Enferm Bras 2022;21(5):539-42

doi: 10.33233/eb.v21i5.5328

EDITORIAL

Dificuldades do profissional atuante na Vigilância Epidemiológica frente à pandemia da COVID-19

 

Luana Coiado Poiana, M.Sc.*, Natália Sperli Geraldes Marin dos Santos Sasaki, D.Sc.**, Maria de Lourdes Sperli Geraldes Santos, D.Sc.***

 

*Enfermeira, atuante na área de Imunização no município de Potirendaba-SP, **Enfermeira em Saúde Coletiva, Obstetriz, Docente e orientadora da graduação e Pós-Graduação Stricto Sensu da FAMERP, ***Enfermeira, Docente e orientadora da graduação e Pós-Graduação Stricto Sensu da FAMERP

 

Correspondência: Luana Coiado Poiana, Rua Laurindo Cesar de Siqueira, 924, Loteamento Figueira, 15105-000 Potirendaba SP

 

Luana Coiado Poiana: luanapoiana@gmail.com

Natália Sperli Geraldes Marin dos Santos Sasaki: nsperli@gmail.com

Maria de Lourdes Sperli Geraldes Santos: mlsperli@gmail.com

 

 

A Lei 8080, de 19 de setembro de 1990, Lei Orgânica da Saúde (LOS), inclui, no âmbito de atuação Sistema Único de Saúde (SUS), as ações de vigilância sanitária; vigilância epidemiológica e de saúde do trabalhador, sendo, a vigilância epidemiológica, conceituada como “um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos” [1]. Em 2006, o Pacto pela Saúde estabeleceu as Diretrizes Nacionais da Vigilância em Saúde, sob a portaria nº 1.378, de 9 de julho de 2013, que “Regulamenta as responsabilidades e define diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, relativos ao Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e Sistema Nacional de Vigilância Sanitária” [2] e a Resolução nº 588, de 12 de julho de 2018, aprova a Política Nacional de Vigilância em Saúde. Cada nível de governo possui competências descritas [3].

Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a COVID-19 como uma emergência de saúde pública de importância internacional. Em 11 de março do mesmo ano, confirmou a existência de uma pandemia da doença [3,4]. O novo coronavírus (SARS-CoV-2), detectado em Wuhan, China, em dezembro de 2019 tinha se tornado um problema mundial [4]. Considerando que se tratava de uma doença desconhecida, a abordagem de enfrentamento foi dificultosa e carecia de ações rápidas [4]. Podemos compará-la a uma situação simplificada que evidencia a situação vivida pelos agentes de saúde, em especial, neste caso, os atuantes nas Vigilâncias Epidemiológicas, “trocávamos os pneus do carro enquanto ele estava em movimento”.

Não suficiente à falta de informações e consistência nos protocolos, ainda ocorreram a desvalorização e banalização da doença por parte do governo do país, minimizando as consequências da COVID-19, negligenciando as ações recomendadas de enfrentamento da doença que objetivavam, contudo, uma estratégia para que pessoas em estado grave pudessem ter a chance de receber atendimentos hospitalares [5]. Os governos estaduais e municipais puderam tomar as rédeas de seus locais para o enfrentamento à pandemia.

Neste momento o profissional da Vigilância Epidemiológica (VE) encontra uma dicotomia para suas ações. O problema do Sistema Único de Saúde (SUS) e, consequentemente, da Vigilância Epidemiológica que tem forte influência política [3]. Seja pela dificuldade em realizar as medidas de isolamento, ou recomendações de utilização de medicações sem eficácia comprovada contra a COVID-19, ou pela substituição de parlamentares que demonstravam tendências a práticas recomendadas pelo meio científico [3].

Em meio a toda essa situação delirante, as atualizações da doença são cobradas infindavelmente. O que se destaca é a necessidade de análise dessas informações, que influências estas podem ter sofrido, as subnotificações que possam existir. A avaliação dessas informações são subsídios importantes para gestão e cumprimento da definição de Vigilância Epidemiológica, que além de conhecer e detectar fatores determinantes da doença visa ações de prevenção e controle juntamente ações promoções e assistência [6].

Os números da epidemia são realizados pela esfera Federal, Estadual e Municipal de governo e apresentadas de diferentes formas dependendo do veículo em questão. O Boletim Epidemiológico é uma maneira de demonstrar as informações sobre as doenças e é utilizado desde 1960, nesta pandemia o que diferencia de outras situações de epidemias e surtos é a utilização do “Placar da Vida”, pelo Ministério da Saúde, que apresenta os números dos recuperados [6], prática esta também observada em municípios. Considerando que a crise sanitária em que o país vive recebe contribuição da desvalorização das informações epidemiológicas e evidencias científicas [7].

O SUS sofre com problemas de recursos humanos, materiais e de estrutura [3], a VE, principalmente em municípios de pequeno porte, escancaram essas dificuldades. Sem poder deixar de mencionar os apuros que a Atenção Primária à Saúde vem enfrentando com o desmontar das Estratégias de Saúde da Família, estas que são portas de entrada na rede de Atenção à Saúde [3] e fundamentais para o desenvolvimento da Vigilância Epidemiológica nos territórios.

Por fim, a vacinação contra COVID-19 trouxe muitas incertezas aos profissionais de Vigilância Epidemiológica e a população, não exatamente por questões específicas dos imunizantes, mas pela tardia aquisição, a quantidade insuficiente estimada inicialmente, as discordâncias sobre população-alvo [8], eventos adversos ou de condutas frente à quantidade de informações equivocadas. O Estado de São Paulo, em 23 de julho de 2021, apresenta a 18ª atualização do Documento Técnico Campanha de Vacinação contra a COVID-19 [9].

Além disso, devemos lembrar de outras situações que ocorreram concomitantes ao COVID–19, vividas por profissionais da Vigilância Epidemiológica, como a ocorrência de arboviroses, sobrecarregando os profissionais, derivando cargas horárias exaustivas de trabalho, problemas psicológicos e até fisiológicos. Contudo, esses são profissionais pouco considerados quanto ao enfrentamento da COVID-19 ou nem reconhecidos em outras situações de saúde em que atuam. É necessário o reconhecimento de toda força de trabalho dedicada ao trabalho de saúde individual ou coletivo, assim como, estruturas, recursos humanos adequados e livre direito de trabalhar em prol das políticas de saúde [10].

 

Referências


  1. Presidência da República. Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências [Internet].[cited 2021 Jul 26]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
  2. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.378, de 9 de julho de 2013. Regulamenta as responsabilidades e define diretrizes para execução e financiamento das ações de vigilância em saúde pela união, estados, distrito federal e municípios, relativos ao sistema nacional de Vigilância em Saúde e Sistema Nacional de Vigilância Sanitária [Internet]. [cited 2021 Jul 26] Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt1378_09_07_2013.html
  3. Júnior-Lopes LC, Lacerda AA, Venâncio FF, Buleriao LP, Sobreira LB. Vigilância em Saúde na pandemia de COVID-19 e os desafios do SUS na atualidade. Saúde Coletiva 2021;64(11):5715-20. https://doi.org/10.36489/saudecoletiva.2021v11i64p5714-5727 [Crossref]
  4. Maciel AM, Neto RJPN, Filho JDS. Aplicação de medidas de saúde pública para o enfrentamento à covid-19 no município de Russas-CE. Cadernos ESP [Internet]. 2020 [cited 2022 Jul 26];14(1):24-9. Edição especial. Available from: https://cadernos.esp.ce.gov.br/index.php/cadernos/article/view/394/208
  5. Henriques CMP, Vasconcelos W. Crises dentro da crise: respostas, incertezas e desencontros no combate à pandemia da Covid-19 no Brasil. Estudos Avançados 2020;34(99):25-44. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.003V [Crossref]
  6. Sacramento J. Números, casos e (sub)notificações: a vigilância epidemiológica e o boletim epidemiológico como tecnologias do biopoder. Cadernos de Campo 2020;29:S182-S193. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29isuplp182-193 [Crossref]
  7. Mota E, Teixeira MG. Vigilância epidemiológica e a pandemia da Covid-19 no Brasil. Elementos para entender a resposta brasileira e a explosão de casos e mortes. Saúde em Debate 2020. https://doi.org/10.1590/0103-11042020E408 [Crossref]
  8. Macedo LR, Struchiner CJ, Maciel ELN. Contexto de elaboração do plano de imunização contra covid-19 no Brasil. Ciência Saúde Coletiva 2021;26(7):2859-62. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.04302021 [Crossref]
  9. Estado de São Paulo. Documento Técnico Campanha de Vacinação contra a COVID-19, 18ªAtualização, 23 de julho de 2021 [Internet]. [cited 2021 Jul 27]. Available from: https://portal.saude.sp.gov.br/resources/cve-centro-de-vigilanciaepidemiologica/vacina/documentos-tecnicos-covid-19/documentotecnico_campanhadevacinacaocontraacovid_18atualizacao_23_07.pdf
  10. Docile TN, Chaiblich JV, Miyashiro G. Dengue e outras arboviroses: os desafios de enfrentamento durante a pandemia da covid-19. Spatium Scientiarum 2020;1:19-28.