Enferm Bras 2022;21(5):680-89
REVISÃO
Humanização em enfermagem
na terapia intensiva à luz da teoria de Wanda Aguiar Horta: um estudo reflexivo
João Paulo Prado, M.Sc*, Elizabeth Miranda Vitor*,
Elisângela Maria de Paula F. Cândido*, Eliza Maria Rezende Dázio,
D.Sc**, Zélia Marilda Rodrigues Resck,
D.Sc**
*Escola de Enfermagem,
Universidade Federal de Alfenas, MG, **Docente na Universidade Federal de
Alfenas
Recebido em 13 de julho de
2022; Aceito em 20 de outubro de 2022.
Correspondência: João Paulo Prado, Rua Gabriel Monteiro
da Silva, 700 Centro 37130-001 Alfenas MG, E-mail: joaopauloprado51@gmail.com
João Paulo
Prado: joaopauloprado51@gmail.com
Elizabeth
Miranda Vitor: betvit2010@hotmail.com
Elisângela
Maria de Paula F. Cândido: lisaenf@yahoo.com.br
Eliza
Maria Rezende Dázio: eliza.dazio@unifal-mg.edu.br
Zélia
Marilda Rodrigues Resck: zelia.resk@unifal-mg.edu.br
Resumo
Introdução: As Unidades de Terapia Intensiva nas
instituições hospitalares destinam-se ao atendimento a pacientes em situação de
saúde crítica que necessitam de assistência contínua e especializada por uma
equipe multiprofissional. Objetivo: Descrever a humanização da
assistência de Enfermagem em Terapia Intensiva, à luz da Teoria das
Necessidades Humanas Básicas de Wanda de Aguiar Horta. Métodos: Trata-se
de um estudo reflexivo que contou com o auxílio de publicações relacionadas a
proposta, realizada uma revisão narrativa com o percurso metodológico
utilizando os descritores Humanização da assistência, Unidade de Terapia
Intensiva; Teoria de Enfermagem, nas bases de dados BDEnf,
Lilacs, Bireme, PubMed no
período de 2014 e 2022. Resultados: A humanização da assistência em
Enfermagem na Terapia Intensiva, à luz da Teoria de Wanda Horta classifica as
necessidades humanas em 3 grandes dimensões: psicobiológicas;
psicossociais e psicoespirituais. Conclusão: A
formação dos profissionais deve ser pautada nas raízes da Enfermagem por meio
de suas teorias para reconhecer e utilizar sua ciência nos dias atuais como
construção do cuidado humanizado em Enfermagem.
Palavras-chave: humanização da assistência; unidade de
terapia intensiva; teoria de enfermagem.
Abstract
Humanization in nursing in intensive care in light of Wanda Aguiar
Horta's theory: a reflective study
Introduction: Intensive Care Units in hospital institutions are
intended for the care of patients in critical health situations who need
continuous and specialized assistance by a multidisciplinary team. Objective:
To describe the humanization of Nursing care in Intensive Care, in the light of
Wanda de Aguiar Horta's Theory of Basic Human Needs. Methods: This is a
reflective study that had the help of publications related to the proposal, carried
out a narrative review with the methodological course using the descriptors
Humanization of care, Intensive Care Unit; Nursing Theory in the BDEnf, Lilacs, Bireme, PubMed databases in the period 2014
and 2022. Results: The humanization of Nursing care in Intensive Care,
in the light of Wanda Horta's Theory classifies human needs into 03 major
dimensions: psychobiological; psychosocial and psychospiritual. Conclusion:
The training of professionals must be based on the roots of Nursing through its
theories to recognize and use its science today as a construction of humanized
care in Nursing.
Keywords: humanization of assistance; intensive care unit;
nursing theory.
Resumen
Humanización en enfermería en cuidados intensivos
a la luz de la teoría de Wanda Aguiar Horta: un estudio reflexivo
Introducción: Las Unidades
de Cuidados Intensivos en instituciones
hospitalarias están destinadas a la
atención de pacientes en situaciones críticas de salud que
necesitan asistencia
continua y especializada por parte de un equipo multidisciplinario. Objetivo: Describir
la humanización del cuidado de Enfermería en Cuidados Intensivos, a la luz
de la Teoría de las Necesidades Humanas Básicas
de Wanda de Aguiar Horta. Métodos: Este es un estudio reflexivo que contó con la ayuda
de publicaciones relacionadas con
la propuesta, se realizó una revisión narrativa con el curso metodológico
utilizando los descriptores
Humanización del cuidado, Unidad de Cuidados Intensivos; Teoría
de Enfermería, en las bases de datos BDEnf, Lilacs, Bireme, PubMed en el
período de 2014 y 2022. Resultados: La humanización
del cuidado de enfermería en Cuidados Intensivos, a la luz
de la Teoría de Wanda
Horta, clasifica las necesidades humanas en 03 grandes
dimensiones: psicobiológicas; psicosocial
y psicoespiritual. Conclusión:
La formación de profesionales
debe partir de las raíces de la Enfermería
a través de sus teorías para reconocer
y utilizar su ciencia hoy como construcción del cuidado humanizado en Enfermería.
Palabras-clave: humanización de la asistencia; unidad de terapia intensiva; teoría
de enfermería.
As
Unidades de Terapia Intensiva (UTI) surgiram com o intuito de fornecer suporte
de vida e assistência integral especializada a pacientes em situações críticas
de saúde, além de ser um ambiente multidisciplinar. Por esse motivo, são
compostas por aparelhos modernos, tecnologias avançadas, alta concentração de
recursos materiais e humanos, destinadas a pacientes que precisam de
monitoramento constante, em local onde a assistência multiprofissional
permanece ininterrupta e cujo desenvolvimento acompanha o progresso dos
cuidados intensivos [1,2,3].
Com o
avanço das práticas médicas e aparatos tecnológicos, as Unidades de Terapia
Intensiva (UTI) tornaram-se especializadas em desempenhar um papel fundamental
na sobrevida de pacientes gravemente enfermos que exigem cuidados
especializados e vigilância constante. No que diz respeito a serviços de saúde,
estas são essenciais na prática da medicina moderna [4,5].
No
Brasil, a implantação das UTI remonta à década de 1950, a partir da aplicação
do modelo norte-americano de cuidado intensivo [6]. Na década de 1970, houve
uma importante mudança de paradigma nos cuidados de saúde, que gradualmente se
afastou de uma abordagem paternalista da medicina para uma abordagem mais
centrada no paciente. Esforços significativos têm sido feitos em pesquisas
para remodelar a forma como os pacientes são atendidos, dando origem a um novo
termo: “humanização do cuidado”. Esse termo reflete os esforços para
melhorar a experiência de atendimento aos pacientes e seus familiares, bem como
aos profissionais de saúde [7].
Tendo
em
vista que o cenário que compõe a UTI é repleto de
tecnologias duras, surgem
sempre preocupações sobre a questão da
humanização do cuidado, a humanização
é
um elemento essencial para alcançar a promoção do
bem-estar durante os
processos de cuidado nos sistemas de saúde, pois o ambiente
hospitalar está
imerso em um desequilíbrio de emoções decorrentes
do sofrimento e ansiedade
vivenciados pela pessoa doente e sua família. Desse modo, a
relação do ser
cuidado e de quem cuida é considerada eventualmente suplementar,
dispensável ou
até mesmo, ausente [8].
Com
vistas aos benefícios da humanização, a Política Nacional de Humanização (PNH)
o HumanizaSUS foi criado em 2003. Os objetivos
centrais do PNH se referem tanto na qualidade como na dignidade no cuidado em
saúde [9]. Nesse contexto, o cuidado de enfermagem intensivo requer um processo
contínuo de aperfeiçoamento devido à criticidade do estado de saúde do
paciente, risco iminente de morte e instabilidade hemodinâmica frequentes. A
humanização dos serviços de saúde busca elevar a qualidade da assistência nos
níveis administrativos e assistenciais, para uma assistência integral ao longo
da vida do paciente [10,11].
Para a
enfermagem, os debates e discussões sobre a humanização remetem às suas
origens, as Teorias de Enfermagem, que apontam uma direção de como ver fatos e
eventos para assim direcionar o planejamento e determinação das intervenções de
enfermagem. No Brasil, na década de 1970, Wanda Horta foi a primeira enfermeira
a falar sobre teoria no campo profissional, buscando despertar na enfermagem
brasileira a importância do tema a partir da teoria da motivação humana de
Maslow, que se pauta nas necessidades humanas básicas, que se fundamenta a
partir das necessidades psicobiológicas,
psicossociais e psicoespirituais do indivíduo [12].
Diante
dos desafios da humanização da assistência em UTI, o presente estudo
fundamentou-se na Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Wanda de Aguiar
Horta, que descreve a importância do conhecimento e aplicabilidade dos
princípios humanos básicos de vida àqueles que se encontram com seu estado de
saúde ameaçado ou descompensado dentro de uma UTI. Em adição, a teoria tem como
seguimentos principais a homeostase, a adaptação e uma visão de atendimento
holístico e integral do ser humano [13,14].
O ser
humano interage dinamicamente com o ambiente e o espaço e estes influenciam
diretamente em seu estado de saúde e/ou doença. Horta, em sua teoria, pontua
três “ser da Enfermagem” para que seja oferecida uma assistência direcionada e
pautada em conhecimento: o “ser enfermeiro, o “ser paciente/cliente” e o “ser
enfermagem” evidenciando-se a importância da empatia para se conseguir uma
assistência efetiva e prioritária no que tange a necessidade do momento vivido
pelo paciente [15].
Acrescenta-se
ainda que a assistência de Enfermagem deve ser prestada com cuidados que não
seriam prestados nem para si mesmo, visto que o esforço para garantir um
cuidado eficiente, efetivo e que venha a atender a necessidade da pessoa
naquele momento é o que vai aliviar ou curar sua necessidade [15].
Diante
dessas evidencias, é possível verificiar a
importância da humanização no cuidado prestado pela enfermagem. A partir do
exposto, propõe-se como objetivo uma reflexão sobre a humanização da
assistência de Enfermagem em Unidades de Terapia Intensiva, à luz da Teoria das
Necessidades Humanas Básicas de Wanda de Aguiar Horta.
Trata-se
de uma reflexão baseada nas concepções de enfermagem da Teoria das necessidades
Humanas Básicas de Wanda de Aguiar Horta, cuja fundamentação baseia-se na
formulação discursiva aprofundada acerca de um tema específico, estabelecendo
analogias, apresentando diferentes pontos de vista, teóricos e/ou práticos
[16]. Para a elaboração do estudo, optou-se por uma revisão narrativa prévia da
literatura, permitindo uma abordagem ampliada e contextualizada. Por se tratar
de um artigo de reflexão, e não uma revisão de literatura, não se delineou
especificamente critérios de exclusão e inclusão para a seleção do material
bibliográfico.
O
percurso metodológico e a elaboração da análise reflexiva ocorreu
por meio de uma pesquisa bibliográfica nas bases de dados BDEnf,
Lilacs, Bireme, PubMed
utilizando-se os descritores humanização da assistência, unidade de terapia
intensiva; teoria de enfermagem, a palavra and foi
utilizada para selecionar os artigos disponíveis na íntegra e com conteúdo para
apoiar a discussão, no período de 2014-2022. Neste sentido, não houve intenção
de uma busca integrativa ou sistemática da literatura, mas apenas reforço
teórico para as reflexões propostas.
Wanda
Horta classifica as necessidades humanas em 03 grandes dimensões: psicobiológicas (oxigenação, nutrição, sono, repouso,
cuidado corporal, etc.); psicossociais (aceitação, autoestima, lazer,
orientação no tempo/espaço, comunicação, entre outras); psicoespirituais
(religião ou teologia, ética ou filosofia de vida). Descreve a Enfermagem como
parte integrante da equipe de saúde e que, por meio de um método científico, o
processo de Enfermagem, consegue desenvolver a assistência de Enfermagem
proporcionando o cuidado humanizado [15].
Depara-se
que a utilização do modelo biomédico nas UTI proporciona uma fragilidade nas
relações entre pacientes e equipe de saúde, uma vez que prioriza o atendimento
das necessidades biológicas em detrimento às outras. E assim, a complexidade da
assistência e a alta tecnologia desvia o olhar para a intervenção técnica e o cuidado
fisiológico [17].
O aspecto
biologicista é considerado fundamental para a prática
assistencial de Enfermagem, embasado na filosofia advinda do Positivismo:
ciência objetiva. A subjetividade humana não é valorizada nessa corrente
filosófica, promovendo uma ruptura na integralidade do cuidado. No cenário
hospitalar, em destaque as UTI, evidencia-se a separação entre a objetividade e
a subjetividade. A objetividade científica identifica-se por meio da
especialização profissional, fragmentação nos processos de trabalho,
valorização prioritária da técnica e manipulação de equipamentos de alta
tecnologia, favorecendo a desvalorização da subjetividade [18,19].
Na teoria
de Horta, é necessário transcender para as demais necessidades do ser humano,
possibilitando de tal forma a integralidade no atendimento. Como princípio
doutrinário do SUS, a integralidade nos serviços de saúde deve funcionar
atendendo o indivíduo como um todo, indivisível e integrante de uma comunidade.
Em adição, alguns estudos destacam que para a realização de um ato humanizado
na Enfermagem, é necessária empatia: colocar-se no lugar do outro, percebê-lo
como um todo, único e com a necessidade de prestar um atendimento de qualidade,
ou seja, que ultrapasse a procedimentos técnicos, utilizando a empatia como
ferramenta leve do cuidado de forma que possibilite uma aproximação entre o
paciente e o enfermeiro, permitindo uma relação de confiança através da
comunicação eficiente, escuta ativa e acolhimento [20].
Nas UTI,
com a presença de pacientes entubados e traqueostomizados
faz-se necessária a comunicação não verbal. O toque, de forma afetuosa assume
importância neste contexto com estratégia para a humanização, requerendo dos
profissionais envolvidos conhecimento e habilidades. Alguns pacientes conseguem
se comunicar verbalmente, outros por um gesto, um olhar. A autoestima, a
autoconfiança e o autorrespeito é proporcionado pela
observação na expressão corporal dos mesmos [21].
Estudo
realizado com profissionais de saúde observou que o ato de escutar é de
fundamental importância para propiciar a compreensão dos medos, angústias e
expectativas do ser que recebe o cuidado. Percebe-se o envolvimento dos
profissionais com a melhoria do cuidado pela ênfase nas relações interpessoais:
profissional-paciente. A equipe de enfermagem é aquela que permanece a maior
parte do tempo com o paciente e por este motivo tem o maior conhecimento sobre
os cuidados necessários [22].
Outro
fator importante evidenciado é a ambiência, necessidade psicossocial, que deve
ser atendida por meio da utilização de práticas lúdicas, músicas, brinquedos e
leitura de histórias em geral, avaliação da dor, adequação arquitetônica
proporcionando privacidade e participação familiar no cuidado [23]. O lúdico no
processo terapêutico humanizado recupera e promove a capacidade do brincar e
expressar-se, favorecendo, assim, o enfrentamento e superação dos desafios,
promovendo resultados imediatos, fortalecendo o período de internação a lidar
com o processo do adoecimento junto à hospitalização, promovendo um ambiente
acolhedor ao paciente, família e Enfermagem [23].
Além
disso, há outros componentes que devem ser avaliados e controlados para
propiciar conforto, tais como som, cor, iluminação e cheiro, promovendo um
ambiente acolhedor ao paciente, família e Enfermagem. Dessa forma, a cor também
afeta nossa percepção e as diferentes tonalidades podem proporcionar sensações
de tranquilidade e descanso ou estimulação e movimento, por exemplo [24].
Neste
sentido, os profissionais de Enfermagem reconhecem a importância da presença da
família próxima ao paciente, porém na prática a família é percebida como uma
dificuldade para a manutenção das rotinas nas UTI [22]. Em adição, para os
familiares, outro fator que auxilia na transição de sentimentos é a oferta de
informações pelos profissionais de saúde. Nesses casos, é fundamental
estabelecer um canal de comunicação efetivo entre profissionais e família para,
então, tornar essa experiência menos sofrida, estabelecendo confiança da
família nos indivíduos que prestam assistência [22].
Para
promover a humanização também é necessária a presença da religiosidade
/espiritualidade. A espiritualidade pode ser entendida como um caminho pessoal
para a compreensão do sentido da vida, enquanto a religiosidade está atrelada à
prática de uma religião, que é institucional, dogmática e sistematizada [25].
Estudos
vêm corroborando para destacar a assistência espiritual como forma de minimizar
o sofrimento, melhorar a aceitação da condição atual favorecendo a recuperação
e contribuindo para a qualidade de vida. Em uma pesquisa abordando a relação
profissional de saúde-paciente destacou-se que 80 % dos participantes relataram
que o profissional deveria conhecer suas necessidades religiosas ou espirituais
e integrá-las ao plano terapêutico [26]. Além disso, a fé é demonstrada e com o
passar do tempo a esperança fortalecida [27].
A
efetivação da humanização no cuidado em UTI circunda todas as dimensões que
envolvem o ser humano, que de acordo com Horta os profissionais de Enfermagem
devem satisfazê-las e assim promover um viver melhor; entretanto, embora nem
sempre seja possível resolver ou atender todos os problemas apresentados por
pacientes e familiares, a identificação das necessidades individuais do ser
humano possibilita uma assistência de qualidade.
A
humanização do cuidado à luz da teoria de Wanda Horta estabelece a conexão do
atendimento às necessidades humanas básicas como forma de cuidado holístico e
integral. Observa-se que é preciso retornar as raízes da Enfermagem por meio de
suas teorias para reconhecer e utilizar sua ciência nos dias atuais como
construção do cuidado humanizado em Enfermagem.
A
formação do profissional de Enfermagem também é de suma importância, sendo
necessário torná-los sensíveis e capazes de observar as necessidades de saúde
de forma a proporcionar um cuidado integral, desenvolvendo habilidades de
cuidar, conversar, ouvir e não somente de realizar procedimentos técnicos.
Conflitos
de interesse
Os autores
informam que não há conflitos de interesse.
Fontes
de financiamento
Não há
fontes de financiamento
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Prado JP, Vitor EM, Cândido EMPF, Resck ZMR; Coleta
de dados: Prado JP, Vitor EM, Cândido EMPF; Análise e interpretação
dos dados: Dázio EMR, Resck
ZMR; Redação do manuscrito: Prado JP, Vitor EM, Cândido EMP, Dázio EMR, Resck ZMR; Revisão
crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Dázio EMR, Resck ZMR, Prado JP