Enferm Bras.
2023;22(4):522-31
REVISÃO
Revisão
integrativa sobre complicações neurológicas pós-infecção por COVID-19 em
adultos
Leonardo
Moreira Rabelo¹, Ana Kelly Américo Siqueira², Marcela Vilarim
Muniz1
¹Escola
Superior de Ciências da Saúde (ESCS), Brasília, DF, Brasil
²Secretaria
de Saúde do Distrito Federal (SES/DF), Brasília, DF, Brasil
Recebido
em: 5 de abril de 2023; aceito em: 20 de agosto de 2023.
Correspondência: Leonardo Moreira Rabelo,
leomrstark@gmail.com
Como citar
Leonardo Moreira Rabelo LM, Ana Kelly Américo
Siqueira AKA, Marcela Vilarim Muniz MV. Revisão integrativa sobre complicações neurológicas
pós-infecção por COVID-19 em adultos. Enferm Bras. 2023;22(4):522-31. doi: 10.33233/eb.v22i4.5442
Resumo
Objetivo: Apresentar as complicações
neurológicas associadas à pós-infecção pelo SARS-CoV-2 em adultos. Métodos:
Trata-se de uma revisão bibliográfica do tipo integrativa. Foi utilizada a
estratégia PICO para elaboração da pergunta de pesquisa. Utilizaram-se os
termos do The Medical Subject Headings
distribuídos da seguinte forma: (neurologic manifestation OR neurologic symptoms) AND (complications) AND
(post-acute sequelae of SARS-CoV-2 infection OR post-acute COVID-19 syndrome) AND
(COVID-19) AND (SARS-CoV-2) AND (adults), com
intervalo de data de publicação de 2019 a 2022. Os bancos de dados selecionados
foram: Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde, Pubmed
e Scientific Electronic
Library Online. Resultados: Com a utilização dos descritores
identificaram-se 249 estudos, desses nove estavam adequados ao objetivo do estudo
e atendiam aos critérios de inclusão (estudos originais em português, espanhol
ou inglês, com adultos vivos ou falecidos que apresentaram complicações
neurológicas pós-infecção por COVID-19 que não podem ser associadas a outras
causas). A metodologia mais empregada pelas pesquisas foi o estudo de caso. Ao
todo foram reconhecidas 17 complicações pós-infecção, sendo as mais recorrentes
a parosmia (24%), cefaleia (18%) e névoa cerebral
(12%). Conclusão: Observa-se que a COVID-19 causa complicações após a
fase aguda da doença que afetam o sistema neurológico.
Palavras-chave: COVID-19; SARS-CoV-2; manifestações
neurológicas; síndrome pós-aguda de COVID-19.
Abstract
Integrative review on neurological complications
post-COVID-19 infection in adults
Objective: To present the neurological
complications associated with post-infection with SARS-CoV-2 in adults. Methods:
This is an integrative bibliographic review. The PICO strategy was used to
elaborate the research question. The terms of The Medical Subject Headings
distributed as follows were used: (neurologic manifestation OR neurologic
symptoms) AND (complications) AND (post-acute sequelae of SARS-CoV-2 infection
OR post-acute COVID-19 syndrome) AND (COVID-19) AND (SARS-CoV-2) AND (adults),
with a publication date range from 2019 to 2022. The selected databases were:
Regional Portal of the Virtual Health Library, Pubmed
and Scientific Electronic Library Online. Results: Using the
descriptors, 249 studies were identified, of which nine were adequate for the
purpose of the study and met the inclusion criteria (original studies in
Portuguese, Spanish or English, with living or deceased adults who had
neurological complications after infection with COVID-19 that cannot be linked
to other causes). The methodology most used by researches was the case study.
In all, 17 post-infection complications were recognized, the most recurrent
being parosmia (24%), headache (18%) and brain fog (12%). Conclusion: It
is observed that COVID-19 causes complications after the acute phase of the
disease that affect the neurological system.
Keywords: COVID 19; SARS-CoV-2; neurological manifestations;
post-acute COVID-19 syndrome.
Resumen
Revisión integrativa sobre complicaciones
neurológicas post-COVID-19 en adultos
Objetivo: Presentar las
complicaciones neurológicas asociadas
a la posinfección por
SARS-CoV-2 en adultos. Métodos: Se trata de
una revisión bibliográfica integradora. Se utilizó la estrategia
PICO para elaborar la pregunta de investigación.
Se utilizaron los términos
de The Medical Subject Headings
distribuidos de la siguiente manera: (manifestación neurológica OR síntomas
neurológicos) AND (complicaciones) AND (secuelas post-agudas de la infección por SARS-CoV-2 OR síndrome post-agudo de
COVID-19) AND (COVID- 19) AND (SARS-CoV-2) AND (adultos), con
un rango de fecha de publicación
de 2019 a 2022. Las bases de datos
seleccionadas fueron:
Portal Regional de la Biblioteca Virtual en Salud, Pubmed
y Scientific Electronic
Library Online. Resultados: Utilizando los descriptores, se identificaron
249 estudios, de los cuales nueve fueron
adecuados para el propósito
del estudio y cumplieron con los criterios de inclusión (estudios originales en portugués,
español o inglés, con adultos vivos o fallecidos
que tuvieron complicaciones
neurológicas después de la infección por COVID -19 que no puede
vincularse a otras causas).
La metodología más utilizada por los
investigadores fue el estudio de caso. En total se reconocieron 17 complicaciones posinfecciosas, siendo las más recurrentes la parosmia (24%), cefalea (18%) y niebla cerebral
(12%). Conclusión: Se observa que el COVID-19 provoca complicaciones
luego de la fase aguda de la enfermedad que afectan el sistema neurológico.
Palabras-clave: COVID-19; SARS-CoV-2; manifestaciones
neurológicas; síndrome post-agudo de COVID-19.
Em
12 de dezembro de 2019, foi identificado em Wuhan, província de Hubei, China, um novo tipo de coronavírus.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) em 12 de janeiro de 2020 o designou como
"2019-nCoV", posteriormente o Comitê Internacional de Taxonomia dos
Vírus (ICTV) como a síndrome respiratória aguda grave coronavírus-2
(SARS-CoV-2) devido à semelhança com o SARS-CoV
precedente e em 11 de fevereiro de 2020 a OMS o classificou como doença coronavírus 2019 (COVID-19) [1,2].
No
dia 30 de janeiro de 2020 a OMS declarou o vírus como uma emergência de saúde
pública [3], já em 11 de março de 2020, pela sua rápida disseminação em
diversos países, a OMS declarou a COVID-19 uma pandemia [2].
Números
disponibilizados pela OMS, até 21 de outubro de 2022, apontam que foram
623.893.894 milhões de casos confirmados e 6.553.936 milhões de óbitos. Já no
Brasil, até a mesma data, foram 34.776.259 milhões de casos confirmados,
687.483 mil óbitos e 33.996.688 milhões de recuperados. Os dados certificam a
considerável quantidade de mortes, mas também o número massivo de recuperados.
Isso posto, os sobreviventes precisam de avaliação quanto aos possíveis
problemas pós-infecção [4,5].
A
doença, além dos distúrbios respiratórios, causa complicações neurológicas
diretamente pelo SARS-CoV-2 no sistema nervoso ou indiretamente por imunomediados. A infecção direta pode ocorrer durante a
fase aguda da doença e a indireta pode aparecer meses após a fase aguda. O vírus
pode penetrar os tecidos nervosos, danificando os nervos. Além disso, é capaz
ainda de provocar neurotoxicidade por meio de lesão induzida por hipóxia [6,7].
Dessa
forma, estudos que abordem as complicações contribui para a integralidade da
assistência às pessoas acometidas [8]. Assim, este estudo possui o objetivo de
apresentar as complicações neurológicas associadas à pós-infecção pelo
SARS-CoV-2 em adultos, a partir da literatura disponível.
O
presente estudo é de natureza básica, pois não possuirá práticas em humanos [9]
e abordagem mista, respondendo o objetivo de forma quantiqualitativa
[10,11].
A
metodologia empregada é revisão bibliográfica do tipo revisão integrativa.
Busca-se com a sua utilização alcançar um profundo entendimento sobre um
assunto com base em pesquisas já publicadas. Esse método fundamenta-se na
realização de uma rica análise da literatura, contribuindo para discussões dos
resultados dos estudos, como reflexões sobre a necessidade de futuras pesquisas
[12].
Para
a elaboração da pergunta de pesquisa foi utilizada a estratégia PICO, um
acrônimo para paciente, intervenção, comparação e “outcomes”
(desfecho). Conforme o método de revisão, não se empregam todos os elementos da
PICO [13,14,15]. Neste estudo não serão abordadas intervenções e comparações entre
os resultados.
Portanto,
a PICO desenvolvida foi a seguinte: pacientes – adultos; intervenção – não se
aplica; controle ou comparação - não se aplica; desfecho - complicações
neurológicas pós-infecção por SARS-CoV-2.
Estratégia
de busca
A
procura na literatura foi desenvolvida em agosto de 2022. Utilizaram-se para a
realização das buscas os termos do The Medical Subject
Headings (MeSH), com a
seguinte estratégia: (neurologic manifestation
OR neurologic symptoms) AND
(complications) AND (post-acute
sequelae of SARS-CoV-2 infection OR post-acute COVID-19 syndrome) AND (COVID-19) AND (SARS-CoV-2) AND (adults), com intervalo de data de publicação de 2019 a
2022. Os bancos de dados selecionados foram: Portal Regional da Biblioteca
Virtual em Saúde (BVS), Pubmed e Scientific
Electronic Library Online (SCIELO).
Critérios
de seleção
Os
critérios de inclusão utilizados foram: estudos originais, publicados em
português, espanhol ou inglês, em pacientes vivos ou que evoluíram para óbito,
com complicações neurológicas pós-infecção por COVID-19 em adultos que não
podem ser associadas a outras causas. Os critérios de exclusão foram: revisões
e artigos indisponíveis gratuitamente.
Por
fim, para apresentar os resultados em cada etapa da revisão foi utilizado o
fluxograma adaptado da recomendação Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) de forma adaptada [16].
Com
a utilização dos descritores, foram identificados 249 estudos (Pubmed: 212 / BVS: 37 / SCIELO: 0). O processo de seleção,
descrito na figura um, obedeceu a seguinte ordem: o título e resumo do artigo
eram lidos, se observada adequação com os critérios de inclusão, esse era
reservado para leitura integral posteriormente. Foram pré-selecionados 19
artigos para a leitura na íntegra, desses, nove compõem a tabela um, na qual
constam as descrições das pesquisas e as complicações neurológicas pós-COVID.
Fonte:
elaborada pelo autor
Figura
1 - Fluxograma com
as diferentes fases da revisão
Com
os resultados obtidos, percebe-se que a metodologia mais empregada pelos
achados foi a de relato de caso. Quando a amostra é com um paciente, esse tipo
de desenho de pesquisa apresenta limitações para a realização de generalizações
e dificulta o desenvolvimento de modelos e teorias [17].
Tendo
em vista que o SARS-Cov-2 está disseminado globalmente, são importantes estudos
que proporcionem a generalização das sequelas neurológicas pós-infecção, como
Ensaios Clínicos Randomizados (ECR), nível mais elevado de pesquisa científica.
Um dado negativo com base nos resultados é a ausência de ECR dentre os
resultados. Uma possível causa disso é o fato que a COVID-19 ainda é uma doença
recente e o desenvolvimento de ECR demanda um tempo considerável.
Ainda
sobre a temática, Pooya et al. [18] não
descrevem de maneira nítida a metodologia utilizada. Segundo Gerhargt e Silveira [9] os textos de pesquisas científicas
devem possuir clareza.
Revisão
publicada em 2021 avaliou as publicações sobre COVID-19 e identificou
inferioridade na metodologia dos estudos [19]. Isso demonstra a necessidade de
os periódicos avaliarem com atenção os manuscritos, pois os trabalhos
científicos auxiliam na tomada de decisões pelos órgãos governamentais e,
consequentemente, repercutem na saúde da população.
No
tocante aos locais de realização dos estudos, todos foram desenvolvidos nos
Estados Unidos da América (EUA), Ásia e Europa. As publicações sobre a temática
concentram-se nesses continentes. No entanto, América do Sul e África possuem
menos publicações [20]. Deve-se estimular o desenvolvimento de pesquisas e
pesquisadores, fornecer recursos humanos e monetários
para que as individualidades envolvendo a população e o SARS-CoV-2 desses
locais sejam conhecidas, prevenidas e tratadas, inclusive na esfera
pós-infecção.
Ao
todo foram sintetizadas 17 complicações, as três com maior recorrência foram parosmia, cefaleia e névoa cerebral (24%, 18% e 12% dos
resultados consecutivamente).
A
parosmia é um estado no qual o sentido do olfato é
mantido, porém, distorcido, o cheiro que anteriormente era agradável se
transforma em enjoativo. Esse problema pode ser resultado dos danos causados
pelo SARS-CoV-2 nos neurônios olfativos e no trato respiratório superior.
Posteriormente ao agravo ocorre a regeneração dos receptores e consequentemente
os odores podem ser interpretados de forma anormal [21,22,23].
O
mecanismo fisiopatológico da cefaleia relacionada ao SARS-CoV-2 ainda está
indefinido. Existem sugestões que ocorre devido à invasão direta do vírus nas
terminações do nervo trigêmeo na cavidade nasal, aumento de citocinas
pró-inflamatórias circulantes, hipóxia e pela sensibilização de várias áreas no
cérebro [24,25].
A
névoa cerebral é a dificuldade de memória e concentração [26]. Hugon et al. [27] identificaram em três pacientes,
por meio de tomografia por emissão de pósitrons, com hipometabolismo
no tronco encefálico, mais especificamente no locus coeruleus (LC), o que pode explicar o nevoeiro, pois em
humanos o LC atua na modulação de diversos comportamentos, como estados de
sono/vigília, atenção e memória ao longo de tarefas cognitivas e resposta ao
estresse [28]. Porém, devido à amostra pequena, mais estudos são necessários
para confirmar essa associação.
Portanto,
na abordagem das sequelas neurológicas pós-COVID-19 são necessárias pesquisas
prospectivas multicêntricas de longo prazo para avaliar as diferentes
complicações, as intervenções que podem ser utilizadas e o prognóstico
neurológico dos indivíduos. É fundamental a elaboração de protocolo que atenda
as especificidades que as desordens apresentam e a criação de espaços focados
na neuroreabilitação, com recursos humanos, materiais
e de infraestrutura adequada, objetivando sucesso terapêutico, particularmente
nos países que não dispõem de unidades de reabilitação especializada [29,30].
Tabela
I – Descrição dos
estudos selecionados
O
SARS-CoV-2 é um vírus que possui rápida disseminação. Antes de completar três
meses do seu aparecimento a OMS já classificava a COVID-19 como pandêmica,
causadora de milhões de mortes e complicações neurológicas pós-infecção em
adultos. As de maior ocorrência, de acordo com os resultados, foram a parosmia, cefaleia e névoa cerebral.
Acerca
das sequelas pós-COVID-19, pesquisas futuras do tipo ECR são necessárias para o
desenvolvimento de assistência em saúde integral aos sobreviventes da doença.
São fundamentais ainda trabalhos epidemiológicos nesse perfil de paciente no
subcontinente da América do Sul e no continente africano, pois não foram
encontrados dados referentes a essas regiões.
A
procura por fontes da literatura foi realizada apenas por um autor, o que pode
limitar o estudo por viés de seleção. Outro fator limitante foi a falta de
metodologia clara em um dos estudos.
Conflito
de interesse
Autores
declaram que não há conflito de interesse.
Fontes
de financiamento
Sem
financiamento.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Rabelo LM, Muniz MV; Coleta de dados: Rabelo LM; Análise e
interpretação dos dados: Rabelo LM, Siqueira AKA, Muniz MV; Redação do
manuscrito: Rabelo LM, Siqueira AKA; Revisão crítica do manuscrito
quanto ao conteúdo intelectual importante: Rabelo LM. Siqueira AKA, Muniz
MV.