Enferm Bras 2022;21(4):370-74

doi: 10.33233/eb.v21i4.5274  

EDITORIAL

A revisão de escopo como estratégia de equiparência de candidatos à pós-graduação stricto sensu nas profissões da área da saúde

 

Júlio César André*, Vânia Maria Sabadotto Brienze**, Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler***

 

*Médico, Doutor em Morfologia - Biologia Celular, Especialista em Educação para as Profissões da Saúde, pesquisador do Centro de Estudos e Desenvolvimento do Ensino em Saúde – CEDES/FAMERP, docente e orientador dos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e Enfermagem da FAMERP e pesquisador líder do Grupo de Pesquisa Estudos, Formação e Desenvolvimento Educacional na Saúde, **Farmacêutica-bioquímica, Doutora em Ciências da Saúde, docente da Graduação da FAMERP, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Estudos, Formação e Desenvolvimento Educacional na Saúde e do Centro de Estudos e Desenvolvimento do Ensino em Saúde – CEDES/FAMERP, ***Obstetriz, Enfermeira, Livre Docente em Enfermagem, docente e orientadora da graduação e Pós-Graduação da FAMERP e docente e orientadora do Programa de Mestrado em Enfermagem da FAMERP

 

Correspondência: Júlio César André, Avenida Anísio Haddad, 6930/12 Edifício Palmares Jardim Aclimação 15091-380 São José do Rio Preto SP

 

Júlio César André: julio.andre@edu.famerp.br  

Vânia Maria Sabadotto Brienze: vania.brienze@hospitaldebase.com.br  

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler: e-mail: zaidaaurora@gmail.com  

 

No Brasil, o número de programas de pós-graduação em nível de mestrado, mestrado profissional e doutorado passou de 1237, em 1998, para 4177, em 2016. Em 2014, o número de alunos matriculados nos cursos de mestrado foi de 114.341, enquanto o número de titulados em 2016 foi de 49.002. Considerando que um curso de mestrado tem uma duração de cerca dois anos para ser concluído, esperava-se um valor aproximado entre os matriculados de 2014 e os titulados em 2016, mas somente 42,86% se titularam [1].

A evasão de discentes de níveis avançados de ensino acadêmico constitui-se via de regra como um ato voluntário decorrente, principalmente, de um desempenho acadêmico insatisfatório e da não integração social ao novo ambiente, especificamente no primeiro ano do curso. Assim, o abandono da pós-graduação ocorre por questões pessoais e acadêmicas e entre os principais motivos pessoais está o despreparo do próprio discente [2]. Mas este é um dos principais. Candidatar-se ao programa às vésperas do fechamento do edital e não ter uma definição exata do tema da pesquisa, apresentando um projeto vago, sem fundamentação teórica adequada, são outros, que se menores, são sem sombra de dúvidas impactantes.

Os entraves que dificultam esse processo também passam pelas questões de estrutura das instituições e oportunidades de desenvolvimento de pesquisas. Isso causa prejuízos emocionais para os pós-graduandos, além de financeiro para instituições de ensino e financiadoras de pesquisas [3]. Mas a carreira acadêmica e de pesquisador é importante para o desenvolvimento tecnológico e científico de qualquer país, sendo, portanto, necessário propiciar meios para asseverar que profissionais qualificados e envolvidos com a pesquisa concluam seus cursos de pós-graduação.

Na tentativa de minimizar esses problemas, inevitáveis no atual contexto dos programas de pós-graduação das diferentes áreas, incluindo a enfermagem, algumas estratégias podem ser utilizadas, particularmente no que se refere a escolha do tema, já que quando bem definida, tende a proporcionar ao pesquisador maiores chances de se obter um bom resultado na pesquisa científica. Ao se optar por este ou aquele assunto, obviamente que será necessário compartilhá-lo junto às ideias de autores que também deram a contribuição necessária ao campo científico, ou seja, que trataram acerca do tema em questão. E aí entra a revisão da literatura qualificada, que proporcionará a sustentação suficiente para fazer uma boa escolha. Assim sendo, as revisões são uma estratégia que pode mitigar problemas em relação aos candidatos, já que, via de regra, estes “definem” seu tema de pesquisa por busca rápida de artigos científicos feita, quase sempre, na web ampla, sem nem sequer se preocupar um usar uma plataforma específica para esse fim.

As revisões de literatura são estudos que visam fazer uma síntese da literatura ou identificar o estado da arte sobre determinado assunto, bem como conhecer quais as lacunas sobre ele [4]. Atualmente podem ser elencados 48 tipos de revisões [5], cada uma delas com particularidades que as tornam úteis para a necessidade de sintetizar diversos tipos de evidências sustenta o projeto e a evolução de novas abordagens destinadas a identificar e sintetizar dados de forma rigorosa para responder a uma série de questões prementes para usuários finais em políticas, pesquisas e práticas [6].

Dentre elas está a revisão de escopo (ScR, do inglês scoping review), também chamada de “revisão de mapeamento” ou “estudo de escopo” [6], que é uma abordagem para revisar a literatura sobre um determinado tema, permitindo mapear a literatura existente em áreas de interesse a fim de verificar qual a natureza, as características da pesquisa primária e a quantidade de publicações existentes. Também pode ser empregada para assuntos complexos, com poucos estudos de revisão e que apresentam resultados distintos (heterogêneos) [7].

Sendo útil também para identificar lacunas na literatura, a ScR, cada vez mais utilizada internacionalmente [7], é uma excelente estratégia para iniciar um candidato à pós-graduação. Iniciação essa que pode lhe render bons frutos: a escolha adequada do tema de pesquisa, a definição de uma estratégia metodológica para seguir, a publicação de um protocolo de revisão e a publicação da própria revisão.

Embora deva-se enfatizar que a ScR não visa avaliar a qualidade das evidências disponíveis, engana-se quem acha que não há um procedimento definido para a mesma: desde 2014, o Comitê Científico Internacional do Joanna Briggs Institute – JBI, vem trabalhando para que as orientações possam permitir que as ScR sejam conduzidas com rigor, transparência e confiança e, em 2018, a extensão Preferred Reporting Items for Systematic Reviews for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) foi desenvolvida por uma equipe internacional de especialistas, incluindo membros do grupo de trabalho JBI, para fornecer aos revisores uma lista de verificação de relatórios para suas revisões [8].

Longe de se constituir numa apologia à ScR ou numa receita de como conduzir uma, o presente editorial se presta a relatar a experiência de nosso grupo de pesquisa (Estudos, Formação e Desenvolvimento Educacional na Saúde) [9], com a utilização da ScR, em 2 semestres consecutivos. Abordados que somos, frequentemente através das redes sociais do grupo, e-mail institucional divulgado na página da instituição na relação de orientadores dos programas de pós-graduação, ou através de contatos pessoais por interessados numa carta de aceite de orientação, sempre às vésperas dos processos seletivos, assim que os editais são divulgados, em mensagens lacônicas ou em extensos dossiês sobre suas qualidades profissionais que terminam, ou não, com as clássicas apologias às linhas de pesquisa ou ao desempenho pessoal de pesquisador, temos “driblado” os interessados, porém, na medida do possível, sem desencorajá-los ou perdê-los de vista com uma resposta que expõe nosso modus operandis de aceite de candidatos para orientação que inclui participar de reuniões abertas periódicas de nosso grupo de pesquisa e dos grupos de ScR. Os grupos de ScR, e já são 2 em andamento desde outubro de 2022, com não mais do que 10 participantes cada, têm se mostrado promissores. Com reuniões de orientação geral, no formato on-line, e acompanhamento de grupo ou pessoal através do Whatsapp, não tarda para que os primeiros protocolos de revisão sejam aceitos para publicação. No que tange à questão de periódicos para submissão, seja do protocolo ou da própria revisão, esse também é um universo em franca expansão: de revistas especializadas na divulgação desse tipo de produto a revistas altamente conceituadas em todas as áreas do conhecimento.

Dois integrantes do primeiro grupo de ScR foram aprovados recentemente num programa de pós-graduação. Queremos fortemente acreditar que isso já possa ser reflexo da utilização da estratégia e quiçá, isso também possa se refletir na adesão do discentes ao programa e em bons produtos de pesquisa que se convertam em melhores publicações, para elevar o conceito do programa e garantir sua continuidade como geradores de recursos humanos qualificados e comprometidos com a pesquisa.

 

Referências

 

  1. GEOCAPES – Sistema de Informações Georreferenciadas, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). (2018). https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/#
  2. Castelló M, Pardo M, Sala-Bubaré A, Suñe-Soler N. Why do students consider dropping out of doctoral degrees? Institutional and personal factors. Higher Education 2017;74:1053-68. doi: 10.1007/s10734-016-0106-9 [Crossref]
  3. Ambiel RAM, Costa ARL, Jesuíno ADSA, Camilo CC Zuchetto SR. Motivos de evasão na pós-graduação no Brasil: um instrumento de medida. Interação em Psicologia 2020;24(1).
  4. Sousa LMM, Firmino CF, Marques-Vieira CMA, Severino SSPS, Pestana HCFC. Revisões da literatura científica: tipos, métodos e aplicações em enfermagem. Revista portuguesa de enfermagem de reabilitação 2018;1(1):45-54. https://core.ac.uk/download/pdf/232112845.pdf
  5. Sutton A, Clowes M, Preston L, Booth A. Atendendo à família de revisões: explorando os tipos de revisão e os requisitos de recuperação de informações associados. Health Information & Libraries Journal 2019;36(3):202-22. doi: 10.1111/hir.12276 [Crossref]
  6. Peters MD, Marnie C, Tricco AC, Pollock D, Munn Z, Alexander L, Khalil H. Updated methodological guidance for the conduct of scoping reviews. JBI evidence synthesis 2020;18(10):2119-26. doi: 10.11124/JBIES-20-00167 [Crossref]
  7. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien K, Colquhoun H, Kastner M, Straus SE. A scoping review on the conduct and reporting of scoping reviews. BMC medical research methodology 2016;16(1):1-10. doi: 10.1186/s12874-016-0116-4 [Crossref]
  8. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Ann Intern Med 2018;169(7):467-73. doi: 10.7326/M18-0850 [Crossref]
  9. Brasil. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, DGP-CNPq. Grupo de Pesquisa Estudos, Formação e Desenvolvimento Educacional na Saúde. http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/945139700261229