Enferm Bras. 2023;22(2):199-210

doi: 10.33233/eb.v22i1.5224

ARTIGO ORIGINAL

Discurso das mulheres assistidas por um profissional Doula

 

Maurício Caxias de Souza1, Juliana Meira de Vasconcelos Xavier2, Danilo Martins Roque Pereira1, Aurilene Josefa Cartaxo de Arruda Cavalcanti3, Patrícia Moita Garcia Kawakame4, Iago Vieira Gomes5

 

1Universidade Federal de Pernambuco (PPGENF/UFPE), Recife, PE, Brasil

2Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), PB, Brasil

3Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil

4Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, MS, Brasil

5Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, PE, Brasil

 

Recebido em: 13 de julho de 2022; Aceito em: 15 de dezembro de 2022.

Correspondência: Maurício Caxias de Souza, mauricio.caxias@ufpe.br

Como citar
Souza MC, Xavier JMV, Pereira DMR, Cavalcanti AJCA, Kawakame PMG, Gomes IV. Discurso das mulheres assistidas por um profissional Doula. Enferm Bras. 2023;22(2):199-210. doi: 10.33233/eb.v22i1.5224

Resumo

Objetivo: Analisar o discurso das mulheres assistidas por um profissional Doula num cenário obstétrico hospitalar. Métodos: Estudo qualitativo, descritivo e exploratório, tipo pesquisa-ação, realizado com 10 mulheres assistidas por um profissional do gênero masculino com formação em doula, em um serviço materno-infantil do estado da Paraíba, Nordeste do Brasil. Os dados empíricos foram produzidos entre setembro e novembro de 2016, por meio de um formulário de entrevista semiestruturado, com gravação e transcrição das falas, com análise de discurso. Resultados: As mulheres demonstram sentimentos de gratidão e segurança ao serem assistidas por um doulo durante a sua permanência na maternidade. Conclusão: As mulheres sentiram-se encorajadas, à vontade e seguras. O fato de o profissional ser do gênero masculino não impossibilitou que a assistência de Enfermagem fosse satisfatória.

Palavras-chave: doulas; identidade de gênero; cuidado; saúde da mulher; enfermagem obstétrica.

 

Abstract

Speech of women assisted by a professional Doula

Objective: To analyze the discourse of women assisted by a professional Doula in an obstetric hospital setting. Methods: Qualitative, descriptive and exploratory study, research-action type, carried out with 10 women assisted by a male professional with doula training, in a maternal and child service in the state of Paraíba, Northeast Brazil. Empirical data were produced between September and November 2016, through a semi-structured interview form, with recording and transcription of the speeches, with discourse analysis. Results: The women demonstrate feelings of gratitude and security when being assisted by a “doulo” during their stay in the Maternity Hospital. Conclusion: The women felt encouraged, at ease and safe. The fact that the professional was male did not make it impossible for the Nursing care to be satisfactory.

Keywords: doulas; gender identity; care; women’s health; obstetric nursing.

 

Resumen

Discurso de la mujer asistida por un profesional Doula

Objetivo: Analizar el discurso de mujeres asistidas por Doula profesional en un ambiente hospitalario obstétrico. Métodos: Estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, tipo investigación-acción, realizado con 10 mujeres asistidas por un profesional masculino con formación de doula, en un servicio materno-infantil del estado de Paraíba, Nordeste de Brasil. Los datos empíricos fueron producidos entre septiembre y noviembre de 2016, a través de un formulario de entrevista semiestructurada, con grabación y transcripción de los discursos, con análisis de discurso. Resultados: Las mujeres muestran sentimientos de gratitud y seguridad al ser asistidas por undoulo” durante su estancia en la maternidad. Conclusión: Las mujeres se sintieron animadas, tranquilas y seguras. El hecho de que el profesional fuera del sexo masculino no impidió que la atención de Enfermería fuera satisfactoria.

Palabras-clave: doulas; identidad de género; cuidado; salud de la mujer; enfermería obstétrica.

 

Introdução

 

O cenário do parto no Brasil vem sofrendo uma série de modificações nos últimos 10 anos, no que diz respeito a assistência à saúde no trabalho de parto, com a expansão de movimentos produzidos por lutas em prol da humanização do parto e do nascimento, com a implementação de boas práticas obstétricas na atenção a saúde materno-infantil [1]. Dentre os incentivos conquistados, destaca-se o direito da mulher em ter uma doula de sua escolha, não somente como proposta de apoio físico e emocional, mas para a redução de violências obstétricas e para o uso de técnicas não farmacológicas para o alívio da dor, tais como a termoterapia, técnicas de relaxamento, musicoterapia e massoterapia [2].

A atenção humanizada à mulher no pré-natal, parto, puerpério e aborto, tem sido um ponto de extrema importância na gestão de cuidados da Atenção à Saúde da Mulher (GASM) inerente às ações na rede, tais como: implantação do direito a acompanhante desde 2001; o Programa da Doula Comunitária Voluntária (PDCV); a qualificação dos profissionais da saúde na atenção ao pré-natal de risco habitual e alto risco; no período puerperal; no planejamento reprodutivo; com aquisição de materiais educativos, como: folders, cartazes, cartilhas, álbuns seriados, próteses (peniana e vulvar) de borrachas e acrílicos; partograma, estetoscópio de Pinard, e melhoria das estruturas físicas das maternidades municipais [3,4].

A Doula faz bem à saúde da parturiente, termo este que vem do grego e significa “mulher que serve” ou “escrava”. Esta palavra é utilizada para denominar a pessoa que acompanha outra pessoa durante todo o período gravídico, parto e pós-parto. O trabalho da doula favorece o apoio e a empatia, oferta suporte físico e emocional à mulher durante todo o processo da gestação, de modo que a mulher seja a protagonista deste momento singular em sua vida, o parto [5].

A doula deve se dispor às gestantes e parturientes nos conhecimentos e práticas que adquiriu ao longo da sua profissão e vida, de seu treinamento, como: massagens, posturas, exercícios corporais e respiratórios, canto, dança, reza e outros. No SUS, a doula, geralmente é uma mulher da comunidade que atua voluntariamente, em geral, nos hospitais, embora possa participar de grupos educativos na Unidade Básica de Saúde [6].

O projeto de Lei n° 5.304/2013, nos artigos de n° 1, 2 e 19 transcrevem que a mulher tem direito a doula, caso dela deseje. A doula não substitui acompanhante nem expõe opiniões técnicas críticas para a avaliação do processo de trabalho de parto e nascimento, mas está para servir e apoiar as decisões da pessoa, além de somar a equipe multiprofissional de assistência ao parto. Esta referida lei altera a Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, e n° 9.656 de 3 de junho de 1998, no sentido de permitir a presença de um acompanhante e uma doula no período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato em serviços obstétricos da rede própria ou conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e nos ligados aos planos e seguros privados de assistência à saúde [7].

Sabe-se que a palavra doula tem origem grega e significa “mulher que serve” e não “homem que serve”. De acordo com Neves, no que se refere à divisão sexual do trabalho, vale ressaltar que a mesma não cria a subordinação nem tampouco a desigualdade das mulheres no mercado de trabalho. Entretanto, no caso da realização de atividades profissionais do homem para com uma ocupação direcionada apenas para o público do sexo feminino, certamente ocasionaria injustiça para com essa categoria exclusiva [8]. Num estudo realizado por Souza et al. [5], percebe-se que o homem também é capaz de realizar as atividades de doulagem enquanto doulo.

A divisão sexista do trabalho é um processo que não se resume a alocar homens e mulheres em estruturas ocupacionais, perfis de qualificação e, ainda, certos tipos de postos de trabalho já definidos de acordo com o seu sexo [9]. Poder pensar de modo simultâneo o material e o simbólico; restituir aos astros sociais o sentido de suas práticas, para que o sentido não seja dado de fora por puro determinismo. O gênero perante a subordinação, a assimetria nas relações de trabalho masculinas e femininas manifesta-se não apenas na divisão de atividades laborais, mas também nos critérios que definem a qualificação das tarefas, nos salários, na disciplina do trabalho [10,11].

Este estudo buscou responder a seguinte questão: Qual a posição social de mulheres frente ao cuidado de um doulo? Para tanto, foi realizada uma avaliação da repercussão do acompanhamento por um doulo à luz do discurso de mulheres parturientes/puérperas de um serviço materno-infantil do Estado da Paraíba.

 

Métodos

 

Estudo qualitativo, descritivo e exploratório, do tipo pesquisa-ação, em um serviço materno-infantil de alta complexidade da capital do Estado da Paraíba, João Pessoa, com 10 mulheres que aceitaram ser assistidas por um doulo. Outro pesquisador-participante foi convidado para a pesquisa com fins de aplicabilidade da entrevista semiestruturada.

A produção de dados empíricos foi realizada entre setembro e novembro de 2016, por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. Na análise dos dados, foi adotada a técnica de Análise do Discurso de Bardin [12]. As participantes foram nomeadas com pseudônimos da flora do sertão paraibano. O estudo detém o parecer de aprovação no Comitê de Ética e Pesquisa 58695416.2.0000.5183, de número: 1729773.

 

Resultados e discussão

 

A análise dos discursos está dimensionada em dois núcleos de sentido. O primeiro aborda como se dá o acolhimento no processo de doulagem e a posição social das mulheres parturientes/puérperas. O segundo núcleo de sentido trata do cuidado de um doulo frente ao tabu da presença masculina no cenário obstétrico, ressaltando a opinião das mulheres sobre esse tipo de profissional e a exacerbada intolerância cultural que permeia os espaços de assistência integral a saúde da mulher.

 

O acolhimento no processo de doulagem e a posição social de mulheres parturientes/puérperas

 

Os profissionais Doula são acompanhantes de parto que proporcionam informação, acolhimento, apoio físico e emocional às mulheres durante a gravidez e o pós-parto. Sua função é a de acolher, cuidar e acompanhar a pessoa neste momento de intensa transformação junto a toda equipe multidisciplinar que perpassa pelos serviços de atenção obstétrica hospitalar [5,13].

O processo de doulagem dá-se juntamente ao apoio social que as mulheres recebem durante o período gestacional e em especial durante o trabalho de parto. As atividades de apoio durante o trabalho de parto podem ser classificadas em quatro categorias: suporte emocional, que consiste em encorajar, tranquilizar e estar presente continuamente; medidas de conforto físico como massagens e compressa fria; suporte de informações através de orientações, instruções e conselhos e defesa que consiste em interpretar os desejos do casal frente aos profissionais do hospital e agir em favor do mesmo [14].

É importante esclarecer à mulher “acolhida e doulada” e aos profissionais que a circundam naquele momento que o processo deverá percorrer de forma natural, sem intervenções desnecessárias, com a presença e participação efetiva do pai no momento do trabalho de parto e nascimento.

O indivíduo deve estar consciente de que as suas vontades sempre serão as predominantes neste cenário desde que as suas decisões não perpassem por consequências para sua vida e do seu filho. A atenção tornou-se uma ferramenta insubstituível no cenário obstétrico para soma das ações de assistência integral à saúde da mulher. Com isso, observa-se nos fragmentos discursivos abaixo uma complexa mistura de sentimentos no que se refere aos destaques potencializados pelos blocos de significância.

 

[...] Ele foi bem atencioso, educado, explicou direito à profissão dele! Ele me passou confiança e me deu toda assistência necessária. Conversou bastante comigo, me explicou tudo o que eu precisava saber isso me acalmou. Eu gostei de verdade. [...] (BROMÉLIA DO SERTÃO)

 

[...] Se não fosse ele me apoiando não sei o que teria acontecido, pois eu nunca tive um filho de parto normal e ele ali ao meu lado em todos os momentos, eu adorei, está de parabéns! Não tive vergonha de nada, ele me ajudou em tudo, me orientava pra fazer a força correta. [...] (CALLIANDRA)

 

[...] Ele me ajudou muito, isso fez eu me sentir muito segura com o avanço do parto para que eu pudesse ter o meu filho. Muitos homens são brutos e ignorantes, não sabem como tratar uma mulher, já ele não, sentou, conversou, acalmou. Foi muito bom! Pense! [...] (ESOERANÇA)

 

[...] Foi à primeira vez que eu fui acompanhada por um doulo, eu me senti muito segura, no começo eu achei estranho por ser um homem, mas como ele foi bem atencioso, respeitoso e me ajudou na hora do parto percebi que isso não era e nunca foi na verdade nenhum tipo de problema, está mais no cultural. [...] (VIOLETA)

 

Os blocos de significância caracterizam sentimentos de positividade e gratidão, que permite uma ampla compreensão de que o cuidado em seu processo normativo não deve estar associado à divisão sexista de ações no cenário obstétrico. Compreende-se, que para as mulheres o doulo é de fundamental importância durante o rito de passagem no contexto do acolhimento no cenário obstétrico hospitalar, e, ainda, nas orientações do processo de doulagem.

Ao ser mãe, muitas são as mudanças que se apresentam à mulher em termos físicos, psicológicos, familiares e sociais. Entretanto, isto passa a estar associado a diversos sentimentos que povoam o seu mundo psíquico. De tal maneira, a assistência integral e diferenciada tem um papel fundamental não somente para os cuidados com a saúde das gestantes e seus bebês, mas também para as suas demandas emocionais. Ela pode servir para a redução de estresse e alívio das tensões e para aumentar os sentimentos de segurança da gestante [15].

Assim, percebe-se que o profissional doulo durante o acolhimento e o processo de doulagem é de fundamental importância para que as mulheres recebam apoio físico e emocional de forma diferenciada no tocante ao seu rito de passagem, pois o trabalho de parto e o nascimento são eventos que envolvem uma série de modificações na vida dessas mulheres que agora se tornaram ou renovaram-se como novas mães.

Embora a institucionalização do parto e os avanços tecnológicos tenham proporcionado melhor controle dos riscos materno fetais, ocorreu a incorporação de um grande número de intervenções desnecessárias, culminando inclusive com um aumento progressivo no número de cesarianas. A partir do momento em que os profissionais de medicina começaram a participar do processo do parto, a mulher deixou de ser a pessoa mais importante, protagonista e ativa daquele evento. Com isso, o parto passou a ser visto apenas como um ato cirúrgico e a parturiente determinantemente passou a ser apenas paciente [13,16].

Os destaques potencializados pelos blocos de significância revelam a posição social de mulheres parturientes/puérperas que através do seu discurso expõem sentimentos de segurança, confiança e gratidão. Sentimentos estes que foram perpassados através do processo de acolhimento do profissional doulo remetendo que o cuidado presente no processo de doular independente de sexo/gênero ultrapassa todas as barreiras de divisão sexista no âmbito obstétrico. Principalmente para o centro da obstetrícia, a mulher.

A posição social relevada por estes sujeitos participantes do estudo reforça a ideia de que não existem atividades de cuidado dividas de acordo com o sexo/gênero. Pois no que se refere ao cuidado na sua expressão operativa e, ainda, enquanto um dos arquétipos cuidará quem está para o cuidado e será cuidado aquele sujeito que necessita do cuidado, mesmo que no contexto obstétrico enquanto um cenário feminilizado. Os sujeitos que perpassam por este tipo de cuidado demonstram gratidão, confiança e segurança de acordo com este estudo.

 

O cuidado de um doulo frente o tabu da presença masculina no cenário obstétrico

 

O doulo deve se fazer presente no cenário do parto, para que as ações da equipe multidisciplinar de assistência integral à saúde da mulher sejam somadas a sua participação, ocupando devidamente o seu espaço profissional-demográfico. Na atualidade, ele apoia as decisões e as vontades da mulher para que ela não esqueça do tutorismo de seu corpo e de todas as suas verdades no cenário do parto [17]. O cuidado de um doulo perpassa pelo desejo da mulher em ser acompanhada por aquele profissional.

O parto para que seja considerado natural ou normal, deve ocorrer sem intercorrências ou procedimentos desnecessários nos períodos de trabalho de parto, parto e pós-parto. E deve-se manter uma constante atenção voltada para o bem-estar, segurança e direitos da parturiente e do bebê. Adjetiva-se o parto como humanizado, quando oferta-se uma assistência holística, na qual se dispensa a este momento a ternura, o carinho e a dignidade de que o evento necessita [18,19].

O cuidado de um doulo frente ao tabu da presença masculina no cenário obstétrico não está associado à relação de cuidador-cuidado no momento do parto, nascimento e puerpério. Logo, nos discursos a seguir revela-se que o doulo oferece uma assistência holística e com dignidade para as mulheres:

 

[...] Ele ficou perto de mim o tempo todo. No primeiro parto não tive alguém que ficasse perto de mim a todo momento, segurando em minha mão. Ele cuidou de mim como jamais fui cuidada. [...] (ZINIA)

 

[...] Ele me ajudou em todos os momentos sempre me dizendo que eu ia conseguir e que eu era capaz de passar por aquele momento. Ser cuidada por ele foi um privilégio, jamais esquecerei. [...] (SENA)

 

[...] A gente quando está sentindo dor não tem vergonha de ninguém, nem de homem, nem de mulher! Pra mim ser homem ou mulher nesse momento dá no mesmo! Se a presença do homem fosse um problema como muitos dizem, não poderiam existir médicos homens. Eu me senti melhor, mais encorajada, com mais vontade de fazer força para ter o meu filho só pelo doulo estar ali comigo. [...] (MANDACARU)

 

Os fragmentos discursivos potencializados pelos blocos de significância revelaram que as mulheres cuidadas no cenário obstétrico demarcado pelo serviço materno-infantil sentiram-se encorajadas, à vontade e seguras. O fato de o profissional ser do sexo masculino não impossibilitou que o cuidado fosse disseminado de forma satisfatória.

No parto humanizado faz-se necessário dar liberdade às escolhas da mulher, prestar um atendimento focado em suas necessidades como um todo, aliviar seus anseios, esclarecer as suas dúvidas, para que exista uma relação de confiança entre a parturiente e a equipe, a mesma deve ter como base o diálogo, na afetividade, no prazer em servir o outro e na atenção dispensada; não se preocupar apenas em crenças e mitos, acompanhando essas escolhas, intervindo o mínimo possível para que possa se desenvolver um processo natural e tranquilo [20].

O doulo faz com que as mulheres se sintam seguras com o trabalho da equipe, uma vez que ele se mostra parte do contexto de cuidado daquele cenário como integrante da equipe de cuidados. Essa relação de cuidador-cuidado ultrapassa as barreiras de divisão sexista de atividades no que se refere ao cuidado recebido por mulheres no cenário obstétrico, de acordo com os discursos:

 

[...] Ele cuidou de mim muito bem, conversou comigo e segurou em minha mão. Em nenhum momento observei qualquer tipo de problema por ele ser homem. Eu gostei muito dele, ele foi muito prestativo. Eu acho que até mais prestativo do que uma própria mulher. (LAELIA)

 

[...] Eu só consegui ter o meu parto normal e parir o meu filho literalmente porque ele estava ali cuidando de mim, oferecendo apoio físico e emocional a todo momento. A sua presença representou o verdadeiro respeito a mulher como eu jamais vi. [...] (PALMA)

 

[...] Eu pedi para que ele ficasse perto de mim porque eu senti empatia por ele. Deveriam existir mais homens assim, isso ajuda muito. Faz toda a diferença. (XIQUE-XIQUE)

 

Os fragmentos discursivos normatizam o Neologismo abordado por Souza et al. [5] onde a palavra doulo tem origem brasileira e significa “homem que serve a mulher”. Nesta perspectiva do cuidado, ser doulo significa ser aquele que instrumentalizará a mulher dando suporte físico e emocional antes, durante e após o parto.

Sobre a presença do homem no cenário do parto e a divisão sexista do trabalho, faz-se necessário refletir que a mesma não cria a subordinação nem tampouco a desigualdade das mulheres no mercado de trabalho, mas, no caso da realização de atividades profissionais do homem sobre uma ocupação direcionada apenas para o público do sexo feminino ocasiona uma injusta divisão [21].

Neste campo, torna-se imprescindível o questionamento quanto à atuação de um homem como doula, o que provoca a necessidade de ampliação do termo singular doula, para uma perspectiva de gênero e sexo a conformidade, sugestão ou até mesmo adaptação para “doulo” conforme o sexo da pessoa que está oferecendo ou prestando a assistência e contemplando as idealidades de gênero e ser no universo feminino e ainda do processo de trabalho e as suas idealidades [5].

 

Conclusão

 

O presente estudo analisou a posição social de mulheres atendidas por um “doulo”, a luz do seu discurso, em um serviço materno-infantil do Estado da Paraíba. A utilização da terminologia “doulo” é proposital, pois o termo referido não existe atualmente na literatura, no que condizem as origens da doula.

Os blocos de significância caracterizaram sentimentos de positividade e gratidão, que permitiram uma ampla compreensão de que o cuidado em seu processo normativo não deve estar associado à divisão sexista de ações no cenário obstétrico. Compreende-se que, para as mulheres, o doulo é de fundamental importância durante o rito de passagem no contexto do acolhimento no cenário obstétrico hospitalar e nas orientações do processo de doulagem. Assim, percebe-se que o profissional doula durante o acolhimento e o processo de doulagem é de fundamental importância para que as mulheres recebam apoio físico e emocional, pois o trabalho de parto e o nascimento são eventos que envolvem uma série de modificações na vida dessas mulheres. O profissional doula se fez presente no cenário do parto, ocupando devidamente o seu espaço profissional-demográfico. Apoiando as decisões e as vontades da mulher para que ela não se esquecesse do tutorismo de seu corpo e de todas as suas verdades. O cuidado de um doulo perpassou pelo desejo da mulher em ser acompanhada por aquele profissional. O cuidado de um doulo frente ao tabu da presença masculina no cenário obstétrico não está associado à relação de cuidador-cuidado no momento do parto, nascimento e puerpério. Nos discursos das mulheres participantes do estudo, pode-se perceber que o doulo oferece uma assistência holística e com dignidade para elas.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse no presente estudo.

 

Fontes de financiamento

Financiamento próprio dos autores, sem outras fontes.

 

Contribuições dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Souza MC, Xavier JMV, Kawakame PMG; Coleta de dados: Souza MC, Pereira DMR; Análise e interpretação dos dados: Xavier JMV, Souza MC, Pereira DMR, Kawakame PMG, Gomes IV; Análise estatística: Xavier JMV, Pereira DMR, Cavalcanti AJCA, Kawakame PMG; Redação do manuscrito: Souza MC, Pereira DMR, Cavalcanti AJCA, Gomes IV; Revisão crítica de conteúdo intelectual: Xavier JMV, Cavalcanti AJCA, Kawakame PMG, Gomes IV

 

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