Enferm Bras. 2023;22(1):79-94

doi: 10.33233/eb.v22i1.5371

RELATO DE CASO

Cuidados de enfermagem de reabilitação à pessoa com lesão medular metastática: relato de caso

 

Eunice Salomé Sobral Sousa1,2, Maria João Andrade1,2, Carla Sílvia Fernandes3,4, Sara Rodrigues Barbeiro2, Vanessa Taveira Teixeira2, Maria Manuela Martins1,3,4

 

1Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal

2Centro Hospitalar Universitário do Porto, Porto, Portugal

3Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal

4Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), Porto, Portugal

 

Recebido em 30 de dezembro de 2022; Aceito em 17 de fevereiro de 2023.

Correspondência: Eunice Salomé Alves Sobral Sousa:

E-mail: salome.sobral.sousa@gmail.com

 

Como citar

Eunice Salomé Sobral Sousa ESS, Maria João AndradeMJ, Carla Sílvia Fernandes CS, Sara Rodrigues Barbeiro SR, Vanessa Taveira Teixeira VT, Maria Manuela Martins MM. Cuidados de enfermagem de reabilitação à pessoa com lesão medular metastática: relato de caso. Enferm Bras. 2023;22(1):79-94 doi: 10.33233/eb.v22i1.5371

 

Resumo

Introdução: A Lesão Medular Metastática (LMM) apresenta-se como uma emergência oncológica, para prevenir lesões neurológicas irreversíveis, tratar a dor, manter a mobilidade e a funcionalidade dos doentes. O foco na alta precoce para casa exige uma rápida adaptação à nova condição, tornando o tempo de internamento complexo e desafiante. Objetivo: Descrever as necessidades de cuidados de enfermagem de reabilitação de uma pessoa com LMM no internamento hospitalar. Métodos: Relato de caso baseado nas guidelines CARE. Resultados: Verificaram-se constantes adaptações ao programa de reabilitação, que exigiram a articulação da equipa multidisciplinar. A intervenção dos enfermeiros de reabilitação na identificação de necessidades, na prevenção de complicações, na capacitação da pessoa e cuidador, foi determinante para um célere e seguro regresso a casa. Conclusão: Identificaram-se necessidades e respostas providenciadas ao doente com LMM em fase aguda. A enfermagem de reabilitação contribuiu para a prevenção de complicações, preparação para a alta e para um regresso a casa seguro.

Palavras-chave: neoplasias epidurais; cuidados de enfermagem; reabilitação; hospitais; relatos de caso.

 

Abstract

Rehabilitation nursing care for people with metastatic spinal cord injury: case report

Introduction: The Metastatic Spinal Cord Compression (MSCC) presents itself as an oncological emergency, to prevent irreversible neurological damage, treat pain, maintain mobility and functionality of patients. The focus on early discharge to home requires a rapid adaptation to the new condition, making the length of the hospitalization complex and challenging. Objective: To describe the rehabilitation nursing care needs of a person with MSCC in the hospital admission. Methods: Case report based on CARE guidelines. Results: There were constant adaptations to the rehabilitation program, which required the coordination of the multidisciplinary team. The intervention of the rehabilitation nurses in the identification of needs, prevention of complications, and empowerment of the person and caregiver was determinant for a quick and safe return to home. Conclusion: Needs were identified, and responses provided to the patient with MSCC in acute phase. Rehabilitation nursing contributed for the prevention of complications, to the preparation for discharge and a secure return home.

Keywords: epidural neoplasms; nursing care; rehabilitation; hospitals; case reports.

 

Resumen

Cuidados de enfermería de rehabilitación a la persona con lesión medular metastásica: relato del caso

Introducción: La lesión medular metastásica (LMM) se presenta como una emergencia oncológica, para prevenir lesiones neurológicas irreversibles, tratar el dolor, mantener la movilidad y la funcionalidad de los enfermos. El enfoque en el alta precoz exige una rápida adaptación a la nueva condición, convirtiendo en tiempo del ingreso complejo y desafiante. Objetivo: Describir las necesidades de cuidados de enfermería de rehabilitación de una persona con LMM en el ingreso hospitalario. Métodos: Relato del caso basado en las guías CARE. Resultados: Se verificaron constantes adaptaciones al programa de rehabilitación que exigieron la articulación del equipo multidisciplinar. La intervención de enfermeros de rehabilitación en la identificación de necesidades, en la prevención de complicaciones, en la capacitación de la persona y cuidador, fue determinante para un rápido y seguro regreso a casa. Conclusión: Se identificaron necesidades y respuestas originadas a los enfermos con LMM en fase aguda. La enfermería de rehabilitación contribuyó a la prevención de complicaciones, a la preparación en para el alta y a un regreso seguro a casa.

Palabras-clave: neoplasias epidurales; cuidados de enfermería; rehabilitación; hospitales; informes de caso.

 

Introdução

A lesão medular metastática (LMM) é das mais sérias complicações de cancro, que causa dor incapacitante e comprometimento neurológico significativo [1]. Surge da disseminação de um tumor primário para a coluna vertebral, com consequente compressão e invasão de estruturas neurais [2]. A verdadeira incidência é desconhecida, mas estima-se que pode ocorrer em 3% a 5% de pessoas com patologia oncológica já identificada [3,4]. Os tumores primários da próstata, mama e pulmão, são as fontes de metástases mais comuns, representando cerca de 50% dos casos [1,2,3]. Embora a LMM surja, associada a uma fase avançada da doença, a maior eficácia dos tratamentos de radioterapia, de quimioterapia e de técnicas cirúrgicas inovadoras, poderá contribuir para que a sua incidência futura aumente, juntamente com as melhores taxas de sobrevivência destas pessoas [3,5].

A história de um doente com LMM é caracterizada por um início insidioso e progressão dos sintomas, com deterioração rápida. A apresentação clínica depende das estruturas da coluna comprometidas e da compressão medular associada [2]. Em 95% dos casos, a dor dorsolombar é o primeiro sintoma, que pode ser acompanhada por alterações sensoriais. Os sintomas posteriores incluem fraqueza muscular, perda de mobilidade, incontinência ou retenção urinária, função intestinal alterada e impotência [2,3,5]. A LMM é uma emergência oncológica [1,3]. A identificação e o tratamento imediatos da compressão medular metastática são necessários para evitar lesões neurológicas irreversíveis, tratar a dor, manter a mobilidade e a funcionalidade destes doentes [2].

Com um prognóstico pouco favorável e baixas possibilidades de melhoria franca da função, o tratamento tende a se concentrar na gestão de sintomas e na alta precoce para casa, em vez do processo de reabilitação de longo prazo que acompanha a lesão medular traumática. Os doentes e famílias ficam sob pressão, para se adaptarem rapidamente às implicações de um comprometimento funcional ao mesmo tempo que lidam com o diagnóstico de doença grave e avançada [5]. Uma abordagem multidisciplinar é necessária para atender de uma forma ágil e eficaz às complexas necessidades da pessoa com LMM [1,2,3]. Um planeamento da alta bem-sucedido, no qual se inclui a reabilitação, inicia-se na admissão hospitalar, envolve o doente e família, os diferentes profissionais de saúde e os vários níveis de cuidados, considerando a importância de maximizar a condição física, mas sempre enquadrada no contexto da qualidade de vida [3].

Ainda no hospital, a enfermagem desempenha um papel vital na reabilitação destes doentes [6]. O objetivo do cuidado não passa só por satisfazer as necessidades básicas, mas constituir-se como um suporte social e psicológico efetivo. É necessário haver uma resposta especializada com uma visão que permita ver e antever as necessidades reais e potenciais das pessoas e familiares e assim diagnosticar, intervir na sua capacitação e na reintegração de forma a proporcionar o bem viver. Este processo pode ser simplificado pelos enfermeiros, em especial os de reabilitação [7].

Mas como se organizam os cuidados de enfermagem promotores de independência e autonomia, na pessoa com LMM em contexto agudo? Esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de dar resposta a esta questão, de descrever o percurso de cuidados hospitalares de uma pessoa com LMM e identificar as necessidades de cuidados de enfermagem de reabilitação ao longo do internamento, desde a admissão à alta para casa.

 

Métodos

 

Desenvolvida numa lógica descritiva, esta pesquisa teve como referência as guidelines CAse REport (CARE) que fornecem indicações precisas para a redação dos diversos pontos que constituem um estudo de caso [8]. De uma forma objetiva e sistemática, foram dadas respostas aos diversos critérios da checklist, com o objetivo de garantir a qualidade, a transparência e o rigor científico da informação, realizando-se as adaptações necessárias ao caso em questão. A recolha de dados foi realizada num Serviço de Neurocirurgia de um Centro Hospitalar, durante o ano de 2022. A triangulação de dados qualitativos e quantitativos (escalas e outros instrumentos de avaliação validados) foi possível através da consulta do processo de enfermagem, pela observação e pela entrevista. O estudo foi sujeito à avaliação da Comissão de Ética da instituição, com parecer favorável n.º 2020.285 (217-DEFI/229-CE) e com o consentimento informado livre e esclarecido do doente, para participação nesta investigação. Foram seguidos todos os critérios de anonimato.

 

Resultados

 

Informação do paciente

 

Doente com 73 anos, do sexo masculino e raça caucasiana. Atualmente reformado, tendo desenvolvido a sua atividade profissional como vendedor. Reside com a esposa numa casa rural, na região norte de Portugal, na província da Beira Alta, distrito de Viseu, perto da sua família alargada. Tem um filho que o visita ao fim de semana. Com o quarto ano de escolaridade. Atualmente ocupa parte do seu tempo a tratar do quintal. Ex fumador, com insuficiência venosa periférica, sinusite crónica, doença péptica e hérnia do hiato. No que se refere aos antecedentes oncológicos, foi em 2018 submetido a prostatectomia radical por adenocarcinoma. Em 2019 identificada metástase única no ilíaco esquerdo. Em 2021 identificada progressão da doença óssea, tendo-se mantido sob hormonoterapia.

 

Achados clínicos

 

Acede ao serviço de urgência, vindo do domicílio, com clínica de paraparésia, dor toracolombar, obstipação, perturbação sensitiva dos membros inferiores e abdómen com pelo menos 3 dias de evolução. Previamente autónomo a este episódio, mas refere que já há dois dias não tem capacidade de marcha. O exame neurológico demonstra hipostesia abaixo do nível de D4 e força dos membros inferiores grau 3. A sensibilidade e contração anal estão mantidas, embora diminuídas bilateralmente. Com retenção urinária, tendo sido necessário cateterização. Solicitada por neurocirurgia RMN que revelou lesão ocupando espaço de provável natureza secundária, com envolvimento do corpo vertebral, ocupando cerca de 75% da área transversa do canal no plano de D3, com compressão da medula, traduzindo-se no diagnóstico de lesão medular tumoral.

 

Timeline

 

A permanência hospitalar aconteceu durante 41 dias no internamento do Serviço de Neurocirurgia. Quatro etapas são possíveis de definir no programa de tratamento - cirurgia urgente, recuperação neurológica, agravamento e readaptação funcional (Figura 1).

 

 

Figura 1Etapas do programa de tratamento hospitalar

 

Nas diferentes etapas identificou-se a intervenção das várias especialidades que compõe a equipa multidisciplinar, por forma a atender às necessidades de cuidados. Foi também possível observar o reajuste dos objetivos terapêuticos, de acordo com a evolução clínica do doente. Na fase da readaptação funcional e preparação para a alta, os recursos da comunidade e a família alargada completaram o grupo de intervenientes neste processo.

 

Avaliação / Intervenção enfermagem

 

Dia 0 –10

 

Recuperação neurológica: Com indicação de cirurgia urgente, realizou no próprio dia por neurocirurgia, laminectomia parcial de D2 e completa de D3 e D4, com exérese subtotal da lesão. O pós-operatório foi realizado no Serviço de Neurocirurgia, na unidade de cuidados intermédios deste internamento. A eficácia da descompressão cirúrgica pôde ser observada pela recuperação neurológica ao primeiro dia pós-operatório, pois embora mantendo o nível de hipostesia, o doente apresenta ganhos de força muscular dos membros inferiores (L2 a L4 grau 4 e de L5 - S1 grau 5, bilateralmente). Nesta abordagem inicial, foi desenhado um plano pela enfermagem de reabilitação, com o objetivo de prevenir complicações e de potenciar o status funcional. A presença da ferida cirúrgica foi um fator importante a considerar no planeamento de cuidados, pois uma suspeita de fístula de líquor ou a presença de hemorragia podem ser condições para manter um maior período de repouso no leito. Sem complicações a este nível e reconhecendo as vantagens da mobilidade precoce, o levante aconteceu no primeiro dia pós-operatório, após terem sido asseguradas as questões da estabilidade espinhal e da dispensa de ortótese com o neurocirurgião. O risco tromboembólico foi minimizado pela utilização de meias pneumáticas, que foram mantidas durante a permanência do doente na cama. A associação de métodos mecânicos e farmacológicos foi realizada ao segundo dia, ultrapassadas as preocupações do risco hemorrágico.

Foi dada especial atenção ao controlo da dor, ligeiramente agravada com o movimento, através de uma abordagem combinada de analgesia e técnicas não farmacológicas, como a neuroestimulação elétrica transcutânea. Limitações na expansão torácica, ventilação superficial e tosse pouco eficaz – na ordem dos 200 L/min avaliados por Peak Flow – foram condições mandatórias para iniciar o programa de reabilitação respiratória. A algaliação contínua indicada para o intraoperatório e pós-operatório imediato, foi suspensa e vigiaram-se sinais de retenção urinária.

O comportamento da bexiga foi sendo compreendido através de carta miccional e de uma ingestão regular de líquidos. Um programa de algaliação intermitente foi estabelecido, nos momentos iniciais de forma assistida pelos enfermeiros. Progressivamente, de acordo com a aquisição de competências adquiridas por instrução e treino, o doente ficou autónomo na sua realização. Relativamente à eliminação intestinal a obstipação era já uma das queixas apresentada à chegada ao Serviço de Urgência. Após verificar sinais de impactação e iniciar treino intestinal, a possibilidade de ida à casa de banho facilitou o trânsito intestinal.

O autocuidado uso do sanitário, higiene e vestuário requeriam assistência, sobretudo no que refere aos cuidados com a parte inferior do corpo. As alterações sensoriais, as limitações na mobilidade, os períodos prolongados em sedestação foram responsáveis pelo alto risco de úlcera de pressão, obtido pela escada de Braden.

A capacitação para os posicionamentos e para as estratégias para alívio de pressão foram precocemente trabalhadas desde o rolar na cama, até aos push-ups no cadeirão. A observação pela nutricionista, possibilitou um plano alimentar ajustado às preferências do doente e uma suplementação proteica, tendo em vista colmatar o risco de compromisso da ingestão nutricional. Apesar da hipostesia abaixo da linha mamária, o doente apresentava bom controlo postural do tronco. As alterações de equilíbrio manifestavam-se mais em ortostatismo, sendo, nos primeiros dias, necessário recorrer ao standing frame para a verticalização.

A utilização de meias elásticas graduadas e de cinta abdominal, a par da vigilância tensional preveniram a hipotensão ortostática. O alto risco de queda foi determinado pela escala de Morse. As questões de segurança do ambiente e os ensinos para prevenção foram eficazmente realizados. Mobilização polisegmentar, exercícios terapêuticos e treino propriocetivo foram realizados pelo enfermeiro de reabilitação, ao longo deste período de recuperação. Após observação por fisiatria, o doente complementou o programa de reabilitação com fisioterapeuta, beneficiando-se de sessões bidiárias. Ao sexto dia o treino de marcha foi possível realizar, com suporte parcial do peso corporal e com recurso ao Walking sling.

Durante este período de internamento foram solicitados exames para complementar a avaliação do doente, nomeadamente cintigrafia óssea. Foi pedida colaboração de oncologia e de urologia. A evolução positiva fazia antever a possibilidade de regresso breve a casa, mas a continuidade de cuidados de reabilitação necessitava de ser assegurada. Foi solicitada orientação por fisiatria, que avaliou o doente no segundo dia pós-operatório. Apesar das restrições pandémicas, que condicionavam a vinda da família ao hospital, foi procurado o envolvimento da esposa, que demonstrou abertura para colaborar nos cuidados, desde que garantida a capacidade de marcha. Equacionaram-se diversas hipóteses de orientação, como um internamento de curta duração numa unidade de reabilitação. Foi também pedido apoio à Assistente Social.

 

Dia 11 –25

 

Agravamento Neurológico: Subitamente, ao 11º dia de internamento, surgiu um agravamento neurológico súbito – o doente acordou paraplégico, com anestesia abaixo do nível de D4 e com sensibilidade e contração anal ausentes. Apresenta dor dorsolombar que agrava à mobilização. Após observação por neurocirurgia foi realizado TAC que revela ao nível de D3 invasão por massa captante, que se estende aos buracos de conjugação e em D9 (…) invasão intracanalar por massa tumoral. A cintigrafia é sugestiva de metastização óssea múltipla. O resultado da histológico da peça dissecada cirurgicamente, revelou-se compatível com a lesão primária previamente conhecida. Em consenso das diferentes especialidades, assume-se decisão de não reoperar e iniciar radioterapia emergente. Foi pedida colaboração pela equipa de cuidados paliativos e redefinidos objetivos e planos de reabilitação.

Apesar do reforço de analgesia com opióides, a dor agravada com o movimento e com a sedestação obrigava a permanência do doente por maiores períodos na cama, condicionando o programa de reabilitação. As mudanças de decúbito eram dolorosas e a posição de conforto em lateral esquerdo, que era adotada com mais regularidade, trazia já o inconveniente do aparecimento de lesões por pressão no calcâneo e trocânter esquerdo. Com tosse pouco eficaz e secreções respiratórias, necessitou de realizar cough-assist. As sessões diárias de radioterapia, realizadas fora da instituição, interferiam com a disponibilidade e com a tolerância ao exercício ativo. A ausência por tempo indefinido para os tratamentos, tornava inviável e pouco seguro o programa de algaliação intermitente, pelo que nesta fase se optou por manter a algaliação contínua.

A dependência nos autocuidados aumentou, necessitando de assistência total. A tristeza e o desânimo eram sentimentos referidos diariamente pelo doente.

 

Dia 26 - 41

 

Readaptação Funcional: Terminado o tratamento de radioterapia, sem melhoras na condição motora, foi possível perceber um maior controlo da dor e aceitação da condição de saúde, por parte do doente. Tendo em vista retomar o programa de reabilitação ativo, foram ajustados os objetivos terapêuticos. A mobilidade no leito foi novamente trabalhada, para melhorar a capacidade no posicionar-se. O treino de equilíbrio pretendia o controlo postural em sedestação. Removeu-se cateter urinário, reviram-se as competências já apreendidas e foi retomado o treino de algaliação intermitente. Com apoio da fisiatria, foi prescrita cadeira de rodas, almofada antiúlcera e tábua de transferência. A transferência com tábua, permitiu que o doente colaborasse neste procedimento, necessitando apenas de uma pequena ajuda para o concretizar.

Os treinos para mover-se em cadeira de rodas foram bem aceites e vistos como uma forma de possibilitar o regresso a casa. Numa reunião com o doente, a esposa, o filho e restante equipa de saúde, foram debatidas as várias possibilidades de orientação pós-alta, sendo o regresso a casa a opção que trouxe consensos. Foram definidas estratégias para facilitar este processo, nomeadamente na adaptação da habitação, no apoio domiciliário e na continuidade de cuidados. Com a esposa, identificada como prestadora de cuidados, agendaram-se sessões para capacitação em áreas como a higiene, posicionamentos, transferências e prevenção de complicações.

 

Follow-up e outcomes

 

Na reabilitação, a utilização de escalas de medida validadas é essencial para aferir com eficiência e precisão os resultados clínicos dos programas implementados [9]. Neste estudo, a aplicação da escala de ASIA permitiu, através do exame sistemático de dermátomos e miótomos, uma avaliação detalhada e a definição do nível neurológico da lesão medular. A escala de Medical Research Council foi utilizada para medir a força muscular. A presença ou ausência de equilíbrio foi avaliada na posição sentada e ortostática, de forma estática e dinâmica. A dor, considerada o quinto sinal vital, foi quantificada através da Escala Numérica, o risco de úlcera de pressão foi monitorizado pela Escala de Braden e o risco de queda pela Escala de Morse.

      A ferramenta de rastreio do risco nutricional utilizada foi o Nutritional Risk Screening. O nível de dependência em domínios como a higiene, vestuário, uso do sanitário, posicionar-se, transferir-se e andar foi determinado com recurso a uma escala disponível no sistema de informação originalmente construída por Duque em 2009 [10]. A escala de Graffar adaptada foi utilizada para avaliar a condição social do doente e da família. As restantes atividades diagnósticas assentaram em opiniões clínicas centradas em diferenciais semânticos dicotómicos do tipo – Não comprometido / Comprometido ou Presente/ Ausente. A tabela I apresenta o resumo dos principais resultados obtidos.

 

Tabela ISíntese dos resultados obtidos

 

 

A alta para casa aconteceu ao 41º dia. A zona de residência do doente, não tinha cobertura por parte das Equipas de Cuidados Continuados Integrados, ficando sobre o Centro de Saúde responsável pelos cuidados de proximidade. De uma forma planeada, segura e eficaz o regresso a casa aconteceu, correspondendo às expectativas do doente e família.

 

Discussão

 

O processo de tratamento e reabilitação das pessoas com patologia medular tumoral é complexo, uma vez que deve ter em consideração os défices neurológicos e funcionais, a morbilidade da doença oncológica e a expectativa de vida individual [11]. A reabilitação é essencial, mas tem de acomodar os objetivos, as perceções, a tolerância do doente, as solicitações para os tratamentos e os fatores de prognóstico [1,11]. Apesar destas condições, se integrados nas opções de tratamento disponíveis, os cuidados de reabilitação contribuem para o aumento da sobrevida e melhoram o humor [11], permitem o alívio de sintomas, a prevenção de complicações, mais independência funcional e a melhoria da qualidade de vida [12,13].

Quando se perspectiva a importância de limitar ao máximo o período de hospitalização, a reabilitação também consegue dar uma contribuição importante, possibilitando a alta precoce e a redução do tempo de internamento [4]. A continuidade de cuidados deve ser realizada no local de preferência do doente [3], podendo ser equacionada nas várias intensidades em ambulatório ou em regime de internamento, em unidades de diferentes tipologias [1,3].

Chegar a casa e estar com a família é uma prioridade e constitui frequentemente um objetivo central no percurso de cuidado destes doentes [14]. A transição para os cuidados pós-hospitalares depende das necessidades e recursos da pessoa, do prognóstico da doença e dos objetivos estabelecidos com a equipa [1]. As questões financeiras são muitas vezes limitadoras [13]. A mobilidade reduzida e a dependência de cadeira de rodas têm sido descritas como causas raíz de muitos dos desafios da LMM. As características físicas da habitação, nomeadamente a acessibilidade a cadeira de rodas, o apoio disponível das famílias e os recursos comunitários tem sido descritos como fatores influenciadores para o regresso a casa [14]. Sair do hospital e voltar para casa foi também o grande objetivo expresso e alcançado pelo doente neste estudo, sendo esta possibilidade também a sua fonte de alento nos momentos de tristeza, durante a hospitalização. Manter a esperança, definir metas e objetivos realistas focados em ambições de curto prazo, como melhorar as habilidades e voltar para junto da família, têm sido estratégias de coping utilizadas por pessoas com LMM [14].

Mesmo em circunstâncias mais adversas, a essência humana tem-se destacado pela capacidade de se empenhar para o seu bem-estar futuro, para o bem viver [15]. Neste caso, preparar-se para regressar a casa foi para o doente também um desafio, uma prova de superação pessoal, que contou com o trabalho coordenado da equipa de saúde. Uma abordagem multidisciplinar permite agilizar todo o processo de diagnóstico, tratamento e planeamento de alta e atender às necessidades físicas, psicológicas e sociais da pessoa com LMM [1,2,3,4,5].

Neste estudo, ao longo de 41 dias de internamento, o programa de reabilitação foi sendo ajustado com objetivos focados no doente, procurando maximizar a função física, mas sempre integrado num contexto de qualidade de vida. Apesar da lesão medular traumática diferir quanto ao mecanismo de lesão e comorbilidades da LMM, princípios semelhantes de neuroreabilitação foram aplicados [13]. Numa etapa inicial, no período pós-operatório imediato, os cuidados de reabilitação procuraram a recuperação neurológica e a prevenção de complicações. A intervenção do enfermeiro é desenvolvida no sentido de diminuir os riscos associados à cirurgia, como complicações respiratórias, fenómenos tromboembólicos, fístula de líquor, infeção e/ou deiscência da ferida [11].

O levante, inserido num programa de mobilização precoce, é considerado essencial para a prevenção de eventos adversos [6]. Doentes acamados têm maior risco de desenvolver doenças tromboembólicas, infeções do trato urinário e respiratório e úlceras de pressão, pelo que estratégias devem ser consideradas para minimizar esses riscos [2]. Para além dos benefícios físicos do levante, não podem ser descurados os efeitos psicológicos positivos de poder estar diariamente sentado ou em pé [1]. Mobilizações passivas previnem rigidez articular e encurtamento muscular. Exercícios isométricos, ativos ou ativos assistidos podem ser realizados, mesmo antes da indicação de levante [16] associando técnicas específicas de facilitação neuromuscular propriocetiva [17]. O reforço muscular dos membros superiores é essencial, particularmente o tríceps braquial, para o treino de transferência com tábua, na paraplegia [16,17].

O esclarecimento da etiologia da dor é fundamental para a determinação da abordagem terapêutica [11,13]. O próprio exercício pode ser causa de dor [11]. Uma abordagem multimodal deve ser considerada através do uso de anti-inflamatórios esteroides e não esteroides, anticonvulsivantes, antidepressivos tricíclicos e opióides. Outras opções não farmacológicas como o uso de ortóteses, calor, frio, ultrassom e estimulação elétrica podem ser associadas [11,13]. O intestino e a bexiga neurogénica são condições que podem comprometer o conforto, a dignidade e a saúde [1] e terem impacto profundo sobre as pessoas com LMM [2]. Em termos vesicais, os programas devem ser estabelecidos individualmente com base nos achados do exame neurológico e do estudo urodinâmico [13]. Dependendo do nível da lesão, é possível encontrar nestes doentes retenção urinária ou incontinência [1,3,11]. A algaliação intermitente e treino de hábitos são estratégias a ser implementadas para a reeducação da bexiga [1]. No caso de existir contraindicação para o cateterismo intermitente, como a trombocitopenia grave, pode ser considerado utilizar a algaliação contínua. Em doentes com neoplasias com atingimento da vertebra, pode não ser possível recorrer à algaliação intermitente, devido à dor associada ao posicionamento [11].

Relativamente à eliminação intestinal é possível encontrar quadros de incontinência fecal ou obstipação [1,3,11,13]. Nestes doentes, a obstipação deve ser tratada como um fenómeno multifatorial, pois a imobilidade, os opióides, a má nutrição e a dor ao evacuar são fatores adversos que agravam a função intestinal [3,11]. Paraplegia, compromisso sensorial, disfunção esfincteriana e má nutrição contribuem também para o aumento do risco de úlcera de pressão [1,11,13]. A radioterapia pode adicionalmente causar aumento da fragilidade da pele [11]. É importante a capacitação para técnicas de alívio de pressão, higiene e ingestão nutricional [1,11,13].

      A intervenção de enfermagem de reabilitação na pessoa com LMM abrange áreas já identificadas para o tratamento da lesão medular em fase aguda, como a gestão de sinais e sintomas e os processos assistenciais, como o planeamento da alta, a gestão da capacitação do cuidador e promoção de ambiente seguro [18].Torna-se, contudo, necessário realizar constantes ajustes aos programas de reabilitação, considerando as complicações da doença oncológica e do seu tratamento, as necessidades de cuidados, a expectativa de vida e os objetivos do doente [1,11].

 

Perspetiva do doente

 

Cerca de um mês após a alta, realizou-se uma entrevista com o objetivo de procurar compreender como o doente vivenciou o processo assistencial durante o internamento hospitalar. Fez uma avaliação geral do tratamento e reabilitação: - “É estar aqui ainda e ter conseguido voltar para casa!” Afirma que a presença da família foi essencial e uma fonte de esperança nos momentos mais difíceis. Referiu que a reabilitação era importante e lhe preenchia os dias em que esteve internado: - “De manhã chegava a enfermeira punha-me logo a trabalhar (…) depois, à tarde vinha o terapeuta e mais reabilitação. Não havia tempo a perder!” Existiu uma valorização do doente pelo trabalho desenvolvido pela equipa multidisciplinar: - “A minha recuperação deveu-se a toda a equipa que me prestou os cuidados. Foi graças a ela que evoluí favoravelmente e pude voltar para casa!”

 

Conclusão

 

O percurso de cuidados de uma pessoa internada com LMM em fase aguda, explorado neste trabalho, sistematiza quatro diferentes fases, desde a admissão até à alta. Em cada momento foi desenvolvido um itinerário de cuidados diferenciados pelos enfermeiros de reabilitação. As necessidades de cuidados foram identificadas e constantemente ajustadas em função dos avanços e retrocessos da evolução clínica, obrigando a uma pronta resposta da equipa multidisciplinar.

      Ao longo do programa de reabilitação, foi possível percepcionar a interação e a consideração de diversas variáveis, tais como, o prognóstico clínico, a resposta aos tratamentos, os recursos da comunidade, as expectativas do doente e família e o seu potencial de capacitação, que foram orientando todas as decisões terapêuticas. Foram desenvolvidas intervenções que visaram atuar nas diferentes áreas de cuidados relacionadas com a promoção de um ambiente seguro, com gestão de sinais e sintomas e com o desenvolvimento de processos assistenciais, como o planeamento da alta e a capacitação do doente/cuidador.

O ensino individualizado associado ao treino dirigido ao doente e família forneceu uma base sólida para o regresso a casa, com evidência de ganhos em conhecimento e capacidade, sensíveis aos cuidados de enfermagem. Mais estudos serão necessários para aprofundar e sistematizar os percursos de cuidados das pessoas portadoras de LMM, para que se possam desenvolver programas de reabilitação mais efetivos, com qualidade e segurança, direcionados às características particulares dos doentes com esta situação clínica, potencializando as condições para bem viver.

 

Conflitos de interesse

Os autores relatam não haver conflito de interesses.

 

Fontes de financiamento

Os autores não receberam financiamente para a realização deste estudo.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Sousa SS, Martins MM; Coleta de dados: Sousa SS, Barbeiro SR, Taveira VT; Análise e interpretação dos dados: Sousa SS, Martins MM, Andrade MJ, Fernandes CS, Barbeiro SR, Taveira VT; Redação do manuscrito: Sousa SS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sousa SS, Martins MM, Andrade MJ, Fernandes CS

 

Referências

 

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