Enferm Bras. 2023;22(3):328-41

doi: 10.33233/eb.v22i3.5319

ARTIGO ORIGINAL

Limitações da disciplina de educação em saúde em um curso de Enfermagem

 

Maria Clara Soares Dantas1, Ana Cláudia de Queiroz1, Andrielly Cavalcante Fonseca1, Monique Pereira da Silva1, Marcela Samara Lira da Silva1, Nathanielly Cristina Carvalho de Brito Santos1, Danielle Samara Tavares de Oliveira Figueiredo1, Luciana Dantas Farias de Andrade1

 

1Universidade Federal de Campina Grande, Cuité, PB, Brasil

 

Recebido em: 12 de outubro de 2022; Aceito em: 2 de junho de 2023

Correspondência: Maria Clara Soares Dantas, dantasclarinha@gmail.com

 

Como citar

Dantas MCS, Queiroz AC, Fonseca AC1, Silva MP, Silva MSL, Santos NCCB, Figueiredo DSTO, Andrade LDF. Limitações da disciplina de educação em saúde em um curso de Enfermagem. Enferm Bras. 2023;22(3):328-41. doi: 10.33233/eb.v22i3.5319

 

Resumo

Introdução: A educação em saúde é compreendida em sua complexidade, apresentando-se multifacetada trazendo consigo várias concepções, tanto da saúde quanto da educação. Objetivo: Compreender a importância das atividades de educação em saúde durante a formação acadêmica em um curso de enfermagem. Métodos: Abordagem qualitativa, exploratória-descritiva, desenvolvido com 15 participantes. A coleta de dados ocorreu na modalidade virtual no período de maio e junho de 2022 e o processamento dos dados foi mediante o software Iramuteq. Resultados: A análise de discurso conduziu ao entendimento de que as principais limitações da disciplina de educação em saúde envolvem escassez de carga horária e excesso de conteúdo teórico, de maneira que não permite oportunidades para materializá-la de forma prática no sentido de concretização dos conhecimentos e fortalecimento da relação teórico-prática. Conclusão: Portanto, recomendam-se futuros estudos de intervenção, bem como a efetivação da curricularização de extensão.

Palavras-chave: ensino; estudantes de enfermagem; modelos educacionais; educação em saúde.

 

Abstract

Limitations of the discipline of health education in a Nursing course

Introduction: Health education is understood in its complexity, presenting itself as multifaceted, bringing with it several conceptions, both of health and education. Objective: To understand the importance of health education activities during academic training in a nursing course. Methods: Qualitative, exploratory-descriptive approach, developed with 15 participants. Data collection took place in the virtual mode between May and June 2022 and data processing was done using the Iramuteq software. Results: The discourse analysis led to the understanding that the main limitations of the discipline of health education involve a shortage of hours and an excess of theoretical content, in a way that does not allow opportunities to materialize it in a practical way in the sense of concretizing knowledge, and strengthening of the theoretical-practical relationship. Conclusion: Therefore, future intervention studies are recommended, as well as the implementation of extension curricularization.

Keywords: teaching; nursing students; educational models; health education.

 

Resumen

Limitaciones de la disciplina de educación en salud en un curso de Enfermería

Introducción: La educación para la salud es entendida en su complejidad, presentándose como multifacética, trayendo consigo diferentes concepciones tanto de la salud como de la educación. Objetivo: Comprender la importancia de las actividades de educación en salud durante la formación académica en un curso de enfermería. Método: Enfoque cualitativo, exploratorio-descriptivo, desarrollado con 15 participantes. La recolección de datos se realizó en modo virtual entre mayo y junio de 2022 y el procesamiento de datos se realizó mediante el software Iramuteq. Resultados: El análisis del discurso permitió comprender que las principales limitaciones de la disciplina de educación en salud involucran la falta de horas y/o el exceso de contenido teórico, de tal forma que no permite oportunidades para materializarlo de forma práctica, en el sentido de concretar el conocimiento. y fortalecimiento de la relación teórico-práctica. Conclusión: Por lo tanto, se recomiendan futuros estudios de intervención, así como la implementación de currículos de extensión.

Palabras-clave: enseñanza; estudiantes de enfermería; modelos educativos; educación para la salud.

 

Introdução

 

O desenvolvimento e implementação das políticas sociais e sanitárias efetivou o crescimento e propagação de cursos universitários na área da saúde, incluindo enfermagem. Com isso, cresce o número de escolas de Enfermagem no Brasil e, por consequência, aumento dos profissionais disponíveis para um mercado de trabalho cada vez mais atualizado, tecnológico e exigente [1].

A formação acadêmica em saúde e enfermagem ainda adota abordagens pedagógicas biomédicas, persistindo práticas curativistas em detrimento às ações de promoção à saúde e prevenção de agravos. Neste sentido, as práticas de educação em saúde devem estar inerentes ao processo de trabalho em saúde em todos os níveis de atenção, por outro lado, observa-se que ainda são práticas secundárias, no planejamento, organização dos serviços, na execução das ações de cuidado e na própria gestão [2].

A educação em saúde é compreendida em sua complexidade, apresentando-se multifacetada trazendo consigo várias concepções, tanto da saúde quanto da educação [3]. Inicialmente utilizada para assuntos sanitários e comportamentais, tomando por base apenas saberes técnicos e científicos, foram progressivamente englobando vigorosas informações [4].

O Ministério da Saúde conceitua a educação em saúde como um processo educativo dado na construção de saberes em saúde no intuito da população tomar posse sobre algum tema. Dessa forma, seria um conjunto de práticas que estimulam o ganho de autonomia no cuidado como também o diálogo com gestores e profissionais com a finalidade de suprir as necessidades da atenção à saúde [5].

Justifica-se este estudo face à constatação de que há limitações envolvendo a formação acadêmica em enfermagem no tocante às atividades de educação em saúde nos diversos contextos institucionais apontando a importância em pesquisar, compreender e reconhecer sua importância nos diversos cenários pedagógicos convergindo para a formulação da seguinte questão norteadora: qual a opinião dos acadêmicos acerca do componente curricular educação em saúde em um curso de enfermagem?

A importância do respectivo trabalho visa mostrar o atual cenário no que diz respeito ao contexto dentro da formação em Enfermagem, identificando possíveis fragilidades, como também suas potencialidades em relação à formação para educação em saúde nas diferentes abordagens das instituições, a fim de ressaltar a importância em ampliar as perspectivas laborais dos futuros profissionais. Dessa forma, este estudo tem como objetivo compreender a importância das atividades de educação em saúde durante a formação acadêmica em um curso de enfermagem.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa do tipo exploratório-descritivo, cujo cenário da pesquisa foi uma Instituição de Ensino Superior, a população foi constituída por estudantes do 2º ano (3º/4º período) e 5º ano (9º/10º período) do Curso de Bacharelado em Enfermagem no interior do curimataú paraibano, a fim de abordar a visão dos estudantes antes e depois da conclusão do componente curricular “Educação em saúde”.

A amostra final foi composta por 15 participantes que atenderam à saturação teórica por exaustão para encerramento da coleta, ou seja, até o momento em que o investigador conclui que não estão surgindo novos fatos/opiniões e que todos os conceitos da dada teoria estão sendo bem desenvolvidos [6].

Foram adotados os seguintes critérios de inclusão para realização da pesquisa com os estudantes do curso de bacharelado em enfermagem: ter idade superior a 18 anos; estar regularmente matriculado no sistema de informação da Instituição de Ensino Superior; e ter vivenciado atividades práticas em campo.

Foram considerados os seguintes critérios de exclusão: motivos pessoais ou de qualquer outra natureza e interferências políticas, religiosas, culturais ou qualquer natureza que prejudicasse a continuidade da pesquisa.

A coleta ocorreu no período de março a junho de 2022. O primeiro contato com o participante aconteceu de forma virtual ou telefônica e individualizado, sem utilização de listas, com apenas um remetente e um destinatário. Foi enviada uma carta convite esclarecendo que antes das perguntas serem disponibilizadas, seria apresentado o TCLE para a sua anuência. Ademais, foi enfatizado a importância deste guardar a via do documento eletrônico.

Todas as entrevistas virtuais foram subsidiadas pelo roteiro semiestruturado e foram gravadas individualmente no celular pelo App Google Meet e, posteriormente, transcritas de forma integral, sendo dada ao entrevistado a garantia do anonimato, conforme preconiza a Resolução nº 466/12 que trata da pesquisa envolvendo seres humanos. Ao entrevistado também foi assegurado o direito de desistir em qualquer das etapas da pesquisa [7].

Após a coleta foi feito download e armazenado no pendrive, sendo todos os registros apagados das plataformas virtuais, dessa maneira, assegurando o sigilo e a confidencialidade das informações da pesquisa.

Foi utilizado o software denominado Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramuteq), para o processamento dos dados que, permitindo analisar, comparar e correlacionar variáveis textuais, amplia a visão para criação de categorias e tomada de decisões [8].

O Iramuteq, de modo automático, permite a análise lexical de conteúdo, organizando as palavras por classes, possibilitando a análise do pesquisador diante do corpus de dados. A escolha deste se deu por oferecer um grande número de ferramentas para a análise dos dados, além de suas potencialidades, sendo gratuito e facilitando a propagação entre os pesquisadores [9].

A análise utilizada nesta pesquisa foi a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) ou método de Reinert que, a partir de cálculos realizados pelo software, classificam-se segmentos de textos (ST) de acordo com seus respectivos vocabulários, e o conjunto deles foi distribuído baseado na frequência das palavras [8].

Assim, as 15 entrevistas resultaram em 15 textos dispostos em um único arquivo, originando 15 Unidades de Contexto Inicial (UCI). Sendo cada uma separada por comandos, tendo apenas uma variável (n) que foi escolhida pelas numerações dadas a cada participante (**** *n_1, **** n_2 até **** *n_15). As perguntas foram retiradas, ficando apenas as respostas completas referenciadas às perguntas. Após essa segunda etapa, iniciou-se a análise dos dados.

A análise do material empírico gerado pelas entrevistas foi realizada através da técnica de Análise de Discurso, que oferece maneiras para reflexão e críticas diante da estrutura e formação do sentido do texto, levando a interpretação dos sentidos [10].

A pesquisa apenas foi iniciada após apreciação e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Centro de Educação e Saúde (CES), da UFCG, CAAE: 53262521.6.0000.0154, número do Parecer: 5.280.479 intitulado “Limites e potencialidades da formação acadêmica em enfermagem para as atividades de educação em saúde”. O desenvolvimento do projeto resultou em um trabalho de conclusão de curso, sendo este estudo um recorte dele.

Foram respeitados todos os preceitos da Resolução nº. 466/2012 reservados às pesquisas que envolvem seres humanos e com a solicitação da assinatura do TCLE pelos participantes da pesquisa e pelos pesquisadores, inclusive, a fim de manter o sigilo, os participantes foram codificados com as iniciais E01, E02... até E15.

 

Resultados

 

Perfil dos estudantes entrevistados

 

Foi possível observar que a maioria dos participantes era do sexo feminino (86%), com idade inferior a 25 anos (73%), sendo todos solteiros (100%) e, a grande maioria, não tinha filhos (86%).

 

Classificação Hierárquica Descendente – CHD

 

O resultado exibiu um corpus composto por 15 entrevistas realizadas com estudantes, considerando a CHD, foram separadas em 468 ST, com aproveitamento de 401 ST correspondente a 85,68% do texto, contemplando um aproveitamento superior ao mínimo recomendado. Para que esse modelo de análise seja válido pela sua classificação, levando em conta seu material textual, é preciso que sejam aproveitados, minimamente, 70 a 75% de seus ST [15].

Todo o conteúdo foi analisado em 26 segundos, sendo divididos em três classes: Classe 1 “Importância das atividades práticas de educação em saúde nos cursos de Enfermagem” que apresentou 126 ST (31,42%), Classe 2 “Educação em saúde como forma de conhecimento para a população” apresentou 168 ST (41,9%) e Classe 3 “Limitações e potencialidades do ensino da educação em saúde” apresentou 107 ST (26,68%).

 

 

Fonte: Dados da Pesquisa, 2022

Figura 1Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Cuité, Paraíba, Brasil. 2022

 

Classe 1

 

A Classe 1 denominada ‘‘Importância das atividades práticas de educação em saúde no curso de Enfermagem’’ é composta, em especial, pelas palavras: curso, importante, sim, menos, prático, importância, muito e enfermagem, o conteúdo abrange argumentos sobre a importância das atividades práticas no curso, principalmente na disciplina educação em saúde em decorrência da ementa priorizar propostas pedagógicas com aspectos predominantemente teóricos. As falas em destaque apontam essa reflexão:

 

‘‘ter atuado menos em educação em saúde, eu acho que a gente deveria ter atuado mais. Assim, principalmente dentro das práticas, é algo que a gente menos vê, a educação em saúde dentro das práticas é o que a gente menos vê’’ (E01).

‘‘ser poucos créditos e a gente não ir à campo, à prática. Pelo menos quando eu paguei a ação que a gente fez que seria uma nota só, um seminário, fechou só para a turma, poderia ter saído, ter sido extramuro” (E02).

‘‘a disciplina de educação em saúde é uma disciplina pequena, então acho que, de 2 créditos, deveria ter uma disciplina um pouco maior na qual a gente tivesse uma prática, na qual a gente fosse para a comunidade, que a gente fosse promover mesmo educação em saúde, forma mais prática com a comunidade para a gente ter uma propriedade maior acerca’’ (E09).

 

Classe 2

 

A Classe 2 denominada ‘‘Educação em saúde como forma de conhecimento para a população’’ é formada principalmente pelas palavras: educação, saúde, conhecimento, forma, população, também, levar e passar, expressando a sensibilidade em poder contribuir efetivamente para a transição de um estado de não conhecimento para o estado de tomar posse do novo conhecimento que os profissionais, estudantes e demais colaboradores pretendem trabalhar. Os trechos apresentados adiante validam essa assertiva:

 

‘‘A gente consegue facilitar a vida de muita gente porque a população não tem o conhecimento que deveria ter, e é através dessas ações de educação em saúde que a gente consegue passar esse conhecimento é através da educação em saúde que a gente consegue passar um pouco mais de conhecimento para a população’’ (E03).

‘‘Hoje ainda não é dado o valor que ela merece, eu acho que ela é estudada no âmbito acadêmico e não no âmbito profissional, eu entendo que depois é como se fosse algo que o estagiário faz e não que o profissional faz, não vejo profissionais fazendo, coisas até sobre educação em saúde me lembram muito o direcionamento das redes de Atenção à Saúde’’ (E06).

‘‘Educação em saúde eu acredito que seja uma das principais formas de orientar o paciente e usuários enquanto cuidado, prevenção e, também, na questão da recuperação’’ (E15)

 

Classe 3

 

A Classe 3 denominada ‘‘Limitações e potencialidades do ensino da educação em saúde’’ foi constituída majoritariamente pelas palavras: ponto, sempre, negativo, falar, positivo, chegar, lá e tudo. A temática apresenta as principais questões que potencializam o repasse do conhecimento em relação à disciplina de Educação em Saúde ofertada para o curso de enfermagem. As falas comprovam essa assertiva:

 

‘‘De positivo foi que a gente tem a disciplina, sempre solicitam a gente para fazer essas ações e tudo mais, para mim, ponto positivo é isso’’ (E03).

‘‘Positivo é exatamente que antes de terminar o curso a gente já sabe repassar para alguma pessoa que não tenha tanto conhecimento o que a gente já sabe’’ (E04).

‘‘Ponto positivo: a gente consegue praticar a educação em saúde em outras disciplinas’’ (E05).

‘‘O que eu acho que é positivo é que várias outras disciplinas trabalham esse tema de educação em saúde. Em todas as outras disciplinas a educação em saúde sempre estão incluídas’’ (E12).

‘‘Pontos negativos: ter atuado menos em educação em saúde, eu acho que a gente deveria ter atuado mais’’ (E01).

‘‘Negativo, ser poucos créditos e a gente não ir à campo. Pelo menos quando eu paguei, a ação que a gente fez que seria uma nota só foi um seminário fechou só para a turma, poderia ter saído, ser extramuro’’ (E02).

‘‘Ponto negativo é que a disciplina de educação em saúde fica muito longe da realidade’’ (E05).

‘‘Parte negativa: eu acho que seria ter pouquíssimas oportunidades de exercitar isso’’ (E11).

 

Discussão

 

Para fins de análise, será contemplada, para esta discussão, o estudo da classe 1. Nesta pesquisa, observou-se que os acadêmicos de enfermagem consideraram que as atividades práticas e estágios são importantes para a implementação de ações de educação em saúde, porém, foram poucas oportunidades para praticar essas ações em momentos concretos de estágios ou práticas, junto ao indivíduo, família e comunidade.

Ao validar a importância das atividades práticas na formação de profissionais em saúde e o quanto qualifica o cuidado em saúde, é possível identificar as limitações de um ensino segmentado com rumo curricular voltado ao modelo biomédico ainda vigente, e poucas oportunidades de ensino dentro dos serviços de saúde, considerando-se as atividades práticas e estágios de grande importância para a construção de saberes durante a academia, dessa forma, tornando-se um instrumento basilar e indispensável [11].

A conceituação de estágio encontra-se em desarmonia diante de seus autores visto que há variações de uma única conceituação considerando os campos históricos e profissionais. Entretanto, em comum a todas elas há a viabilização para aperfeiçoar e intercalar os saberes acadêmicos com a efetivação em campo de trabalho adentrando, dessa maneira, os estudantes em seu futuro ambiente laboral com o intuito de estimular a correlação entre os verbos pensar e fazer [12].

Ao longo dos anos, os modelos de currículos foram se aperfeiçoando, diante de várias reflexões promovidas pela legislação educacional, foram amenizando as carências encontradas nos modelos anteriores e adaptando as peculiaridades encontradas na atualidade. Porém, somente ao final da primeira década do século XXI que as leis pautadas aos estágios começam a criar delineamentos, ainda vulnerável às más interpretações e ações mesquinhas [13]. Para que haja o entendimento do presente, faz-se necessário remeter-se ao passado, para a sua possível compreensão e, dessa maneira, ter fomentos para a construção e desenvolvimento de um futuro sublime [14].

Anteriormente, o ensino e a assistência de enfermagem eram baseados em vivências, hoje chamadas práticas e/ou estágios, sem a preocupação em enfatizar a articulação com os saberes teóricos. O ensino das escolas de enfermagem no Brasil foi disposto no Decreto nº 791, de 27 de setembro de 1890 que, por meio do Hospício Nacional de Alienados, criou uma escola profissionalizante de enfermeiros e enfermeiras [15].

A Enfermagem no Brasil, bem como na Inglaterra e nos Estados Unidos, institucionalizou-se em subordinação à prática médica, a Escola de Enfermagem Anna Nery recebeu a denominação de escola padrão, pois foi modelo para as seguintes e utilizava o ensino voltado à assistência hospitalar. Essa subordinação reflete e influencia a enfermagem desde sua gênese, no foco curativista, hospitalocêntrico e biomédico [16].

O modelo biomédico ainda atuante na educação em enfermagem induz os sujeitos a priorizar procedimentos e técnicas, nesse sentido, o docente tem papel primordial permitindo a produção de novas concepções de cuidar e cuidado, sendo o estágio o ambiente ideal. Os avanços nos modelos educacionais na formação dos profissionais em enfermagem e a compreensão do conhecimento teórico-práticos são firmados legalmente pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), explicitada pela Resolução nº 441, que clarifica a responsabilidade dos enfermeiros docentes em orientar e supervisionar os estudantes de enfermagem durante seus estágios ou em atividades práticas, como também, participar da legitimação e planejamento dos estágios [17].

Uma vez que a enfermagem dispõe em sua maior parte da assistência clínica, a prática em campo e seu ensino se tornam elementos obrigatórios no curso de formação. Além da troca de experiências, estimula os estudantes ao pensamento crítico e tomada de decisão, influenciando diretamente no perfil do futuro profissional [18].

Sendo a ocasião em que há a possibilidade de colocar em prática todos os aprendizados e conhecimentos adquiridos, além do enfrentamento de medos e esclarecimentos de dúvidas que surgem apenas no ato, o estágio é a oportunidade de firmar e clarificar o processo de ensino e aprendizagem [19].

Embora existam diversos desafios e limitações no campo de estágio, esse momento é próspero e vantajoso na aquisição de experiências jamais vistas em aula. É a oportunidade de desenvolver habilidades e identificar quais áreas mais se identificam, atingindo o objetivo do processo de formação. Assim, a prática age como forma de suplementar o ensino teórico, dando a possibilidade ao estudante de prestar uma assistência, corroborando os saberes teóricos com a prática cotidiana, motivando e estimulando o desenvolvimento pessoal, intelectual e profissional [20].

Apesar da grande carência de ações de educação em saúde observadas, durante o decorrer dos estágios, é preciso a execução de intervenções, já que é essa a oportunidade de promover a saúde e praticar ações de educação em saúde independentemente do nível de atenção, desenvolvendo a autonomia e confiança dos estagiários. A educação em saúde deve ser atribuição de toda a equipe multiprofissional, mas o profissional de Enfermagem sobressai devido a sua característica educadora, resolutiva e de tomada de decisão [21].

Embora os estudantes ingressem nos estágios tomados por insegurança e imaturidade, não resta dúvidas das positivas consequências para a efetivação da formação acadêmica e profissional. Apesar de ser a primeira vez no futuro ambiente de sua atuação profissional, o estágio viabiliza o desenvolvimento de talentos com maestria sendo considerado essencial para capacitar e complementar o ensino. A presença e estímulo do professor e supervisionador é muito importante durante o decorrer das práticas, transmitindo credibilidade, cuidado e seriedade das atividades [22],

Como apontam as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), do curso de graduação em Enfermagem, o enfermeiro deverá sair formado com a compreensão e apto para possíveis intervenções diante dos diversos contratempos em saúde. Para tanto, é necessário que os assuntos abordados aos estudantes deem as capacidades que lhe são cobradas após a sua formação, como domínio de competências e habilidades em educação permanente, gerenciamento e gestão, administração, tomada de decisões, liderança, comunicação e atenção à saúde. Como também deve atender as necessidades sociais em saúde, especialmente no SUS (Sistema Único de Saúde) e lhe assegurar as diretrizes e princípios que regem esse sistema [23].

Para o fortalecimento da práxis da disciplina e das ações de educação em saúde, em 18 de dezembro de 2018 foi publicada a curricularização da extensão obrigatória, estratégia prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) e foi regulamentada pela Resolução MEC/CNE/CES nº 7/2018. Esta estabelece, entre outras coisas, que as atividades de extensão devem abarcar no mínimo 10% do total da carga horária curricular estudantil dos cursos de graduação, além de instruir o Instituto Anísio Teixeira (INEP) a autorização e reconhecimento dos cursos com os critérios de cumprimento da curricularização, a articulação entre extensão, ensino e pesquisa e a seleção dos docentes responsáveis pela orientação das atividades de extensão [24].

 

Conclusão

 

A partir deste estudo, conclui-se que a educação em saúde é vista por discentes de graduação em enfermagem como uma ação e prática importante para o futuro profissional, pois os participantes compreendem que essa prática viabiliza autonomia e empoderamento das ações em saúde.

Observou-se a pouca oportunidade em praticar ações de educação em saúde, em estágios, ou em atividades práticas e de extensão. Além disso, o componente curricular “educação em saúde” é ofertado com carga horária pequena e, portanto, essencialmente teórica, dispõe de poucas oportunidades para materializar os saberes em atividades práticas.

Observa-se a necessidade de otimizar a práxis ao longo do curso, oportunizando maior aproximação do aluno da comunidade nos diversos níveis de atenção e, assim, contribuir com os serviços na promoção da saúde e na prevenção de agravos. Quanto aos desafios desta pesquisa, apontam-se a metodologia utilizada por saturação, a pandemia do coronavírus e dificuldades para a adesão dos estudantes. Por ser de natureza local, os achados deste estudo podem não representar outros contextos.

A prática da educação em saúde deve avançar para a concretização dos conhecimentos e fortalecimento da relação entre teoria e prática. Recomenda-se futuros estudos de intervenção apontando características do tipo antes e depois, além da efetiva operacionalização da curricularização de extensão como forma de complementação às teorias trabalhadas em sala de aula.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve fonte de financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Dantas MCS, Andrade LDF; Coleta de dados: Dantas MCS; Análise e interpretação dos dados: Dantas MCS, Andrade LDF, Silva MSL; Redação do manuscrito: Dantas MCS, Andrade LDF, Silva MSL, Queiroz AC, Fonseca AC, Silva MP, Santos NCCB, Figueiredo DSTO; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Dantas MCS, Andrade LDF, Silva MSL, Queiroz AC, Fonseca AC, Silva MP, Santos NCCB, Figueiredo DSTO

 

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