Enferm Bras.
2023;22(3):370-80
ARTIGO
ORIGINAL
Pacientes
hospitalizados com injúria renal aguda: estudo de coorte
Maria
Eduarda Cardoso Silva1, Savio Aparecido Melo da Silva1,
João Felipe Guapo Pasquini1, Vinícius de Oliveira Masiero1,
Luiz Henrique Rocha Garcia1, Fabrizio
Almeida Prado1, Renne Rodrigues1,
Denise Andrade Pereira1
1Universidade Estadual de Londrina, PR,
Brasil
Recebido
em: 12 de abril de 2023; Aceito em: 3 de junho de 2023.
Correspondência: Maria Eduarda Cardoso Silva,
mariadudacardoso1210@gmail.com
Como citar
Silva MEC, Silva SAM, Pasquin JFG, Masiero
VO, Garcia LHR, Prado FA, Rodrigues R, Pereira DA. Pacientes hospitalizados com
injúria renal aguda: estudo de coorte. Enferm Bras. 2023;22(3):370-80. doi:
10.33233/eb.v22i3.5432
Resumo
Objetivo: Analisar a prevalência de mortalidade
de pacientes hospitalizados com injúria renal aguda e fatores associados. Métodos:
Estudo de coorte retrospectivo realizado com pacientes adultos internados em um
hospital terciário do Sul do Brasil. Realizou-se análise bivariada e, a seguir,
modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Resultados: A
média de idade foi de 59,0 anos, já a dos que evoluíram para óbito foi de 62,4
anos. A mortalidade por injúria renal aguda associou-se com internação em UTI
(p-valor = 0,037), paciente crítico (p-valor ≤ 0,001), pior estadiamento
(p-valor = 0,001), indicação de hemodiálise (p-valor = 0,001), duas ou mais
causas etiológicas (p-valor = 0,004) e progressão da idade (p-valor ≤
0,001). Conclusão: A identificação precoce dos fatores de risco para
mortalidade por injúria renal aguda poderá contribuir para a implementação de
medidas para redução do óbito entre pacientes hospitalizados.
Palavras-chave: injúria renal aguda; mortalidade
hospitalar; unidades de terapia intensiva.
Abstract
Hospitalized patients with acute kidney injury: a
cohort study
Objective: To analyze the prevalence of
mortality in hospitalized patients with acute kidney injury and associated
factors. Methods: This is a
retrospective cohort study performed with adult patients admitted to a tertiary
hospital in southern Brazil. Bivariate analysis was performed, followed by a
Poisson regression model with robust variance. Results: The mean age was
59.0 years, while that of those who died was 62.4 years. acute kidney injury
mortality was associated with ICU admission (p-value = 0;037), patient
criticality (p-value ≤ 0,001), worse staging (p-value = 0,001),
indication for hemodialysis (p-value = 0,001), two or more etiological causes
(p-value = 0,004) and age progression (p-value ≤ 0,001). Conclusion:
The early identification of risk factors for acute kidney injury mortality may
contribute to the implementation of measures to reduce death among hospitalized
patients.
Keywords: acute kidney injury; hospital
mortality; intensive care units.
Resumen
Pacientes
hospitalizados con lesión
renal aguda: estudio de cohorte
Objetivo: Analizar la prevalencia de mortalidad en pacientes
hospitalizados con lesión
renal aguda y factores asociados.
Métodos: Estudio de cohorte
retrospectivo conducido con
pacientes adultos internados en un
hospital terciario en el sur de Brasil. Se realizó un análisis
bivariado, seguido de un modelo de regresión de Poisson con varianza robusta. Resultados: La media
de edad fue de 59,0 años, mientras que la de los fallecidos
fue de 62,4 años. La mortalidad por lesión renal aguda
se asoció con internación en UCI (p-valor =
0,037), paciente crítico (p-valor ≤ 0,001), peor
estadificación (p-valor = 0,001), indicación
de hemodiálisis (p-valor = 0,001), dos o más causas
etiológicas (p-valor = 0,004) y progresión de la edad (p-valor ≤ 0,001). Conclusión: La identificación
temprana de factores de riesgo de mortalidad por lesión renal aguda podrá
contribuir a la implementación
de medidas para reducir las
muertes entre los pacientes
hospitalizados.
Palavras-chave: lesión renal
aguda; mortalidad hospitalaria;
unidades de cuidados intensivos.
A
injúria renal aguda (IRA) é uma condição
que leva à rápida diminuição da
função
renal, em horas ou dias. Nota-se o declínio das
funções básicas realizadas
pelos rins, com a redução do volume urinário e da
filtração glomerular,
elevando a presença de escórias nitrogenadas
séricas [1].
A
IRA é uma síndrome multifatorial com elevada incidência em todo o mundo –
estimou-se em 750 milhões de indivíduos diagnosticados com IRA em 2016, o que a
torna um problema de saúde pública tanto em países em desenvolvimento quanto
nos desenvolvidos. Um estudo de base populacional registrou pequena diferença
na incidência de IRA entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, 33,4% e
37,7%, com taxa de mortalidade de 40,6% e 43,2%, respectivamente [1,2].
Um
estudo epidemiológico ecológico verificou que, no cenário nacional, entre 2014
e 2019, a região Sudeste apresentou o maior percentual (47,0%) de óbitos por
IRA, contudo a região Norte destacou-se com a maior taxa de mortalidade (13,9%)
[3].
Outra
pesquisa ecológica nacional identificou maior prevalência de IRA em indivíduos
entre 60 e 64 anos (11,1%), maior porcentagem de internações em idosos com
idade superior a 80 anos, 36,8% das internações hospitalares correspondeu a
população autodeclarada branca, e mais da metade das internações decorrentes
desse agravo eram homens (56,4%) [4].
No
Reino Unido, uma investigação identificou na admissão hospitalar possíveis
fatores de risco para IRA: idade, hipotensão, sepse, hipovolemia, insuficiência
cardíaca congestiva, uso de medicações nefrotóxicas, entre outros [5]. Já uma
pesquisa no Sul do Brasil evidenciou que cerca de 90% dos pacientes que
desenvolveram IRA realizaram uso prévio de drogas nefrotóxicas [6].
O
declínio da função renal é uma das complicações mais recorrentes no meio
intra-hospitalar. Em unidades de terapia intensiva (UTI), o índice de
mortalidade por IRA pode chegar a 80%, agravando-se quando adquirida durante o
período de internação [7,8]. Um estudo de coorte no Norte do País encontrou
taxa de mortalidade de 94,1% entre pacientes de UTI [9]. Outro estudo em UTIs
no estado do Paraná evidenciou que 6,9% dos pacientes admitidos evoluíram com
diagnóstico de IRA durante a internação, e destes 72,0% foram a óbito [10].
A
hemodiálise é a principal Terapia Renal Substitutiva (TRS) utilizada na IRA em
pacientes hospitalizados; no Brasil, em 2017, aproximadamente 126 mil pacientes
a realizaram [11]. A TRS se dá por meio da hemodiálise e da diálise peritoneal
e tem como objetivo a depuração de substâncias prejudiciais ao organismo e
manutenção do equilíbrio homeostático [12,13].
Um
estudo de coorte retrospectivo desenvolvido na Coreia demonstrou que a taxa de
mortalidade era menor entre pacientes que realizaram TRS em comparação aos que
não receberam o tratamento [14]. Em contrapartida, um ensaio clínico
randomizado nacional verificou que a prevalência de óbito foi de 81,7% dos
estudados em geral [15].
Trata-se
de um estudo de coorte retrospectivo desenvolvido em um hospital terciário do
Sul do Brasil, centro de referência para o Sistema Único de Saúde (SUS). O
local de estudo conta com 431 leitos, dos quais 70 são leitos de UTI adulto, 10
de UTI pediátrica e seis de UTI neonatal.
A
população de estudo foi constituída por pacientes adultos, internados no período
de janeiro de 2017 a janeiro de 2018. Foram incluídos na pesquisa todos os
pacientes internados no período e que contemplavam os seguintes critérios:
diagnosticados com IRA, acompanhados pela equipe de nefrologia e internados por
ao menos 48 horas. Foram excluídos os pacientes com informações incompletas no
prontuário.
A
coleta de dados se fez por meio da análise de prontuários dos pacientes que
completaram os critérios de inclusão. Para tanto, foi desenvolvido um
instrumento composto pelas variáveis selecionadas, de acordo com a relevância
epidemiológica para a temática em questão. Na sequência, a equipe de coleta
submeteu o instrumento ao teste-piloto e implementaram-se as correções
necessárias.
Considerou-se
variáveis dependentes: a evolução clínica, a alta ou o óbito. As variáveis
independentes selecionadas foram: sociodemográficas – sexo (feminino/masculino)
e idade (variável contínua); características clínicas – internação em UTI
(sim/não), paciente crítico (sim/não), tempo de internação (variável contínua),
creatinina sérica no pior estágio (variável contínua), estadiamento segundo
critério de KDIGO [16] (IRA estágio 1 e 2, 3), tempo entre o critério de
estadiamento e indicação de hemodiálise (variável contínua), pacientes que
necessitaram de hemodiálise (sim/não), número de sessões de hemodiálise
(variável contínua) e etiologia da IRA (nefrotoxicidade,
sepse, síndrome cardiorrenal, depleção hipovolêmica, infecção, queimadura,
choque obstrutivo, leptospirose, hipertensão arterial sistêmica, intoxicação,
síndrome hepatorrenal, HIV e acidose).
Para
análise da gravidade, estabeleceu-se como paciente crítico aquele que se
apresentava instável ou com risco de instabilidade, em que se encaixam
pacientes susceptíveis à deterioração dos órgãos vitais, com instabilidade nos
sistemas respiratório, cardiovascular, neurológico, renal e metabólico [17].
Os
dados foram analisados de forma descritiva, por meio dos valores absolutos e
relativos (variáveis categóricas) e média e desvio padrão (variáveis
contínuas). A associação entre as variáveis categóricas independentes e o
desfecho se deu por meio do teste de qui-quadrado. As
variáveis contínuas foram submetidas ao teste de Kolmogorov-Sminorv
para avaliação da normalidade, e as que apresentaram distribuição não paramétrica
foram avaliadas, em relação ao desfecho, por meio do teste de Mann-Whitney. As
variáveis que, na análise bivariada inicial (chi-quadrado ou Mann-Whitney),
apresentaram p-valor < 0,20 foram inseridas em um modelo de regressão de
Poisson com variância robusta, backward manual, para
obtenção do risco relativo, intervalo de confiança a 95% e p-valor. Neste
modelo, foram retidos apenas os fatores com p<0,050, ficando o modelo final
controlado por: Internação em UTI, paciente crítico, IRA, etiologia, indicação
de hemodiálise e idade. Os dados foram analisados no SPSS® (20.0).
Este
estudo integra um projeto maior denominado “Insuficiência Renal Aguda: do
perfil dos pacientes em um hospital universitário ao acompanhamento
ambulatorial multidisciplinar dos sobreviventes”. Foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da UEL (CEP/UEL), protocolo CAAE: 60162116.0.0000.5231;
Parecer nº 1.784.201, atendendo as determinações da Resolução de pesquisa com
seres humanos.
No
período do estudo foram atendidos 400 pacientes que contemplaram os critérios
de inclusão. Destes, 60 foram excluídos por dados incompletos, resultando em
uma população de análise de 340 participantes.
A
média de idade dos pacientes com diagnóstico de IRA foi de 59,0 ± 16,3 anos,
sendo maior naqueles que foram a óbito, com média de 62,4 ± 14,8. Em comparação
com os pacientes que tiveram alta, aqueles que evoluíram para óbito se
associaram com maior percentual de internação em UTI, classificação como
paciente crítico, em estágio 3 de IRA e com indicação de hemodiálise (Tabela
I).
Tabela
I - Perfil
sociodemográfico e clínico de pacientes com injúria renal aguda segundo
desfecho, 2017-2018
UTI
= Unidade de Terapia Intensiva; IRA = Injúria Renal Aguda
Em
modelo de regressão ajustado por fatores de confusão, foram associados a maior
chance de óbito pacientes internados em UTI, classificados como críticos, com
pior estadiamento da IRA, com duas ou mais causas etiológicas, com indicação de
hemodiálise e mais velhos (Tabela II). Notou-se que, a cada dez anos de vida,
houve aumento de 4,0% na chance de óbito.
Tabela
II - Análise
ajustada das variáveis demográficas e clínicas para óbito por injúria renal
aguda, 2017-2018
UTI
= Unidade de terapia intensiva; IRA = Injúria renal aguda. Modelo ajustado para
internação em UTI, paciente crítico, estadiamento da IRA, indicação de
hemodiálise e idade
Objetivou-se
com este estudo analisar a prevalência de mortalidade de pacientes
hospitalizados com IRA e fatores associados. A mortalidade associou-se com
progressão da idade, ser paciente crítico, internação em UTI, pior estadiamento
da IRA, duas ou mais causas etiológicas e pacientes submetidos à hemodiálise.
Observou-se
que, a cada década de vida, a mortalidade aumentou 4,0%. Tal achado encontra
consonância com o estudo de coorte de Khadzhynov, que
evidenciou a mesma associação [18]. Uma investigação realizada no Norte do
Brasil também constatou maior mortalidade entre indivíduos mais velhos, com
maior prevalência entre idosos com idade superior a 70 anos [19]. Com o
envelhecimento há uma redução na taxa de filtração glomerular e diminuição na
quantidade de néfrons, o que provoca maior risco de desenvolvimento de IRA
entre idosos, chegando a uma mortalidade 1,32 vez maior em comparação à
população mais jovem [20].
Em
relação ao estadiamento clínico da doença, identificou-se maior mortalidade
entre pacientes com pior estadiamento (69,2%). Outras investigações corroboram
esse resultado, haja vista que, quanto pior o estadiamento, pior o prognóstico.
Um estudo europeu também identificou relação entre mortalidade e pior
estadiamento de IRA [18]. Assim como uma pesquisa de coorte desenvolvida entre
pacientes críticos admitidos em UTIs demonstrou que mais da metade de sua
população classificada em estágio três de IRA evoluiu para óbito [21].
Verificou-se
relação entre óbito e pacientes internados em UTIs. Similarmente um estudo
realizado no Nordeste brasileiro entre pacientes hospitalizados em UTI detectou
que mais da metade dos pacientes com IRA foi a óbito (56,1%) [22]. Pacientes críticos internados em UTI
apresentam quase 50% a mais de chance de desfecho fatal quando comparados a pacientes
sem IRA [23,24]. Além disso, demandam maior tempo de internação, a maioria faz
uso de drogas vasopressoras, com maior chance de indicação de TRS [23].
Identificou-se
como fator de risco para óbito apresentar duas ou mais causas etiológicas para
IRA (p-valor = 0,004), incluindo nefrotoxicidade,
sepse, síndrome cardiorrenal, depleção hipovolêmica, entre outras. Uma pesquisa
observacional africana também identificou que a hipovolemia e a sepse,
respectivamente, foram as causas mais frequentes de morte por IRA [25].
A
sepse pode prolongar o tempo de internação em UTIs, correlacionando-se ao óbito
por alterações vasculares, glomerulares, danos tubulares e intersticiais renais
[23]. Pacientes acometidos por IRA associada à sepse têm taxa de mortalidade
maior em comparação a outras etiologias, fato que possivelmente contribuiu com
a mortalidade nesta pesquisa [26,27].
Na
presente investigação, a maior parte dos pacientes que receberam indicação de
terapia dialítica foram a óbito (75,5%). Uma pesquisa de coorte retrospectiva
asiática corroborou os dados do presente estudo, pois também verificou
associação significativa entre pacientes que realizaram hemodiálise e sua
evolução para óbito [28]. A realização de hemodiálise influencia na expectativa
de vida de pacientes críticos com IRA. Pacientes não submetidos a TRS
apresentam menor risco de evoluir para um desfecho fatal [29].
Outrossim,
a hemodiálise constitui-se em um procedimento invasivo que pode proporcionar
instabilidades hemodinâmicas aos pacientes que, juntamente com o diagnóstico
primário e as comorbidades, pode levar a um quadro clínico instável. Portanto,
este tratamento pode agravar o quadro do paciente, que já se encontra crítico –
o que constitui a maior parte da população em questão –, por meio das possíveis
complicações, como hipotensão arterial, desconforto respiratório, hipoglicemia,
reações de hipersensibilidade, arritmias, embolia gasosa, entre outras [30,31].
Observou-se
que a maioria da população do estudo foi a óbito, e tal achado associou-se com
a progressão da idade, ser paciente crítico, estar internado em UTI, pior
estadiamento da IRA, duas ou mais causas etiológicas e ter se submetido à
hemodiálise.
As
limitações encontradas relacionaram-se a uma população pequena de análise,
diversidade clínica dos pacientes, coleta em apenas um hospital, utilização de
dados secundários e análise pontual de muitas variáveis.
Esta
análise contribui para a identificação precoce de fatores de risco para
mortalidade por IRA, refletindo em um melhor prognóstico. O presente estudo
poderá fornecer subsídio para implementação de planejamento que resulte na
redução da mortalidade em decorrência dessa injúria.
Conflitos
de interesse
Declaramos
que não existem conflitos de interesse profissionais, financeiros ou de
benefícios diretos ou indiretos.
Fontes
de financiamento
Todos
os custos da pesquisa foram financiados pelos próprios autores.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Silva MEC, Silva SAM, Pasquini JFG, Masiero VO,
Garcia LHR, Prado FA, Rodrigues R, Pereira DA; Coleta de dados: Silva
SAM, Pasquini JFG, Masiero VO; Análise e
interpretação dos dados: Silva MEC, Garcia LHR, Prado FA, Rodrigues R,
Pereira DA; Análise estatística: Silva MEC, Rodrigues R, Pereira DA; Redação
do manuscrito: Silva MEC, Prado FA, Pereira DA; Revisão crítica do
manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Garcia LHR, Prado FA,
Pereira DA.