Enferm Bras. 2023;22(5):547-63

doi: 10.33233/eb.v22i5.5348

ARTIGO ORIGINAL

Religiosidade e espiritualidade na percepção de estudantes de graduação em Enfermagem

 

Karina Brandão Menezes Lima1, Keila Cristina Pereira do Nascimento Oliveira2, Josemir de Almeida Lima3, Jackeline Oliveira Costa Tenório1, Wilma de Araújo Nascimento Barros2, Eliza Vitória Nascimento Figueredo2, Islla Pimentel de Souza2

 

1Centro Universitário Tiradentes em Alagoas, Maceió, AL, Brasil

2Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil

3Centro Universitário CESMAC e UNCISAL, Maceió, AL, Brasil

 

Recebido em: 30 de novembro de 2022; Aceito em: 12 de agosto de 2023.

Correspondência: Eliza Vitória Nascimento Figueredo, eliza.figueredo@eenf.ufal.br

 

Como citar

Lima KBM, Oliveira KCPN, Lima JA, Tenório JOC, Barros WAN, Figueredo EVN, Souza IP. Religiosidade e espiritualidade na percepção de estudantes de graduação em Enfermagem. Enferm Bras. 2023;22(5):547-63. doi: 10.33233/eb.v22i5.5348

 

Resumo

Introdução: A espiritualidade e a religiosidade são distintas dimensões do ser humano que podem impactar na assistência de enfermagem, proporcionando bem-estar físico, melhora no relacionamento interpessoal e qualidade de vida. Objetivo: Analisar a percepção dos estudantes de Enfermagem de um Centro Universitário privado de Alagoas- Brasil acerca da Religiosidade/Espiritualidade no contexto do curso de graduação e da prática clínica. Métodos: estudo de campo, descritivo, exploratório, transversal de abordagem quantitativa. O instrumento foi um questionário validado, com questões semiestruturadas, auto aplicadas em 220 estudantes do curso de enfermagem. A coleta foi realizada em dezembro de 2018. Os dados coletados foram armazenados, tabulados e analisados através do programa Bioestat versão 5.4. Resultados: o sexo feminino foi predominante (80%); residentes em Maceió (57,7%) e predominantemente católicos (63,00%). Sobre a percepção acerca da religiosidade/espiritualidade: maioria afirma que o tema é abordado deficientemente e pouco preparo para incluí-lo na prática clínica. Conclusão: O curso investigado não estimula o acesso à temática, a mudança de abordagem possibilita a inclusão na prática clínica.

Palavras-chave: espiritualidade; religião; curriculum; estudantes de enfermagem.

 

Abstract

Religiosity and spirituality in the perception of undergraduate nursing students

Introduction: Spirituality and religiosity are distinct dimensions of the human being and can impact on nursing care, providing physical well-being, improvement in interpersonal relationships and quality of life of the people served. Objective: To analyze the knowledge and attitudes of Nursing students from a private University Center in Alagoas-Brazil about the approach to Religiosity/Spirituality in the context of the course and clinical practice. Methods: field study, descriptive, exploratory, transversal with a quantitative approach. The instrument was a validated questionnaire, with semi-structured questions, self-administered to 220 nursing students. The collection was carried out in December 2018. The collected data were stored, tabulated and analyzed using the Bioestat program version 5.4. Results: The female sex was predominant (80%); residents in Maceió (57.7%) and predominantly Catholics (63.00%). Regarding the perception of religiosity/spirituality: most say that the topic is poorly addressed. However, they report little preparation to include it in clinical practice. Conclusion: The investigated course does not encourage access to the theme; the change in approach enables inclusion in clinical practice.

Keywords: spirituality; religion; curriculum; nursing students.

 

Resumen

Religiosidad y espiritualidad en la percepción de estudiantes de pregrado en enfermería

Introducción: La espiritualidad y la religiosidad son diferentes dimensiones del ser humano que pueden impactar los cuidados de enfermería, brindando bienestar físico, mejorando las relaciones interpersonales y la calidad de vida. Objetivo: Analizar la percepción de estudiantes de Enfermería de un Centro Universitario privado de Alagoas-Brasil sobre Religiosidad/Espiritualidad en el contexto de la carrera de pregrado y de la práctica clínica. Métodos: Estudio de campo, descriptivo, exploratorio, transversal con enfoque cuantitativo. El instrumento fue un cuestionario validado, con preguntas semiestructuradas, autoadministrado a 220 estudiantes de enfermería. La recolección se realizó en diciembre de 2018. Los datos recolectados fueron almacenados, tabulados y analizados mediante el programa Bioestat versión 5.4. Resultados: Predominaron las mujeres (80%); residentes en Maceió (57,7%) y predominantemente católicos (63,00%). En cuanto a la percepción de religiosidad/espiritualidad: la mayoría afirma que el tema está mal abordado y hay poca preparación para incluirlo en la práctica clínica. Conclusión: El curso investigado no favorece el acceso al tema, el cambio de enfoque posibilita su inclusión en la práctica clínica.

Palabras-clave: espiritualidad; religión; plan de estudios; estudiantes de enfermería.

 

Introdução

 

Nas últimas décadas, observa-se um movimento importante de pesquisadores nas áreas da psicologia, educação, sociologia, gestão e saúde realizando estudos acerca da influência da religiosidade e espiritualidade na vida das pessoas. A maioria desses estudos demonstra que o envolvimento religioso e espiritual proporciona melhores índices de saúde, qualidade de vida, longevidade, assim como menor depressão e comportamento suicida [1].

O significado da religiosidade/espiritualidade(R/E) na saúde das pessoas pode ser evidenciado através de expressões ou algumas respostas dadas pelas pessoas, quando indagadas acerca do seu estado de saúde, pois geralmente colocam Deus no centro das respostas, tais como: “Acredito que Deus vai me curar!” Ou “Vou melhorar com ajuda de Deus!”. Instituições religiosas têm crescido nos últimos anos e, com isso, oferecem tratamentos espirituais para as necessidades físicas das pessoas, o que corrobora para as afirmações anteriores [2].

E, partindo do princípio de que a R/E é uma importante dimensão do ser humano, ela deve ser incluída nos planos de cuidados elaborados para os pacientes pela equipe de saúde, pois, de acordo com estudo realizado por Zandavalli et al. [3], a maioria dos entrevistados concordaram e acham importante a realização de questionamentos sobre sua religiosidade e espiritualidade por parte de profissionais de saúde em um atendimento, entretanto, na prática clínica poucos fazem isso.

É importante ressaltar que a espiritualidade e a religião são conceitos/dimensões distintas e, apesar de interrelacionadas, não são dependentes uma da outra. A espiritualidade pode ser compreendida como a procura para entender dúvidas relacionadas à terminalidade humana conferindo ao indivíduo valores, condutas e costumes e, na maioria das vezes, está ligado à religiosidade. Já a religiosidade, é como o indivíduo crê, acompanha e coloca em prática determinada religião [4].

Diversos estudos têm apontado um impacto positivo da crença religiosa e ou da espiritualidade individual diante de várias situações enfrentadas ao longo da vida, tais como o adoecimento e da possibilidade da morte [5,6].

Depreende-se, portanto, que quanto maior o envolvimento com práticas religiosas e espiritualidade, maior a preocupação com comportamentos saudáveis e qualidade de vida e maior o autocuidado com a saúde [5,6]. Portanto, a espiritualidade é concebida como uma necessidade pessoal de pacientes e familiares e auxilia no enfrentamento das dificuldades, relacionadas principalmente a situações-limite, como o fim da vida, podendo nesse sentido, ser entendida como uma fonte de suporte, esperança, cura ou de superação do sofrimento [7].

Na área de enfermagem, as instituições de ensino superior têm abordado cada vez maior a pluralidade de abordagens e o resgate do cuidado humano, ao inserir nos seus currículos, as práticas complementares e as terapias holísticas. Entretanto, os cuidados espirituais ainda não foram contemplados de forma adequada. Isso pode estar associado ao fato que a abordagem dessa temática ainda é incipiente e envolta por polêmicas, porém, aos poucos ela ganha espaço e um número cada vez maior de pesquisadores começam a perceber como é importante incluir em seus planos de cuidados a abordagem da espiritualidade e desta forma valorizar as necessidades espirituais como parte importante da assistência [8].

A espiritualidade e a religiosidade como uma importante dimensão do ser humano podem impactar na assistência prestada aos clientes à medida que pode proporcionar bem-estar físico, melhorar relacionamento interpessoal e qualidade de vida dos indivíduos e, portanto, merece ser melhor investigada [9]. Contudo, são escassos os estudos acerca de como essa temática é abordada durante a formação dos alunos do curso de Enfermagem no Brasil [4,9].

Assim, partindo do pressuposto de que a R/E é uma importante dimensão do ser humano e que interfere em vários aspectos de sua vida e, em especial, a sua saúde e que por esse motivo não deve ser ignorada durante a formação dos estudantes do curso de Enfermagem, torna-se relevante responder a seguinte questão norteadora do presente estudo: qual a percepção dos estudantes de Enfermagem frente a abordagem da Religiosidade/ Espiritualidade no contexto do curso de graduação e da prática clínica?

A formação do estudante é, provavelmente, um dos momentos mais importantes na sua carreira futura e o modo como a religiosidade/ espiritualidade é abordada pelos docentes e percebida pelos alunos pode levar a maior compreensão dessa dimensão e, consequentemente, facilitar a sua aplicação na prática clínica.

É nesse sentido que o presente estudo pretende contribuir para a reflexão de como os alunos percebem este tema, identificando dificuldades e, consequentemente, a proposição de ações ou estratégias que possibilitem tanto aos docentes quanto aos estudantes entender a dimensão R/E, e o impacto na saúde das pessoas em sofrimento físico e mental.

Face ao exposto, o objetivo do presente estudo foi analisar os conhecimentos e atitudes dos estudantes de enfermagem de um Centro Universitário privado de Alagoas/Brasil acerca da abordagem da Religiosidade/ Espiritualidade no contexto do curso e da prática clínica.

Métodos

 

Trata-se de um estudo de campo, descritivo, exploratório, transversal e com abordagem quantitativa, recorte da dissertação “A interface entre religiosidade/espiritualidade e a saúde: conhecimentos e atitudes dos alunos do curso de enfermagem”. O local da pesquisa foi o Centro Universitário CESMAC, localizado em Maceió, Alagoas.

Baseada na população específica, que totalizava 480 graduandos, matriculados no curso de bacharelado em enfermagem do CESMAC, foi estabelecido a amostra viável, considerando o nível de confiança de 95 %, erro amostral (5 %), percentual mínimo de 50 % [10], e estabelecido a amostra necessária de 220 estudantes de enfermagem, dos quais foram divididos em 10 turmas, o que correspondeu a 22 estudantes, selecionados aleatoriamente por turma, durante o período letivo de 2018.

Foram incluídos estudantes de enfermagem de todos os períodos (1º ao 10º), de acordo com o quantitativo amostral pré-estabelecido na amostra e, que de forma espontânea, desejaram fazer parte do estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios de exclusão definidos foram: estudantes de enfermagem ausentes por licenças diversas, trancamento de matrícula ou ausentes no momento da aplicação do questionário.

Os princípios éticos que norteiam a pesquisa científica foram considerados e respeitados no presente estudo, de tal forma, que ela só foi iniciada após o parecer de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do CESMAC (Processo nº 2122.182.2010) e, em conformidade, com o que orienta as diretrizes contidas na Resolução do Conselho Nacional de Saúde brasileiro (CNS) 466/12 e 510/16.

A coleta dos dados foi realizada durante o segundo semestre de 2018, no mês de dezembro. Para coleta de dados foi utilizado um questionário validado, adaptado pelos autores, de um estudo multicêntrico realizado por Borges et al. [11] envolvendo acadêmicos de medicina de diversas instituições de ensino superior do Brasil e coordenado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Este questionário é constituído por 43 questões que contemplam aspectos sociodemográficos, religiosidade/espiritualidade, crenças sobre a religiosidade e espiritualidade dos estudantes de enfermagem analisado nesta investigação científica e que concedia ao participante do estudo a opção de não responder qualquer pergunta que não quisesse.

Quanto aos dados sociodemográficos foram incluídas as seguintes variáveis analisadas: procedência (local de origem), idade, sexo, autorrelato de referência à cor da pele, estado civil, condição financeira própria e da família e filiação religiosa.

Os dados coletados foram armazenados, tabulados e analisados através do programa Bioestat versão 5.4 através do qual foram calculadas medidas de prevalência e frequências que apontaram para o perfil, as concepções de espiritualidade e religiosidade e a formação acadêmica dos sujeitos participantes.

Os dados dessa análise foram apresentados de modo descritivo e textualmente por meio da interpretação dos resultados apresentados. As respostas das questões abertas foram categorizadas por afinidade e similaridade em categorias, apresentadas em quadros e tabelas.

 

Resultados e discussão

 

Foram investigados 220 estudantes do curso de Enfermagem, dos quais a maioria são do sexo feminino, o que mostra ainda a forte presença feminina no curso. O percentual encontrado em relação a essa variável foi de (80,00%) para as mulheres contra (20,00%) de homens fazendo o curso (figura 1). Esses dados também evidenciam uma maior presença masculina no curso quando comparado às outras décadas, pois, de acordo com dados de um estudo realizado por Valencia-Contrera et al. [12], a média do percentual de homens no curso entre as décadas de 40 e 90 era de apenas (2,37%). A média de idade foi de 23 anos. As características sociodemográficas dos alunos investigados são apresentadas na figura 1.

 

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Figura 1Gráfico correspondente às características sociodemográficas dos alunos de um curso de enfermagem

 

Quanto à sua procedência, cerca de (57,70%) reside na cidade de Maceió e os demais moram no interior de Alagoas (figura 1). Entretanto, acreditamos que com a interiorização dos cursos esse fenômeno de deslocamento de estudantes de enfermagem do interior para a capital tende a diminuir, pois o curso de graduação em enfermagem tem sido ofertado em várias cidades de Alagoas e não apenas na capital deste estado.

A interiorização dos cursos faz parte de uma política adotada tanto pelas instituições públicas quanto privadas em ampliar vagas no ensino superior em regiões distantes das capitais e dos grandes centros urbanos com a criação de novas instituições de ensino superior (IES). Essa política é importante porque além de ampliar o número de vagas também diminui gastos públicos, pois o transporte de grande parte desses estudantes é realizado pelo município de origem.

A maioria (76,82%) dos estudantes participantes do estudo são solteiros e (48,56 %) deles afirmaram que trabalham. Quanto à renda familiar, os dados evidenciaram que um percentual relativamente alto em torno de (43, 97%) dos estudantes está dentro de faixa considerada baixa renda, pois ganham entre 1 e 3 salários-mínimos.

Na época da coleta (2018) o salário-mínimo era de 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais (figura 1). Portanto, observa-se um aumento do acesso de classes sociais mais baixas no ensino superior, já que esses estudantes estão fazendo o curso em uma instituição privada em que só a mensalidade do curso é de quase 1 salário-mínimo. Esse fato indica que esses estudantes provavelmente fazem parte de algum programa de bolsas do governo, como o Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (FIES).

Quanto à raça/cor, um maior percentual (51,36%) afirmou ser parda, (27,27%) branca e (21,36%) preta. Quanto à afiliação religiosa, 63 % declaram-se católicos, evangélicos (22,00 %), espírita (2,5%), candomblé/umbanda (1%) e outras, 0,5 %. E, cerca de 11,00 % afirmaram não pertencer a nenhuma religião. Portanto, mais de 89,00% possuíam algum tipo de afiliação religiosa, o que denota um percentual alto das pessoas entrevistadas com religião declarada, dados que corroboram recente pesquisa publicada pela Global Religion (2023), na qual 89 % dos brasileiros declararam algum tipo de religião [13].

 

Religiosidade/espiritualidade com as pessoas em processo de adoecimento, no contexto da prática clínica

 

Os resultados relacionados à prática clínica são apresentados na tabela I e eles demonstraram que mais de (70,00 %) dos estudantes investigados consideram pertinente abordar aspectos religiosos/espirituais com os pacientes. Esses achados indicam que a maioria acredita que a temática é importante e deve ser abordada com os pacientes.

Quando perguntados se sentem-se à vontade para abordar o tema R/E com os pacientes, quase a metade (48,05%) afirma que sim, entretanto, (41,42 %) deles não se sente à vontade para abordá-lo com os pacientes.

Quando perguntados se estão preparados para abordar, (57,41%) responderam estar pouco preparados, o que provavelmente deve-se ao fato de o tema ser pouco abordado durante a sua formação. Quanto ao que desencoraja abordar o tema, as respostas mais frequentes foram: medo de impor suas crenças (47,91%), falta de treinamento (16,68%), falta de conhecimento (7,29%) e desconforto com o tema (6,25%). Os resultados obtidos foram muito semelhantes ao encontrado por Jacob [14] e Borges et al. [15], que também apontaram o medo de impor crenças religiosas e espirituais como o motivo mais importante.

As informações escassas e imprecisas sobre R/E durante a formação acadêmica resultam como um fator negativo, pois, quando os estudantes de enfermagem, durante a prática assistencial é abordado pelo paciente e pela família para tratar sobre esta temática a maioria deles não sabem como atender adequadamente seus pacientes, sendo importante criar espaços para o debate e abordagem dessa temática, em qualquer área da saúde, e incentivar pesquisas ainda durante a vivência acadêmica [16]. Portanto, o ensino na área de enfermagem deve preparar os estudantes para que, ao prestar o cuidado, considerem o ser humano na sua totalidade, respeitando e investindo em todas as suas dimensões: física, intelectual, emocional e espiritual.

Esses resultados corroboram o que foi colocado como pressuposto no presente estudo que a maioria dos estudantes conhecem pouco a temática R/E e se consideram despreparados para abordá-la com os pacientes sob seus cuidados, mas que gostariam de se aprofundar mais sobre o tema e de serem melhor preparados.

 

Tabela I - Conhecimentos e atitudes dos estudantes de Enfermagem frente à abordagem da religiosidade/espiritualidade com os pacientes, Brasil, 2022

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

 

Na Tabela II são apresentadas as Categorias Temáticas (CT) que foram extraídas das respostas provenientes da questão “quais as barreiras ou dificuldades que você tem para aplicar a espiritualidade durante aulas práticas de enfermagem?”.

 

Tabela II - Principais barreiras dos estudantes de enfermagem para aplicar a espiritualidade no contexto prático de enfermagem, Brasil, 2022

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

 

Face ao exposto, as duas maiores barreiras para aplicar a R/E aos pacientes foram: Diferenças de pensamentos e crenças (23,40%) e conhecimento deficiente (11,70%) (Tabela II).

Para a atenção em saúde oferecida às pessoas em processo de adoecimento deve-se considerar além do contexto socioeconômico, o religioso e espiritual. E nesse sentido, os profissionais de saúde devem respeitar a diversidade cultural para fornecer cuidados centrados na pessoa de forma holística, compreendendo a história de vida de cada indivíduo, integrando as suas necessidades religiosas e espirituais nos cuidados prestados [17,18].

O conceito ampliado de saúde, em seu sentido mais abrangente, é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. E é nesse contexto que a R/E está inserida. Desse modo, pode-se inferir que a saúde não é um conceito abstrato, e, sim um direito, pois define-se em um contexto histórico de uma determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas [19].

 

Religiosidade/espiritualidade e a formação dos estudantes de graduação em Enfermagem

 

A tabela III apresenta os resultados das respostas dos estudantes de enfermagem em relação à questão: como você avalia a forma como o tema religiosidade/espiritualidade e saúde tem sido abordada durante a sua formação universitária? (33,33 %) afirmaram que o tema nunca foi abordado, (34,56 %) que foi muito pouco abordado e (32,09 %) que raramente o tema foi abordado. Esses resultados mostram que existe uma deficiência muito significativa na abordagem do tema.

Podemos dizer que o resultado é semelhante ao de outras pesquisas realizadas no Brasil envolvendo estudantes da área de saúde, tais como os realizados por Jacob et al. [14] com estudantes de Medicina em que mais de (90%) deles disseram que a universidade não fornecia informações suficientes para o aluno sobre espiritualidade e religiosidade.

 

Tabela III - Respostas dos estudantes de enfermagem quanto a abordagem da religiosidade/espiritualidade durante a sua formação, Brasil, 2022

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

 

Quando questionados se os estudantes já participaram de algum curso ou atualização oferecido por sua universidade abordando temas que envolvem saúde e espiritualidade: (98,50 %) afirmaram que não. (Tabela IV). Esses resultados mostram que o tema não é valorizado ou seus integrantes e gestores não foram ainda despertados para a importância do tema na formação e na prática clínica da enfermagem.

 

Tabela IV - Respostas dos estudantes de enfermagem quanto a sua busca de atualização no tema religiosidade e espiritualidade, Brasil, 2022

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

 

Quando questionados se os docentes já abordaram temas sobre crenças religiosas ou espirituais nas atividades curriculares: (39,57%) referiram que nunca; (40,64, %) raramente, (17,64%) algumas vezes, comumente (1,06%), sempre (1,06%) (Tabela V), o que demonstra que o tema é pouco abordado durante a graduação.

 

Tabela V - Respostas dos estudantes de enfermagem quanto a abordagem do tema religiosidade/espiritualidade pelos docentes do curso, Brasil, 2022

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

 

Na tabela VI são apresentadas as frequências de respostas à questão “A formação universitária atual fornece informações suficientes para que os estudantes consigam abordar crenças religiosas ou espirituais com os pacientes?” A resposta que obteve maior percentual foi “nem um pouco”, representando (56,02%) e a segunda maior foi “um pouco” representando (19,57%). Esses resultados mostram que o tema é negligenciado pela instituição, indicando que a temática religiosidade e espiritualidade não é discutida de forma sistematizada e o reflexo disso no futuro é despreparo dos profissionais em abordar na prática essa temática.

E isso é percebido em um estudo realizado por Figueredo et al. [20], o qual afirma que os enfermeiros relatam se sentirem despreparados em prestar cuidados espirituais mesmo que se deparem com situações que necessitem de uma abordagem espiritual/religiosa demandada pelo paciente. E para melhorar essa situação recomenda a inclusão da espiritualidade nos currículos dos cursos de enfermagem.

 

Tabela VI - Respostas dos estudantes de enfermagem quanto ao fornecimento de informações acerca da R/E durante a sua formação universitária, Brasil, 2022

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

 

Na tabela VII são apresentadas as frequências de respostas à questão 33: Você participou de alguma atividade de formação sobre relação saúde e espiritualidade? De acordo com esses resultados, um percentual (89,26 %) afirmaram que não, mas que gostariam de participar. Esse resultado é muito expressivo e corrobora respostas anteriores que o tema é pouco abordado e valorizado pela instituição e, pelo que vemos, não é por falta de interesse por parte dos graduandos, mas falta de interesse de sua instituição em oferecer oportunidades de formação para esses graduandos.

 

Tabela VII - Respostas dos estudantes de enfermagem quanto a sua participação nas atividades de formação sobre saúde e espiritualidade, Brasil, 2022

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

 

A tabela VIII apresenta os resultados dos estudantes de enfermagem em relação a sua participação em atividades de atualização sobre o tema espiritualidade e saúde. As mais frequentes foram: dentro de minha na própria religião (50,00%), leitura de livros (10,25%), palestras que abordam o assunto (5,45%), através dos docentes da sua faculdade (1,28%), e (19,3%) não procuravam informações.

 

Tabela VIII - Respostas dos estudantes de enfermagem quanto à participação em atividades de atualização sobre o tema religiosidade e espiritualidade

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

 

Observa-se que no presente estudo a busca de informações sobre o tema espiritualidade é maior dentro da própria religião (50%) e através da leitura de livros (10,25%). Esses dados evidenciam um papel muito importante da religião como fonte de informações religiosas para os graduandos, entretanto, revelam que eles obtêm poucas informações na sua instituição de ensino, evidenciando a carência de atualização acerca do tema religiosidade e a saúde.

Corroborando, um estudo evidenciou que mais de 95 % dos professores e estudantes de enfermagem possuíam algum tipo de filiação religiosa, 96% acreditavam que a espiritualidade influenciava muito na saúde do paciente, e 77% sentiam vontade de abordar o assunto. Contudo, apenas 36% consideravam-se preparados, e a maioria respondeu que o assunto R/E não foi abordado de forma satisfatória durante a graduação. Nesse estudo, também houve expressiva diferença entre suas práticas clínicas e opiniões a respeito da espiritualidade e de sua implementação no currículo. As principais barreiras ao abordar o assunto foram: medo de impor as próprias crenças, falta de tempo e medo de ofender os pacientes [21].

Outro estudo publicado em 2019 denotou que os estudantes de medicina conhecem os significados e a importância de espiritualidade e religiosidade cuidado no prestado, mas ainda não se sentem preparados para a abordagem completa, em virtude das limitações de aprendizagem na formação acadêmica [22]. 

Pesquisa publicada em 2021 investigou as competências dos estudantes de enfermagem em cuidados espirituais e o status do cuidado espiritual, evidenciando que o cuidado de enfermagem é uma prática holística contendo elementos biológicos, psicológicos, sociológicos e, também espirituais. E nesse contexto, o cuidado espiritual é um dos aspectos centrais de uma abordagem de cuidado holístico, e que requer uma boa compreensão da espiritualidade pelos enfermeiros [23].

Diante do exposto, torna-se premente a necessidade de uma maior sensibilização dos docentes para conhecer, investigar e incluir em suas aulas a abordagem do tema. Afinal, os docentes são articuladores importantes na relação dos estudantes de enfermagem com sua formação universitária. Nesses termos, estratégias baseadas em problemas, metodologias ativas, podem auxiliar os docentes na abordagem sobre R/E na formação, fortalecendo as questões éticas em várias dimensões do cuidado humano. Atualizações, Grupos de estudos e pesquisas sobre R/E entre docentes e discentes de uma IES apresentam-se como promissora alternativas para o aprofundamento dessa temática durante a formação acadêmica do profissional de enfermagem.

 

Conclusão

 

Os achados obtidos no presente estudo evidenciam que a maioria dos estudantes do curso de Enfermagem, participantes deste estudo, são do sexo feminino, solteiros, sem renda, residentes em Maceió, com predominância da filiação religiosa católica; que o tema religiosidade/espiritualidade ainda é pouco abordado durante a formação profissional e, que por esta razão, o conhecimento sobre o tema ainda está muito atrelado à sua própria religião.

A abordagem da religiosidade/espiritualidade foi muito negligenciada durante a formação dos estudantes investigados, passando quase desapercebida, como se não fosse importante e significativo no cuidado aos pacientes, embora as pesquisas evidenciem o contrário, gerando dificuldades para o estudante incorporar sua prática profissional.

Desse modo, para que se desenvolva a compreensão do estudante de graduação em Enfermagem sobre a R/E e a sua relação com o cuidado ao ser humano, torna-se necessário que este tema seja incluído como conteúdo curricular. Além disso, o uso de metodologias ativas pelos docentes para a abordagem da temática facilitará o processo ensino aprendizado durante a formação profissional.

Enfim, a abordagem da R/E durante a graduação em Enfermagem, favorece o processo ensino aprendizado dos estudantes para melhor atender a essa necessidade humana, fortalece as questões éticas em várias dimensões do cuidado humano e contempla o conceito atual e ampliado da OMS sobre saúde, do qual a religiosidade e espiritualidade estão incluídos.

Diante da escassez de estudos sobre R/E no âmbito dos cursos de graduação em Enfermagem, sugerimos a realização de novos estudos visando o desenvolvimento de instrumentos efetivos para avaliação dessa dimensão humana no cuidado prestado às pessoas atendidas pela equipe de enfermagem.

 

Conflitos de interesse

Não há

 

Fontes de financiamento

Não houve

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Lima KBM, Oliveira KCPN, Lima JA; Coleta de dados: Lima KBM, Oliveira KCPN, Lima JA, Tenório JOC; Análise e interpretação dos dados: Lima KBM, Oliveira KCPN, Lima JA; Análise estatística: Lima JA; Redação do manuscrito: Lima KBM, Oliveira KCPN, Lima JA, Barros WAN, Figueredo EVN, Souza IP; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Lima KBM, Oliveira KCPN, Lima JA, Barros WAN, Figueredo EVN, Souza IP

 

Referências

 

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