Enferm Bras. 2023;22(3):355-69

doi: 10.33233/eb.v22i3.5427

ARTIGO ORIGINAL

Masculinidades e saúde: análise dos grupos de pesquisa brasileiros

 

Jeferson Santos Araújo1, João Vitor Antunes Lins dos Santos1, Alexandre Paulo Loro1, Vander Monteiro da Conceição1, Érica de Brito Pitilin1, Marcos Venicio Esper2, Manoel Antônio dos Santos3

 

1Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, SC, Brasil

2Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

3Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil

 

Recebido em: 17 de março de 2023; Aceito em: 5 de junho de 2023.

Correspondência: Jeferson Santos Araújo, jeferson.araujo@uffs.edu.br

Como citar

Araújo JS, Santos JVAL, Loro AP, Conceição VM, Pitilin EB, Esper MV, Santos MA.. Masculinidades e saúde: análise dos grupos de pesquisa brasileiros. Enferm Bras. 2023;22(3):355-69. doi: 10.33233/eb.v22i3.5427

 

Resumo

Introdução: Este estudo tem como objetivo identificar e sintetizar os grupos de pesquisa registrados no Brasil que discutem a temática masculinidade e saúde. Métodos: Trata-se de um estudo descritivo e documental, de revisão anual com amostra constituída por meio de buscas parametradas entre outubro e setembro de 2021 no banco de dados do portal online do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Resultados: Os dados foram analisados pela estatística descritiva. Foram identificados 36 grupos, concentrados nas regiões Nordeste e Sudeste, com 31,1% (n = 372) de seus pesquisadores titulados com doutorado e vinculados principalmente às instituições de ensino superior federais, com concentração do conhecimento na área das Ciências Humanas. A temática é pouco explorada nas Ciências da Saúde. Conclusão: Infere-se que a caracterização apresenta indicadores para avanços estruturais e políticos na geração de conhecimento sobre masculinidade e saúde, fornecendo reflexões para o direcionamento na criação e ampliação de novos grupos no território brasileiro.

Palavras-chave: saúde do homem; masculinidade; grupos de pesquisa; Brasil.

 

Abstract

Masculinities and health: analysis of Brazilian research groups

Introduction: This study aimed to identify and synthesize groups registered in Brazil that discuss the theme of masculinity and health. Methods: The method adopted was a descriptive and documentary study, an annual review with a sample constituted through parameterized searches between October to September 2021 in the database of the online portal of the National Council for Scientific and Technological Development. The data were analyzed using descriptive statistics. Results:  36 groups were identified, concentrated in the Northeast and Southeast regions, with 31.1% (n = 372) of their researchers holding a PhD and linked mainly to federal higher education institutions, with a concentration of knowledge in the Human Sciences area. The theme is little explored in Health Sciences, especially in Nursing. Conclusion: The characterization presents indicators for structural and political advances in the generation of knowledge about masculinity and health, providing reflections for the direction in the creation and expansion of new groups in the Brazilian territory.

Keywords: men's health; masculinity; research groups; Brazil.

 

Resumen

Masculinidades y salud: análisis de los grupos de investigación brasileños

Introducción: Este estudio tiene como objetivo identificar y sintetizar los grupos de investigación registrados en Brasil que discuten la temática de masculinidad y salud. Metodos: Se trata de un estudio descriptivo y documental, de revisión anual con una muestra constituida a través de búsquedas parametrizadas entre octubre y septiembre de 2021 en la base de datos del portal en línea del Consejo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico. Los datos fueron analizados mediante estadística descriptiva. Resultados: Se identificaron 36 grupos, concentrados en las regiones Nordeste y Sudeste, con el 31,1% (n = 372) de sus investigadores titulados con doctorado y vinculados principalmente a instituciones de enseñanza superior federales, con concentración del conocimiento en el área de las Ciencias Humanas. La temática es poco explorada en las Ciencias de la Salud. Conclusión: Se infiere que la caracterización presenta indicadores para avances estructurales y políticos en la generación de conocimiento sobre masculinidad y salud, proporcionando reflexiones para la dirección en la creación y ampliación de nuevos grupos en el territorio brasileño.

Palabras-clave: salud del hombre; masculinidad; grupos de investigación; Brasil.

 

Introdução

 

      

Ao longo dos anos as masculinidades vêm recebendo destaque em todo o mundo como tema de diversas discussões nas redes sociais e na mídia impressa. Questões relacionadas a violência, sexualidade, relações de gênero, políticas públicas e autocuidado são os campos mais explorados ao analisar sua relação com a saúde do homem [1].

Esse conceito é usado geralmente para identificar a forma como os homens expressam o que é ser masculino em suas relações com o mundo [1]. Essas masculinidades são vividas de forma plural e coexistem afirmadas nas diversas identidades assumidas ao longo da vida. Contudo, quatro formas distintas são destacadas teoricamente na literatura: a masculinidade hegemônica, que valoriza ações patriarcais de dominação e distanciamento de comportamentos culturalmente relacionados ao feminino; masculinidade de cumplicidade, que aceita a masculinidade hegemônica, mas sem a completa incorporação dos seus atributos; a masculinidade marginalizada, ligada a relações sociais e a grupos étnicos dominantes e dominados; e a masculinidade subordinada, que enfatiza as relações de dominação e subordinação a grupos de homens ou mulheres [2].

Mas por que discutir questões das masculinidades no campo da saúde? A situação de saúde do homem apresenta-se de modo desafiador nas políticas públicas mundiais; a defesa de atribuições simbólicas e sociais (como ser inviolável, dominador e insensível) incorporadas e vivenciadas por essa população fortalece uma cultura de não aderir às medidas de saúde integral, contribuindo para um status de maior vulnerabilidade às enfermidades crônicas, agudas e graves, aos seus tratamentos prolongados e de alto custo, que poderiam ser evitados se o ato de cuidar e de se cuidar fosse valorizado em sua cultura [1,3].

Os homens brasileiros vivem em média 7,1 anos menos do que as mulheres: 68% deles morrem entre 20 e 59 anos de idade, sendo que a cada 5 pessoas que morrem entre 20 e 30 anos, 4 são do sexo masculino [4]. E essa não é uma tendência exclusiva do Brasil: mundialmente eles também adoecem mais do que as mulheres, principalmente por doenças do aparelho circulatório, digestivo, neoplasias, doenças de ordem mental e infecto-parasitárias. Estima-se que 36% das mortes entre homens sejam evitáveis, em comparação com 19% de mortes entre mulheres [5].

Ao longo da história, as masculinidades participam desse processo, num contexto naturalizado no qual os homens nascem, crescem, adoecem, muitos não se reproduzem e morrem. Compreender suas expressões pode ser uma medida que se aproxima da ruptura desse ciclo no curso da vida, possibilitando perspectivas críticas para o incremento de medidas promotoras de saúde [6]. Por isso, discutir as masculinidades no campo da saúde é uma estratégia de enfrentamento voltada para a saúde do homem, objetivando diminuir a mortalidade e aumentar a expectativa de vida desse estrato populacional.

Nesse sentido, é necessário ampliar as discussões sobre a temática, aprofundando questões que naturalizam os modelos culturais ainda presentes e atuantes no imaginário masculino coletivo [7]. Credita-se aos Grupos de Pesquisa (GP) e aos seus pesquisadores esse papel desafiador, fomentando investigações focalizadas, por meio de diferentes perspectivas metodológicas e contextos socioculturais [7].

A enfermagem se apropria de conhecimentos produzidos nestes espaços para o desenvolvimento da prática clínica baseada em evidências. Neste sentido, os grupos desenvolvem um papel estratégico na produção e aperfeiçoamento de saberes, fomentando o pensamento crítico e reflexivo para a qualificação das práxis de cuidado [7,9], como preconizado pelas diretrizes da Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem (PNAISH) [4]. Explorar as características dos grupos que discutem masculinidade e saúde, e sua articulação com políticas públicas, constitui-se uma importante ferramenta para o desenvolvimento social e científico.

Na literatura nacional e internacional não existem até o momento evidências que sumarizem o estado da arte sobre a temática. Portanto, é guiado por esta lacuna de conhecimento que o presente estudo se pauta, norteado pela questão: Quais as características dos grupos de pesquisa que discutem a temática sobre masculinidade e saúde, registrados no Diretório do Grupos de Pesquisas (DGP) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)? Na busca por responder a este questionamento o presente estudo tem como objetivo identificar e sintetizar os grupos de pesquisa registrados no Brasil que discutem a temática masculinidade e saúde.

     

Métodos

 

      

Trata-se de estudo descritivo, documental, realizado com os dados do portal online do CNPq, que disponibiliza, em sua interface de busca, os grupos de pesquisas brasileiros registrados. A opção por esse desenho se deu pelo crescente número de produções vinculadas aos DGP nos últimos anos, já de domínio público; e com o auxílio dessa base, é possível identificar o perfil dos grupos, seus avanços e desafios e utilizar as evidências encontradas em suas produções no direcionamento de cuidados em saúde e políticas públicas [9,16]. Nessa perspectiva, esta investigação foi operacionalizada em quatro etapas sequenciais.

1ª etapa: Coleta de dados na página do DGP: foram realizadas buscas parametradas entre outubro e setembro de 2021, no site institucional do CNPq e em seguida no DGP, utilizando-se os Descritores em Ciências da Saúde (DeSC): masculinidade e saúde, nas interfaces de busca, contemplando nome do grupo, nome da linha de pesquisa e palavras-chave da linha de pesquisa, sendo identificados 42 grupos.

2ª etapa: Análise da página individual dos grupos identificados: cada grupo foi acessado virtualmente por dois pesquisadores distintos (primeiro e último autor) e selecionados segundo os critérios de inclusão: presença da articulação da temática sobre masculinidade e saúde num dos seguintes campos descritos no diretório, nome do grupo ou linha de pesquisa. Nessa etapa, 6 grupos foram excluídos por não apresentarem elementos suficientes para investigação (ausência de informações, como características dos seus participantes e área de conhecimento de suas produções). Todavia, convém salientar que não foram inseridos filtros para selecionar especificamente as relações do processo saúde e doença, pois os campos de atuação como as ciências humanas e sociais endossam produções que discutem questões de cunho social e político que influenciam diretamente as masculinidades no campo da saúde. Assim, 36 grupos foram eleitos para compor o corpus final de análise.

3ª etapa: Tabulação das informações - os dados foram extraídos e em seguida tabulados numa planilha com auxílio do software Excel for Windows® 2018.

Um banco analítico foi constituído com as seguintes variáveis: ano de formação, nome do grupo, área de atuação, instituição de ensino superior, distribuição dos grupos por regiões do Brasil, nome do grupo, linhas de pesquisa relacionadas ao tema, característica dos integrantes dos grupos (doutores, mestres, graduados, doutorando, mestrando, graduando e formação não informada), distribuição dos pesquisadores por região e Unidade da Federação (UF).

4ª etapa: Análise dos resultados encontrados: de posse das variáveis, os dados foram processados e analisados através de estatística descritiva mediante cálculos de frequência absoluta e percentuais das variáveis nominais e das variáveis quantitativas. Os resultados foram agrupados, organizados e apresentados em forma de tabelas e figuras.

Por se tratar de investigação de natureza documental, cujas fontes informacionais são de domínio público, dispensou-se a submissão a um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos; porém, ressalta-se que os pesquisadores respeitaram os princípios éticos, sendo todas as fontes utilizadas devidamente citadas para análise e divulgação dos resultados, preservando também a identidade de cada GP e a identificação das instituições a que estão vinculadas.

     

Resultados

 

      

Por meio da busca paramétrica, foram selecionados 36 GP. O primeiro foi criado em 1990, na Região Sul do país, no estado do Rio Grande do Sul, e o mais recente em 2018, no estado do Ceará, tendo sido criado em média nesse período 1,2 GP por ano. A figura 1 mostra os anos de formação, destacando, por meio do mapa geoespacial, a distribuição dos GP no território nacional. Os estados de Minas Gerais, Paraná, Maranhão, Sergipe, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul não registram grupo algum. A Região Norte destaca-se por apresentar o menor número de GP: somente um no Amazonas e um no Pará.

No Brasil, é comum o registro dos GP vincular-se a Instituições de Ensino Superior. Com poucos institutos e centros de excelência voltados ao fomento da ciência, as universidades acabam sendo as entidades que operacionalizam o desenvolvimento desses grupos. A figura 1 destaca a natureza das instituições às quais estão vinculados os grupos: entidades públicas (federais e estaduais) e privadas.

 

 

GP – Grupo(s) de pesquisa; PA – Pará; AM – Amazonas; PI – Piauí; CE – Ceará; AL – Alagoas; PB – Paraíba; PE – Pernambuco; BA – Bahia; DF – Distrito Federal; MT – Mato Grosso; GO – Goiás; SP – São Paulo; RJ – Rio de Janeiro; ES – Espirito Santo; SC – Santa Catarina; RS – Rio Grande do Sul. Fonte: Dados da pesquisa, 2021

Figura 1Ano de formação dos grupos, distribuição geoespacial e tipo de instituição a que estão vinculados. Chapecó, SC, Brasil, 2021

 

      

Quanto ao perfil da formação dos pesquisadores desses GP (Figura 2), evidenciou-se que dos 1.193 participantes, a maioria concentra-se na Região Nordeste (n = 340), seguida da Região Sul (n = 335), Sudeste (n = 332), Centro-Oeste (n = 125) e Norte com (n = 61) pesquisadores. Na formação, encontram-se Doutores (31,1%), Doutorandos (5,9%), Mestres (14,4%), Mestrandos (6,8%), Graduados (12,8%), Graduandos (11,9%) e outros (16,8%) sem a informação da formação de seus membros. Outra característica da variável outros é a presença de participantes estrangeiros: dois alemães, um francês e um estadunidense estão lotados em quatro grupos (dois no Distrito Federal, um no Mato Grosso e um no Estado de Goiás).

     

     

Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

Figura 2 - Distribuição da formação dos pesquisadores por região. Chapecó/SC, Brasil, 2021

 

     

As áreas do conhecimento, as linhas de pesquisa e o número de seus participantes por UF estão descritos na Tabela I. Organizando essas informações por grande área do conhecimento, tem-se 1) Ciências Humanas, 2) Ciências da Saúde e 3) Ciências Sociais Aplicadas. A primeira contempla sete áreas de especialidades: Sociologia, Educação, Psicologia, Ciência Política, Teologia, Antropologia e História. A segunda, cinco áreas: Educação Física, Saúde Coletiva, Enfermagem, Terapia Ocupacional e Fisioterapia. A terceira grande área contempla as áreas da Comunicação, Economia Doméstica, Direito, Letras e Artes. Evidencia-se que a área das Ciências Humanas foi mais frequente, 69,4% (n = 25) dos grupos, seguida por Ciências da Saúde com 19,4% (n = 7) e Ciências Sociais Aplicadas com 11,2% (n = 4).

Os GP ligados à área das Ciências da Saúde estão nos seguintes estados: Bahia (Enfermagem), Paraíba (Saúde Coletiva), Rio Grande do Sul (Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional) e Rio de Janeiro (Saúde Coletiva e Educação Física).

 

Tabela I - Grupos de pesquisa por área do conhecimento, linhas de pesquisa e participantes por unidade da federação. Chapecó-SC, Brasil, 2021

 

UF - Unidade da Federação; PA - Pará; AM - Amazonas; PI - Piauí; CE - Ceará; AL - Alagoas; PB - Paraíba; PE - Pernambuco; BA - Bahia; DF - Distrito Federal; MT - Mato Grosso; GO - Goiás; SP - São Paulo; RJ - Rio de Janeiro; ES - Espírito Santo; SC - Santa Catarina; RS - Rio Grande do Sul. Fonte: Dados da pesquisa, 2021

 

Discussão

 

      

A criação dos GP que discutem as relações da masculinidade no setor saúde no Brasil segue um crescimento justificado pela abordagem histórica e social que deu destaque internacional ao tema. A criação dos primeiros grupos na década de 90, como se vê na Figura 1, contempla o período de apresentação da teoria das masculinidades [2], atraindo interesse de pesquisadores não só do continente Europeu e países da Oceania, mas de todo o mundo [10]. A descrição das masculinidades para além da perspectiva hegemônica instigou o foco da ciência na busca por compreender o homem como um ser cultural, dotado de sentimento de agência (que o faz sentir agindo, controlando suas ações) e não apenas um ser instintivo, como descrito pelos princípios da biologia [1]. Essa característica revolucionou os estudos sobre homens e masculinidades e proporcionou um cenário cada vez mais rico de saberes, despertando interesses e impulsionando mudanças sociais e políticas em todo o território nacional.

Durante o período investigado, os brasileiros foram contemplados com a PNAISH, que estipulou direitos à saúde masculina por meio de estratégias mais específicas que focalizassem suas particularidades [4]. Discussões foram estimuladas a partir de então e novos grupos foram inscritos no DGP para operacionalizar investigações focadas na temática, registrando aumento de 157% de novos grupos cadastrados a partir de 2008.

Sobre a criação de GP, de acordo com o Sistema de Regulação do Ensino Superior [10], uma busca realizada em janeiro de 2020, considerando as variáveis Instituições de Ensino de Superior (IES) públicas e IES privadas com fins lucrativos descobriu que existem 1.922 IES no Brasil, das quais 120 são públicas federais, 135 públicas estaduais e 1.667 privadas com fins lucrativos; a Região Sudeste concentra a maioria delas, 603 instituições, que representam 44,97% do total.

Uma questão destaca-se nesse cenário: no Brasil, a maioria dos centros de pesquisa estão relacionadas a IESs, a programas de pós-graduação e a laboratórios. A universidade acaba por exercer não só um papel de desenvolvimento social, mas também científico e político, nas discussões relacionadas às questões de masculinidades da região.

Masculinidades e saúde, conforme destacado na Figura 1, é assunto cada vez mais presente em GPs vinculados às IES federais. Pesquisadores atribuem essa particularidade à ampliação dos programas de pós-graduação nessas instituições ao longo dos últimos anos, com o aumento constante do número de mestres e doutores e a consolidação de linhas de pesquisa [12,13]. Todavia, a difícil conjuntura que a pesquisa brasileira vem vivendo nos últimos anos [14] ameaça a evolução desses GPs. Cortes orçamentários destinados às IES, a programas de pós-graduação e a agências financiadoras, como CNPq e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), limitam a ampliação das discussões sobre a temática, pois retiram investimentos das pesquisas e desarticulam os grupos formados para pesquisar assuntos de interesse em comum [15].

Independente dos entraves enfrentados para o desenvolvimento dos GP nacionais, existe a necessidade cada vez mais premente de desenvolver mecanismos que fortaleçam a pesquisa em nível local, regional e global, com metodologias inovadoras e que incentivem o intercâmbio e a difusão da produção do conhecimento [12,15] sobre as masculinidades no contexto da saúde [1,3].

Outro aspecto evidenciado na Figura 1 foi as disparidades locais e regionais relacionadas à produção do conhecimento: a maioria dos grupos se localiza nas Regiões Sudeste, Nordeste e Sul do país, destacando-se os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Porém, há saberes locais latentes em outros territórios da federação, nos quais, por mais de 28 anos desde a implantação do primeiro GP sobre a temática, ainda não foram explorados.

Pesquisadores inferem que tal fato se justifica pela maior concentração das IESs brasileiras na Região Sudeste (63,3%) e o maior índice de financiamento em pesquisas concentrar-se no polo Sul-Sudeste [16,17]. Contudo, o Brasil é um país multicultural, com símbolos, saberes e crenças peculiares a cada região, e as masculinidades são identidades que apresentam configurações locais, regionais e globais que dependem diretamente da cultura na qual estão inseridas [2]; dessa forma, conhecer características relacionadas aos saberes locais masculinos, de múltiplas regiões do território nacional, é fundamental para ampliar as possibilidades de compreender o comportamento dos homens em relação a sua saúde e traçar estratégias mais integrativas para reduzir os agravos à saúde dessa população.

O acesso a evidências que apresentem as masculinidades locais e regionais de outras UFs se prende também à distribuição dos pesquisadores nesse território. Como destacado na Figura 2, faz-se necessário acelerar as mudanças em andamento para ampliar o quadro de cientistas focados em pesquisar masculinidade e saúde nas demais regiões do país, a fim de propiciar maior número de pesquisas, além do acesso a um conhecimento mais profundo nas vivências masculinas no enfrentamento de diversos contextos de adoecimento.

Quanto à participação de pesquisadores internacionais nos GP brasileiros, estudos evidenciam que esse relacionamento cria laços para o intercâmbio de experiências e o desenvolvimento de estudos em rede. Enseja ação colaborativa para o desenvolvimento de contextos de saúde locais que se inter-relacionam a contextos internacionais, como adoção de comportamentos masculinos em situações de disseminação de pandemias, adesão a tratamentos, reações à infusão de novas drogas em organismos humanos e exposição a agentes patogênicos [14,15,18].

Os GPs congregam a expertise de seus pesquisadores, desenvolvem abordagens metodológicas e campos de discussão por meio de suas áreas e linhas de pesquisas, as quais apresentam afinidades entre si no fortalecimento de uma temática [18]. Masculinidade e saúde acompanham tal segmento, e como elucidado aqui (Tabela I) e em outros estudos [10], sua operacionalização apresenta maior número de ocorrências na área das Ciências Humanas e apesar de seu caráter interdisciplinar, a temática ainda é pouco explorada nas Ciências da Saúde.

Pesquisar questões sobre masculinidades exige reflexão e redefinição dos papéis esperados de homens e mulheres numa sociedade [7], uma dimensão mais próxima da epistemologia das ciências humanas [10]. Assim, a masculinidade é melhor entendida como uma parte arquetípica da condição humana, em vez de uma coleção de estereótipos que podem ser alterados por meio de tratamento ou educação. Claramente, tanto o determinismo social (criação sobre a natureza) quanto o determinismo biológico (natureza sobre criação) são posições teóricas extremas que não se encaixam à evidência sobre o gênero e, estes indivíduos sujeitos a interações biológicas, psicológicas e principalmente influências sociais, moldam a sua masculinidade sem separar a mente e o corpo [19].

Já o desdobramento desses saberes aplica-se nas mais diversas áreas de suas relações, as quais vão além das ciências humanas e impactam, inclusive, no setor da saúde. Isso ocorre devido a saúde envolver diferentes dimensões do ser humano (biológica, psicológica, social, cultural, entre outras) e esses componentes são passíveis de compreensão em toda sua amplitude e totalidade de modo multicausal e multidimensional. Pesquisadores [6] ponderam que é preciso conhecer o homem para melhor assisti-lo nas unidades que ofertam cuidados diretos e indiretos para tratar suas enfermidades. Entretanto, os cursos das ciências da saúde, como Enfermagem, Medicina, Nutrição e outros, que desempenham um saber aplicado para o cuidado biológico das questões da vida, de certa forma demandam ações de ordem mais objetiva e aplicada, utilizando-se do conhecimento das humanidades para implementá-las; assim, essas áreas trabalham juntas no planejamento e na materialização de uma filosofia de cuidado ao homem [6].

Isso reflete no maior quantitativo de GP cadastrados na área de Ciências Humanas, visto a possibilidade da interdisciplinaridade em compreender os fenômenos das masculinidades. Pesquisadoras [18] destacam que a produção sobre gênero e sexualidade na área de antropologia teve desde o início caráter multidisplinar e, a partir dos anos 2000, passaram a ganhar maior visibilidade. Neste estudo, o surgimento de GP neste período fortalece a afirmação, visto que, estudos sobre sexualidades foram considerados uma área separada dos estudos de gênero até a década de 1990 e, somente a partir de 2000, as fronteiras entre estas temáticas borraram-se e ganharam contornos menos definidos com problemáticas transversais [20].

Segundo a última súmula estatística do CNPq (2020), dos 37.640 GP cadastrados no diretório (todas as áreas das ciências), 5.877 são da grande área Ciências da Saúde, dos quais 1.079 correspondem a Saúde Coletiva, 683 a Enfermagem, 704 a Educação Física e 366 a Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Como se depreende da Tabela I, Masculinidades e Saúde estão presentes como linha central na discussão de apenas 13 desses 5.877 GPs da área da saúde.

Um estudo de balanço bibliográfico [20] demonstrou o modo em que as ciências da saúde trilharam no período de 2008-2018 o caminho de diálogo entre saúde e sexualidade nas intervenções disponíveis e, os métodos comportamentais, sobretudo baseado no pensamento foucaultiano. Quanto maior o número de evidências com rigor científico, de pesquisadores e de investimentos destinados a explorar um contexto específico de saúde, maiores serão as chances de compreender os fenômenos que o sustentam, ampliando as possibilidades de intervenção [14], criação de estratégias para o enfrentamento de doenças e promoção de cuidados integrais [5]. Por mais que se tenha avançado na discussão de masculinidade e saúde em todo o mundo nos últimos anos [2], o comportamento do homem em diversos contextos de adoecimento (doenças crônicas e degenerativas, uso de drogas e entorpecentes, doenças emergenciais, negligenciáveis, infecto-parasitarias), ainda precisa de mais compreensão [1,7,10,13,14,21]. Acredita-se que a ampliação de ambientes para discutir e pesquisar, como os GP, facilitaria a solução destes e de outros problemas relacionados à saúde do homem, contribuindo para ampliar e implementar políticas de saúde.

O estudo limitou-se a identificar os grupos de pesquisa que relacionavam masculinidades e saúde, porém é válido ressaltar que podem haver outros grupos de pesquisa que produzem sobre o tema pesquisado, entretanto, não apresentam em seu escopo tal delineamento conceitual.

Mapear o panorama dos grupos de pesquisas brasileiras sobre masculinidades e saúde, trata-se de uma atividade primordial no fortalecimento e direcionamento dos futuros passos sobre a temática, pois o conhecimento produzido por estes gera significativo impacto na condução de evidências para o subsidio de políticas públicas, sobretudo as relacionadas a saúde e bem-estar dos homens. Portanto, com base nos resultados apresentados novos estudos podem ser aplicados às dimensões verificadas e novas perspectivas sobre a saúde do homem podem ser exploradas.

     

Conclusão

 

      

A análise dos GP sobre as masculinidades relacionadas à saúde no Brasil evidenciou que o assunto foi adotado como tema central a partir da década de 90 e desde então vem ganhando destaque, sendo intensificado após o aparecimento das políticas públicas voltadas para a saúde do homem. Os dados revelaram que os GP e seus integrantes se concentram nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste do país, com pesquisas principalmente na grande área das Ciências Humanas, apresentando poucas linhas de pesquisas voltadas para as Ciências da Saúde.

Os resultados desta pesquisa apresentam indicadores para avanços estruturais e políticos na geração de conhecimento sobre masculinidade e trazem importantes implicações para a saúde, fornecem direcionamentos para a criação de novos GP no território nacional e sua ampliação na saúde, nas ciências humanas e sociais. Os resultados apontam a necessidade de fortalecer a temática, internacionalizar o conhecimento e ampliar as discussões sobre as masculinidades locais, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país.

Ponderando a aplicabilidade prática dos resultados encontrados, é oportuno salientar que a pesquisa apresenta limitações: os dados contemplam evidências presentes nos GPs vinculados ao DGP, no qual alguns currículos encontram-se desatualizados, não permitindo grande aprofundamento na análise da produção dos pesquisadores, limitando as informações que poderiam ser disponibilizadas para aplicar na prática o conhecimento que esses grupos produzem.

     

Conflitos de interesse

Não houve conflitos de interesses.

 

Fontes de financiamento

Pesquisa financiada pelo EDITAL Nº 89/GR/UFFS/2022 (PES-2022-0099)

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Araújo JS, Santos JVAL, Esper MV; Análise e interpretação dos dados: Araújo JS, Santos JVAL, Esper MV; Análise estatística: Araújo JS, Santos JVAL, Esper MV; Redação do manuscrito: Araújo JS, Santos JVAL, Esper MV, Loro AP, Pitilin EB, Santos MA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Araújo JS, Santos JVAL, Esper MV, Loro AP, Pitilin EB, Santos MA.

 

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