Enferm Bras 2022;21(6):690-92
EDITORIAL
O que será 2023 para a
Enfermagem brasileira: ver com otimismo ou continua a raiva misturada com
tristeza?
Zaida
Aurora Sperli Geraldes Soler
Obstetriz, Enfermeira, Livre Docente em Enfermagem, docente e
orientadora da graduação e Pós-Graduação e do Programa de Mestrado em
Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
(FAMERP)
zaidaaurora@gmail.com
Como será
2023 para a Enfermagem brasileira? O Brasil vive uma turbulência política,
ética, jurídica, que destrói a esperança e reaviva o medo, pela sensação de que
vencem apenas os amigos do “rei”, do dono da bola, dos que detêm o poder,
daquele(s) que decidem o que é permitido na “fala” ou comunicação em rede
social, reprimem, castigam e definem a (in)constitucionalidade, sem
possibilidade de controvérsias.
Falo
APENAS em meu nome, do alto de quase meio século de atuação profissional no
exercício e no ensino de Enfermagem, pelas ocorrências entre as décadas de 70
até os primeiros anos do século XXI, vivenciando situações que me fizeram
acreditar e ser militante de um modelo político que muito mais tarde percebi
ter ido ao revés daquilo que pregava. Ficaram a decepção, tristeza,
descontentamento, desilusão, desapontamento e frustração, que se magnificaram
durante a pandemia e no processo eleitoral de 2022.
No
contexto da Enfermagem brasileira existe forte dependência do trabalho
assalariado em instituições de saúde, seja no setor público ou privado,
tornando-se, assim, uma atividade com reduzida autonomia econômica. Também
sempre é relatado sofrimento no trabalho, relacionado às precárias e
desmotivadoras condições laborais, dificuldade de convívio da equipe e baixa
remuneração, o que ficou agravado com a pandemia da COVID-19.
Em março
de 2020 os países de todos os continentes foram surpreendidos pela pandemia
Sars CoV 2 – COVID-19, considerada como um dos piores
problemas mundiais de saúde pública dos últimos 100 anos. Todos sofreram e ainda sofrem, entre homens e
mulheres, de diferentes grupos etários e estrato socioeconômico, ainda mais,
talvez, entre os profissionais da área da saúde, com destaque para os
exercentes da enfermagem, que estão sempre na linha de frente do cuidado [1,2,3].
E mais
uma frustração...em 2020 a Enfermagem seria destacada no mundo, comemorando-se:
o bicentenário de Florence Nightingale,
reconhecida como precursora da
Enfermagem profissional; a finalização da campanha Nursing
Now, que mostrou a relevância da Enfermagem na agenda
global e também pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontar 2020 como Ano
Internacional da Enfermagem e Obstetrícia, reconhecendo o trabalho realizado
por enfermeiros e parteiros em todo o mundo como cruciais para atingir a meta
de cobertura universal da saúde em 2030 [2,3,4].
É, são
muitas as lutas da Enfermagem no mundo, sempre glorificada em situações de
crise, de conflitos, mas logo depreciada, desmerecida e até ultrajada, quando
passada a tormenta. No Brasil vou me ater à questão do piso salarial dos
exercentes da Enfermagem, objeto de luta da classe, com projeto de lei do
senador Fabiano Comparato, sendo a Lei no
14.434/2022, que instituiu o piso salarial da Enfermagem aprovada por
unanimidade no Senado ampla maioria na Câmara. No entanto, o ministro do STF
Luís Roberto Barroso suspendeu os efeitos da Lei que instituiu o piso salarial
da Enfermagem, por alegação de ação direta de inconstitucionalidade movida por
entidades patronais [5]. De novo se desrespeita uma força de trabalho de quase
três milhões de profissionais que, por meio de suas entidades de classe e apoio
de muitos segmentos da sociedade, buscou resolver o impasse causado pela
invalidação do piso. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 42/2022 revela o
direcionamento de recursos do superávit financeiro de fundos públicos e do
fundo social para financiar o piso nacional da Enfermagem no setor público, nas
entidades filantrópicas e nas instituições prestadoras de serviços que atendem
pelo menos 60% de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em vai e
vem sem fim, o ministro Barroso realizou despacho em 30/12/2022 de como será a
tramitação da lei federal que vai regulamentar a aplicação de recursos
previstos na Emenda Constitucional (EC) 127/2022, promulgada na semana anterior
pelo Congresso Nacional. Particularmente os Conselhos de Enfermagem seguem
articulando apoio com a Câmara e o Senado, mesmo na situação de mudança de
governo, de alteração de parlamentares, para a efetivação do piso salarial da
enfermagem.
Também a
Enfermagem merece a “justiça” recebida por outros profissionais da saúde e mais
recentemente pelos agentes comunitários de saúde, com a aprovação do piso
salarial de dois salários mínimos (é possível que chegue a ser maior que o piso
salarial de auxiliares de enfermagem). Urge que participemos de debates sobre
ética, lei e direito no ensino e no exercício da enfermagem, que pesquisemos as
ocorrências de litigância de má fé, que nos mostremos à sociedade, que
busquemos na pesquisa as evidências científicas de nossa importância social,
que os novos parlamentares realmente nos enxerguem, para assim alcançarmos um
pouco do reconhecimento profissional de quem protagoniza a atenção em saúde.
Basta de
apenas aplausos e louvores pontuais...