Enferm
Bras. 2023;22(1):1-5
EDITORIAL
Enfermagem de
reabilitação: Uma questão de demanda da sociedade e lacuna no âmbito da saúde
coletiva e enfermagem internacional
Prof. Dr. Wiliam César Alves
Machado
Professor Benemérito da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO
Como citar
Machado WCA. Enfermagem
de reabilitação: Uma questão de demanda da sociedade e lacuna no âmbito da
saúde coletiva e enfermagem internacional. Enferm
Bras. 2023;22(1):1-5 doi: 10.33233/eb.v22i1.5412
A
Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2017, elaborou compromissos conjuntos,
com o objetivo de atender à necessidade de ações globais que fortaleçam a
reabilitação nos sistemas de saúde, pois, de acordo com dados da Organização
das Nações Unidas (ONU), 80% das pessoas com alguma deficiência moram nos
países em desenvolvimento ou emergentes, como o Brasil [1]. Estimativas da OMS
sugerem que 1,3 bilhão de pessoas – ou 16% da população global – sofram de uma
deficiência significativa hoje. Esse número está crescendo devido ao aumento
das doenças não transmissíveis e à ascendente longevidade das pessoas. Pessoas
com deficiência (PcD) são um grupo diversificado e
fatores como sexo, idade, identidade de gênero, orientação sexual, religião,
raça, etnia e sua situação econômica afetam suas experiências na vida e suas
necessidades de saúde. As PcD morrem mais cedo, têm
uma saúde pior e experimentam mais limitações no desempenho funcional,
sensorial e mental das atividades cotidianas e inclusão social do que outras
[2].
Cuidar de
qualquer PcD requer domínio de conhecimentos
específicos apenas conferido aos profissionais de saúde preparados do ponto de
vista formal, pela complexidade que envolve o universo de necessidades da
deficiência congênita ou adquirida, jamais compreendidas como doenças, mas, tão
somente, uma das inúmeras variáveis próprias da condição humana que nos
distingue entre as demais pessoas sem deficiência [3,4,5]. No caso da deficiência
adquirida, domínio de entendimentos sobre como cuidar e interagir nas fases de
negação, repercussão, ajustamento e reconstrução da sua nova performance, com
foco na sua progressiva reabilitação, superação, adaptação e inclusão social
[6]. Conhecimentos que são fortalecidos nos processos de interação com as próprias
PcD e seus cuidadores/familiares, os quais
desenvolveram, no dia a dia, estratégias práticas e adaptativas para minimizar
complexidades específicas do ambiente em que vivem.
Nesse
contexto, a Enfermagem de Reabilitação se destaca como uma especialidade
existente em poucos países do mundo, a exemplo do Brasil, e compreende cuidados
específicos e uma intencionalidade determinada, motivo pelo qual se torna
pertinente avançar na sua construção e consolidação mundial. As Escolas
Superiores de Enfermagem portuguesas, por exemplo, oferecem formação específica
para seus estudantes, através da realização de um curso de pós-licenciatura de
especialização ou mestrado, no qual desenvolvem conhecimentos e competências
para cuidar de pessoas que apresentam necessidades especiais, ao longo do ciclo
vital, abrangendo todos os contextos da prática profissional. Enfoques são
voltados para a maximização dos seus potenciais de funcionalidade para
desempenho das atividades cotidianas, reinserção social, exercício da cidadania
[7].
Em
Portugal, sob tutela da Ordem dos Enfermeiros, em 2011, foram regulamentados os
padrões de qualidade dos cuidados especializados em enfermagem de reabilitação,
oficializando a enfermagem de reabilitação que nascera na década de 1960, com a
enfermeira Sales Luís que assumiu a responsabilidade da formação dos novos
enfermeiros de reabilitação. Em 1965, surgiu o primeiro curso de enfermagem de
reabilitação. Em 2014, a Ordem dos Enfermeiros elaborou instrumento normativo
para áreas prioritárias para especialidade de enfermagem de reabilitação. Desde
então, a enfermagem de reabilitação tem crescido e consolidado o seu campo de
ação nos cuidados de saúde [8]. Consolidando o destaque e a liderança de
Portugal entre países de língua portuguesa, quiçá em projeção internacional,
quando se abordam conteúdos de ensino, pesquisa e prática profissional da
Enfermagem de Reabilitação.
Em outros
países, como Estados Unidos [9], França [10], China [11], Austrália [12], entre
outros, já se discutem práticas avançadas de Enfermagem de Reabilitação que
conferem aos enfermeiros especialistas na área, liderança nas equipes
multiprofissionais em que atuam. Intervenções relacionadas ao desempenho das
atividades cotidianas, manejo da bexiga e intestino neurogênico, treinamento e
avaliação de transferências da cadeira de rodas, medidas preventivas e manejo
de úlceras de pressão, no curto, médio e longo prazos. No Brasil, não há mais
razões para postergar a premência de se construir pilares para que a Enfermagem
de Reabilitação se torne conteúdo obrigatório mínimo nos currículos de
graduação em Enfermagem e nos cursos de formação de técnicos de Enfermagem,
tanto quanto que se estabeleçam padrões basilares para compor grade curricular
dos Cursos de Especialização em Enfermagem de Reabilitação. É crucial que nossa
formação profissional se adeque aos índices oficiais de acidentes de trânsito,
violência doméstica e urbana, guerras e conflitos sociais, quedas,
envelhecimento populacional, em constante tendência de elevação, considerando
os imensos desafios e barreiras para a implementação do Plano de Ação Global
para Deficiência da Organização Mundial da Saúde em países de baixa e média
renda [13].
Iniciativas
não faltam para a criação da especialidade no Brasil, nascidas através de
documentos de recomendações finais dos principais eventos da área. Os Anais do
IV Seminário Internacional de Atualidades em Enfermagem de Reabilitação –
SIAER, realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2019, registram
solicitações conjuntas da temática envolvendo a Associação Brasileira de
Enfermagem (ABEn) Nacional e o Conselho Federal de
enfermagem (COFEN). Da mesma forma, encontram-se em andamento alguns estudos
acadêmicos para análise e diagnóstico das práticas e intervenções junto aos
indivíduos com deficiência, realizadas pelos enfermeiros das diversas regiões
do país, cujos resultados serão imprescindíveis para melhor consubstanciar seus
demais desdobramentos protocolares. Também em plenos andamentos protocolares na
Diretoria de Educação da ABEn
Nacional, sugestão de
lideranças docentes de Graduação e
Pós-Graduação em Enfermagem para a
criação
de Departamento Científico de Enfermagem de
Reabilitação, fórum de discussões
sobre a temática, demandas da especialidade e consequentes
desdobramentos para
o ensino e práticas profissionais de Enfermagem.
De outro
modo, o Departamento de Gestão do Exercício Profissional (DGEP), do COFEN,
deverá receber solicitação fundamentada para análise e pertinência da especialidade
em Enfermagem de Reabilitação, encaminhando para que a Câmara Técnica de Ensino
e Pesquisa (CTEP) emita parecer sobre a proposta, ponderando sua relevância em
atender as demandas da sociedade e para a consolidação da especialidade no
mercado de trabalho. Com base na Resolução COFEN nº 518/2018, § 1º Área I:
caberia incluir nova especialidade, (f) Enfermagem de Reabilitação,
perfeitamente condizente com as demais da área de atuação e conhecimento dos
enfermeiros, cujo título de especialista será conferido ao requerente através
de imprescindível apresentação de certificado emitido por Instituições de
ensino superior de Enfermagem brasileira, reconhecida e credenciada para oferta
de curso de especialização na área específica [14].
O
reconhecimento da especialidade em Enfermagem de Reabilitação virá para suprir
lacuna assistencial e ocupar espaços de atuação profissional da Enfermagem
criados pela Portaria nº 743, de 24 de abril de 2012, que institui a Rede de
Cuidados da Pessoa com Deficiência no Sistema Único de Saúde [15].
Oportunidades no mercado de trabalho para enfermeiro responsável técnico,
enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem em quantitativo
suficiente para o atendimento dos usuários da urgência e emergência hospitalar,
dos Centros e serviços especializados em reabilitação e demais pontos de
atenção da Rede. Espaços profissionais que vem sendo ocupados por enfermeiros e
equipes sem formação específica e, consequentemente, sem corresponder
expectativas dos seus usuários, cuidadores, famílias e comunidade.