Enferm Bras. 2023;22(3):342-54

doi: 10.33233/eb.v22i3.5380

ARTIGO ORIGINAL

Análise das notificações de violência no Espírito Santo no período de 2011 a 2018

 

Gabrielli Lopes Pinto1, Márcia Regina de Oliveira Pedroso2, Edleusa Gomes Ferreira Cupertino3, Solange Drumond Lanna4, Franciéle Marabotti Costa Leite1

 

1Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil

2Universidade Federal do Oeste da Bahia, Barreiras, BA, Brasil

3Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil

4Secretaria Municipal de Saúde de Vitória, ES, Brasil

5Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil

 

Recebido em: 10 de janeiro de 2023; Aceito em: 8 de junho de 2023.

Correspondência: Franciéle Marabotti Costa Leite, francielemarabotti@gmail.com

 

Como citar

Pinto GL, Pedroso MRO, Cupertino EGF, Lanna SD, Leite FMC. Análise das notificações de violência no Espírito Santo no período de 2011 a 2018, Enferm Bras. 2023;22(3):342-54. doi: 10.33233/eb.v22i3.5380

 

Resumo

Objetivo: Descrever os casos notificados de violência no estado do Espírito Santo entre os anos de 2011 e 2018. Métodos: Estudo epidemiológico descritivo, desenvolvido com dados de notificações de violência contidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, os quais foram analisados por meio do programa Stata 14.1 e evidenciados através das frequências bruta e relativa e dos intervalos de confiança 95%. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética. Resultados: Foram notificados 36.392 casos de violência. A maioria das vítimas foram mulheres, de 20 a 59 anos, pretas/pardas, sem deficiências/transtornos e residentes na zona urbana/periurbana. O agressor é geralmente homem, de 25 anos ou mais, sem suspeita de uso de álcool. Grande parte dos casos ocorreu na residência, teve caráter de repetição e foi encaminhada para outros serviços. A violência do tipo física foi a mais notificada, seguida da autoprovocada. Conclusão: Os resultados contribuem na identificação dos casos notificados de violência, podendo colaborar no delineamento de estratégias de prevenção e enfrentamento a esse agravo, bem como com a consolidação das redes de proteção às vítimas.

Palavras-chave: violência; exposição à violência; notificação; sistemas de informação em saúde.

 

Abstract

Analysis of notifications of violence in Espírito Santo from 2011 to 2018

Objective: To describe the notified cases of violence in the state of Espírito Santo between 2011 and 2018. Methods: Epidemiological descriptive study, developed with data from notifications of violence contained in the Information System for Notifiable Diseases, which were analyzed through the Stata 14.1 program and evidenced through raw and relative frequencies and 95% confidence intervals. The project was approved by the Ethics Committee. Results: 36.392 cases of violence were reported. Most of the victims were women, between 20 and 59 years old, black/brown, without disabilities/disorders and living in urban/peri-urban areas. The aggressor is usually a male, aged 25 years or older, with no suspected alcohol use. Most of the cases occurred at home, were repeated and were referred to other services. Physical violence was the most reported, followed by self-inflicted violence. Conclusion: The results contribute to the identification of reported cases of violence, which can collaborate to the design of strategies for preventing and coping with this problem, as well as consolidating protection networks for victims.

Keywords: violence; exposure to violence; health information systems.

 

Resumen

Análisis de las notificaciones de violencia en Espírito Santo de 2011 a 2018

Objetivo: Describir los casos de violencia notificados en el estado de Espírito Santo entre 2011 y 2018. Métodos: Estudio epidemiológico descriptivo, desarrollado con datos de las notificaciones de violencia contenidas en el Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria, que fueron analizados por Stata 14.1 y evidenciado a través de frecuencias en bruto y relativas e intervalos de confianza del 95%. El proyecto fue aprobado por el Comité de Ética. Resultados: Se reportaron 36.392 casos de violencia. La mayoría de las víctimas eran mujeres, entre 20 y 59 años, negras/morenas, sin discapacidades/trastornos y residentes en zonas urbanas/periurbanas. El agresor suele ser un hombre de 25 años o más, sin sospecha de consumo de alcohol. La mayoría de los casos ocurrieron en el domicilio, se repitieron y fueron derivados a otros servicios. La violencia física fue la más denunciada, seguida de la violencia autoinfligida. Conclusión: Los resultados contribuyen a la identificación de casos de violencia denunciados, lo que puede colaborar al diseño de estrategias de prevención y enfrentamiento de esta problemática, así como a la consolidación de redes de protección a las víctimas.

Palabras-clave: violencia; exposición a la violencia; sistemas de información en salud.

 

 

Introdução

 

A violência pode ser definida como ações individuais ou coletivas que causam danos ao conjunto biopsicossocial e espiritual de si próprio ou de outros indivíduos, podendo vir a resultar em morte [1]. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse fenômeno constitui “o uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações [2].“

Nesse sentido, o conceito de violência perpassa a compreensão de que esta é apenas um problema de ordem social, sendo possível caracterizá-la como um óbice para a saúde [3].

À vista disso, em 25 de janeiro de 2011, foi instituída a Portaria MS/GM nº 104/2011, que determina a notificação compulsória da violência doméstica, sexual e de outros tipos pelos serviços de saúde [4]. Alguns anos após, a Portaria MS/GM nº 1.271, de 6 de junho de 2014, definiu a Lista Nacional de Notificação Compulsória, na qual foi inclusa a obrigatoriedade de notificação dos casos de tentativa de suicídio [5]. Em 2016, o Ministério da Saúde lançou a 2ª edição do “Instrutivo Viva”, um instrumento utilizado para guiar os profissionais de saúde no preenchimento correto e padronizado da Ficha de Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [6].

Neste cenário, a violência autoprovocada configura-se como aquela em que a vítima e o agressor são a mesma pessoa. Sob essa ótica, o indivíduo comete a violência a si mesmo, sendo enquadrados nessa tipologia os pensamentos e tentativas suicidas, as autoagressões e a concretização do suicídio. Já a violência interpessoal ocorre quando a vítima e o agressor são indivíduos diferentes, sendo dividida em dois componentes: violência doméstica/intrafamiliar e comunitária/extrafamiliar. A primeira corresponde à violência cometida por um ou mais indivíduos do seio familiar, mesmo que não haja parentesco genético, dentro ou fora do ambiente tido como lar. Já a violência comunitária é aquela que ocorre nos espaços de convívio social e é cometida por indivíduos conhecidos ou desconhecidos pela vítima [6].

Um estudo acerca da prevalência da violência interpessoal no Brasil revelou que 1.534.146 casos foram notificados no período de 2015 a 2019. O perfil traçado constatou que quase 78% das vítimas são do sexo feminino, o que denota um viés de vulnerabilidade associada ao gênero. Além disso, aproximadamente 8% das vítimas possuíam algum tipo de transtorno ou deficiência, sendo os transtornos mentais e a deficiência intelectual os mais predominantes [7].

Pesquisa recente evidencia que, entre os anos de 2009 e 2017, 255.290 notificações de violência autoprovocada foram realizadas no país, sendo a região Sul marcada pela maior prevalência. Quanto às vítimas, estas predominantemente eram mulheres, na faixa etária de 20 a 29 anos e de cor/raça branca. Em relação ao nível de escolaridade, 14,46% haviam cursado da 5ª a 8ª série do ensino fundamental de forma incompleta [8].

Importante destacar que o registro de notificação compulsória dos casos de violência permite construir um perfil epidemiológico das diversas características que constituem o fenômeno da violência no Brasil. Outrossim, também subsidia a elaboração e implementação de políticas públicas voltadas à prevenção e ao combate da violência. Logo, este artifício representa estratégia indispensável ao setor de saúde, devendo ser aplicado de maneira efetiva [9].

      Salienta-se que o ato de notificar casos de violência é obrigatório para os profissionais de saúde, sendo previsto em lei. De tal forma, essa classe laboral é parte imprescindível e relevante no que tange à prevenção e ao combate, uma vez que a execução correta da notificação permite esboçar o cenário da violência de modo aproximado da realidade [9]. Assim, é possível tornar o enfrentamento desse panorama mais concreto.

Em consideração a isso, destaca-se a relevância do estudo da violência no Espírito Santo, dando importância à apresentação desse fenômeno. Alves et al. [10] expõem a inserção do Espírito Santo, em 2017, entre os cinco estados com os maiores índices de feminicídio, ocupando o 4º lugar. Ainda, a capital Vitória alcunhava o título de cidade que mais mata mulheres no Brasil.   

Diante do exposto, torna-se indispensável estudar os dados relativos à violência no território capixaba, a fim de compreender suas nuances e planejar estratégias de prevenção e combate. O presente estudo tem por objetivo descrever os casos notificados de violência no estado do Espírito Santo entre os anos de 2011 e 2018.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo, realizado com dados referentes às notificações de violência registradas no estado do Espírito Santo entre os anos de 2011 e 2018. A base de dados utilizada foi derivada do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e disponibilizada pela Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA/ES). De acordo com o censo demográfico realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o estado do Espírito Santo possui 3.514.952 habitantes e densidade demográfica de 76,25 habitantes por quilômetro quadrado [11]. Segundo dados do Atlas da Violência 2021, o Espírito Santo, que era considerado um dos estados mais violentos, reduziu em 54,4% suas taxas de homicídio entre 2009 e 2019, chegando 26 homicídios por 100 mil habitantes em 2019. Porém, quando se faz o recorte para o público jovem (15 a 29 anos de idade), este estado foi o que teve a menor diminuição (7,7%) [12].

O período escolhido para a realização do estudo fundamenta-se na Portaria MS/GM nº 104/2011, a qual estabelece a notificação compulsória para casos de violência interpessoal e autoprovocada em grupos prioritários, a saber: crianças, adolescentes, mulheres, idosos, indígenas, pessoas com deficiência e a população LGBTQIA+ [4]. A partir disso, os casos de violência são monitorizados através da Ficha de Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada, a qual contém campos que viabilizam a caracterização do evento segundo os dados da vítima, do agressor e da ocorrência [6].

Em relação às variáveis em estudo, analisou-se quanto à vítima: sexo (masculino; feminino), faixa etária (0 a 9 anos; 10 a 19 anos; 20 a 59 anos; 60 anos ou mais), raça/cor (branca; preta/parda), deficiências/transtornos (sim; não) e zona de residência (rural; urbana/periurbana); quanto ao agressor: faixa etária do agressor (0 a 24 anos; 25 anos ou mais), sexo do agressor (masculino; feminino; ambos) e suspeita de uso de álcool (sim; não); quanto à ocorrência: local de ocorrência (residência; via pública; outros), violência de repetição (sim; não), encaminhamento (sim; não) e tipo de violência (sexual; física; negligência; psicológica; autoprovocada; outros tipos) [6].

Os dados obtidos foram processados no programa estatístico Stata versão 14.1 e analisados mediante estatística descritiva utilizando as frequências bruta e relativa e os intervalos de confiança no nível 95% (IC 95%).

Este estudo faz parte do projeto intitulado “Violência nos diferentes ciclos de vida no estado do Espírito Santo: uma análise epidemiológica”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo sob o parecer de número 2.819.597. Reitera-se que a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foi respeitada na íntegra.

 

Resultados

 

No decorrer do período de 2011 a 2018, foram notificados 36.392 casos de violência no estado do Espírito Santo. A Tabela I apresenta a caracterização geral das notificações de violência a partir de dados referentes à vítima, ao agressor e à ocorrência. Observa-se que a maioria das vítimas são mulheres (P: 75,1%; IC 95%: 74,6-75,5), na faixa etária entre 20 e 59 anos (P: 61,9%; IC 95%: 61,4-62,4) e autodeclaradas pretas ou pardas (P: 69,1%; IC 95%: 68,6-69,6). Ademais, nota-se que 85% (IC 95%: 84,6-85,4) não apresentam deficiências ou transtornos e 90,4% residem na zona urbana ou periurbana (IC 95%: 90,1-90,7).

Quanto às características do agressor, houve predomínio de indivíduos do sexo masculino (P: 64,8%; IC 95%: 64,3-65,3) com 25 anos ou mais (P: 63,4%; IC 95%: 62,8-64,0) que não estavam sob suspeita de uso de álcool (P: 61,2%; IC 95%: 60,6-61,8). No que diz respeito à agressão, grande parte ocorreu na residência (P: 72,3%; IC 95%: 71,8-72,8), teve caráter de repetição (P: 54,2%; IC 95%: 53,6-54,8) e recebeu encaminhamento para outros setores (P: 83,7%; IC 95%: 83,3-84,1). A maioria dos casos correspondeu à violência do tipo física (P: 55%; IC 95%: 54,6-55,6), seguida da violência autoprovocada (P: 20,2%; IC 95% 19,8-20,6).

 

Tabela ICaracterização das notificações de violência, segundo dados da vítima, do agressor e da ocorrência, Espírito Santo, 2011-2018

 

Fonte: Autoras

 

Discussão

 

A pesquisa mostrou que, no estado do Espírito Santo, 75,1% das notificações de violência são contra pessoas do sexo feminino. Esse dado se assemelha à prevalência encontrada em estudo realizado no Rio Grande do Sul entre os anos de 2009 e 2017. Neste, das 125.490 notificações registradas, em aproximadamente 68% as vítimas eram mulheres [13]. Outro trabalho realizado em uma Regional de Saúde do Paraná no período de 2013 a 2016 demonstra a alta porcentagem de acometimento do sexo feminino pela violência, o qual representa 71% dos casos notificados [14]. Portela e Fagundes [15] atribuem esse alto índice à cultura patriarcal e machista que predomina no Brasil e leva à dependência e inferiorização da mulher, criando um contexto de vulnerabilidade feminina influenciada pela dominância masculina.

Em relação à faixa etária, indivíduos adultos com idade entre 20 e 59 anos foram os mais atingidos. O mesmo sobre a caracterização das notificações em uma Regional de Saúde do Paraná apresentou uma porcentagem de 42% de adultos acometidos pela violência, de um total de 766 casos fichados no período de 2013 a 2016. Vale ressaltar que o fato dessa característica se mostrar predominante pode ter relação com a maior autonomia presente na idade adulta, o que facilita a realização da notificação ao serviço de saúde comparada à dificuldade em denunciar que ocorre em populações mais dependentes, como crianças e idosos [14].

Quanto à raça/cor, o presente estudo mostra que em grande parte das notificações a vítima se autodeclarou como preta ou parda. Dado alarmante do Atlas da Violência de 2020 revela que aproximadamente 76% de pessoas negras foram mortas de modo violento em 2018 no Brasil. Além disso, mostra que a vulnerabilidade da população preta/parda está ligada à discriminação histórica derivada das raízes escravocratas brasileiras e à marginalização social e maior exposição à violência vivenciadas por esses indivíduos [16].  

No local e período estudado, a maioria das vítimas não possuía qualquer tipo de deficiência ou transtorno. De forma paralela, Mello et al. [17] descreveram que, no período de 2011 a 2017, das 1.429.931 notificações de violência interpessoal ou autoprovocada registradas no Brasil, 8,1% tinham como vítima a pessoa com deficiência (PcD). A pequena porcentagem pode se dar devido aos empecilhos comunicacionais e à presença do cuidador/familiar como principal agressor, influenciando uma possível subnotificação. 

Os dados revelam que a maior parte das vítimas reside na zona urbana ou periurbana. Consoante a isso, Leite et al. [18] evidenciaram números semelhantes sobre a residência da vítima em uma pesquisa acerca da negligência contra a mulher no Espírito Santo entre 2011 e 2018 (P: 94,7%). Ainda, levantam a hipótese de que essa predominância pode se dar em razão do acesso diminuído da população rural às instituições de saúde notificadoras. 

Em 64,8% dos casos notificados, o agressor é do sexo masculino. Um estudo acerca da violência sexual contra indivíduos na idade adulta revelou que a maioria (98,6%) dos agressores eram homens [19]. Valério, Castro e Florêncio [20] abordam a pressão exercida desde a infância para que o homem não se apresente como um ser frágil para a sociedade; dessa forma, é cultural que o indivíduo masculino busque afirmar sua força e dominância através da violência contra grupos sociais considerados inferiores.

Além disso, os dados mostram que predominantemente os agressores possuem 25 anos ou mais. Pesquisa feita em São Luís/MA destaca que, exceto pelo ano de 2010, de 2009 a 2019 as mulheres vítimas de violência nessa região declararam que seu algoz possuía faixa etária entre 26 e 34 anos [21]. Outro estudo semelhante produzido em Marabá/PA evidencia a prevalência de 23,16% de agressores com idade que varia de 30 a 39 anos [22].

No presente estudo, 61,2% das notificações não registraram suspeita de uso de álcool pelo agressor. Pesquisa acerca da violência de repetição contra crianças no Espírito Santo também registrou porcentagem semelhante (69,9%) referente a esse fator [23]. Contudo, cabe salientar que tal característica pode estar sendo subnotificada, visto que o campo a qual pertence muitas vezes é ignorado e deixa de ser preenchido [24].

O principal local de ocorrência da violência foi a residência da vítima (P: 72,3%; IC 95%: 71,8-72,8). Estudo acerca da violência sexual contra a população adulta no estado do Espírito Santo evidencia uma prevalência de 54,1% no que tange à representação do lar como cenário de violência [18]. Alguns autores discutem sobre as possíveis justificativas para esse fenômeno, dentre as quais pode-se elencar a privacidade, o vínculo com o agressor e o maior tempo de convivência com este [25,26].

No que diz respeito ao caráter de repetição, observou-se uma prevalência de 54,2%. Um estudo produzido no Espírito Santo buscou analisar tal característica nas notificações de violência contra a população idosa do estado, a qual equivaleu a 50,1% dos casos registrados [27]. Outra pesquisa realizada na mesma Unidade Federativa mostra que, entre 2011 e 2018, 32,5% dos 3.127 casos notificados de violência infantil possuíam natureza de recorrência [22]. Ambos os artigos trazem justificativas semelhantes para a ocorrência do fenômeno de repetição, dentre as quais podem ser citadas: dependência interpessoal devido à presença de deficiências/transtornos; redução da autonomia e a convivência com seus agressores dentro do próprio lar.

A maioria das ocorrências recebeu encaminhamento para outros setores. Oliveira et al. [28] discutem sobre a importância da realização da notificação de violência pelos profissionais de saúde para o incremento dos aparatos de assistência e proteção. Para mais, utilizam como embasamento o Código de Ética da Enfermagem, o qual prevê o dever do profissional de realizar o encaminhamento da vítima aos serviços de defesa e proteção.  

A violência física foi a mais notificada. Pesquisa com dados do Sinan de Minas Gerais no ano de 2018 revela que 26.501 casos de VF foram notificados, e em aproximadamente 76% a vítima era mulher [29]. Fiorini e Boeckel [30] atentam para o entendimento social e cultural equivocado de que a violência é uma ação que gera marcas físicas e visíveis. Logo, esta compreensão pode ser uma das justificativas para o alto índice de notificação de VF em comparação aos outros tipos de violência.

Como limitações do presente estudo, pode-se destacar o fato de que as informações contidas no Sinan não representam a totalidade dos casos, visto que se refere às notificações em que houve suspeita e/ou confirmações de violência por parte dos profissionais de saúde. Observa-se, também, a limitação dos dados serem provenientes de fonte secundária, o que limita a sua completude. Portanto, compreende-se a importância de melhorias no setor de Vigilância em Saúde e a necessidade de capacitação periódica dos profissionais, a fim de garantir o correto preenchimento da ficha e viabilizar dados de forma mais fidedigna, bem como, pondera-se a importância de estudos futuros que abordem a temática de completude e qualidade da ficha de Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada.  

 

Conclusão

 

Sobre os casos notificados de violência no Espírito Santo no período de 2011 a 2018, o presente estudo evidenciou que na maioria das notificações as vítimas eram do sexo feminino, com idade entre 20 e 59 anos, raça/cor autodeclarada preta ou parda, sem deficiências/transtornos e residentes na zona urbana/periurbana. Dentre as notificações o agressor em geral era homem, com 25 anos ou mais, e, sem suspeita de uso de álcool no momento da agressão. As agressões eram recorrentes e ocorreram principalmente na residência da vítima. Grande parte dos casos notificados foram encaminhados a outros serviços da rede de proteção. Quanto ao tipo de violência mais notificada, a física predominou, seguida da autoprovocada.

Os resultados aqui apresentados contribuem na identificação dos casos notificados violência, podendo ainda colaborar no delineamento de estratégias de prevenção e enfrentamento a esse agravo, bem como, com a consolidação das redes de proteção às vítimas.

 

Conflitos de Interesse

Não houve conflitos de interesse.

 

Fonte de financiamento

Não houve.

 

Contribuições dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Pinto GL, Pedroso MRO, Cupertino EGF, Lanna SD, Leite FMC; Coleta de dados: Pinto GL, Pedroso MRO, Cupertino EGF, Lanna SD, Leite FMC; Análise e interpretação dos dados: Pinto GL, Pedroso MRO, Cupertino EGF, Lanna SD, Leite FMC; Análise estatística: Pinto GL, Pedroso MRO, Cupertino EGF, Lanna SD, Leite FMC; Redação do manuscrito: Pinto GL, Pedroso MRO, Cupertino EGF, Lanna SD, Leite FMC; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Pinto GL, Pedroso MRO, Cupertino EGF, Lanna SD, Leite FMC.

 

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