Enferm Bras. 2023;22(4):409-22

doi: 10.33233/eb.v22i4.5420

ARTIGO ORIGINAL

Conceito e práticas de saúde para o envelhecimento ativo na atenção primária à saúde

 

Célia Maria Gomes Labegalini, Iara Sescon Nogueira, Eloise Panagio Silva, Poliana Ávila Silva, Lígia Carreira, Vanessa Denardi Antoniassi Baldissera

 

Universidade Estadual de Maringá,

 

Recebido em: 17 de março de 2023; Aceito em: 18 de agosto de 2023.

Correspondência: Célia Maria Gomes Labegalini, celia.labegalini@unespar.edu.br

 

Como citar

Labegalini CMG, Nogueira IS, Silva EP, Silva PA, Carreira L, Baldissera VDA. Conceito e práticas de saúde para o envelhecimento ativo na atenção primária à saúde. Enferm Bras. 2023;22(4):409-22. doi:  10.33233/eb.v22i4.5420

 

Resumo

Objetivo: Desvelar o conceito e as práticas de saúde dos profissionais da Atenção Primária à Saúde no âmbito do envelhecimento ativo. Métodos: Pesquisa qualitativa e exploratória, desenvolvida com 14 profissionais que compõe a equipe de Atenção Primária à Saúde de uma unidade básica de saúde no município de Maringá/PR. Os dados foram coletados por meio de entrevista individual, gravados e transcritos na integra, organizados utilizando o software IRaMuTeQ®, gerando a apresentação gráfica de nuvem de palavras submetida a análise interpretativa. Seguiu-se a Resolução 466/2012. Resultados: As percepções dos profissionais quanto ao envelhecimento estão atreladas as palavras: ‘‘Gente’’, ‘‘Idoso’’ e ‘‘Envelhecer’’, e o cuidado, realizado pela equipe de saúde na APS, relaciona-se às palavras: ‘‘Gente’’, ‘‘Idoso’’, ‘‘Grupo’’. Conclusão: O envelhecimento é percebido como processo biológico e inerente a vida, realizado pela equipe multiprofissional, principalmente na forma de grupos.

Palavras-chave: atenção primária à saúde; envelhecimento; serviços de saúde para idosos; saúde do idoso; idoso.

 

Abstract

Concept and health practices for active aging in primary health care

Objective: To unveil the concept and health practices of Primary Health Care professionals in the context of active aging. Methods: Qualitative and exploratory research, developed with 14 professionals who make up the Primary Health Care team of a basic health unit in the city of Maringá/PR. The data were collected through individual interviews, recorded and transcribed in full, organized using the IRaMuTeQ® software, generating the graphical presentation of cloud of words submitted to interpretative analysis. This was followed by Resolution 466/2012. Results: The perceptions of professionals regarding aging are linked to the words: “People”, “Elderly” and “Aging”, and the care performed by the health team in PHC, relates to the words: “People”, “Elderly”, “Group”. Conclusion: Aging is perceived as a biological process and inherent in life, performed by the multidisciplinary team, especially in the form of groups.

Keywords: primary health care; aging; health services for the aged; health of the elderly; aged.

 

Resumen

Concepto y prácticas de salud para el envejecimiento activo en la atención primaria de salud

Objetivo: Desvelar el concepto y las prácticas de salud de los profesionales de la Atención Primaria de la Salud en el ámbito del envejecimiento activo. Métodos: Investigación cualitativa y exploratoria, desarrollada con 14 profesionales que componen el equipo de Atención Primaria de Salud de una unidad básica de salud en el municipio de Maringá/PR. Los datos fueron recogidos por medio de entrevista individual, grabados y transcritos en la integra, organizados utilizando el software IRaMuTeQ®, generando la presentación gráfica de nube de palabras sometida a análisis interpretativo. A esto siguió la Resolución 466/2012. Resultados: Las percepciones de los profesionales en cuanto al envejecimiento están ligadas a las palabras: “Gente”, “Anciano”, y ”Envejecer”, y el cuidado realizado por el equipo de salud en la APS, se relaciona las palabras: “Gente”, “Anciano”, “Grupo”. Conclusión: El envejecimiento es percibido como proceso biológico e inherente a la vida, realizado por el equipo multiprofesional, principalmente en la forma de grupos.

Palabras-clave: atención primaria de salud; envejecimiento; servicios de salud para ancianos; salud del anciano; anciano.

 

Introdução

 

O envelhecimento populacional é um fenômeno progressivo que atinge países desenvolvidos e em desenvolvimento. Estima-se que durante os anos de 1950 a 2025 essa faixa etária poderá aumentar em até quinze vezes. O Brasil também vivencia tal realidade demográfica e sua população idosa tem cerca de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, ocupando a sexta posição quanto ao contingente de idosos [1,2].

O aumento do número de idosos acarreta também mudanças no perfil de morbimortalidade, quando não manejado corretamente, amplia a incidência das doenças crônico-degenerativas com repercussões nas demandas para os serviços de saúde pública [3]. Tal realidade implica em afirmar que a atuação profissional durante o processo de envelhecimento trata-se de uma tarefa complexa para os profissionais de saúde, pois abrange os fatores biopsicossociais que ocorrem de formas e intensidades diferentes em cada indivíduo. Isso pode interferir na adaptação dos mesmos para o envelhecer saudável e ativo, tornando-os mais vulneráveis aos agravos e doenças, prejudicando sua saúde e qualidade de vida [1,3].

Assim, o público idoso necessita de serviços de saúde e profissionais qualificados para atuar junto a eles e às suas especificidades, com foco nas ações de envelhecimento ativo [3]. Nesse contexto, destaca-se a Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil como porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS), com papel importante no atendimento da população idosa, alinhada à estratégia prioritária de atenção à saúde, a Estratégia Saúde da Família (ESF) e às políticas de atenção à saúde do idoso [3].

Cumpre destacar que a ESF com seu modelo multiprofissional se delineia por atividades e ações de recuperação, prevenção, reabilitação de doenças/agravos e promoção da saúde, com foco na integralidade da atenção [4,5]. Para maior alcance de saúde, conta com o apoio da equipe de Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF) formado por profissionais de diferentes áreas do conhecimento que atuam por meio de apoio, matriciamento, organização e atuação nas práticas em saúde com vistas à garantia de um cuidado integral e humanizado [5,6].

É importante clarificar, entretanto, que a ordenadora na atenção ao idoso recai em políticas próprias, as quais fortalecem a assistência à saúde para a população idosa com qualidade, manutenção dos direitos sociais, autonomia, integração e participação efetiva na sociedade, servindo como diretrizes para as ações promovidas na APS [4,5].

Isto posto, considera-se a urgência dos profissionais da APS estarem preparados para atender as necessidades dos idosos de forma oportuna, atuando com enfoque preventivo e sobretudo na promoção da saúde. Sabe-se que as ações de saúde impactam no bem-estar do idoso quando focadas na funcionalidade e na manutenção da autonomia, promoção da independência e na integração entre saúde física e mental, independência financeira, capacidade funcional e suporte social [1,2,5].

Entretanto, afirma-se que os profissionais de saúde carecem de conhecimento vasto, técnico e científico na saúde do idoso e, dessa forma, a mesma carência existe em relação à execução das práticas de saúde voltadas para o envelhecimento ativo [2,3,4], já que o cuidado dedicado aos idosos na APS ainda é voltado para as condições crônicas em detrimento da integralidade da atenção à saúde [3].

Nesse sentido, torna-se necessário e importante conhecer o conceito de envelhecimento na perspectiva dos profissionais e desvelar quais são as práticas de saúde desenvolvidas por eles no âmbito do envelhecimento ativo na APS. Para isso, o presente estudo se desenvolveu a partir da seguinte questão de pesquisa: Como o conceito de envelhecimento é percebido pelos profissionais de saúde da APS e quais são as práticas de saúde realizadas por eles nesse contexto? Assim, objetivou-se desvelar o conceito e as práticas de saúde dos profissionais da APS no âmbito do envelhecimento ativo.

 

Métodos

 

Tratou-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa do tipo exploratório-descritiva cujo público-alvo do estudo foram os 14 profissionais de saúde vinculados a uma Unidade Básica de Saúde (UBS) localizada no município de Maringá/PR. Os critérios de inclusão para participação na pesquisa foram: estar vinculado efetivamente nas equipes de saúde durante a coleta de dados deste estudo.

Os dados foram coletados durante o mês de setembro e outubro de 2017 a partir da realização de entrevista individual semiestruturada, composta por questões referentes à caracterização dos participantes e questões norteadoras sobre o tema da pesquisa: O que é envelhecimento ativo para você? O que é feito na UBS para manter o idoso ativo? Quais são os profissionais envolvidos?

Todos os profissionais de saúde aceitaram participar da pesquisa e assim foram realizadas 14 entrevistas individuais, dessas 11 foram gravadas em áudio utilizando como equipamento um telefone celular (duração média de 12 minutos) e três foram manuscritas por solicitação dos participantes. As entrevistas ocorreram em data e local agendado com os profissionais. Os áudios e os textos foram transcritos na íntegra pelas pesquisadoras em um documento do programa computacional Microsoft Word® e organizados para compor o corpus da pesquisa. Destaca-se que esse foi organizado em um único arquivo, a partir das percepções dos profissionais em relação ao conceito de envelhecimento ativo e das práticas de saúde desenvolvidas por eles para a população idosa nesse contexto na APS.

Assim, o processamento dos dados ocorreu a partir da análise do corpus com o apoio do software “Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires - IRaMuTeQ®”, versão 0.7 alpha 2. Esse realiza cálculos e instrumentaliza a pesquisa qualitativa para a interpretação dos dados por meio da análise lexical [7]. O mecanismo de análise utilizado foi a Nuvem de Palavras, representação gráfica gerada pelo software e que apresenta a frequência em que as palavras apareceram no corpus de acordo com o tamanho das mesmas na figura [7]. As palavras em destaque geradas na Nuvem de Palavras foram analisadas de forma interpretativa [8] e organizadas em duas categorias.

A discussão dos dados se deu a luz do marco conceitual de envelhecimento ativo da Organização Mundial de Saúde [9], definido como um processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança cujo objetivo é melhorar a qualidade de vida na medida em que as pessoas ficam mais velhas [9:13], e esta forma de ”olhar” e cuidar do idoso deve ser a adotada pelos profissionais de saúde, compreendo que o setor saúde é um, dentre os fatores que influenciam no envelhecimento ativo e saudável.

A pesquisa respeitou todos os preceitos éticos orientados pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, e possui parecer ético favorável sob número: 1.954.350/2017 (CAAE: 37457414.6.0000.0104). Os depoentes foram identificados com a letra “P” referindo-se ao termo “Participante” seguido de número arábico correspondente à ordem de transcrição das entrevistas, a fim de garantir o sigilo e a confidencialidade dos dados.

 

Resultados

 

Os participantes da pesquisa foram predominantemente mulheres (n = 13) e com idade média de 38,8 anos. Em relação ao estado civil, 8 (57%) participantes declararam-se casados, 5 (35%) solteiros e 1 (07%) divorciado. Dos 14 participantes, 7 (50%) atuam na equipe de ESF e os outros 7 (50%) na equipe de NASF em média há quatro anos. Quanto à capacitação para atuar na saúde do idoso, apenas 1 (07%) profissional relatou participar de atividades nessa temática durante a graduação e outros 3 (21%) durante a pós-graduação.

O conceito de envelhecimento e as práticas de saúde para o envelhecimento ativo na perspectiva dos profissionais de saúde da APS estão apresentados na Figura 1. Verificou-se destaque para as palavras Gente (n = 44), Idoso (n = 26), Grupo (n = 26) e Envelhecer (n = 21), as quais estão presentes na Nuvem de Palavras e interpretadas a seguir:

 

 

Fonte: as autoras (2019). Organizado pelo software IRaMuTeQ®

Figura 1Nuvem de Palavras: conceito e práticas de saúde para o envelhecimento ativo na perspectiva dos profissionais da Atenção Primária à Saúde. Maringá/PR, Brasil

 

O Envelhecimento na perspectiva dos profissionais da Atenção Primária à Saúde

 

De acordo com a organização dos dados feita pelo software IRaMuTeQ®, a palavra que apresentou maior frequência no corpus textual foi “Gente” (n = 44). Essa emergiu na fala dos profissionais de saúde e relacionou-se às percepções sobre o conceito de envelhecimento, no sentido do profissional atuar nesse processo que ocorre de forma continua e gradual na vida de todos os indivíduos, expresso nas falas:

 

A gente envelhece todos os dias, estamos sempre envelhecendo. Envelhecer para mim é um processo inerente ao viver (P12).

A gente vai aprendendo que infelizmente nosso corpo vai, querendo ou não, falecendo aos poucos. Os órgãos e as células vão se alterando. O processo começa a partir dos 20 e poucos anos, mas vemos em maior grau a partir de 60 anos (P5).

Todos nós vamos envelhecer, passamos da fase adulta para um outro tipo de fase da vida, a idosa (P13).

 

Os profissionais de saúde conseguem perceber que todos, inclusive eles, independentemente da idade que possuem, estão envelhecendo, e segundo os mesmos, tal fato é um fenômeno natural e irreversível, no qual o impacto na vida do ser humano depende de vários fatores, e relaciona-se sobretudo as mudanças advindas do decorrer dos anos.

No que se refere ao termo “idoso” (n = 26), as citações permitem definir o conceito de envelhecimento relacionado a um indivíduo com determinada idade cronológica, que nem sempre se associa a determinadas características físicas, mas também às concepções pessoais, como exemplificado nos excertos a seguir:

 

Segundo o estatuto do idoso é a pessoa com 60 anos ou mais (P5).

Tem gente que nem é idoso e se acha velho. Ser velho depende da mente da pessoa, tem idoso que faz mais coisa que eu, que sou jovem (P7).

Tem idoso que trabalha, esses você não consegue achar na casa (P8).

É envelhecer não precisa estar associado a perder qualidade de vida, pode-se manter a funcionalidade do corpo e da mente, apesar das perdas decorrentes da idade (P1).

 

Cumpre destacar que os relatos demostram concepção ampliada do conceito de envelhecimento, não associando o indivíduo idoso somente a características físicas e limitações, mas reconhecendo o novo perfil dos idosos, composto por pessoas ativas e inseridas economicamente na sociedade.

A palavra “envelhecer” (n = 21) relacionou-se às duas vertentes conceituais: a primeira afirma que envelhecer é um processo biológico, no qual ocorrem diversas mudanças fisiológicas no indivíduo e, para clarificar essa identificação, algumas falas das equipes de saúde são expostas:

 

Envelhecer é um processo natural, onde as células morrem e os órgãos vão diminuindo as funções. Ocorrem características que marcam a velhice como o aumento da idade, cabelos grisalhos, rugas, diminuição da visão e audição, entre outras coisas (P2).

Envelhecimento é quando começa a aparecer fisicamente às alterações fisiológicas, essas são progressivas e associam-se a longevidade (P11).

 

O conceito de envelhecimento, segundo os profissionais de saúde, pode ser definido a partir de marcadores biológicos que caracterizam fisicamente o idoso, e que segundo os mesmos, podem levar ou não a dependência funcional.

A segunda definição insere o envelhecimento enquanto um processo heterogêneo, que depende de cada indivíduo, variando de acordo com a visão e postura de cada um perante a vida, sendo mais abrangente e retratando mudanças psicossociais, conforme demonstra os seguintes excertos:

 

Envelhecer não é o corpo, é a mente. Não podemos deixar envelhecer nossa mente, porque daí envelhece a alma (P14).

O envelhecimento pode ser um momento de empoderamento da pessoa idosa para um estilo de vida saudável: alimentação saudável, fazer parte de grupos de atividade física, convivência, entre outros. Com o objetivo de corpo e mente sempre estarem em equilíbrio, para uma vida ou envelhecimento mais saudável, com menos agravos (P2).

 

Assim, os profissionais associam o envelhecimento à autonomia, independência funcional e também à saúde mental. Referem que é um processo que garante aprendizado e maturidade, agregado à capacidade cognitiva e o poder de decisão de cada indivíduo. Em ambas as concepções do termo envelhecimento, os profissionais destacam que o idoso pode e deve ser um indivíduo ativo e saudável, coadunando ao conceito de envelhecimento ativo.

 

Práticas de saúde para o envelhecimento ativo na Atenção Primária à Saúde

 

A palavra “Gente” (n = 44) também demonstrou que os profissionais de saúde realizam suas ações de forma articulada e colaborativa, ou seja, gente no sentido de nós, de grupo e de equipe. Nesse contexto, a palavra “gente” é apresentada nas falas a seguir, que ilustram as atividades que as equipes de saúde, em conjunto, prestam às pessoas idosas:

 

A gente da ESF oferece atividades em grupos, realizamos caminhada, ginástica, e fazemos orientações sobre hábitos alimentares saudáveis e uso de medicamento. Para realizar, nós contamos com o apoio do NASF (P4).

A gente faz grupos junto com o NASF para promover a convivência, fazemos passeios e eles adoram. Procuramos estar mais perto dos idosos (P14).

 

Essa integração possibilita atenção holística e integral ao idoso

 

As palavras “Grupo” (n = 26) e “Idoso” (n = 26) foram as segundas mais citadas pelos participantes. O vocábulo “grupo” descreveu a principal atividade oferecida pela equipe de saúde à população idosa para promover o envelhecimento ativo. Tais atividades manifestam-se a partir da realização de grupos operativos, como foco na convivência, ginástica, caminhada, tabagismo, musicoterapia, entre outros, presentes na UBS em questão. Considerados também momentos oportunos para as práticas de educação em saúde, evidenciados nos seguintes excertos:

 

As estratégias para o idoso ser ativo configuram-se basicamente com os grupos promovidos pelo NASF e a ESF, tais como: grupo de ginástica, alongamento, caminhada, tabagismo, socialização, musicoterapia, rodas de conversa e passeios [...] (P2).

São alguns grupos, eventos e palestras. As atividades acabam sendo muito voltadas aos idosos, porque é o público que consegue vir para a unidade nesse horário [...] (P9).

As principais atividades são os grupos de socialização e de atividade física, são os espaços que eles [idosos] têm maior participação, e desenvolvem mais a capacidade de viver de forma autônoma e se relacionar de forma saudável com a comunidade, vizinhos, e a própria unidade. Acho que de todos os espaços que a gente oferece esses grupos são os mais importantes e potentes (P12).

 

Os grupos possuem como finalidade a prevenção de doenças e a promoção da saúde, e se desenvolvem a partir da discussão de temas específicos e orientações para a população. Além dos grupos, os profissionais citaram com menor frequência outras estratégias de saúde, como as visitas domiciliares e as consultas como formas de promover o envelhecimento ativo.

Já a palavra “Idoso” (n = 26) relacionou-se à população idosa como sendo um grupo populacional participativo e com disponibilidade para receber e desfrutar dos serviços disponíveis na UBS, como exposto nas falas abaixo:

 

As ações de promoção e prevenção acabam sendo voltadas para os idosos, porque eles têm um perfil que permite vir para a unidade no horário comercial (P9).

O grupo de caminhada, não é especifico, mas a população com maior adesão é a idosa (P5).

Temos um grupo de memória que não é específico para o público idoso [...] como é preventivo eu coloquei um público acima de 50 anos, mas quem participa são os idosos. Em todos os outros grupos nós acabamos trabalhando a questão do processo de envelhecimento saudável (P8).

 

Cabe destacar que as ações realizadas na unidade de saúde, principalmente os grupos operativos, não são específicas para o público idoso, porém, essa população é a que mais participa desse tipo de atividade, segundo os participantes da pesquisa. Nesse sentido, as atividades de saúde voltadas para o envelhecimento ativo não se destinam apenas aos idosos, mas estão abertas a toda a população em geral.

 

Discussão

 

A partir do presente estudo foi possível desvelar o conceito de envelhecimento na perspectiva dos profissionais de saúde atuantes na APS e verificar que esteve atrelado às palavras “Gente”, “Envelhecer” e “Idoso”, relacionando-se ao envelhecimento enquanto um processo biológico e natural presente na vida de todos os seres humanos. Ainda, o envelhecimento foi compreendido como um processo que não depende somente da idade dos indivíduos ou das mudanças físicas advindas da idade, mas, sim, da maneira com que os mesmos vivenciam a vida, as experiências e a maturidade que acumulam ao longo dos anos, além do estilo de vida e do meio social e cultural a qual estão inseridos.

Também foi possível desvelar as práticas de saúde desenvolvidas pelos profissionais da APS no âmbito do envelhecimento ativo, as quais estiveram intimamente relacionadas à compreensão que possuem acerca do conceito de envelhecimento, e que se relacionou aos vocábulos “Gente”, “Grupo” e “Idoso”, verificando que as ações de saúde nesse contexto se desenvolvem principalmente na forma de grupos operativos.

O envelhecimento é algo inerente aos seres humanos, conforme relatado pelos participantes do presente estudo, mas com impacto distinto na autonomia e independência, que variam de acordo com o estilo de vida adotado pelo indivíduo, a estrutura social e os eventos que permearam seu viver [9,10,11,12].

O fato dos profissionais de saúde reconhecerem que estão envelhecendo os aproxima da temática, e a maneira como cada indivíduo reage ao seu processo de envelhecer depende do conjunto de experiências e sentimentos sobre a vida que ele construiu até o momento, e de como são articuladas a relações geracionais [9]. Assim, o envelhecimento não é somente percebido pelas mudanças físicas, mas é também socialmente construído [10,11], variando conforme cada sociedade e período histórico [9].

Dessa forma, conceituar a palavra idoso torna-se algo complexo e multifacetado, e no estudo em questão balizou-se em torno da faixa etária, sem associação as perdas funcionais, corroborando as premissas do envelhecimento ativo, as quais desassociam essa fase da vida a fragilidade, a incapacidade e a improdutividade, introduzidas na sociedade ocidental com o advento do capitalismo [9]. Aliás, o idoso deve ser reconhecido como pessoa repleta de valor pelas experiências angariadas ao longo da vida [11,12,13], cada vez mais, estão ocupando espaço econômico em nossa sociedade.

No que se refere ao conceito de envelhecimento, na fala dos profissionais é possível identificar concepções referentes ao termo senescência - processo no qual se alteram as funções físicas e mentais, sem perda da autonomia, independência, capacidade funcional e qualidade de vida, com ou sem presença de patologias, e também ao termo senilidade – processo de envelhecimento com perdas funcionais e doenças que impactam negativamente na qualidade de vida do idoso, comumente ainda relacionado a terceira idade [2,14].

Assim, o envelhecimento não é um fenômeno que ocorre da mesma forma para todos os indivíduos, dependem de diversos fatores, não só físicos e biológicos, mas também do acesso aos serviços de saúde e de assistência social, fatores ambientais, econômicos, construções sociais, culturais, de estilo de vida, autopercepção e da percepção de quem está à sua volta [9,10]. Compreender tais influentes, ou estar aberto para tais, como os profissionais deste estudo, é essencial para que os mesmos consigam focar suas ações para o envelhecimento ativo, autônomo e independente.

Nesse sentido, cabe conceituar que envelhecimento ativo é determinado pela soma das concepções amplas da vida saudável, caracterizado pela participação e envolvimento do idoso em atividades que proporcionam independência, autonomia e bem-estar [9], as quais estiveram presentes nas conceituações dos profissionais do presente estudo.

A fim de efetivá-lo, os profissionais devem manter os fatores comportamentais e ambientais de risco em níveis baixos e elevar os fatores de proteção, mantendo os idosos saudáveis e por mais tempo [9]. Para isso, devem realizar ações que estimulem o estilo de vida saudável, garantindo o acesso aos serviços de saúde [4] a fim de equilibrar os declínios naturais do processo de envelhecer [4,14]. Para isso, ações multiprofissionais são essências.

A APS organiza-se no trabalho das equipes de ESF e NASF, essa articulação é indispensável para a efetividade dos serviços no âmbito do idoso, pois rompe com o modelo tradicional de assistência centrado na doença, por meio do trabalho multiprofissional e territorial da equipe [5,6]. Assim como evidenciado no presente estudo, o trabalho das equipes prioriza atividades de promoção, proteção e reabilitação [6,13], organizadas, especialmente de forma coletiva, por meio dos grupos operativos. Esse tipo de intervenção faz parte das estratégias para fornecer educação em saúde e tornar a vida do idoso autônoma e independente, além de garantir socialização [15,16]. Os grupos auxiliam no apoio social do idoso, reduzindo os riscos de solidão e de isolamento social do idoso, sendo uma das metas da OMS no âmbito da prevenção e redução da carga de deficiências, doenças crônicas e mortalidade prematura [9].

Sabe-se que as atividades em grupo estimulam a prevenção de doenças e a promoção da saúde, e são grandes aliadas para as equipes de saúde em suas atividades educativas. Esses grupos contribuem para qualidade de vida da população idosa, em especial, aqueles que oportunizam momentos de compartilhamento de saberes e experiências. Permite, ainda, relações sociais entre os idosos, tornando-se espaço ideal para serem trabalhados diversos aspectos da vida saudável dos participantes [5,15,16,17].

Assim, os grupos também são capazes de reinserir os idosos na sociedade, por meio da convivência e comunhão, mantendo-os ativos e em constante atividade, promovendo a melhoria de sua autonomia e independência de forma criativa e prazerosa, além de servir como facilitador da criação de laços de amizade e vínculo entre os participantes e profissionais [6,17].

Para a população idosa, em especial, a relação de confiança e vinculo é essencial para a co-produção da saúde, tornando a atenção em saúde adequada aos princípios do SUS e as políticas de saúde do idoso, no que se refere à atenção humanizada, integral e resolutiva [14,15,16].

Estudo recente apresenta que os homens demonstram maior interesse em atividades que envolviam competição, exercícios físicos e mobilidade, enquanto as mulheres julgam mais interessante as atividades holísticas, socialmente orientadas, sobre dieta saudável, treinamento de memória, vida independente, relaxamento e bem-estar [17]. Consultar os interesses dos idosos é imprescindível para conhecer suas preferências e necessidades, a fim de atendê-las, valorizando suas demandas e inserindo-os quando membros ativos das atividades [9].

Ainda, é importante destacar que o grupo possui papel assistencial quando oferecido pelos serviços de saúde por meio da integração de diversos saberes dos profissionais e dos participantes. Além destas, as demais ações individuais e coletivas, curativas e preventivas são de grande importância para as pessoas idosas, pois elas usualmente possuem uma bagagem de saúde, economia e social [17], que só serão supridas se trabalhadas por equipe multiprofissional.

Os idosos utilizam, mais do que qualquer outro grupo etário, integralmente os serviços oferecidos pela APS [14,15], seja por ter flexibilidade de horário ou pela UBS ser um local de fácil acesso. Além disso, a UBS é muitas vezes um local onde eles se sentem acolhidos e possuem vínculo para além da atenção em saúde, e este fato relaciona-se a uma assistência de qualidade, comunicação acessível e resolutividade [16,17], permitindo realizar ações efetivas e voltadas para o envelhecimento ativo.

 

Conclusão

 

Tal estudo permitiu identificar que se faz necessário que os serviços da APS busquem estratégias articuladas entre ESF e NASF, de forma a ampliar o conhecimento sobre o envelhecimento e qualificar as atividades de educação em saúde e de promoção do envelhecimento ativo, com vistas à qualidade de vida dos idosos, manutenção da autonomia e independência.

Além disso, é necessário a priorização desse público nas ações programáticas dos serviços de saúde, balizadas no entorno das metas e objetivos preconizados pela OMS. As principais limitações do estudo se referem a um contexto específico, o qual apresenta número incipiente de profissionais, fato que pode impactar negativamente nas ações.

 

Vinculação acadêmica

As autoras são vinculadas a Universidade Estadual de Maringá, a Universidade Estadual do Paraná e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.

 

Conflito de interesse

As autoras relatam não possuir conflitos de interesses.

 

Fonte de financiamento

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Código de Financiamento 001.

     

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Labegalini CMG, Baldissera VDA e Silva EP;

Coleta de dados: Labegalini CMG, Nogueira ISN e Silva EP; Análise e interpretação dos dados: Silva PA, Labegalini CMG e Nogueira ISN; Redação do manuscrito: Labegalini CMG, Baldissera VDA, Silva EP, Silva PA, Nogueira ISN e Carreira L; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Labegalini CMG, Baldissera VDA, Silva EP, Silva PA, Nogueira ISN, Carreira L.

 

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