Enferm Bras 2022;21(6):740-52

doi: 10.33233/eb.v21i6.5279

ARTIGO ORIGINAL

Saúde e meio ambiente: um estudo sobre a qualidade da água em um Assentamento Rural em Ribeirão Preto, SP

 

Nataly Mieko Nakano*, Gabriel de Sousa Meira*, Bárbara Faustino Rodrigues*, Guilherme Sgobbi Zagui*, Gabriel Pinheiro Machado*, Thaís Vilela Silva*, Guilherme Carnio Della Torre*, Danilo Vitorino dos Santos**, Maria Lúcia Pontin Leipner***, Carolina Sampaio Machado*, Marina Smidt Celere Meschede****, Susana Inés Segura-Muñoz*

 

*Laboratório de Ecotoxicologia e Parasitologia Ambiental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (EERP/USP), **Central de Gerenciamento de Resíduos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FCFRP/USP), ***Estratégia de Saúde da Família Dr. Luís Carlos Raya do PDS, Assentamento da Fazenda da Barra, Ribeirão Preto, SP, ****Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará (ISCO/UFOPA)

 

Recebido em 7 de setembro de 2022; Aceito em 16 de dezembro de 2022.

Correspondência: Susana Inés Segura-Muñoz, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Laboratório de Exotoxicologia e Parasitologia Ambiental, Av. Bandeirantes 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP

 

Nataly Mieko Nakano: nataly.nakano@usp.br

Gabriel de Sousa Meira: gabriel.meira@alumni.usp.br

Bárbara Faustino Rodrigues: barbarafaustino@usp.br

Guilherme Sgobbi Zagui: gsgobbizagui@gmail.com

Gabriel Pinheiro Machado: gabrielpmachado@usp.br

Thaís Vilela Silva: thais.vilela@usp.br

Guilherme Carnio Della Torre: guilherme.torre@usp.br

Danilo Vitorino dos Santos: danilo@usp.br

Maria Lúcia Pontin Leipner: marialucialeipner@gmail.com

Carolina Sampaio Machado: cafsusp@gmail.com

Marina Smidt Celere Meschede: marina.meschede@ufopa.edu.br

Susana Inés Segura-Muñoz: susis@eerp.usp.br

 

Resumo

Introdução: As restrições sanitárias em assentamentos rurais brasileiros podem afetar a qualidade da água e implicar em efeitos adversos para a saúde humana. Objetivo: Avaliar a qualidade da água consumida em um assentamento localizado em Ribeirão Preto (SP). Métodos: O assentamento rural estudado conta com 6 poços artesianos para abastecimento público, no entanto a água não passa por nenhum processo de tratamento. Foram coletadas 234 amostras de água em 77 residências, distribuídas em 7 núcleos de base do assentamento. As amostras foram avaliadas quanto a qualidade microbiológica (coliformes totais, fecais e parasitas) e físico química (pH, turbidez e concentração de metais). Os resultados foram comparados com os padrões de potabilidade da Portaria nº888/21 do Ministério da Saúde brasileiro. Resultados: Observou-se que em 59,7% das amostras houve crescimento para coliformes totais, 13% para coliformes fecais e em 20,8% detectou-se larvas de helmintos. As análises físico químicas mostraram que em 28% das residências o pH esteve abaixo do recomendado. A concentração de metais mostrou-se em congruência com as recomendações brasileiras, com exceção do chumbo em duas residências. Conclusão: O acesso à água potável é um direito fundamental segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), entretanto o estudo ratifica que a ausência de sistemas satisfatórios de abastecimento hídrico prejudica a qualidade da água consumida no assentamento e representa um risco para a saúde da comunidade.

Palavras-chave: qualidade da água; população rural; promoção da saúde.

 

Abstract

Health and environment: a study on water quality in a rural settlement in Ribeirão Preto, SP

Introduction: Sanitary restrictions in Brazilian rural settlements can affect water quality and imply adverse effects on human health. Objective: To evaluate the quality of water consumed in a settlement located in Ribeirão Preto (SP). Methods: The rural settlement studied has 6 artesian wells for public supply; however, the water does not undergo any treatment process. A total of 234 water samples were collected from 77 households, distributed in 7 clusters in the settlement. The samples were evaluated for microbiological (total and fecal coliforms and parasites) and physical-chemical (pH, turbidity, and metal concentration) quality. The results were compared with the potability standards of Ordinance #888/21 of the Brazilian Ministry of Health. Results: An increase of total coliforms was detected that in 59.7% of the samples, 13% for fecal coliforms and 20.8% helminth larvae. The physical-chemical analyses showed that in 28% of the residences the pH was below the recommended value. The concentration of metals was in accordance with Brazilian recommendations, with the exception of lead in two households. Conclusion: Access to drinking water is a fundamental right according to the United Nations Organization (UNO); however, the study confirms that the absence of satisfactory water supply systems impairs the quality of water consumed in the settlement and represents a risk to the health of the community.

Keywords: water quality; rural population; health promotion.

 

Resumen

Salud y medio ambiente: un estudio sobre la calidad del agua en un asentamiento rural de Ribeirão Preto, SP

Introducción: Las restricciones sanitarias en los asentamientos rurales brasileños pueden afectar a la calidad del agua e implicar efectos adversos para la salud humana. Objetivo: Evaluar la calidad del agua consumida en un asentamiento ubicado en Ribeirão Preto (SP). Métodos: El asentamiento rural estudiado cuenta con 06 pozos artesianos para el abastecimiento público; sin embargo, el agua no se somete a ningún proceso de tratamiento. Se recogieron 234 muestras de agua de 77 hogares, distribuidos en 7 núcleos de base del asentamiento. Las muestras fueron evaluadas en cuanto a su calidad microbiológica (coliformes totales y fecales y parásitos) y físico-química (pH, turbidez y concentración de metales). Los resultados se compararon con las normas de potabilidad de la Ordenanza Nº 888/21 del Ministerio de Salud de Brasil. Resultados: Se observó que en el 59,7% de las muestras había crecimiento de coliformes totales, en el 13% de coliformes fecales y en el 20,8% se detectaron larvas de helmintos. Los análisis físico-químicos mostraron que en el 28% de las residencias el pH estaba por debajo del valor recomendado. La concentración de metales se ajustaba a las recomendaciones brasileñas, excepto el plomo en dos hogares. Conclusión: El acceso al agua potable es un derecho fundamental según la Organización de las Naciones Unidas (ONU); sin embargo, el estudio ratifica que la ausencia de sistemas satisfactorios de abastecimiento de agua perjudica la calidad del agua consumida en el asentamiento y representa un riesgo para la salud de la comunidad.

Palabras-clave: calidad del agua; población rural; promoción de la salud.

Introdução

 

A água é considerada o recuso natural de maior relevância disponível para a humanidade e seu acesso com garantia sanitária é uma questão crucial para a saúde pública. Embora a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2010, reconheceu explicitamente que a água é direito humano, estima-se globalmente que em 2020 cerca de 2 bilhões ainda utilizaram fonte de água com restrições sanitárias importantes para consumo humano [1,2]. Algumas estratégias globais, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) visam ampliar o acesso e qualidade da água especialmente às populações vulneráveis até 2030 [1].

Reconhecer a água como um direito humano também deve implicar em reconhecer que as necessidades das pessoas para a água podem ser diferentes de uma comunidade para outra, dada a singularidade da cultura e estilos de vida [3]. Para as comunidades rurais, a água geralmente incorpora não apenas um recurso natural, mas também uma dimensão simbólica, sendo essencial não somente para beber e garantir a higiene pessoal e doméstica, a água é vital para a produção de alimentos, aspecto essencial associado às práticas culturais dessas comunidades [4]. No entanto, estima-se que famílias que vivem em áreas rurais têm 29% menos chances de ter acesso a fontes de água melhoradas em comparação com suas contrapartes em áreas urbanas [4].

No Brasil, existem cerca de 9.400 assentamentos rurais, onde vivem aproximadamente 972.000 famílias [5]. Nos assentamentos as principais fontes de abastecimento são os poços rasos e as nascentes, muito susceptíveis à contaminação. O risco de ocorrência de doenças de veiculação hídrica é alto, pois muitas vezes os poços estão inadequadamente vedados e próximos de fontes de contaminação, como fossas e áreas de pastagem ocupadas por animais [6].

Pesquisas em diversas regiões do Brasil vem apontando para deficiências importantes em relação à segurança hídrica e saúde humana em assentamentos rurais. Estudos demonstram que águas utilizadas em assentamentos apresentam contaminantes microbiológicos como coliformes fecais e parasitas, bem como alterações em parâmetros físicos químicos [7,8,9,10], demonstrando a precariedade de abastecimento hídrico em regiões rurais do país.

No Brasil, a qualidade da água para consumo humano se baseia nos limites estabelecidos pela Portaria nº 888/2021 [11], do Ministério da Saúde (MS). Os parâmetros básicos listados nessa Portaria são metais, pH, turbidez, condutividade, oxigênio dissolvido e contaminação microbiológica. O monitoramento da qualidade da água microbiológica e físico química deve ser feito de forma contínua, uma vez que, substâncias tóxicas como os metais foram associados a efeitos adversos para a saúde [12]. A presença de microrganismos na água pode levar a complicações gastrointestinais, especialmente em indivíduos mais vulneráveis ou imunossuprimidos [13].

Nesse contexto, estudos que avaliem a presença de agentes químicos e biológicos na água de consumo humano em áreas rurais têm significância sanitária, considerando a possibilidade de veiculação de patógenos no ambiente, de doenças de veiculação hídrica e da intoxicação por compostos químicos em grupos de vulnerabilidade social. Assim, o presente estudo avaliou os parâmetros físico-químicos, e a presença de coliformes totais e fecais, parasitas e metais em água de abastecimento em uma comunidade rural assentada em área periurbana/rural, considerando as restrições sanitárias relacionadas à segurança hídrica registradas no assentamento.

 

Métodos

 

Local de estudo

 

O estudo foi realizado em um assentamento rural, com área de 15,51 km2, localizado na cidade de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, Brasil (Figura 1). O assentamento é consequência das reivindicações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e constitui uma comunidade formada por 610 famílias (Cadastro das Famílias do Assentamento, Relatório da Unidade – 2018, Estratégia de Saúde da Família, Dr. Luís Carlos Raya do PDS - Assentamento da Fazenda da Barra), com lotes de, aproximadamente, 2 ha. As propriedades são destinadas à produção agropecuária familiar, sendo uma parcela expressiva dos produtos cultivados e da criação de animais utilizada para consumo próprio e/ou comercialização.

 

 

Figura 1 - Localização do Assentamento da Fazenda da Barra em Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

 

Coleta de amostras

 

A pesquisa foi desenvolvida de março de 2019 a agosto de 2021. Foram coletadas amostras de água em 77 residências nos 7 núcleos de base (unidades de organização do trabalho nos assentamentos do MST) com o apoio da equipe da Unidade de Saúde Rural do assentamento. Ressalta-se que a fonte de captação de água em todos os pontos mostrados deu-se através de poços artesianos do sistema Aquífero Guarani e sem tratamento e/ou medida de desinfecção. Nas residências selecionadas, coletou-se um total de 234 amostras de água em frascos de vidro previamente esterilizados da torneira principal para análise físico-química e microbiológica. Utilizando equipamento de leitura direta, foram observados in situ os níveis de pH, turbidez, Oxigênio Dissolvido (OD) e a temperatura da água. As amostras de água coletadas para análise parasitológica (1 L), bacteriológica (100 mL) e metais (50 mL) foram realizadas segundo as recomendações do Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater [14]. As amostras foram transportadas para o Laboratório de Ecotoxicologia e Parasitologia Ambiental da Faculdade de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, numa caixa térmica (4ºC), e analisadas num período menor que 24 horas.

 

Análises microbiológicas

 

As análises microbiológicas seguiram as recomendações do Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater [14]. O método de sedimentação foi utilizado para a análise parasitológica. Após a coleta, as amostras foram homogeneizadas e lentamente transferidas para um copo de 500 ml onde permaneceram inalteradas por um período de 24 horas para sedimentação, com posterior preparação para leitura numa câmara Sedgwick-Rafter (Pyse-SGI Limited, Kent, UK). Para a análise bacteriológica, foi utilizado o método de tubos múltiplos com substrato cromogênio Colilert®. Os resultados foram lidos de acordo com a Técnica do Número Mais Provável (NMP).

 

Análises físico-químicas

 

O teste de pH da água foi realizado utilizando o método potenciométrico, com um medidor portátil de pH (pH-100/pHTek) previamente calibrado com soluções tampões de pH 4,0 e 7,0. A turbidez foi mensurada por meio de um turbidímetro portátil (Hanna Instruments® HI 93703). Para análise do OD, utilizou-se um oxímetro portátil (Lutron Modelo DO-5510). A condutividade e a temperatura foram determinadas por meio do condutivímetro portátil (Lutron Modelo CD- 4303).

As amostras para análise de metais (50 mL) foram fixadas com a adição de ácido nítrico de alta pureza (HNO3) e mantidas a -18°C até ao momento das análises. Os metais considerados neste estudo foram Cromo (Cr), Chumbo (Pb), Cádmio (Cd), Cobre (Cu) e Zinco (Zn). As concentrações desses elementos químicos foram determinadas por Espectrometria de Absorção Atômica com Forno de Grafite (EAA-FG) (Espectrômetro Varian, ZEEMAN 640-Z), com exceção do Zn que foi realizada com Chama de Acetileno (EAA-CA) no Setor de Metais do Laboratório de Pediatria do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Os limites de detecção foram: 1.10-4 mg.L-1 para Cr, Pb, Cd e Zn, e 5. 10-5 mg.L-1 para Cu.

 

Resultados

 

Avaliação microbiológica

 

Os resultados mostraram que em 59,7% das residências apresentaram coliformes totais (entre 2 NMP/100 mL a 1600 NMP/100 mL) e em 13% houve crescimento para coliformes fecais (entre 2 NMP/100 mL a 70 NMP/100 mL). Quanto à presença de larvas de helmintos, obteve-se amostras positivas em 20,8% residências (entre 2 a 36 larvas/1000 mL). Não foram detectadas outras formas parasitárias, como oocistos e cistos de protozoários ou ovos de helmintos (Tabela I).

 

Tabela IColiformes totais, fecais e larvas de helmintos presentes nas amostras de água provenientes de residências localizadas nos 7 núcleos de base do Assentamento da Fazenda da Barra, Ribeirão Preto, estado de São Paulo, Brasil (n = 77)

*Valor de Referência - Portaria GM/MS Nº 888 de 4 de maio de 2021

 

Avaliação físico-química

 

Os valores dos parâmetros físico-químicos e suas médias obtidas para este estudo estiveram dentro do aceitável pela legislação brasileira. Verificaram-se incongruências somente paras os valores de pH que em 30% das residências apresentaram-se abaixo do recomendado e em 2 (duas) residências foram observados valores de turbidez superiores ao recomendável (Tabela II).

 

Tabela IIParâmetros físico-químicos em amostras de água provenientes de residências localizadas nos 7 núcleos de base do Assentamento da Fazenda da Barra, Ribeirão Preto, estado de São Paulo, Brasil (n = 77)

 

* Valor de Referência - Portaria GM/MS Nº 888 de 4 de maio de 2021

 

As concentrações dos metais e suas médias estão em conformidade com a legislação brasileira, evidenciando valores baixos para concentrações de metais. Somente o metal Pb apresentou concentrações acima do valor permitido em 2 residências (Tabela III).

 

Tabela IIIConcentração de metais (mg L-1) em amostras de água provenientes de residências localizadas nos 7 núcleos de base do Assentamento da Fazenda da Barra, Ribeirão Preto, estado de São Paulo, Brasil (n = 77)

 

*Valor de Referência - Portaria GM/MS Nº 888 de 4 de maio de 2021; **Abaixo do Limite de Detecção

 

Discussão

 

A presença de contaminantes microbiológicos (coliformes totais, fecais e larvas de helmintos) nas amostras de água no Assentamento da Fazenda da Barra indica que deficiências sanitárias importantes possam estar ocorrendo e corroboram outros estudos realizados em demais regiões brasileiras. Scalize et al. [7], ao estudar a qualidade da água em um assentamento rural na cidade de Canudos (GO), identificaram que das 35 amostras avaliadas 85,7% estavam contaminadas por coliformes totais e fecais. Na região Norte do Brasil, Ferreira et al. [15] encontraram 100% das amostras de água contaminadas por coliformes totais e fecais. Os estudos têm demonstrado a precariedade do abastecimento hídrico em assentamentos rurais no país.

A ocorrência de microrganismos fecais e helmintos nas amostras de água poderá ter uma relação com a falta de manutenção adequada dos reservatórios domiciliares (caixas d’água) [16], que no assentamento da Fazenda da Barra se encontravam em sua maioria em estado de conservação precário com rachaduras e vedação inadequada. Abera et al. [17] demonstraram que reservatórios de água protegidos (revestimento de concreto, metal galvanizado ou tanque de plástico fechados) apresentaram melhor qualidade hídrica microbiológica comparativamente a fontes não protegidas. Além disso, ausência de tratamento e/ou cloração da água utilizada para consumo, o uso de mangueiras próximas ao solo para distribuição da água, uso de encanamentos sem vedação adequada e a presença de animais (fezes) podem ser favoráveis a contaminação microbiológica da água no Assentamento da Fazenda da Barra. Agrizzi et al. [18] atribuíram valores altos (de até 590 NMP/100 mL) de coliformes fecais em amostras de água proveniente de poços no assentamento Paraíso (ES) devido a criação de animais (bovinos e suínos) próximos a nascentes.

A água contaminada por bactérias e enteroparasitos são os causadores principais de enterites, doenças diarreicas e doenças endêmicas/epidêmicas, que podem resultar em aumento da morbimortalidade [19]. Estudos apontam que métodos simples, como a cloração com hipoclorito de sódio 2,5%, filtragem e fervura conseguem eliminar e/ou inativar bactérias fecais [15,20]. Vale ressaltar que os efeitos das medidas de desinfecção da água para helmintos ainda são incipientes. Cohen e Colford [21], em uma metanálise, apontaram que a fervura da água poderá não ser eficaz na eliminação de helmintos.

Os valores baixos de pH, encontrado em 30% das residências deste estudo, indicam que a água consumida é ácida. Estudos tem apontado para o consumo de água ácida em outras regiões brasileiras como a Amazônica [22]. O pH baixo nas amostras avaliadas deve ser resultante de processos naturais. Mendes et al. [23] afirmam que o pH da água é influenciado pela interação rocha subterrânea-água. Processos alternativos, que segundo Edmundis e Smedley [24] explicam acidez da água, como a oxidação de pirita (drenagem ácida de minas) ou precipitação de chuva ácida, não são plausíveis na área de estudo. Os efeitos em saúde a longo prazo do consumo de água ácida ainda são incipientes, mas poderá estar relacionado a irritações gástricas e intestinais e também indiretamente o pH mais baixo poderá favorecer a solubilização de metais durante o trajeto da água [25].

O parâmetro turbidez não representa efeitos diretos em saúde, mas torna-se uma medida complementar de potabilidade da água por indicar a presença de materiais sólidos em suspensão na água de consumo [26]. Dessa forma, as duas (2,5%) residências foram exceções, exibindo valores mais altos do que o recomendável. A presença de microrganismos e outras partículas em suspensão na água poderá aumentar a turbidez [27], recomenda-se, portanto, o monitoramento periódico.

A concentração elevada de Pb na água em duas residências avaliadas no assentamento da Fazenda da Barra poderá ter relação com o uso de torneira utilizada pelo morador e/ou falta de manutenção adequada das tubulações que fazem o transporte da água. Neste caso, portanto, a concentração superior ao recomendado de Pb pode advir de possíveis fontes antrópicas. O Pb está presente no meio ambiente e poderá ser absorvido através de água e alimentos contaminados e, em excesso, pode estar relacionado ao desenvolvimento de problemas no Sistema Nervoso Central, como dores de cabeça, irritação e insônia em adultos, além de atrasos no desenvolvimento intelectual em crianças [28].

 

Conclusão

 

Em conjunto, os resultados permitem concluir que a água consumida pela comunidade do assentamento da Fazenda da Barra, Ribeirão Preto, estado de São Paulo, apresenta-se com restrições hídricas, comprovado pela presença de coliformes e larvas de helmintos, bem como, pH ácido e concentrações fora do recomendado para Pb e turbidez, considerando as recomendações vigentes brasileiras.

O presente estudo reforça que a ausência de sistemas satisfatórios de abastecimento hídrico prejudica a qualidade da água consumida e representa um risco para a saúde da comunidade. Vale destacar, que a responsabilidade pela garantia da água potável com qualidade não deve recair somente para os comunitários. De acordo com a Lei Federal brasileira de no 11.445/2007, a certificação de boa qualidade de água é de responsabilidade do Ministério das Cidades (MCID), Governo Federal. Contudo, a titularidade dos serviços de saneamento básico não ficou bem definida pela referida legislação, permitindo que os resultados deste trabalho sejam compartilhados por outros assentamentos brasileiros. Registros técnicos mostram que o assentamento da Fazenda da Barra foi legalmente efetivado pela reforma agrária no ano de 2007 e poços artesianos para abastecimento público foram construídos no assentamento, no entanto, a responsabilidade da construção e distribuição da água por meio de uma rede segura ainda não está claramente definida.

Deste modo, pode-se dizer que os programas de reforma agrária no país, na maioria das vezes, não foram acompanhados de políticas de saneamento rural e a potabilidade da água ainda é um desafio nos assentamentos rurais brasileiros. É necessário que o Estado garanta o acesso a água potável e que tendências ou posicionamentos políticos não impliquem no direito à água nas comunidades assentadas rurais. Para amenizar tal situação, medidas paliativas como a cloração de água e fervura, a construção de sistemas de encanamento até as residências com vedação adequada (sem contato com o ambiente externo) e ações de educação em saúde para a população sobre segurança hídrica, podem ser uma alternativa.

 

Agradecimentos

Ao Programa Unificado de Bolsas da Universidade de São Paulo (USP) pela concessão de bolsa na vertente de pesquisa para aluno de graduação e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsa de Iniciação Científica à aluna de graduação. Às Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) da ESF Dr. Luís Carlos Raya do PDS - Assentamento da Fazenda da Barra pela colaboração na coleta de amostras junto à comunidade.

 

Conflitos de interesse

Os autores declararam que não houve conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

A fonte de financiamento do artigo foi o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade de São Paulo (USP) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Nakano NM, Segura-Muñoz S; Coleta de dados: Nakano NM, Meira GS, Rodrigues BF, Machado GP, Silva TV, Santos DV, Leipner MLP. Análise e interpretação dos dados: Zagui GS, Torre GCD, Machado CS, Segura-Muñoz S. Redação e análise crítica do manuscrito: Nakano NM, Segura-Muñoz S, Machado CS, Meschede MSC, Zagui GS.

 

Referências

 

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