Enferm Bras 2022;21(5):605-620
ARTIGO ORIGINAL
Ensino Remoto Emergencial
na pandemia SARS-CoV-2 e morbidade autorreferida por adolescentes de curso
técnico
Leiny Cristina Flores Parreira*, Zaida Aurora
Sperli Geraldes Soler**, Luciene Cavalcanti
Rodrigues***
*Pedagoga, pós-graduada
em Comunicação e Linguagem, Gestão do Currículo pela Universidade de São Paulo
(USP/SP) e Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade de Medicina de
São José do Rio Preto (FAMERP-SP) e mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), **Obstetriz,
enfermeira, livre-docente em enfermagem obstétrica, docente e orientadora de
graduação e no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina
de São José do Rio Preto (FAMERP-SP). Orientadora desta pesquisa, ***Docente do
Ensino Básico e Tecnológico do Instituto Federal de São Paulo, Coorientadora
desta pesquisa
Recebido em 30 de agosto de
2022; Aceito em 18 de outubro de 2022.
Correspondência: Zaida Aurora Sperli
Geraldes Soler, Rua Alagoas, 29, 15140-000 Balsamo SP
Leiny Cristina Flores
Parreira: leinycf@gmail.com
Zaida
Aurora Sperli Geraldes Soler: zaidaaurora@gmail.com
Luciene
Cavalcanti Rodrigues: luciene.etec@gmail.com
Resumo
Objetivo: Verificar a percepção de adolescentes
de curso técnico integrado quanto ao ensino remoto emergencial durante a
pandemia SARS-CoV-2 e a morbidade autorreferida neste período. Métodos:
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto e do Instituto Federal de São Paulo. Estudo
com abordagem quantitativa, descritiva e correlacional sobre o Ensino Remoto
Emergencial ofertado a 223 estudantes (amostra) de curso técnico e tecnológico
na pandemia. Para a análise dos dados utilizou-se o programa Microsoft Excel® e
o programa Statistical Package
for Social Science, versão 20.0. Resultados: Identificaram-se
impactos negativos na organização do cotidiano de estudos dos estudantes; uma
redução do poder econômico das famílias; 21,1% dos estudantes não participam
das aulas síncronas; 20,6% não estavam satisfeitos com o curso. Houve aumento
de uso de medicamentos. Houve aumento em problemas de saúde como dores no
estômago, de cabeça, outras dores, dificuldade de dormir e de permanecer
dormindo, problemas de concentração, esquecimento, ansiedade, estresse,
frustração, tédio, desânimo e outros desconfortos e fragilidades. Conclusão:
As relações entre professor e aluno precisam ser reconstruídas, renovadas e a
reestruturação da trajetória curricular propicie melhores condições de
aprendizagem.
Palavras-chave: ensino médio; educação à distância;
adolescente; COVID-19; SARS-COV-2.
Abstract
Emergency Remote Teaching in the SARS-CoV-2 pandemic and self-reported
morbidity by technical course adolescents
Objective: To verify the perception of adolescents from an
integrated technical course regarding remote emergency education during the
SARS-CoV-2 pandemic and self-reported morbidity during this period. Methods:
This study was approved by the Research Ethics Committee (CEP) of the Faculdade de Medicina de São José
do Rio Preto and of the Instituto Federal de São Paulo. This is a study with a
quantitative, descriptive and correlational approach on the Emergency Remote
Learning offered to 223 students (sample) of technical and technological
courses in the pandemic. For data analysis we used the Microsoft Excel® program
and the Statistical Package for Social Science, version 20.0. Results:
Negative impacts on the organization of the students' daily study routine were
identified; a reduction in the economic power of the families; 21.1% of the
students did not participate in synchronous classes; 20.6% were not satisfied
with the course. There was an increase in medication use. There was an increase
in health problems such as stomach aches, headache, other pain, difficulty
sleeping and staying asleep, concentration problems, forgetfulness, anxiety,
stress, frustration, boredom, discouragement, and other discomforts and
weaknesses. Conclusion: The relationships between teacher and student
need to be rebuilt, renewed, and the restructuring of the curricular trajectory
needs to provide better learning conditions.
Keywords: education, secondary; education, distance;
adolescent; COVID-19; SARS-CoV-2.
Resumen
Enseñanza Remota de Emergencia
en la pandemia del SARS-CoV-2 y morbilidad autorreportada por adolescentes de curso técnico
Objetivo: Verificar la
percepción de los
adolescentes de un curso técnico integrado sobre la educación de emergencia a distancia durante la pandemia de SARS-CoV-2 y la morbilidad autodeclarada en este
período. Métodos: Este estudio fue aprobado por el Comité de Ética en Investigación de la Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto y del Instituto
Federal de São Paulo. Estudio con
enfoque cuantitativo, descriptivo
y correlacional sobre la Teleenseñanza
de Emergencia ofrecida a
223 alumnos (muestra) de
curso técnico y tecnológico en la
pandemia. Para el análisis
de los datos se utilizó el programa Microsoft
Excel® y el programa Statistical
Package for Social Science, versión
20.0. Resultados: Se identificaron impactos
negativos en la organización del día a día de los
estudios de los estudiantes; una reducción del poder económico de las familias; el 21,1% de los estudiantes no participaron en las aulas sincrónicas; el 20,6%
no estaban satisfechos con el curso. Hubo
un aumento en el uso de medicamentos. Aumentaron
los problemas de salud,
como dolores de estómago,
de cabeza, otros dolores, dificultad para dormir y
permanecer dormido, problemas de concentración,
olvidos, ansiedad, estrés, frustración, aburrimiento, desánimo y otras molestias y debilidades. Conclusión:
Es necesario reconstruir y renovar las relaciones entre el profesor y el alumno
y reestructurar el itinerario curricular para ofrecer
mejores condiciones de aprendizaje.
Palabras-clave: educación secundaria; educación a distancia;
adolescente; COVID-19; SARS-CoV-2.
O mês de
março de 2020 representa um marco histórico para a humanidade, em decorrência
da pandemia da COVID-19, que afetou globalmente todos os setores da sociedade.
Foi necessária a reorganização da vida coletiva pública e privada, praticamente
em todos os países, com isolamento social, fechamento de comércio, igrejas,
escolas, áreas de lazer, além de urgente reestruturação da atenção em saúde
[1]. Os meios de comunicação e as mídias sociais diuturnamente relatavam as
questões da pandemia, nos âmbitos político, econômico, profissional, de saúde/doença
e também da educação infantil, de adolescentes e adultos.
Os
sistemas educacionais que já utilizavam uma metodologia de ensino híbrido
demonstraram mais rapidez e facilidade na aplicação do ensino remoto, online,
sincrônico e assincrônico, já que estavam familiarizados com o uso de
ferramentas tecnológicas e computacionais [1,2]. No entanto, esta não é a
realidade da maioria das escolas e faculdades, especialmente as brasileiras.
Então, em
nosso meio, houve a suspensão das aulas por um período inicial de 15 dias,
sucedendo-se períodos de suspensão, para a reorganização/reestruturação
educacional, além do preparo de docentes e alunos. Assim surgiu o ensino remoto
e de uma maneira bem ampla precisou de várias estratégias, como envio de material
impresso, uso de canal de comunicação via smartphone e principalmente o uso de
ambientes virtuais de aprendizagem. Esta característica de multiestratégia
trouxe ao novo ensino um caráter que o diferencia do ensino a distância. É algo
completamente inusitado e que necessitou de empenho em todas as esferas,
organizacionais, administrativas, logísticas e na relação professor/aluno.
Na
instituição pesquisada, a comunidade escolar optou pelas ferramentas
institucionalizadas, a saber Microsoft Teams para uso nas aulas síncronas e
Plataforma Moodle para as atividades assíncronas. O horário definido para as
atividades educacionais foi das 08:00 às 16:00 horas, ficando reduzida a quatro
horas as atividades síncronas.
Sempre
houve a preocupação quanto à qualidade do processo de ensino/aprendizagem
totalmente online, com redução do período letivo e carga horária.
Encontraram-se evidências que se houver uma redução de 10% do período letivo o
desvio padrão será cortado pela metade, ou seja, de 3% para 1,5%. No relatório
sobre os efeitos da pandemia na educação, partiu-se desta premissa e
projetaram-se os impactos a curto prazo, podendo ocorrer um aproveitamento
total nulo (desvio padrão 0,00) ou até um resultado positivo de 100%
equiparando-se ao ensino presencial (3% desvio padrão) [3].
Outros
estudos realizados em curso técnico integrado em instituições federais
verificaram que o tipo de acesso ao ensino, a necessidade de subsistência, a
falta de uma organização para o ensino remoto, ocupações com afazeres
domésticos, cuidar de irmãos ou outras pessoas da família, falta de apoio foram
alguns pontos relevantes apresentados. Dentre tantos fatores dificultando a
aprendizagem e necessitando de maior esforço para acompanhar o ensino remoto
ofertado, houve o aumento de trancamento, de reprovação e de evasão nestas
instituições [4,5,6,7,8,9].
Diante
deste cenário complexo, buscamos conhecer os efeitos trazidos pela COVID-19
para o ensino dos adolescentes de curso técnico integrado e possíveis adoecimentos
decorrentes da necessidade abrupta das mudanças de paradigmas na educação.
Então, este estudo teve como objetivo verificar a percepção de adolescentes de
curso técnico integrado quanto ao ensino remoto emergencial durante a pandemia
SARS-CoV-2 e a morbidade autorreferida neste período, considerando:
A
pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina
de São José do Rio Preto, CAAE: 43521421.3.0000.5415 e pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do Instituto Federal de São Paulo, CAAE: 43521421.3.3001.5473.
Trata-se
de um estudo descritivo, de corte transversal, com abordagem quantitativa.
Foram considerados 223 questionários respondidos pelos estudantes do 1º e 2º
anos de Cursos Técnicos Integrado ao Ensino Médio em Edificações, Informática e
Mecatrônica, 93,7% da população, entre 13/07/2021 e 13/09/2021.
A coleta
dos dados ocorreu por meio de formulário específico no link:
http://leflores.com/pesquisa, permitindo que o estudante pudesse responder o
instrumento por etapas de acordo com token individual enviado via e-mail aos
participantes. O instrumento de pesquisa foi construído por três etapas: A:
dados sociodemográficos e estudo remoto emergencial, B: escala de engajamento
escolar e C: como tem se sentido ultimamente.
Para a
análise dos dados utilizaram-se o programa Microsoft Excel® e o programa
Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 20.0 e JASP 0.16.1-2022
da Universidade de Amsterdam. Para a caracterização da amostra foi realizado
cálculo de números absolutos e frequências.
Estão na
Tabela I os dados sociodemográficos dos 223 adolescentes do ensino técnico
integrado participantes desta pesquisa, observando-se como maioria: 119 (53,4%)
eram dos primeiros anos; 136 (61%) eram mulheres; 116 (52%) tinham entre 16 e
17 anos; 166 (74,4%) tinha família constituída pelo casal e filhos e 185 (83%)
a família tinha até quatro pessoas.
Utilizou-se
a definição de composição familiar definida pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística na pesquisa [10]. No item outro, o responsável pela
unidade doméstica foi avós ou tios. Dentro do percentual casal com filho (s),
8% também vivem com avós, trazendo um número total de 23 famílias com
integrantes com mais idade.
Tabela I - Dados sociodemográficos dos
adolescentes do ensino técnico integrado participantes do estudo. Votuporanga,
2021
Fonte:
elaborado a partir dos resultados obtidos no programa SPSS
As
características socioeconômicas e de assistencial social dos 223 participantes
da pesquisa (Tabela II) deixam em destaque: 73,1% dos alunos tinham lugar
individual para assistir às aulas; 87% tinham celular próprio; 62,8% não tinham
computador; 64,6% tinham notebook; 66,8% relataram diminuição da renda da
família; 78,5% das famílias não receberam auxílio emergencial e 59,2% foram
beneficiados com Programa de Assistência Estudantil (PAE), implementado na
instituição.
Tabela II - Dados relativos à caracterização
socioeconômica e assistência social dos adolescentes do ensino técnico
integrado do estudo. Votuporanga, 2021
Fonte:
elaborado a partir dos resultados obtidos no programa SPSS
As
respostas dos alunos participantes desta pesquisa quanto à sua rotina durante o
ensino remoto emergencial estão apresentadas na Tabela III, verificando-se:
57,4% conseguiram se concentrar nas aulas online por quatro horas ou mais;
78,9% participaram das aulas síncronas; 57% participaram das aulas síncronas e
assíncronas; 52,5 % não estruturaram uma rotina; 40,4% tiveram pior desempenho
escolar e 79,4% referiram satisfação com o curso.
Fonte:
elaborado a partir dos resultados obtidos no programa SPSS
Os dados
de morbidade autorreferida durante a pandemia foram ressaltados por 90 (40,4%)
alunos, principalmente: dor de cabeça (97- 43,5%); dificuldade para dormir (93-
41,7%); problemas de concentração nas aulas (130 – 58,3%); dificuldade de
concentração na leitura, estudo – livros (91 – 40,8%); esquecimento (99 –
44,4%); tristeza (109 – 48,9%); choro fácil (91 – 40,8%); irritabilidade ( 119-
53,4%); nervosismo ( 119- 53,4%) raiva (98 – 43,9%); ansiedade ( 136 – 61%);
frustação (103- 46,2%); tédio (132 – 59,2%); desânimo (147 – 65,9%); cansaço
físico (99 – 44,4%) e cansaço mental (69,1%). Comparando-se os problemas de
saúde dos alunos antes e durante a pandemia, vê-se na Figura 1 principalmente
problemas emocionais como:
desânimo/tédio/frustração/ansiedade/raiva/nervosismo/irritabilidade/choro
fácil/ estresse/tristeza, além de dores de cabeça e aumento de peso. Pela
escala likert, considerou-se a mediana para fazer a comparação de
características de morbidade autorreferida antes da pandemia e após o seu
início, verificando-se que grande parte das variáveis teve seu número dobrado.
Figura 1 - Comparação entre os escores
medianos da morbidade autorreferida pelos alunos pesquisados, antes e após a
pandemia por COVID-19. Votuporanga, 2021
Também
pode-se verificar na Tabela IV a correlação entre os problemas de saúde
pesquisados e a concentração, a participação, a realização das atividades, as
aulas síncronas e a rotina necessária ao desenvolvimento do ensino remoto, que
tiveram significância estatística. As variáveis dores de cabeça, diarreia,
náuseas/vômitos, choro fácil e diminuição de peso não foram apresentadas em virtude
de não terem apresentado significância estatística.
Tabela V - Correlação entre as ações
realizadas no Ensino Remoto Emergencial e escores de morbidade autorreferida
durante a pandemia pelos alunos pesquisados. Votuporanga, 2021
Fonte:
elaborado a partir dos resultados obtidos no teste de Correlação de Spearman, programa Jasp (*p <
0,5, **p < 0,01, ***p < 0,001)
Buscar
analisar o adoecimento relatado pelos estudantes, que possa estar relacionado
com a mudança do ensino presencial para o remoto emergencial, que se
transformou em “sem previsão de acabar”, é muito importante para a
reestruturação/reorganização didático-pedagógica, em qualquer nível de ensino,
como sendo no Brasil explicitado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional [11]. Nesses quase dois anos de afastamento devido à pandemia,
comprometeu-se tanto a inserção quanto a finalização dos cursos e cada
instituição de ensino, a seu modo, tentou propiciar melhor ensino-aprendizagem
no contexto pandêmico.
No
entanto, as questões de morbidade autorreferida já eram apresentadas antes da
pandemia (figura 1), significando que a organização didático-pedagógica das
escolas, dos cursos já tinham a necessidade de uma reorganização para melhorar
a qualidade de vida dos estudantes e consequentemente da educação. Outros
estudos trazem o adoecimento e o sofrimento mental de estudantes antes da
pandemia [12,13]. A pandemia foi um acelerador do agravamento da condição de
saúde dos estudantes, pois as questões de saúde mental podem ser vistas como
uma linha de força que traz nova subjetividade.
Esta
produção de subjetividade foi impactada pelas modificações acadêmicas, sociais
e culturais forçadas e adaptadas em decorrência da pandemia. A pandemia também
foi uma maneira abrupta de propor novas formas de se organizar [14]. E isto
trouxe uma produção de subjetividade que causou um mal-estar e derivou uma
série de patologias e sintomas (tabela V).
Ficou
evidenciado nesta pesquisa que as condições das famílias mudaram na situação da
pandemia, já que muitas famílias precisaram cuidar dos seus idosos, sendo
relatado que 10% das famílias tinham alguma pessoa idosa no domicílio (avós ou
tios), que já pertencem ao grupo de risco e necessitam de cuidados extras.
Ainda, um número maior de pessoas na mesma residência aumenta a complexidade e
dificuldades na subsistência das famílias. Um aluno, na questão aberta,
relatou: “Os meus problemas familiares aumentaram na pandemia, de modo que
interferem constantemente no Ensino Remoto Emergencial”, esta fala qualifica as
relações sociais e acadêmicas vivenciadas.
Políticas
públicas passaram a ser promovidas, com verbas federais destinadas a estados e
municípios, particularmente o auxílio emergencial, mas 78,5% não tinham os
requisitos para este auxílio e 40,8% das famílias não foram abrangidas pelo
Programa de Assistência Estudantil (PAE) da instituição de ensino pesquisada.
Diante de dificuldades financeiras, alguns estudantes começaram a trabalhar
(3,1%) restando menos tempo para a realização das atividades do ERE.
Fazendo o
cruzamento dos dados relacionados ao uso de medicamentos, verifica-se que o
percentual de estudantes que tomam algum medicamento, representa 21,5% da
população. Dentre os medicamentos estão os ansiolíticos, antidepressivos,
analgésicos, florais, betabloqueadores, entre outros.
Não
obstante as desigualdades sociais e digitais entre os estudantes agravaram-se
na pandemia, diante disso a instituição buscou alternativas para sanar o
problema, mas não resolvendo plenamente. Parte dos estudantes tem limitações em
desenvolver determinadas atividades de caráter específico e técnico, uma vez
que possuem apenas celular (4%), de certa forma é uma exclusão digital,
falta-lhes recursos tecnológicos [15]. Este fato comprova a crítica feita por
Macedo: “deixados à própria sorte, coube às diversas escolas públicas, famílias
e professores encontrarem soluções criativas e paliativas para tentar manter a
conexão com seus estudantes” [16].
Analisando
os resultados da rotina, especialmente os escores obtidos com o envolvimento
nas aulas síncronas e assíncronas dos estudantes, pode-se estimar que houve
aprendizagem, mas há um apontamento de queda considerando se as mesmas aulas
fossem presenciais. A aprendizagem é maior com as aulas presenciais do que em
formato online, sobretudo para alunos com dificuldades na aprendizagem e/ou
retidos que necessitam de mais apoio pessoal e individualizado [17], o que
corrobora os achados nesta pesquisa.
A rotina
destes estudantes precisa estar bem estruturada para que possam conseguir
cumprir todas as suas tarefas escolares e domésticas como também momentos de
descanso mental e físico para garantir o mínimo de qualidade para uma boa saúde
mental. Observa-se que 10% dos entrevistados podem dedicar-se integralmente aos
estudos, os 90% restantes tendem a conciliar mais atividades e estão mais
propensos a desenvolverem algum problema de saúde.
Ao observar
a figura 1, confirma-se que os problemas de saúde aumentaram na pandemia. Das
evidências surgidas nas características destes problemas, destacam-se as
relacionadas às questões de saúde mental. E confirma-se que os alunos que
frequentaram a escola remotamente experimentaram níveis significativamente mais
baixos de bem-estar, sejam socialmente, emocionalmente ou academicamente [18].
Um estudo
com adolescentes em Niterói, Rio de Janeiro, verificou que este público está
vivenciando transtornos emocionais decorrentes da pandemia, e apresentam
emoções negativas de suas vivências concordando com os achados neste estudo,
sendo destaque a tristeza, cansaço ou desânimo [19].
As
questões de saúde, especialmente as de saúde mental, decorrentes do contexto
pandêmico afetam negativamente o processo de ensino aprendizagem [20]. Vários
relatos deixados pelos alunos na questão aberta contribuem para o entendimento
da dimensão afetada na vida destes adolescentes. “Nunca me senti tão cansada
mentalmente e em relação a escola como estou me sentindo ultimamente e
decepcionada em relação ao meu rendimento escolar, aparentemente não estou me
dando tão bem com o ensino remoto por diversos motivos e isso me causa uma
grande frustração, pois eu era boa aluna e hoje em dia faço o mínimo que
consigo.” (aluna do 2º ano).
Comparando
os dados e observando a figura 1, verifica-se um aumento relacionado a
dificuldade com o hábito de dormir de 25% para 58% dos respondentes. Este
problema surgiu também ao perguntar se há qualquer outro sentimento ou
necessidade não abordada nas questões anteriores, mas que esteja relacionada a
pandemia e o Ensino Remoto Emergencial. Um participante da pesquisa citou a
paralisia do sono. Esse distúrbio acomete um percentual de adolescentes maior
do que o esperado e provavelmente está relacionado ao momento da pandemia [21].
O
contexto de isolamento social, necessário a mitigação da pandemia, a recessão
do mercado, com muitos desempregados e o ensino remoto nas escolas traz um
cenário com “aumento expressivo de 40% no número de ocorrências dos transtornos
de ansiedade... com elevação em 57% de atendimentos em serviços psiquiátricos
dos Centro de Assistência Psicossocial” [22].
A
depressão também tem aumentado, bem como os casos de automutilação de crianças
e adolescentes, paralelamente surgiram mais casos de ideação suicida [22].
Alguns relatos dos entrevistados confirmam este fato: “Não sei se pode estar
relacionado com a pandemia, porém a partir de alguns meses comecei a ter o sentimento
e o desejo da minha desistência no universo, como se eu quisesse virar uma
pedra ou dormir em paz ou ficar em paz pelo resto da eternidade.” Ou “vontade
de desistir de tudo e sumir”. Ou ainda “Às vezes sinto meu corpo pesado ou como
se tivesse carregando pesos nas costas, frequentemente sinto que minha vida não
tem sentido”.
Os
problemas de saúde apresentados têm influência na qualidade de tempo dedicada
aos estudos. Com o ensino remoto, o tempo das aulas foi reduzido e o conteúdo
essencial foi indicado a permanecer. O tempo de estudo é um preditor confiável
de oportunidade de aprender [23]. Contudo, ao considerar os que não conseguem
se concentrar no tempo que destinam aos estudos (17%) e o que concentram tempo
de uma a três horas (25,6%), obtém-se 42,6% com a aprendizagem comprometida e
equipara-se a experiência analisada na Nova Zelândia na qual a maioria dos
alunos relatou gastar menos tempo em trabalhos escolares e aprendendo menos em
comparação ao que aprenderiam se estivessem na escola [23].
As
percepções mais negativas dos alunos foram sobre perder a interação com os
professores e colegas e desaprovar o excessivo tempo gasto em frente a tela.
Nos Emirados Árabes Unidos 78,3% dos estudantes não mostraram preferência com o
ensino a distância, especificamente o ensino da matemática [24]. Nos resultados
descritivos desta pesquisa surgiram depoimentos que ratificam a experiência
encontrada na federação dos emirados. “Eu tenho dificuldade com exatas, e com o
ensino online, eu não consigo aprender (principalmente física e matemática)”.
No ensino
remoto os professores precisam criar situações de aprendizagem ativas nas quais
os alunos atribuam valor significativo ao que estão aprendendo. No entanto,
oportunidades de comunicação significativas também precisam ser integradas nas
aulas online. Essas conexões realmente ajudam os alunos a sentirem-se
envolvidos com o curso que estão fazendo, apesar da falta da presença física
dos envolvidos [2,25].
Em um
retorno presencial, a experiência obtida com a nova maneira de ensinar não pode
ser ignorada, ao contrário precisa ser analisada e incorporar os aspectos
enriquecedores desta experiência. A pandemia da COVID-19 mexeu com as
estruturas básicas da educação, mas traz a oportunidade de repensar quais são
as complexidades que impedem ou dificultam o ensino aprendizagem dos alunos
[15]. Uma nova tendência e um novo desafio para o futuro da educação é o uso do
ensino híbrido [11,26,27,28].
Os dados
obtidos, segundo o objetivo definido na pesquisa, permitem concluir que o
Ensino Remoto Emergencial possibilitou que a educação formal, contemplando as
diretrizes curriculares até então instituídas, fosse ofertada. Mesmo assim,
vários fatores, geralmente relacionados às condições de vida e de saúde de
alguns estudantes, dificultaram o processo de ensino/aprendizagem e são
desafios para correção ou minimização no contexto da atuação docente. As
relações entre professor e aluno precisam ser reconstruídas, renovadas e toda a
trajetória curricular precisa ser reestruturada, considerando as subjetividades
para que todos os estudantes possam ter o ensino integrado mais significativo.
As
atividades escolares presenciais estão retornando em todas as escolas, mas como
fica a questão da saúde mental agravada dos estudantes? Desaparecerão? Faz-se
urgente e necessário um olhar voltado para a recuperação das condições de saúde
mental dos estudantes. É importante considerar as evidências encontradas para
reorganizar o currículo, traçar um plano institucional com estratégias para o
atendimento pedagógico e psicológico.
Como
limitações do estudo podemos destacar algumas situações decorrentes pelo
próprio contexto da pandemia, fragilidade na saúde mental dos estudantes e de
questões tecnológicas. Sugere-se a realização de mais estudos sobre o assunto,
considerando os de abordagem qualitativa e longitudinal, para subsidiar as
políticas necessárias a serem realizadas para reduzir os danos na educação.
Conflitos
de interesse
Não há
conflitos de interesse
Fontes
de financiamento
Não há
financiamento
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa: Parreira
LCF, Soler ZASG, Rodrigues LC; Coleta de dados: Parreira LCF; Análise
e interpretação dos dados: Parreira LCF; Análise estatística: Parreira
LCF; Redação do manuscrito: Parreira LCF; Revisão crítica do manuscrito
quanto ao conteúdo intelectual importante: Soler ZASG, Rodrigues LC