Enferm Bras.
2023;22(4):492-506
REVISÃO
Asma
como fator de risco para infecção por COVID-19 em crianças: uma revisão
integrativa
Vânia
Chagas da Costa, Manoela Pires Barreto, Maria Clara Cordeiro Andrade,
Universidade
de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
Recebido
em: 14 de setembro de 2022; Aceito em: 2 de agosto de 2023.
Correspondência: Vânia Chagas da Costa, vania.costa@upe.br
Como citar
Costa VC, Barreto MP, Andrade MCC, Lopes
SMS, Nascimento MML, Carvalho FP, Santos ACO. Asma como fator de risco para infecção
por COVID-19 em crianças: uma revisão integrativa. Enferm Bras. 2023;22(4):492-506.
doi: 10.33233/eb.v22i4.5284
Resumo
Introdução: O mundo vivencia uma realidade causada
pela pandemia do SARS-Cov-2 e suas variantes. Um dos fatores agravantes para um
paciente com COVID-19 é a presença de alguma comorbidade, dentre elas a asma. Objetivo:
Analisar os estudos realizados sobre a asma e a COVID-19 em crianças, descrever
as evidências encontradas até o momento. Métodos: Consiste em uma
revisão integrativa da literatura, com pergunta norteadora elaborada através da
estratégia PICO. Resultados: 18 artigos compuseram a amostra final por
atenderem aos critérios de inclusão e derivam da base de dados Medline via Pubmed. Conclusão: A compreensão da relação entre a
infecção por SARS-CoV-2 e a asma na pediatria ainda é incipiente, entretanto as
evidências sugerem que ela não é um fator de risco para infecção e ainda pode
ser um fator protetivo. Contudo, torna-se imprescindível pesquisas mais
extensas e com amostras maiores para uma melhor análise.
Palavras-chave: asma; criança; fatores de risco;
COVID-19.
Abstract
Asthma as a risk factor for COVID-19 infection in
children: an integrative review
Introduction: The world is
experiencing a reality caused by the SARS-Cov-2 pandemic and its variants. One
of the aggravating factors for a patient with COVID-19 is the presence of some
comorbidity, including asthma. Objective: Analyze the studies conducted
on asthma and COVID-19 in children, describe the evidence found so far. Methods:
It consists of an integrative literature review, with a guiding question
elaborated through the PICO strategy. Results: 18 articles made up the
final sample as they met the inclusion criteria and were derived from the
Medline database via Pubmed. Conclusion: The
understanding of the relationship between SARS-CoV-2 infection and asthma in
pediatrics is still incipient, however the evidence suggests that it is not a
risk factor for infection and may still be a protective factor. However,
extensive researches with larger samples is essential for a better analysis.
Keywords: asthma; child; risk factors;
COVID-19.
Resumen
El
asma como factor de riesgo
para la infección por
COVID-19 en niños: una revisión integradora
Introducción: El mundo vive una realidad
provocada por la pandemia del
SARS-Cov-2 y sus variantes. Uno de los factores agravantes para un
paciente con COVID-19 es la
presencia de alguna comorbilidad,
entre ellas el asma. Objetivo:
Analizar los estudios realizados sobre el asma
y el COVID-19 en niños, describir la evidencia encontrada hasta el
momento. Métodos: Consiste en una revisión integrativa de la
literatura, con una pregunta guía
elaborada a través de la estrategia
PICO. Resultados: 18 artículos conformaron la muestra final ya que cumplieron con los criterios
de inclusión y fueron
derivados de la base de datos
Medline vía Pubmed. Conclusión: La comprensión
de la relación entre la infección por SARS-CoV-2 y el asma en pediatría
aún es incipiente, sin
embargo, la evidencia sugiere
que no es un factor de riesgo para la infección y aún puede ser un factor
protector. Sin embargo, una
investigación más extensa con
muestras más grandes es esencial
para un mejor análisis.
Palabras-clave: asma; niño; factores
de riesgo; COVID-19.
A
COVID-19 é a doença causada pelo vírus SARS_Cov_2, que tem um elevado poder de
transmissibilidade e um grande potencial de evoluir para formas graves da
doença, provocando distúrbios principalmente do sistema respiratório [1].
O
primeiro caso conhecido da doença foi relatado em dezembro de 2019, na China.
Em 31 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a
infecção pelo SARS_Cov_2 como emergência global, no Brasil, os primeiros casos
foram identificados em março de 2020. A pandemia da COVID-19 causada pelo
SARS-Cov-2 e suas variantes é uma realidade mundial, responsável por mais de
6,4 milhões de mortes em todo o mundo [2,3].
O
quadro clínico da COVID-19 é semelhante ao de outras viroses respiratórias,
caracterizado pela presença de febre, tosse geralmente seca, anosmia, ageusia, cansaço e em
casos mais graves evolui com dispneia, sangramento pulmonar, linfopenia grave e
insuficiência renal [1].
A
presença de comorbidade pode ocasionar o agravamento do quadro clínico de um
paciente que testou positivo para o novo coronavírus,
independente da faixa etária, as evidências atuais não sugerem um risco
aumentado de infecção pelo SARS_COV_2 em pessoas com asma leve, moderada e
controlada. Entretanto, quanto à asma grave ou descontrolada teriam como
resultado um pior desfecho da COVID-19 [4].
A
Global Initiative for Asthma
(GINA) publicou em 2021 o "Interim guidance about COVID-19 and asthma” no qual relata que a lavagem das mãos, o uso de
máscaras e o distanciamento social ajudaram a reduzir a incidência de outras
infecções respiratórias nesse mesmo ano. Além disso, muitos países tiveram uma
redução dos casos das exacerbações de doenças pulmonares, entre elas a asma,
devido ao novo contexto de distanciamento e redução de exposição a fatores
irritantes [5].
A
asma é uma doença heterogênea, geralmente caracterizada pela inflamação crônica
das vias aéreas, sendo definida pela história de sintomas respiratórios como,
por exemplo, sibilos, falta de ar, aperto no peito e tosse, que podem variar ao
longo do tempo e em intensidade, juntamente com a limitação do fluxo de ar. É
uma doença multicausal que afeta todas as faixas etárias. É o distúrbio
respiratório com maior prevalência e impacto na população pediátrica [5,6].
A
partir do pressuposto de que a asma permanece listada como uma condição
agravante para pacientes com infecção por SARS-COV-2, e em conjunto à grande
relevância da temática na saúde pública, esta revisão se propõe a analisar os
estudos realizados sobre a asma e a COVID-19 em crianças, e descrever as
evidências encontradas até o momento.
Trata-se
de uma revisão integrativa da literatura, caracterizada como uma ferramenta que
possibilita a análise e síntese dos resultados de estudos disponíveis na
literatura. Para elaborar esta revisão, realizou-se o percurso metodológico
dividido em seis fases: elaboração da pergunta norteadora; busca ou amostragem
na literatura; coleta de dados; análise crítica dos estudos incluídos;
discussão dos resultados; avaliação dos estudos incluídos; apresentação da
revisão integrativa [7,8].
A
questão norteadora foi: “A asma é fator de risco para infecção por COVID-19 em
crianças?’’ elaborada a partir da estratégia PICO. A estratégia se baseia no
acrônimo P (paciente ou problema), I (intervenção), C (controle ou comparação),
O ("outcomes" – desfecho). O levantamento
bibliográfico foi realizado por meio de busca eletrônica nas seguintes bases de
dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Base de Dados de Enfermagem (BDEnf)
via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Medical Literature
Analysis and Retrievel System Online (Medline) via PubMed
[9]
Quanto
aos critérios de inclusão, foram incluídos artigos completos de acesso gratuito
disponíveis eletronicamente, nos idiomas português, inglês e espanhol,
publicados de janeiro de 2020 a março de 2022. Constituíram critérios de
exclusão artigos duplicados e aqueles que não abordavam de maneira objetiva e
específica a temática proposta. O levantamento dos artigos foi realizado no mês
de março de 2022 e como estratégias de investigação foram utilizados os
Descritores em Ciências da Saúde (DeCS)/(MeSH): asma/asthma; criança/child; fatores de risco/risk factors; COVID-19/COVID-19 e o operador booleano AND.
As
recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses (PRISMA) guiaram o processo de seleção e
apresentação dos artigos [10]. Para viabilizar a captação das informações
extraídas dos artigos, utilizou-se banco de dados elaborado no software
Microsoft Office Word Online, composto das seguintes variáveis: título do
artigo, autores, tipo do estudo, ano de publicação e conclusão dos artigos
selecionados.
Do
material obtido, 66 artigos, 18 compuseram a amostra final por atenderem aos
critérios de inclusão, conforme apresentado na Figura 1. Não foram encontrados
artigos na Lilacs e BDEnf
via BVS que correspondessem aos descritores e aos critérios de inclusão. Assim,
todos os artigos encontrados na busca inicial derivam da Medline via Pubmed.
Figura
1 - Fluxograma do
processo seleção dos estudos conforme o Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses [10]. Recife/PE, Brasil, 2022
Dos
18 artigos selecionados, 12 são estudos de caso, 2 revisões sistemáticas, 2
revisões integrativas, 1 revisão bibliográfica e 1 manual de conduta. Quanto
aos anos de publicação, 10 (55,55%) publicações são do ano de 2021, 5 (27,77%)
são de 2020 e 3 (16,66%) foram publicadas em 2022. Houve um predomínio total do
idioma inglês, correspondendo ao idioma presente nas 18 publicações.
Quadro
1 - Principais
achados dos estudos selecionados. Recife/PE, 2022
Os
resultados dos artigos analisados evidenciam a incipiência sobre a temática. Em
um estudo feito por Rai et al. [26], foram
analisados 5 pacientes com idade média de 4 anos, internados por quadro de
infecção respiratória aguda. Todos tinham sorologia positiva para COVID-19,
assintomáticos ou com sintomas leves, e 3 deles (60%) tinham asma. É cogitada
uma possível associação entre o desenvolvimento de apresentações graves de
infecções virais do trato respiratório inferior e infecção prévia assintomática
ou leve por COVID-19 em crianças pequenas com asma bem controlada ou sem
histórico de doença respiratória.
O
mesmo foi dito por Kompaniyets et al. [18], no
seu estudo acompanhando 454 pacientes menores de 21 anos, que pacientes entre
12 e 18 anos, com diagnóstico prévio de asma, tiveram uma maior taxa de
internação quando acometidos pela COVID-19. Porém, nenhum necessitou de
cuidados intensivos, diferentemente dos que não possuíam asma. E, de acordo com
o estudo de caso de Tagarro et al. [15], as
crianças asmáticas que precisaram ser admitidas na UTI não tiveram o
internamento por consequência de uma exacerbação dela, mas por pneumonia ou
Síndrome inflamatória multissistêmica em crianças
(MIS-C).
Outros
estudos corroboram esses achados, Gaietto et al.
[19] concluiram que a preexistência da asma aumentou
o risco de hospitalização por COVID-19, mas afirma que as crianças eram mais
propensas a serem admitidas pelo serviço devido à incerteza da asma como um
fator de risco e não por evidenciar sintomas graves. Assim, todas as crianças
que foram internadas não tiveram exacerbações dos sintomas asmáticos pelo
vírus, e não diferiram quando se tratou da necessidade de suporte ventilatório
quando comparadas às crianças sem asma, concluindo que a gravidade da asma não
parece estar associada ao aumento do risco de infecção por SARS-CoV-2 em
crianças ou à necessidade de cuidados intensivos.
Mesmo
não encontrando resultados que impliquem num desfecho de maior gravidade devido
à infecção por COVID-19 em crianças asmáticas, alguns estudiosos como Boechat et al. [12], sugerem que se deve ter cautela
quanto a essa conclusão, e considerar as orientações do Centro de Controle e
Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Assim como Brough
et al. [16] apontam quando afirmaram que pessoas de todas as idades com
doença pulmonar crônica, incluindo asma moderada a grave, são listadas como de
alto risco, mesmo ainda sem dados que sustentem essa afirmação.
Diante
dos resultados obtidos, Abrams et al. [28] apontam que há uma divisão
entre esse risco real e a percepção pública do risco, que também é moldada por
diferenças nas orientações dos órgãos públicos, bem como nas mídias sociais e
notícias. Em sua análise, concluíram que crianças têm baixo risco de morbidade
pela COVID-19, independente de possuir asma ou não.
Abrams
et al. [14] já haviam afirmado em um estudo anterior que muito ainda
precisava ser analisado sobre os efeitos que a COVID-19 pode ter em uma criança
com asma e inclusive se o vírus pode não causar uma exacerbação dos sintomas
asmáticos. As contribuições de Amat et al.
[19] aparentam responder esse questionamento, já que nenhuma das crianças
asmáticas que positivaram para a COVID-19 em seu estudo, apresentaram sintomas
graves. Em contraste com outras infecções respiratórias virais, a doença
infecciosa causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 não
pareceu induzir exacerbação da asma.
Ibrahim
et al. [27] perceberam que dentre todas as crianças admitidas em um
hospital pediátrico na Austrália, a maioria com comorbidade, sendo 11% asma,
não positivaram. Apenas 4 crianças positivaram e, dentre elas, 1 tinha asma,
mas todas tiveram sintomas leves e nenhuma foi internada para cuidados
intensivos. Já Castro-Rodrigues et al. [11], Chatziparasidis
et al. [13] e Beken et al. [20]
concordam que as evidências apontam que a asma não é fator de risco para
infecção pela COVID-19, mas que são necessários mais estudos antes que se
afirme qualquer informação.
Um
resultado parecido foi encontrado por Bandi et al.
[24], que em uma amostra de 474 crianças hospitalizadas, 5,2% foram positivadas
para COVID-19, e apenas uma delas tinha asma, porém a internação foi por outros
motivos, que não foram relacionados a essa comorbidade. Não houve internações
ou apresentações no pronto-socorro pelo agravo da asma em pacientes positivos
para o vírus. Além disso, é citado que a asma pode desempenhar um papel como
fator de proteção contra COVID-19 e surpreendentemente outros estudos
encontraram a mesma coisa.
Assim
como nos resultados encontrados por Farzan et al.
[17], crianças com asma, além de não terem resultados piores da progressão da
COVID-19, podem ter tido o seu curso clínico da infecção pela COVID-19 mitigado
se comparado às outras crianças sem asma hospitalizadas. Relata ainda que um
número significativamente alto de não asmáticos receberam antivirais, mais
especificamente o Remdesivir, e esses tiveram uma
maior necessidade de oxigenioterapia e achados mais severos em radiografias de
tórax.
Ainda
incertos sobre os motivos que podem levar a asma a ser um fator protetivo, Kara
et al. [26] apontam para possíveis causas biológicas, supondo que
crianças atópicas podem ter o receptor ACE2 sub-expressivos
nos pulmões, necessário para a infecção pelo coronavírus.
Além de concordar, Sousa et al. [23] vão além, e acrescenta também que o
uso constante de corticosteroides inalatórios necessários para o tratamento da
asma pode ter um efeito bloqueador, além da proteção da imunotolerância
contra inflamação grave devido à inflamação crônica do pulmão asmático e
hipersecreção de muco impedindo a penetração do vírus no pulmão distal.
Sousa
et al. [23] também apontam outra possibilidade desse efeito protetor, de
causa ambiental, que crianças com asma, devido aos hábitos já adquiridos, estão
diariamente menos expostas ao vírus, sendo complementado também por Brindisi et al. [22], que afirmam que elas não foram
tão afetadas assim pela COVID-19 devido à melhor adesão às medidas de prevenção
e adesão correta do tratamento.
A
compreensão da relação entre a infecção por SARS-CoV-2 e a asma na pediatria
ainda é incipiente, entretanto as evidências científicas atuais sugerem que a
asma não é um fator de risco para infecção por COVID-19 em crianças, e ainda
estabelece uma perspectiva favorável para crianças asmáticas infectadas pelo
novo coronavírus.
Um
fator bastante relevante é que as crianças já
diagnosticadas com asma,
geralmente possuem melhores hábitos para controle e
prevenção das crises, que
levam a uma menor exposição ao vírus e,
consequentemente, menores chances de
infecção pelo SARS-CoV-2. Uma outra perspectiva sugere
que a inflamação grave
devido à inflamação crônica do pulmão
asmático e hipersecreção de muco podem
impedir a penetração do vírus no pulmão,
além da já citada sub-expressão
do receptor ACE2 em crianças com asma. Também é interessante refletir acerca do
motivo de internamento de crianças que possuem essa comorbidade como medida
preventiva, visto que os responsáveis podem correlacionar a asma com uma piora
do quadro clínico da COVID-19.
Contudo,
todos os autores afirmam que, devido à limitação das pequenas amostras, dos
poucos estudos que foram realizados e do curto período de tempo desde o
aparecimento da COVID-19, se faz imprescindível pesquisas mais extensas e com
amostras maiores para analisar e avaliar o curso clínico da infecção causada
pelo SARS-CoV-2 e se a asma está associada ao risco diferencial de COVID-19 em
crianças.
Conflito
de interesses
Não
há conflito de interesses.
Fontes
de financiamento
Não
há fontes de financiamento.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa, Coleta de dados, Análise e interpretação dos dados,
Redação do manuscrito, Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo
intelectual importante:
Costa VC, Barreto MP, Andrade MCC, Lopes SMS, Nascimento MML, Carvalho FP,
Santos ACO.