marli de Carvalho Jericó, D.Sc.**

 

*Enfermeiros, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), **Obstetriz, enfermeira, docente e orientadora de graduação e pós-graduação de enfermagem da FAMERP

 

Recebido em 3 de maio de 2022; Aceito em 6 de junho de 2022.

Correspondência: Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, Rua Alagoas, 29, 15140000 Balsamo SP

 

Isabella Sabadin: isa.sabadin@hotmail.com  

Jéssica Reis do Rosário: jessica.reis.rosario@gmail.com  

Maria Eduarda Dóro Mota: mariaeduardadoro13@gmail.com

Yuri Sacardo: yurisacardo17@gmail.com  

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler: zaidaaurora@gmail.com  

Marli de Carvalho Jericó: marlicj2010@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Verificar a percepção entre graduandos de Enfermagem de uma instituição pública de ensino, sobre a implantação do Ensino Remoto Emergencial (ERE), em 2020, devido à pandemia SARS-CoV e a morbidade autorreferida. Métodos: Estudo quantitativo, transversal, descritivo e analítico, com correlação entre variáveis. Os dados foram coletados, em 2021, de forma online, pela plataforma Google Forms, com questões sociodemográficas, experiência do ERE e de morbidade autorreferida. A análise estatística foi realizada pelo software IBM-SPSS versão 20, uso do teste de Kruskall-Wallis e teste de comparação múltipla a partir da correção de Bonferroni par a par. Resultados: Participaram 140 graduandos de Enfermagem de 1ª a 4ª. série, a maioria com idade até 22 anos (74,3%), residiam na zona urbana (95%); não receberam qualquer benefício ou ajuda financeira durante a pandemia (67,8%); somente 7,9% dos alunos dispunham apenas de internet dos dados móveis do celular; os docentes de Enfermagem foram os que mais participaram na orientação sobre o ERE; consideraram regular a metodologia do ERE (55%); as aulas foram mistas - sincrônicas e assincrônicas (82,2%). Sobre morbidade autorreferida, entre os sinais e sintomas com significância estatística estavam: medo, sensação que algo ruim iria acontecer; mais sensível; inquietação, nervoso, irritação; bloqueio de pensamento; esquecimento, tristeza constante, choro fácil, fadiga e desânimo ao final do dia. Conclusão: Os dados obtidos desvelaram fragilidades do ERE implantado; sentimentos e necessidades manifestados pelos alunos, que podem subsidiar intervenções no curso de graduação em Enfermagem e outras pesquisas neste contexto.

Palavras-chave: ensino online; morbidade; pandemias, COVID-19.

 

Abstract

Emergency remote education and self-reported morbidity in the context of COVID-19 pandemic: perception among undergraduate nursing students

Objective: To assess the perception among Nursing undergraduate students of a public educational institution, about the implementation of Emergency Remote Education (ERE), in 2020, due to the SARS-CoV pandemic and self-reported morbidity. Methods: Quantitative, cross-sectional, descriptive and analytical study, with correlation between variables. Data were collected online, in 2021, by Google Forms platform, with sociodemographic questions, experience of the ERE and self-reported morbidity. Statistical analysis was performed using IBM-SPSS software version 20, using the Kruskall-Wallis test and multiple comparison test with Bonferroni pairwise correction. Results: A total of 140 undergraduate Nursing students from the 1st to the 4th grade participated, most of them aged up to 22 years (74.3%), living in urban areas (95%), they did not receive any benefit or financial help during the pandemic (67.8%); no more than 7.9% of the students had only mobile data internet available; the Nursing teachers were the ones who most participated in the orientation about the ERE; they considered the ERE methodology regular (55%); the classes were mixed - synchronous and asynchronous (82.2%). Regarding self-reported morbidity, among the signs and symptoms with statistical significance were: fear, feeling that something bad was going to happen; more sensitivity; restlessness, nervousness, irritation; thought blocking; forgetfulness, frequent sadness, easy crying, fatigue and discouragement at the end of the day. Conclusion: Data have showed weaknesses of the implemented ERE; feelings and needs expressed by students, which may subsidize interventions in the undergraduate course in Nursing and further research in this context.

Keywords: online education; morbidity; pandemics; COVID-19.

 

Resumen

La enseñanza remota de emergencia y la morbilidad autodeclarada en el contexto de la pandemia de COVID-19: percepciones entre losestudiantes universitarios de enfermería

Objetivo: Verificar la percepción entre los graduandos de Enfermería de una institución pública de enseñanza, sobre la implantación de laEnseñanza Remota de Emergencia” (ERE), en 2020, debido a la pandemia SARS-CoV y la morbilidad autorreferida. Métodos: Estudio cuantitativo, transversal, descriptivo y analítico, con correlación entre variables. Los datos se recogieron en línea en 2021, a través de la plataforma Google Forms, con preguntas sociodemográficas, de experiencias en la ERE y de morbilidad autodeclarada. El análisis estadístico se llevó a cabo mediante el software IBM-SPSS versión 20, utilizando la prueba de Kruskall-Wallis y la prueba de comparación múltiple de la corrección de Bonferroni por pares. Resultados: Se totalizo 140 estudiantes de enfermería de primer a cuarto año de carrera con edad hasta 22 años (74,3%). Vivian en zonas urbanas (95%); no recibieron ninguna prestación o ayuda económica durante la pandemia (67,8%); sólo el 7,9% de los estudiantes disponía de Internet de datos móviles; los profesores de enfermería fueron los que más participaron en la orientación sobre la ERE; consideraron la metodología de la ERE como regular (55%); las clases fueron mixtas - sincrónicas y asincrónicas – (82,2%). En cuanto a la morbilidad autodeclarada, entre los signos y síntomas con significación estadística estaban: el miedo, la sensación de que algo malo iba a ocurrir; más sensibilidad; inquietud, nerviosismo, irritación; bloqueo del pensamiento; olvido, tristeza constante, llanto fácil, fatiga y desánimo al final del día. Conclusión: Los datos obtenidos revelan las fragilidades del ERE implantado; los sentimientos y necesidades manifestados por los estudiantes, que podrían subvencionar las intervenciones en el curso de graduación en Enfermaría y otras investigaciones en este contexto.

Palabras-clave: educación en línea; morbilidad; pandemias; COVID-19.

 

Introdução

 

Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde caracterizou como pandemia a situação sanitária imposta pelo SARS-CoV-2, um novo coronavírus altamente transmissível, descrito na China em novembro de 2019, ficando a doença conhecida como COVID-19. A pandemia implicou em diversas modificações globais, em todos os setores, de vida comunitária humana, com implementação de medidas extremas de isolamento e distanciamento social, sob a alegação de restringir a disseminação e contágio pelo vírus. No âmbito educacional, as aulas presenciais dos estudantes de praticamente todos os países foram suspensas e o ensino remoto foi adotado, visando dar continuidade ao ano letivo e minimizar os impactos da pandemia na formação discente [1,2,3].

Como metodologia de educação online, o ERE muitas vezes é confundido como sinônimo de Educação a Distância (EaD), mas se diferencia do EaD por utilizar tecnologias para atender o que até então era implementado na educação presencial. Assim, as tecnologias digitais que eram utilizadas como recursos de apoio ao processo de aprendizagem, tornaram-se o artefato principal do ensino remoto [4,5].

No Brasil, as aulas presenciais foram suspensas no início de março de 2020 e as instituições de ensino, nos diferentes níveis educacionais, público e privado, buscaram estratégias de ensino nos moldes do que foi denominado como Ensino Remoto Emergencial (ERE). Por meio da Portaria MEC nº 343, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, as instituições educacionais foram fechadas pelo período que durasse a pandemia, desde creches até instituições de ensino superior. Não se sabia que apenas começavam os desafios para a educação, exigindo que as instituições se reinventassem e se adaptassem, empregando tecnologias remotas muitas vezes nunca antes aplicadas, na adequação de seus métodos de ensino-aprendizagem, migrando do ensino presencial para o ERE [6,7,8].

No foco da graduação em Enfermagem, ao menos no Brasil, a preocupação inicial foi como fazer para proporcionar um ensino remoto que contribuísse significativamente com a formação dos estudantes. Também surgiram desafios em conciliar o ensino híbrido, considerando-se também: as dificuldade de acesso à internet pelos discentes; o uso do recurso virtual, na internet intermitente, a demanda maior de tempo, a dependência da tecnologia para a realização das atividades; o uso de novas tecnologias e como deixar as aulas mais motivacionais e atrativas [9,10,11,12,13,14].

O ERE era para ter um formato provisório, mas foi se estendendo no Brasil pelos anos de 2020 e 2021, trazendo preocupações pela imprevisibilidade de como estariam comprometidos o processo de ensino-aprendizagem, a qualidade de vida de discentes e docentes e os agravos à saúde física e emocional dos envolvidos [1]. As consequências da pandemia atingiram o estilo de vida de todas as pessoas, independentemente de classe econômica e fase do ciclo de vida, comprometendo sua saúde física e mental [10,14].

Ante o exposto, esta pesquisa teve como objetivo verificar a percepção de graduandos de enfermagem sobre a implementação do Ensino Remoto Emergencial (ERE), considerando:

 

* Características sociodemográficas do alunado;

* Satisfação, dificuldades e desafios no desenvolvimento do ERE;

* Morbidade autorreferida relacionada ao ERE

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo transversal com delineamento descritivo, de abordagem quantitativa e qualitativa, do tipo analítica com correlação entre variáveis. O local de estudo foi uma Instituição de Ensino Superior (IES), autarquia estadual de regime especial, localizada no noroeste paulista, de regime integral, que oferece ensino, pesquisa e extensão a alunos de graduação em Enfermagem, Medicina e Psicologia.

Antecedendo a coleta de dados, o projeto desta pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em Seres Humanos da instituição estudada, atendendo a Resolução 466/2012, com prévia autorização da direção desta IES. Foi autorizada pelo CEP: Autorização CAAE: 30676120.9.0000.5415, Parecer 3.992.801.

A população estudada foi constituída de alunos da 1ª a 4ª série, regularmente matriculados no ano de 2020 na Graduação de Enfermagem da instituição e que aceitaram participar da pesquisa. A amostra foi feita por amostragem não probabilística em sequência, ou seja, envolve o recrutamento de todas as pessoas de uma população acessível em um intervalo de tempo específico. A coleta de dados foi feita no ano de 2021, de forma online, pela plataforma Google Forms, com a aplicação de três questionários: um sociodemográfico, um sobre a experiência do ERE e um de morbidade autorreferida, formatados no estilo de formulário da plataforma Google Forms, com questões fechadas. Os alunos tinham o prazo de até 15 dias para as respostas, mas podia ser conforme necessidade.

Após a coleta, os dados foram planilhados no Excel e as variáveis quantitativas foram analisadas de forma descritiva a começar do cálculo de medidas de tendência central e dispersão. Já as variáveis qualitativas foram avaliadas com base na análise de conteúdo de Bardin [15] com pré-análise das respostas, exploração do material e tratamento dos resultados, a partir de inferência e interpretação. A análise estatística foi realizada pelo software IBM-SPSS versão 20. Realizou-se uma análise descritiva com cálculo de números absolutos e percentuais e uma comparativa entre as variáveis socioeconômicas, demográficas, relacionadas ao curso e hábitos de vida por meio do teste de Kruskall-Wallis sendo considerado significante estatisticamente aquelas variáveis que apresentaram p < 0,05 [1]. Posteriormente foi aplicado o teste de comparação múltipla a partir da correção de Bonferroni par a par, sendo considerado significante o p ≤ 0,008 [2]. Para a análise de comparação múltipla, foram incluídas as variáveis que apresentaram significância estatística na primeira etapa [16,17].

 

Resultados

 

A Tabela I mostra apenas os dados sociais e demográficos que apresentaram significância estatística (p ≤ 0,05), observando-se que: participaram desta pesquisa 140 graduandos de enfermagem, matriculados em uma das quatros séries em 2020, correspondendo a 46 (32,9%) da 1ª. série, 40 (28,6%) da 2ª. série; 35 (25%) da 3ª. série e 19 (13,6%) da 4ª. série; a maioria tinha até 22 anos de idade (104-74,3%); 133 (95%) residiam em zona urbana e não recebiam benefícios ou ajuda financeira (95-67,8%).

 

Tabela I - Características sociais e demográficas dos graduandos de enfermagem, segundo série cursada, São José do Rio Preto, 2020

 

 

São mostrados na tabela II os dados referentes à satisfação, dificuldades e desafios no desenvolvimento do ERE na instituição. Observa-se que todas as variáveis foram significantes estatisticamente, verificando-se que só 11 (7,9%) dos alunos dispunham apenas de internet dos dados móveis do celular, correspondendo a 2 (4,3%) dos 46 alunos da 1ª série, 4(10%) dos 40 alunos da 2ª série, 5(14,3%) dos 35 alunos da 3ª série e nenhum aluno da 4ª. série. Sobre a preparação/orientação dos alunos sobre o ERE: não houve a participação do Diretor Geral (107 – 76,4%) e do Diretor de Ensino (90- 64,3%); os docentes de enfermagem (66- 47,1%) participaram muitas vezes. Quanto às aulas, a maioria respondeu que o ERE foi mais mista, sincrônica e assincrônica (115-82,2%) e a maioria considerou a metodologia dos professores regular (77-55%).

 

Tabela II - Dificuldades dos graduandos quanto à metodologia de ensino ERE segundo série cursada, São José do Rio Preto, 2020

 

 

Observa-se na Tabela III dados de significância estatística entre os sinais e sintomas de morbidade relacionados ao ERE, referidos pelos graduandos de Enfermagem participantes desta pesquisa, considerando-se a resposta sempre para: 22,1% em aumento da respiração ou respiração superficial; 28,6% em bloqueio de pensamento; 35,7% em esquecimento, 33,6% em tristeza constante e choro fácil, 33,6% em espécie de medo- sensação de que algo ruim ia acontecer; 47,1% lentidão para pensar no que tinha que fazer e realizar as tarefas; 21,4% de sensação de entrar em pânico de repente; 22,8% tristeza a maior parte do tempo; 21,4% falta de prazer em fazer coisas que antes gostava; 17, 8% boca seca; 25% sensação de ridículo por comportamento inquieto, nervoso; 39,3% sensação de desvalor e 42,1% sentiam  cansaço, desânimo e preocupação no final do dia.

 

Tabela III - Sinais e sintomas encontrados durante a pandemia dos discentes de enfermagem segundo a série cursada, São José do Rio Preto, 2020

 

*Teste Kruskal-Wallis

 

A Tabela IV mostra a comparação múltipla entre as séries a partir do teste de Bonferroni par a par entre as variáveis que apresentaram p < 0,008 que tiveram significância estatística na análise anterior.

 

Tabela IV - Teste de comparação múltipla a partir de Bonferroni par a par entre as variáveis socioeconômicas, demográficas, relacionadas ao curso e hábitos de vida dos discentes de enfermagem, São José do Rio Preto, 2020

 

*Teste de U-Mann-Whitney

 

Discussão

 

A temática esquisada sobre a percepção de graduandos de enfermagem sobre o ensino remoto emergencial (ERE), no contexto da pandemia por COVID-19, revelou problemas educacionais (acesso e uso de tecnologias digitais por docentes e discentes), sociais/econômicos, de mudanças no estilo e qualidade de vida, além de agravos à saúde, em especial de sofrimento psíquico.

O regime remoto foi a medida emergencial temporária organizada nas instituições escolares em várias partes do mundo, incluindo o Brasil. Muitos ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) foram disponibilizados, tais como Blackboard, Canvas, Moodle, Google Classroom, com vistas a disponibilizar diversos meios de comunicação, tais como correio eletrônico (e-mail), salas de bate-papo (chats) e grupos de discussão (bulletin boards). Também e, principalmente, recursos de comunicação síncrona para videoconferências, como o Google Hangouts, Google Meet, Zoom, entre outros, para possibilitar a aula on-line com a presença de docente e discentes, nos mesmos dias e horários que seriam as aulas presenciais [19].

A prática de ensino online emergencial na instituição estudada foi focalizada no Google Meet e Google Classroom, sendo escolhidas por possibilitarem a promoção de atividades colaborativas e de interação com quiz e gamificações, assim como facilitarem a associação com estratégias para melhor organização e mais dinamismo das aulas síncronas e atividades assíncronas propostas aos alunos [19,20,21,22].

As mudanças no processo de ensino aprendizagem durante a pandemia, no ensino superior brasileiro, deixaram em evidência as diferenças entre o alunado, fortalecendo as desigualdades educativas pelo uso de tecnologias de comunicação virtual [19,22]. Também foi verificado nesta pesquisa que os acadêmicos tinham mais fluência digital que os professores, mas alguns foram prejudicados por não possuírem aparelhos de conexão com a internet. Já entre os docentes, com diferenças entre uns e outros, tinham várias limitações quanto ao uso ampliado das tecnologias digitais da informação e comunicação, particularmente no início da implementação do ERE, necessitando que técnicos do setor de Tecnologia da Informação fizessem capacitação e acompanhamento.

Também foi um sofrimento manifestado pelos alunos o fato de ter sido necessário, abruptamente, prescindir da presença física, da interação com os colegas, professores, funcionários e o próprio ambiente e estrutura universitária. Pior para os ingressantes, que não participam inserção acadêmica, tão esperada e da integração à faculdade. Nesta pesquisa verificou-se que os docentes de enfermagem foram muito participantes, apesar da metodologia dos professores ser considerada regular.

Com dados coletados com questionário elaborado no Google Forms, entre 245 estudantes e 40 professores, sobre lugar do corpo nas aulas da graduação, foram obtidas compreensões diferentes, prevalecendo aqueles que reclamaram a ausência corporal, principalmente, em aulas práticas, nos laboratórios de ensino e na interação entre estudantes e professores, por meio dos sentidos corporais [23].

As dificuldades quanto à falta da presença física no processo de ensino aprendizagem proporcionado pelo ERE exigiu que os docentes inovassem, no sentido de minimizar os efeitos adversos tanto no ensino quanto na saúde física e mental dos estudantes. Um grupo de professores de uma escola médica adaptou atividades de mentoria remota, para alunos veteranos que já participavam da mentoria e separadamente aos estudantes recém-ingressos no curso médico, como um "lugar de conversa", mas em plataforma digital. Mesmo variando a desenvoltura interativa, os alunos consideraram satisfatórios os encontros remotos em termos de qualidade das discussões, atuação do mentor e ambiente emocional. Foi recorrente entre os alunos ingressantes os sentimentos de medo de ter mau desempenho nas provas, de perder o semestre e de não aprender, enquanto nos veteranos destacaram-se as dificuldades de adaptação ao ensino a distância, excesso de atividades, e a diminuição das atividades práticas. Todos os alunos relataram medo da pandemia, da morte pela COVID entre parentes e de a situação financeira dos pais piorar, além de tristeza por perda de parentes pela COVID-19 [24].

O estilo e a qualidade de vida (QV) de docentes, discentes e pessoal técnico administrativo geralmente foram alterados para pior pelo distanciamento social e comprometimento financeiro pela pandemia, na estrutura das famílias. Neste estudo constataram-se dados de significância estatística quanto à morbidade autorreferida pelos graduandos de enfermagem participantes, como: respiração superficial e rápida; bloqueio do pensamento; esquecimento; medo; choro constante; tristeza; pânico recorrente; inquietude; nervosismo; cansaço; desânimo; preocupação no final do dia e sentimento de desvalor. Em pesquisa sobre a qualidade de vida de docentes, discentes e técnicos administrativos de uma universidade federal em trabalho remoto durante a pandemia, observou-se melhor QV entre os docentes e que serão necessárias medidas de apoio psicológico e emocional a todos no retorno presencial à comunidade acadêmica [25].

As mudanças na vida acadêmica pelo distanciamento social e ensino online geraram sofrimento psíquico entre os participantes desta pesquisa, particularmente entre aqueles em que as famílias tiveram diminuição das fontes de renda. Em estudo com 136 graduandos de enfermagem, com uso da Escala de Medida de Manifestação de Bem- estar Psicológico e a Brief COPE, constatou-se que os estudantes dos últimos anos de curso utilizaram mais frequentemente a estratégia de coping suporte instrumental e emocional, além de apresentar maiores níveis de bem-estar psicológico, na socialização, na sensação de controle de si e na autoestima dos estudantes [26]. Outra pesquisa com 75 graduandos de enfermagem em uma instituição de ensino privada, usando-se três questionários para levantamento de dados sociodemográfico e psicossociais, rendimento acadêmico e Perceived Stress Scale (PSS), aplicados de forma online e analisado por estatística descritiva, verificou predominância do sexo feminino; faixa etária de 16 a 25 anos; sem atividade física; 6 a 8 horas diárias de sono; rendimento acadêmico elevado e nível médio de estresse [27].

O medo é frequentemente associado a transtornos psicopatológicos que ficaram evidenciados pelo estresse causado no contexto da pandemia da COVID-19. Algumas pessoas são mais capazes de enfrentar e se adaptar ao estresse, acionando estratégias  efetivas de autorregularão emocional. Já outras apresentam um enfrentamento mal adaptativo, que incluem condutas e atitudes como trabalhar demais; hiperatividade; uso abusivo de substâncias lícitas e ilícitas; comer excessivamente; cultivar pensamentos disfuncionais e depressivos, que podem levar ao adoecimento físico e mental [28].

O ensino remoto emergencial trouxe opções pedagógicas de aulas online simultâneas e o modelo “HyFlex”, potencializando-se a educação híbrida, encarando-se as tecnologias e as redes digitais não apenas como ferramentas, mas novas percepções, concepções e interações no processo de ensinar e aprender [29]. No Brasil, o retorno da “normalidade” do Ensino Presencial é bem possível que não seja mais integralmente em grande parte das instituições. O apoio da modalidade remota sincrônica e assincrônica incorporará o ensino híbrido, usando mais a tecnologia digital para finalidades pedagógicas mais efetivas e eficientes [30].

 

Conclusão

 

Segundo o objetivo definido e resultados obtidos nesta pesquisa ficaram evidenciados problemas de ordem logística, de capacitação, financeiras e de morbidade autorreferida pelos acadêmicos participantes. Também, de maior envolvimento de docentes enfermeiros para o alcance de ensino de enfermagem mais efetivo e eficaz.

Esta pesquisa teve limitações pela dificuldade de conseguir mais respondentes da primeira à quarta série, além de algumas questões não serem respondidas ou parcialmente respondidas. No entanto, os dados obtidos permitem abstrair que serão importantes para a proposição e implementação de medidas de intervenção para melhor qualidade de vida de alunos e professores no processo de ensino/aprendizagem de enfermagem na instituição. Além disso, deve subsidiar outras pesquisas em contextos semelhantes.

Resta esperar como será o ensino na graduação em enfermagem no pós-pandemia, quando terminar a emergência da COVID-19. Acreditamos no modelo de curso chamado de “HyFlex”, que combina elementos de um curso híbrido, presencial e online, bem mais flexível e adotando metodologias inovadoras com maior uso de tecnologias digitais.

 

Conflitos de interesse

Declaramos ausência de conflito de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve

 

Contribuições dos autores

Concepção, delineamento, coleta de dados, desenvolvimento e análise estatística e comentários das versões do manuscrito: Sabadin I, Rosário JR, Mota MED, SacardoY, Jericó MC; Redação final do manuscrito: Soler SASG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sabadin I, Rosário JR, Mota MED, SacardoY, Jericó MC, Soler SASG

 

 

Referências

 

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