Enferm Bras.
2023;22(3):355-69
ARTIGO
ORIGINAL
Masculinidades
e saúde: análise dos grupos de pesquisa brasileiros
Jeferson
Santos Araújo1, João Vitor Antunes Lins dos Santos1,
Alexandre Paulo Loro1, Vander Monteiro da Conceição1,
Érica de Brito Pitilin1, Marcos Venicio
Esper2, Manoel Antônio dos Santos3
1Universidade Federal da Fronteira Sul,
Chapecó, SC, Brasil
2Universidade do Estado de Minas Gerais,
Belo Horizonte, MG, Brasil
3Universidade de São Paulo, Ribeirão
Preto, SP, Brasil
Recebido
em: 17 de março de 2023; Aceito em: 5 de junho de 2023.
Correspondência: Jeferson Santos Araújo,
jeferson.araujo@uffs.edu.br
Como citar
Araújo JS, Santos JVAL, Loro AP, Conceição
VM, Pitilin EB, Esper MV, Santos MA.. Masculinidades e saúde: análise
dos grupos de pesquisa brasileiros. Enferm Bras. 2023;22(3):355-69. doi: 10.33233/eb.v22i3.5427
Resumo
Introdução: Este estudo tem como objetivo
identificar e sintetizar os grupos de pesquisa registrados no Brasil que
discutem a temática masculinidade e saúde. Métodos: Trata-se de um
estudo descritivo e documental, de revisão anual com amostra constituída por
meio de buscas parametradas entre outubro e setembro
de 2021 no banco de dados do portal online do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Resultados: Os dados foram
analisados pela estatística descritiva. Foram identificados 36 grupos,
concentrados nas regiões Nordeste e Sudeste, com 31,1% (n = 372) de seus
pesquisadores titulados com doutorado e vinculados principalmente às
instituições de ensino superior federais, com concentração do conhecimento na
área das Ciências Humanas. A temática é pouco explorada nas Ciências da Saúde. Conclusão:
Infere-se que a caracterização apresenta indicadores para avanços estruturais e
políticos na geração de conhecimento sobre masculinidade e saúde, fornecendo
reflexões para o direcionamento na criação e ampliação de novos grupos no
território brasileiro.
Palavras-chave: saúde do homem; masculinidade; grupos
de pesquisa; Brasil.
Abstract
Masculinities and health: analysis of Brazilian
research groups
Introduction: This study
aimed to identify and synthesize groups registered in Brazil that discuss the
theme of masculinity and health. Methods: The method adopted was a
descriptive and documentary study, an annual review with a sample constituted
through parameterized searches between October to September 2021 in the
database of the online portal of the National Council for Scientific and
Technological Development. The data were analyzed using descriptive statistics.
Results: 36 groups were
identified, concentrated in the Northeast and Southeast regions, with 31.1% (n
= 372) of their researchers holding a PhD and linked mainly to federal higher
education institutions, with a concentration of knowledge in the Human Sciences
area. The theme is little explored in Health Sciences, especially in Nursing. Conclusion:
The characterization presents indicators for structural and political advances
in the generation of knowledge about masculinity and health, providing
reflections for the direction in the creation and expansion of new groups in
the Brazilian territory.
Keywords: men's health; masculinity; research groups;
Brazil.
Resumen
Masculinidades
y salud: análisis de los grupos de investigación brasileños
Introducción: Este estudio
tiene como objetivo identificar y sintetizar los grupos de investigación
registrados en Brasil que discuten
la temática de masculinidad
y salud. Metodos: Se
trata de un estudio descriptivo y documental, de revisión
anual con una muestra constituida a través de búsquedas
parametrizadas entre octubre y septiembre
de 2021 en la base de datos del portal en línea del Consejo
Nacional de Desarrollo Científico y
Tecnológico. Los datos fueron
analizados mediante estadística descriptiva.
Resultados: Se identificaron 36 grupos,
concentrados en las regiones Nordeste y Sudeste, con el 31,1% (n = 372) de sus investigadores titulados con doctorado y vinculados
principalmente a instituciones de enseñanza
superior federales, con concentración del conocimiento en el área de las Ciencias Humanas. La temática es poco
explorada en las Ciencias de la Salud. Conclusión: Se infiere que la caracterización presenta indicadores para avances estructurales y políticos en la generación de conocimiento sobre masculinidad y
salud, proporcionando reflexiones para la dirección en
la creación y ampliación de nuevos grupos en el territorio
brasileño.
Palabras-clave: salud del
hombre; masculinidad;
grupos de investigación; Brasil.
Ao longo dos
anos as masculinidades vêm recebendo destaque em todo o mundo como tema de diversas
discussões nas redes sociais e na mídia impressa. Questões relacionadas a violência,
sexualidade, relações de gênero, políticas públicas e autocuidado são os campos
mais explorados ao analisar sua relação com a saúde do homem [1].
Esse conceito
é usado geralmente para identificar a forma como os homens expressam o que é ser
masculino em suas relações com o mundo [1]. Essas masculinidades são vividas de
forma plural e coexistem afirmadas nas diversas identidades assumidas ao longo da
vida. Contudo, quatro formas distintas são destacadas teoricamente na literatura:
a masculinidade hegemônica, que valoriza ações patriarcais de dominação e distanciamento
de comportamentos culturalmente relacionados ao feminino; masculinidade de cumplicidade,
que aceita a masculinidade hegemônica, mas sem a completa incorporação dos seus
atributos; a masculinidade marginalizada, ligada a relações sociais e a grupos étnicos
dominantes e dominados; e a masculinidade subordinada, que enfatiza as relações
de dominação e subordinação a grupos de homens ou mulheres [2].
Mas por que
discutir questões das masculinidades no campo da saúde? A situação de saúde do homem
apresenta-se de modo desafiador nas políticas públicas mundiais; a defesa de atribuições
simbólicas e sociais (como ser inviolável, dominador e insensível) incorporadas
e vivenciadas por essa população fortalece uma cultura de não aderir às medidas
de saúde integral, contribuindo para um status de maior vulnerabilidade às enfermidades
crônicas, agudas e graves, aos seus tratamentos prolongados e de alto custo, que
poderiam ser evitados se o ato de cuidar e de se cuidar fosse valorizado em sua
cultura [1,3].
Os homens
brasileiros vivem em média 7,1 anos menos do que as mulheres: 68% deles morrem entre
20 e 59 anos de idade, sendo que a cada 5 pessoas que morrem entre 20 e 30 anos,
4 são do sexo masculino [4]. E essa não é uma tendência exclusiva do Brasil: mundialmente
eles também adoecem mais do que as mulheres, principalmente por doenças do aparelho
circulatório, digestivo, neoplasias, doenças de ordem mental e infecto-parasitárias.
Estima-se que 36% das mortes entre homens sejam evitáveis, em comparação com 19%
de mortes entre mulheres [5].
Ao longo da
história, as masculinidades participam desse processo, num contexto naturalizado
no qual os homens nascem, crescem, adoecem, muitos não se reproduzem e morrem. Compreender
suas expressões pode ser uma medida que se aproxima da ruptura desse ciclo no curso
da vida, possibilitando perspectivas críticas para o incremento de medidas promotoras
de saúde [6]. Por isso, discutir as masculinidades no campo da saúde é uma estratégia
de enfrentamento voltada para a saúde do homem, objetivando diminuir a mortalidade
e aumentar a expectativa de vida desse estrato populacional.
Nesse sentido,
é necessário ampliar as discussões sobre a temática, aprofundando questões que naturalizam
os modelos culturais ainda presentes e atuantes no imaginário masculino coletivo
[7]. Credita-se aos Grupos de Pesquisa (GP) e aos seus pesquisadores esse papel
desafiador, fomentando investigações focalizadas, por meio de diferentes perspectivas
metodológicas e contextos socioculturais [7].
A enfermagem
se apropria de conhecimentos produzidos nestes espaços para o desenvolvimento da
prática clínica baseada em evidências. Neste sentido, os grupos desenvolvem um papel
estratégico na produção e aperfeiçoamento de saberes, fomentando o pensamento crítico
e reflexivo para a qualificação das práxis de cuidado [7,9], como preconizado pelas
diretrizes da Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem (PNAISH) [4]. Explorar
as características dos grupos que discutem masculinidade e saúde, e sua articulação
com políticas públicas, constitui-se uma importante ferramenta para o desenvolvimento
social e científico.
Na literatura
nacional e internacional não existem até o momento evidências que sumarizem o estado
da arte sobre a temática. Portanto, é guiado por esta lacuna de conhecimento que
o presente estudo se pauta, norteado pela questão: Quais as características dos
grupos de pesquisa que discutem a temática sobre masculinidade e saúde, registrados
no Diretório do Grupos de Pesquisas (DGP) do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq)? Na busca por responder a este questionamento o
presente estudo tem como objetivo identificar e sintetizar os grupos de pesquisa
registrados no Brasil que discutem a temática masculinidade e saúde.
Trata-se de
estudo descritivo, documental, realizado com os dados do portal online do CNPq,
que disponibiliza, em sua interface de busca, os grupos de pesquisas brasileiros
registrados. A opção por esse desenho se deu pelo crescente número de produções
vinculadas aos DGP nos últimos anos, já de domínio público; e com o auxílio dessa
base, é possível identificar o perfil dos grupos, seus avanços e desafios e utilizar
as evidências encontradas em suas produções no direcionamento de cuidados em saúde
e políticas públicas [9,16]. Nessa perspectiva, esta investigação foi operacionalizada
em quatro etapas sequenciais.
1ª etapa:
Coleta de dados na página do DGP: foram realizadas buscas parametradas entre outubro
e setembro de 2021, no site institucional do CNPq e em seguida no DGP, utilizando-se
os Descritores em Ciências da Saúde (DeSC): masculinidade e saúde, nas interfaces
de busca, contemplando nome do grupo, nome da linha de pesquisa e palavras-chave
da linha de pesquisa, sendo identificados 42 grupos.
2ª etapa:
Análise da página individual dos grupos identificados: cada grupo foi acessado virtualmente
por dois pesquisadores distintos (primeiro e último autor) e selecionados segundo
os critérios de inclusão: presença da articulação da temática sobre masculinidade
e saúde num dos seguintes campos descritos no diretório, nome do grupo ou linha
de pesquisa. Nessa etapa, 6 grupos foram excluídos por não apresentarem elementos
suficientes para investigação (ausência de informações, como características dos
seus participantes e área de conhecimento de suas produções). Todavia, convém salientar
que não foram inseridos filtros para selecionar especificamente as relações do processo
saúde e doença, pois os campos de atuação como as ciências humanas e sociais endossam
produções que discutem questões de cunho social e político que influenciam diretamente
as masculinidades no campo da saúde. Assim, 36 grupos foram eleitos para compor
o corpus final de análise.
3ª etapa:
Tabulação das informações - os dados foram extraídos e em seguida tabulados numa
planilha com auxílio do software Excel for Windows® 2018.
Um banco analítico
foi constituído com as seguintes variáveis: ano de formação, nome do grupo, área
de atuação, instituição de ensino superior, distribuição dos grupos por regiões
do Brasil, nome do grupo, linhas de pesquisa relacionadas ao tema, característica
dos integrantes dos grupos (doutores, mestres, graduados, doutorando, mestrando,
graduando e formação não informada), distribuição dos pesquisadores por região e
Unidade da Federação (UF).
4ª etapa:
Análise dos resultados encontrados: de posse das variáveis, os dados foram processados
e analisados através de estatística descritiva mediante cálculos de frequência absoluta
e percentuais das variáveis nominais e das variáveis quantitativas. Os resultados
foram agrupados, organizados e apresentados em forma de tabelas e figuras.
Por se tratar
de investigação de natureza documental, cujas fontes informacionais são de domínio
público, dispensou-se a submissão a um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos;
porém, ressalta-se que os pesquisadores respeitaram os princípios éticos, sendo
todas as fontes utilizadas devidamente citadas para análise e divulgação dos resultados,
preservando também a identidade de cada GP e a identificação das instituições a
que estão vinculadas.
Por meio da
busca paramétrica, foram selecionados 36 GP. O primeiro foi criado em 1990, na
Região Sul do país, no estado do Rio Grande do Sul, e o mais recente em 2018, no
estado do Ceará, tendo sido criado em média nesse período 1,2 GP por ano. A figura
1 mostra os anos de formação, destacando, por meio do mapa geoespacial, a distribuição
dos GP no território nacional. Os estados de Minas Gerais, Paraná, Maranhão, Sergipe,
Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul não registram grupo algum. A Região Norte
destaca-se por apresentar o menor número de GP: somente um no Amazonas e um no
Pará.
No Brasil,
é comum o registro dos GP vincular-se a Instituições de Ensino Superior. Com poucos
institutos e centros de excelência voltados ao fomento da ciência, as universidades
acabam sendo as entidades que operacionalizam o desenvolvimento desses grupos. A
figura 1 destaca a natureza das instituições às quais estão vinculados os grupos:
entidades públicas (federais e estaduais) e privadas.
GP
– Grupo(s) de pesquisa; PA – Pará; AM –
Amazonas; PI – Piauí; CE – Ceará; AL –
Alagoas; PB – Paraíba; PE – Pernambuco; BA –
Bahia; DF – Distrito Federal; MT –
Mato Grosso; GO – Goiás; SP – São Paulo; RJ
– Rio de Janeiro; ES – Espirito
Santo; SC – Santa Catarina; RS – Rio Grande do Sul. Fonte:
Dados da pesquisa,
2021
Figura
1 – Ano de formação
dos grupos, distribuição geoespacial e tipo de
instituição a que estão vinculados. Chapecó, SC, Brasil, 2021
Quanto ao
perfil da formação dos pesquisadores desses GP (Figura 2), evidenciou-se que dos
1.193 participantes, a maioria concentra-se na Região Nordeste (n = 340), seguida
da Região Sul (n = 335), Sudeste (n = 332), Centro-Oeste (n = 125) e Norte com (n
= 61) pesquisadores. Na formação, encontram-se Doutores (31,1%), Doutorandos (5,9%),
Mestres (14,4%), Mestrandos (6,8%), Graduados (12,8%), Graduandos (11,9%) e outros
(16,8%) sem a informação da formação de seus membros. Outra característica da variável
outros é a presença de participantes estrangeiros: dois alemães, um francês e um
estadunidense estão lotados em quatro grupos (dois no Distrito Federal, um no Mato
Grosso e um no Estado de Goiás).
Fonte:
Dados da pesquisa, 2021.
Figura
2 - Distribuição da
formação dos pesquisadores por região. Chapecó/SC, Brasil, 2021
As áreas do
conhecimento, as linhas de pesquisa e o número de seus participantes por UF estão
descritos na Tabela I. Organizando essas informações por grande área do conhecimento,
tem-se 1) Ciências Humanas, 2) Ciências da Saúde e 3) Ciências Sociais Aplicadas.
A primeira contempla sete áreas de especialidades: Sociologia, Educação, Psicologia,
Ciência Política, Teologia, Antropologia e História. A segunda, cinco áreas: Educação
Física, Saúde Coletiva, Enfermagem, Terapia Ocupacional e Fisioterapia. A terceira
grande área contempla as áreas da Comunicação, Economia Doméstica, Direito, Letras
e Artes. Evidencia-se que a área das Ciências Humanas foi mais frequente, 69,4%
(n = 25) dos grupos, seguida por Ciências da Saúde com 19,4% (n = 7) e Ciências
Sociais Aplicadas com 11,2% (n = 4).
Os GP ligados
à área das Ciências da Saúde estão nos seguintes estados: Bahia (Enfermagem), Paraíba
(Saúde Coletiva), Rio Grande do Sul (Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional)
e Rio de Janeiro (Saúde Coletiva e Educação Física).
Tabela
I - Grupos de
pesquisa por área do conhecimento, linhas de pesquisa e participantes por
unidade da federação. Chapecó-SC, Brasil, 2021
UF
- Unidade da Federação; PA - Pará; AM - Amazonas; PI - Piauí; CE - Ceará; AL -
Alagoas; PB - Paraíba; PE - Pernambuco; BA - Bahia; DF - Distrito Federal; MT -
Mato Grosso; GO - Goiás; SP - São Paulo; RJ - Rio de Janeiro; ES - Espírito
Santo; SC - Santa Catarina; RS - Rio Grande do Sul. Fonte: Dados da pesquisa,
2021
A criação
dos GP que discutem as relações da masculinidade no setor saúde no Brasil segue
um crescimento justificado pela abordagem histórica e social que deu destaque internacional
ao tema. A criação dos primeiros grupos na década de 90, como se vê na Figura 1,
contempla o período de apresentação da teoria das masculinidades [2], atraindo interesse
de pesquisadores não só do continente Europeu e países da Oceania, mas de todo o
mundo [10]. A descrição das masculinidades para além da perspectiva hegemônica instigou
o foco da ciência na busca por compreender o homem como um ser cultural, dotado
de sentimento de agência (que o faz sentir agindo, controlando suas ações) e não
apenas um ser instintivo, como descrito pelos princípios da biologia [1]. Essa característica
revolucionou os estudos sobre homens e masculinidades e proporcionou um cenário
cada vez mais rico de saberes, despertando interesses e impulsionando mudanças sociais
e políticas em todo o território nacional.
Durante o
período investigado, os brasileiros foram contemplados com a PNAISH, que estipulou
direitos à saúde masculina por meio de estratégias mais específicas que focalizassem
suas particularidades [4]. Discussões foram estimuladas a partir de então e novos
grupos foram inscritos no DGP para operacionalizar investigações focadas na temática,
registrando aumento de 157% de novos grupos cadastrados a partir de 2008.
Sobre a criação
de GP, de acordo com o Sistema de Regulação do Ensino Superior [10], uma busca
realizada em janeiro de 2020, considerando as variáveis Instituições de Ensino de
Superior (IES) públicas e IES privadas com fins lucrativos descobriu que existem
1.922 IES no Brasil, das quais 120 são públicas federais, 135 públicas estaduais
e 1.667 privadas com fins lucrativos; a Região Sudeste concentra a maioria delas,
603 instituições, que representam 44,97% do total.
Uma questão
destaca-se nesse cenário: no Brasil, a maioria dos centros de pesquisa estão relacionadas
a IESs, a programas de pós-graduação e a laboratórios. A universidade acaba por
exercer não só um papel de desenvolvimento social, mas também científico e político,
nas discussões relacionadas às questões de masculinidades da região.
Masculinidades
e saúde, conforme destacado na Figura 1, é assunto cada vez mais presente em GPs
vinculados às IES federais. Pesquisadores atribuem essa particularidade à ampliação
dos programas de pós-graduação nessas instituições ao longo dos últimos anos, com
o aumento constante do número de mestres e doutores e a consolidação de linhas de
pesquisa [12,13].
Todavia, a difícil conjuntura que a pesquisa brasileira vem
vivendo
nos últimos anos [14] ameaça a evolução
desses GPs. Cortes orçamentários destinados
às IES, a programas de pós-graduação e a
agências financiadoras, como CNPq e Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
limitam a ampliação das
discussões sobre a temática, pois retiram investimentos
das pesquisas e desarticulam
os grupos formados para pesquisar assuntos de interesse em comum [15].
Independente
dos entraves enfrentados para o desenvolvimento dos GP nacionais, existe a necessidade
cada vez mais premente de desenvolver mecanismos que fortaleçam a pesquisa em nível
local, regional e global, com metodologias inovadoras e que incentivem o intercâmbio
e a difusão da produção do conhecimento [12,15] sobre as masculinidades no contexto
da saúde [1,3].
Outro aspecto
evidenciado na Figura 1 foi as disparidades locais e regionais relacionadas à produção
do conhecimento: a maioria dos grupos se localiza nas Regiões Sudeste, Nordeste
e Sul do país, destacando-se os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande
do Sul. Porém, há saberes locais latentes em outros territórios da federação, nos
quais, por mais de 28 anos desde a implantação do primeiro GP sobre a temática,
ainda não foram explorados.
Pesquisadores
inferem que tal fato se justifica pela maior concentração das IESs brasileiras na
Região Sudeste (63,3%) e o maior índice de financiamento em pesquisas concentrar-se
no polo Sul-Sudeste [16,17]. Contudo, o Brasil é um país multicultural, com símbolos,
saberes e crenças peculiares a cada região, e as masculinidades são identidades
que apresentam configurações locais, regionais e globais que dependem diretamente
da cultura na qual estão inseridas [2]; dessa forma, conhecer características relacionadas
aos saberes locais masculinos, de múltiplas regiões do território nacional, é fundamental
para ampliar as possibilidades de compreender o comportamento dos homens em relação
a sua saúde e traçar estratégias mais integrativas para reduzir os agravos à saúde
dessa população.
O acesso a
evidências que apresentem as masculinidades locais e regionais de outras UFs se
prende também à distribuição dos pesquisadores nesse território. Como destacado
na Figura 2, faz-se necessário acelerar as mudanças em andamento para ampliar o
quadro de cientistas focados em pesquisar masculinidade e saúde nas demais regiões
do país, a fim de propiciar maior número de pesquisas, além do acesso a um conhecimento
mais profundo nas vivências masculinas no enfrentamento de diversos contextos de
adoecimento.
Quanto à participação
de pesquisadores internacionais nos GP brasileiros, estudos evidenciam que esse
relacionamento cria laços para o intercâmbio de experiências e o desenvolvimento
de estudos em rede. Enseja ação colaborativa para o desenvolvimento de contextos
de saúde locais que se inter-relacionam a contextos internacionais, como adoção
de comportamentos masculinos em situações de disseminação de pandemias, adesão a
tratamentos, reações à infusão de novas drogas em organismos humanos e exposição
a agentes patogênicos [14,15,18].
Os GPs congregam
a expertise de seus pesquisadores, desenvolvem abordagens metodológicas e campos
de discussão por meio de suas áreas e linhas de pesquisas, as quais apresentam afinidades
entre si no fortalecimento de uma temática [18]. Masculinidade e saúde acompanham
tal segmento, e como elucidado aqui (Tabela I) e em outros estudos [10], sua operacionalização
apresenta maior número de ocorrências na área das Ciências Humanas e apesar de seu
caráter interdisciplinar, a temática ainda é pouco explorada nas Ciências da Saúde.
Pesquisar
questões sobre masculinidades exige reflexão e redefinição dos papéis esperados
de homens e mulheres numa sociedade [7], uma dimensão mais próxima da epistemologia
das ciências humanas [10].
Assim, a masculinidade é melhor entendida como uma parte
arquetípica da condição humana, em vez de uma
coleção de estereótipos que podem
ser alterados por meio de tratamento ou educação.
Claramente, tanto o determinismo
social (criação sobre a natureza) quanto o determinismo
biológico (natureza sobre
criação) são posições
teóricas extremas que não se encaixam à
evidência sobre o
gênero e, estes indivíduos sujeitos a
interações biológicas, psicológicas e
principalmente
influências sociais, moldam a sua masculinidade sem separar a
mente e o corpo [19].
Já o desdobramento
desses saberes aplica-se nas mais diversas áreas de suas relações, as quais vão
além das ciências humanas e impactam, inclusive, no setor da saúde. Isso ocorre
devido a saúde envolver diferentes dimensões do ser humano (biológica, psicológica,
social, cultural, entre outras) e esses componentes são passíveis de compreensão
em toda sua amplitude e totalidade de modo multicausal e multidimensional. Pesquisadores
[6] ponderam que é preciso conhecer o homem para melhor assisti-lo nas unidades
que ofertam cuidados diretos e indiretos para tratar suas enfermidades. Entretanto,
os cursos das ciências da saúde, como Enfermagem, Medicina, Nutrição e outros, que
desempenham um saber aplicado para o cuidado biológico das questões da vida, de
certa forma demandam ações de ordem mais objetiva e aplicada, utilizando-se do conhecimento
das humanidades para implementá-las; assim, essas áreas trabalham juntas no planejamento
e na materialização de uma filosofia de cuidado ao homem [6].
Isso reflete
no maior quantitativo de GP cadastrados na área de Ciências Humanas, visto a possibilidade
da interdisciplinaridade em compreender os fenômenos das masculinidades. Pesquisadoras
[18] destacam que a produção sobre gênero e sexualidade na área de antropologia
teve desde o início caráter multidisplinar e, a partir dos anos 2000, passaram a
ganhar maior visibilidade. Neste estudo, o surgimento de GP neste período fortalece
a afirmação, visto que, estudos sobre sexualidades foram considerados uma área separada
dos estudos de gênero até a década de 1990 e, somente a partir de 2000, as fronteiras
entre estas temáticas borraram-se e ganharam contornos menos definidos com problemáticas
transversais [20].
Segundo a
última súmula estatística do CNPq (2020), dos 37.640 GP cadastrados no diretório
(todas as áreas das ciências), 5.877 são da grande área Ciências da Saúde, dos quais
1.079 correspondem a Saúde Coletiva, 683 a Enfermagem, 704 a Educação Física e 366
a Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Como se depreende da Tabela I, Masculinidades
e Saúde estão presentes como linha central na discussão de apenas 13 desses 5.877
GPs da área da saúde.
Um estudo
de balanço bibliográfico [20] demonstrou o modo em que as ciências da saúde trilharam
no período de 2008-2018 o caminho de diálogo entre saúde e sexualidade nas intervenções
disponíveis e, os métodos comportamentais, sobretudo baseado no pensamento foucaultiano.
Quanto maior o número de evidências com rigor científico, de pesquisadores e de
investimentos destinados a explorar um contexto específico de saúde, maiores serão
as chances de compreender os fenômenos que o sustentam, ampliando as possibilidades
de intervenção [14], criação de estratégias para o enfrentamento de doenças e promoção
de cuidados integrais [5]. Por mais que se tenha avançado na discussão de masculinidade
e saúde em todo o mundo nos últimos anos [2], o comportamento do homem em diversos
contextos de adoecimento (doenças crônicas e degenerativas, uso de drogas e entorpecentes,
doenças emergenciais, negligenciáveis, infecto-parasitarias), ainda precisa de mais
compreensão [1,7,10,13,14,21]. Acredita-se que a ampliação de ambientes para discutir
e pesquisar, como os GP, facilitaria a solução destes e de outros problemas relacionados
à saúde do homem, contribuindo para ampliar e implementar políticas de saúde.
O estudo limitou-se
a identificar os grupos de pesquisa que relacionavam masculinidades e saúde, porém
é válido ressaltar que podem haver outros grupos de pesquisa que produzem sobre
o tema pesquisado, entretanto, não apresentam em seu escopo tal delineamento conceitual.
Mapear o panorama
dos grupos de pesquisas brasileiras sobre masculinidades e saúde, trata-se de uma
atividade primordial no fortalecimento e direcionamento dos futuros passos sobre
a temática, pois o conhecimento produzido por estes gera significativo impacto na
condução de evidências para o subsidio de políticas públicas, sobretudo as relacionadas
a saúde e bem-estar dos homens. Portanto, com base nos resultados apresentados novos
estudos podem ser aplicados às dimensões verificadas e novas perspectivas sobre
a saúde do homem podem ser exploradas.
A análise
dos GP sobre as masculinidades relacionadas à saúde no Brasil evidenciou que o
assunto foi adotado como tema central a partir da década de 90 e desde então vem
ganhando destaque, sendo intensificado após o aparecimento das políticas públicas
voltadas para a saúde do homem. Os dados revelaram que os GP e seus integrantes
se concentram nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste do país, com pesquisas principalmente
na grande área das Ciências Humanas, apresentando poucas linhas de pesquisas voltadas
para as Ciências da Saúde.
Os resultados
desta pesquisa apresentam indicadores para avanços estruturais e políticos na geração
de conhecimento sobre masculinidade e trazem importantes implicações para a saúde,
fornecem direcionamentos para a criação de novos GP no território nacional e sua
ampliação na saúde, nas ciências humanas e sociais. Os resultados apontam a necessidade
de fortalecer a temática, internacionalizar o conhecimento e ampliar as discussões
sobre as masculinidades locais, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do
país.
Ponderando
a aplicabilidade prática dos resultados encontrados, é oportuno salientar que a
pesquisa apresenta limitações: os dados contemplam evidências presentes nos GPs
vinculados ao DGP, no qual alguns currículos encontram-se desatualizados, não permitindo
grande aprofundamento na análise da produção dos pesquisadores, limitando as informações
que poderiam ser disponibilizadas para aplicar na prática o conhecimento que esses
grupos produzem.
Conflitos
de interesse
Não
houve conflitos de interesses.
Fontes
de financiamento
Pesquisa
financiada pelo EDITAL Nº 89/GR/UFFS/2022 (PES-2022-0099)
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Araújo JS, Santos JVAL, Esper MV; Análise e
interpretação dos dados: Araújo JS, Santos JVAL, Esper
MV; Análise estatística: Araújo JS, Santos JVAL, Esper
MV; Redação do manuscrito: Araújo JS, Santos JVAL, Esper
MV, Loro AP, Pitilin EB, Santos MA; Revisão
crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Araújo JS,
Santos JVAL, Esper MV, Loro AP, Pitilin
EB, Santos MA.