Enferm Bras. 2023;22(6):868-85

doi: 10.33233/eb.v22i6.5458

ARTIGO ORIGINAL

Análise da sistematização da assistência de enfermagem a pessoas com ventilação mecânica invasiva

 

José Italo Monte da Silva1, Luiza Taciana Rodrigues de Moura1, Lusineide Carmo Andrade de Lacerda2, Bianca Ventura Medeiros de Araújo1, Carlos Eduardo da Silva Nascimento1, Camila Mahara Dias Damasceno3, Kátia Simoni Bezerra Lima1

 

1Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Petrolina, PE, Brasil

2Universidade de Pernambuco (UPE), Petrolina, PE, Brasil

3Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco (HUUNIVASF), Petrolina, PE, Brasil

 

Recebido em: 3 de maio de 2023; Aceito em: 19 de dezembro de 2023.    

Correspondência: José Italo Monte da Silva, italomonte.21@hotmail.com

 

Como citar

Silva JIM, Moura LTR, Lacerda LCA, Araújo BVM, Nascimento CES, Damasceno CMD, Lima KSB. Análise da sistematização da assistência de enfermagem a pessoas com ventilação mecânica invasiva. Enferm Bras. 2023;22(6):868-85. doi: 10.33233/eb.v22i6.5458

 

Resumo

Introdução: A ventilação mecânica invasiva é uma terapia para abordagem da insuficiência respiratória grave que comumente é empregada a pacientes em terapia intensiva, e a responsabilidade desse cuidado é dos enfermeiros. Objetivo: Analisar a sistematização da assistência de enfermagem às pessoas em terapia de ventilação mecânica invasiva em unidade de terapia intensiva e semi-intensiva. Métodos: Trata-se de um estudo descritivo exploratório, com abordagem quantitativa e qualitativa. O estudo foi realizado em um Hospital Universitário do município de Petrolina/PE. A amostra foi composta por enfermeiros, sendo aplicado um questionário, englobando: variáveis sociodemográficas, laborais, diagnósticos de enfermagem e intervenções utilizadas no cuidado aos pacientes em Ventilação Mecânica. A análise quantitativa foi feita por estatística descritiva simples e correlativa; e a análise qualitativa pelo software IRAMUTEQ. Resultados: Foram descritos como diagnósticos de enfermagem, a troca de gases prejudicada, risco de infecção, risco de broncoaspiração e ventilação espontânea prejudicada. Entre os cuidados de Enfermagem mais prevalentes, a aspiração de vias aéreas e elevação da cabeceira entre 30º e 45º. A ausência de capacitação em serviço sobre ventilação mecânica invasiva foi informada por 56,25% dos participantes do estudo; e 47% relataram que não tiveram aulas na graduação sobre esse assunto. Conclusão: Os principais cuidados de enfermagem prestados ao paciente em ventilação mecânica invasiva tinham relação com a prevenção de infecções, cuidados com via aérea e vigilância clínica do paciente e seus parâmetros ventilatórios. Entre os desafios relatados pelos enfermeiros, destaca-se a insuficiente formação na graduação relacionada à temática e a carência de treinamentos em serviço.

Palavras-chave: respiração artificial; enfermagem de cuidados críticos; unidade de terapia intensiva; cuidados de enfermagem; processo de enfermagem.

 

Abstract

Analysis of the systematization of nursing care to people with invasive mechanical ventilation

Introduction: Invasive Mechanical ventilation is an invasive therapy to address severe respiratory distress that is commonly used in intensive care patients, and nurses are responsible for caring for people on mechanical ventilation. Objective: To analyze the systematization of nursing care for people undergoing invasive mechanical ventilation therapy in an intensive and semi-intensive care unit. Methods: This is an exploratory descriptive study, with a quantitative and qualitative approach. The study was carried out at a University Hospital in the city of Petrolina/PE. The sample consisted of Nurses, and a questionnaire was applied, encompassing: sociodemographic and labor variables, Nursing diagnoses and interventions used in the care of patients on Mechanical ventilation. Quantitative analysis was performed using simple and correlative descriptive statistics; and qualitative analysis using the IRAMUTEQ software. Results: Impaired gas exchange, risk of infection, risk of bronchoaspiration and impaired spontaneous ventilation were described as nursing diagnoses. Among the most prevalent Nursing care, airway aspiration and elevation of the head between 30º and 45º. The lack of in-service training on invasive mechanical ventilation was reported by 56.25% of study participants; and 47% reported that they did not take undergraduate classes on this subject. Conclusion: The main Nursing care provided to the patient on Mechanical ventilation was related to the prevention of infections, airway care and clinical surveillance of the patient and his ventilatory parameters. Among the challenges reported by the nurses, the insufficient graduation training related to the theme and the lack of in-service training stand out.

Keywords: respiration, artificial; critical care nursing; intensive care units; nursing care; nursing process.

 

Resumen

Análisis de la sistematización de la atención de enfermería a personas con ventilación mecánica invasiva

Introducción: La ventilación mecánica invasiva es una terapia para tratar la insuficiencia respiratoria grave que se usa comúnmente para pacientes en cuidados intensivos, y es responsabilidad de los enfermeros cuidar a las personas bajo ventilación mecánica. Objetivo: Analizar la sistematización de los cuidados de enfermería a personas en terapia de ventilación mecánica invasiva en una unidad de cuidados intensivos y semiintensivos. Métodos: Se trata de un estudio descriptivo exploratorio, con abordaje cuantitativo y cualitativo. El estudio fue realizado en un Hospital Universitario de la ciudad de Petrolina/PE. La muestra estuvo compuesta por enfermeros, y se aplicó un cuestionario que abarcó: variables sociodemográficas y laborales, diagnósticos de enfermería e intervenciones utilizadas en el cuidado de los pacientes en ventilación mecánica. El análisis cuantitativo se realizó mediante estadística descriptiva simple y correlativa; y análisis cualitativo utilizando el software IRAMUTEQ. Resultados: Se describieron como diagnósticos de enfermería alteración del intercambio gaseoso, riesgo de infección, riesgo de broncoaspiración y alteración de la ventilación espontánea. Entre los cuidados de Enfermería más prevalentes, la aspiración de vía aérea y la elevación de la cabeza entre 30º y 45º. La falta de capacitación en servicio sobre ventilación mecánica invasiva fue reportada por el 56,25% de los participantes del estudio; y el 47% informó que no tomó clases de pregrado sobre este tema. Conclusión: Los principales cuidados de enfermería prestados al paciente en ventilación mecánica estuvieron relacionados con la prevención de infecciones, cuidados de la vía aérea y vigilancia clínica del paciente y sus parámetros ventilatorios. Entre los desafíos relatados por los enfermeros, se destacan la insuficiente formación de graduación relacionada con el tema y la falta de formación en servicio.

Palabras-clave: respiración artificial; enfermería de cuidados críticos; unidades de cuidados intensivos; atención de enfermería; proceso de enfermería.

 

Introdução

 

A Ventilação Mecânica Invasiva (VMI) é uma terapia para abordagem da insuficiência respiratória grave seja hipoxêmica ou hipercapineica que comumente é empregada a pacientes em terapia intensiva. Seu uso ocorre de forma não invasiva por interface externa e invasiva por meio de um tubo endotraqueal ou por traqueostomia [1]. Entre as indicações da VMI estão: doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) descompensada, Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo grave (SDRA), doenças neurodegenerativas e politraumatismo [2].

O uso da VMI traz repercussões clínicas importantes na saúde do paciente, devendo ser empregada apenas em casos específicos de acordo com suas indicações [1,3]. Seu uso sem critérios pode causar impacto negativo na clínica do paciente, onde a equipe de saúde deve atentar para esses sinais e indicações. O enfermeiro como um dos profissionais beira leito na terapia intensiva tem um importante papel na identificação desses sinais [2].

O manejo da VMI requer ajustes iniciais do ventilador mecânico, tais como: controle da Fração Inspirada de Oxigênio (FIO2), Pressão Expiratória Final (PEEP), escolha de modos ventilatórios, seja assistido controlado ou   pressão de suporte, monitorização de trocas gasosas (PAO2-FIO2) e padrão respiratório, observação dos sinais neurológicos, aspiração de secreções pulmonares, muitas vezes essas atividades definem o desfecho do paciente [4].

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) assim como a unidade semi-intensiva comumente contém pacientes em uso de VMI, dessa forma todos os profissionais da saúde desse setor prestam assistência a pacientes nessa terapia, seja de forma direta ou indireta, e precisam entender os processos que envolvem essa intervenção. O enfermeiro presta uma assistência direta a esse paciente em VMI junto à equipe multiprofissional [5]. E vale ressaltar que esse tipo de cuidado necessita de vasto conhecimento clínico para ser efetuado de maneira correta [4].

A prática clínica direta ao paciente em terapia intensiva e semi-intensiva representa um importante desafio para os profissionais da saúde, especialmente relacionado à VMI, pois demanda técnicas e conhecimentos específicos para um manejo satisfatório. O profissional enfermeiro enfrenta dificuldades que muitas vezes são peculiares para um manejo adequado nessa terapia, seja por acúmulos de atividades ou por distanciamento ao longo do tempo dessa prática. Um fator importante para combater esse distanciamento é a formação acadêmica e educação continuada e permanente com treinamento prático [6].

Os enfermeiros que optam por atuação em cuidados intensivos necessitam de formação mais específica, seja especialização, validação específica para procedimentos, cursos, entre outras atividades. Sugere-se que esses profissionais tenham capacitação para diminuição de possíveis déficits; uma ferramenta importante nesse sentido é a educação continuada em serviço que quando realizada de forma prática traz resultados mais efetivos [7].

Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), e de acordo com a Lei do exercício profissional nº 7498/86, compete ao enfermeiro a atuação com pacientes críticos, assim como o gerenciamento desse atendimento enquanto equipe de enfermagem. Em decorrência de uma alta demanda de profissionais habilitados e capacitados para atuarem na terapia intensiva durante a pandemia do COVID-19, a Resolução COFEN nº 639/2020 estabelece que o manejo da ventilação mecânica constitui prática avançada de competência privativa ao enfermeiro enquanto equipe de enfermagem; sendo de sua competência, dentre outras funções, a checagem de alarmes, ajuste inicial, manejo dos parâmetros do VMI, tanto na estratégia não invasiva como na invasiva. O ajuste inicial e parâmetros da VMI devem ocorrer sob discussão com a equipe médica [8,9].

Diante disso, é de responsabilidade dos enfermeiros, frente a equipe de enfermagem, o cuidado as pessoas sob VMI; e sendo as necessidades do paciente o objeto de trabalho da enfermagem, o planejamento e execução do cuidado a ser oferecido a essa pessoa deve ser pautado em decisões seguras, utilizando para isso, o processo de enfermagem [3]. O processo de enfermagem na UTI proporciona ao paciente um método científico, holístico, individual e contínuo, possibilitando ao enfermeiro o uso do pensamento crítico no processo de cuidar e autonomia profissional [10].

A ventilação mecânica é intrínseca à terapia intensiva, sendo indispensável o conhecimento do manejo dessa terapia pelos profissionais desse setor. Na pandemia da COVID-19 a terapia de VMI se tornou mais conhecida e difundida na população pela demanda de pacientes graves que evoluíram para o uso da VMI.

Considerando a resolução COFEN nº 639/2020 sobre as competências do enfermeiro frente ao manejo da terapia de VMI, que surgiu devido à alta necessidade de profissionais habilitados para o manejo nesta terapia, a necessidade de conhecer a atuação desses profissionais, assim como o preparo que foi oferecido para os mesmos em sua formação e campo de trabalho são indispensáveis no momento atual.

Nesse contexto, esta pesquisa teve como objetivo analisar a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAS) às pessoas em terapia de ventilação mecânica invasiva em UTI e semi-intensiva.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo descritivo exploratório, com abordagem quantitativa e qualitativa.

O estudo aconteceu na UTI geral e unidade semi-intensiva do Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco (HU-Univasf), localizado no município de Petrolina/PE. A UTI do HU-Univasf conta atualmente com 10 leitos disponíveis e a unidade semi-intensiva com 5 leitos.

A amostra foi composta por enfermeiros, lotados na UTI geral e unidade semi-intensiva do HU-UNIVASF, que atuam diretamente no cuidado aos pacientes em terapia de ventilação mecânica invasiva, sendo excluídos do estudo, os profissionais que se encontravam afastados por atestado médico, licença maternidade ou e de férias.

Para realização deste estudo, formou-se como instrumentos de pesquisa os seguintes procedimentos investigativos: pesquisa bibliográfica, questionário semiestruturado, análise documental da UTI e semi-intensiva.

A coleta dos dados foi realizada mediante aplicação de um questionário autoaplicável elaborado pelos pesquisadores, com perguntas objetivas e discursivas, englobando: variáveis sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, tempo de atuação em terapia intensiva e semi-intensiva, formação específica); variáveis laborais (unidade de trabalho, regime de trabalho, tempo de serviço no hospital e vínculos com outras instituições); processo de enfermagem utilizado no cuidado aos pacientes neste tipo de terapia, conforme a resolução COFEN nº 639/2020. Os participantes também foram questionados sobre a existência de documentos institucionais sobre a VMI que norteia o cuidado dos mesmos frente a esses clientes. Para análise documental utilizou-se o material disponibilizado pelos gestores das unidades, independente de terem sido citados pelos participantes do estudo.

A análise quantitativa foi feita por estatística descritiva simples e correlativa, utilizando-se o Microsoft Excel versão 2013 para digitação dos dados, agrupamento e construção de tabelas. Sendo incluída nessa análise as variáveis sociodemográficas e laborais; e processo de enfermagem no que diz respeito aos diagnósticos e intervenções de enfermagem. As variáveis relacionadas a tempo, foram expressas em média e desvio padrão (DP)

O procedimento para análise qualitativa consistiu em elaborar corpus textual a partir das respostas provenientes das questões discursivas relacionadas a atuação do enfermeiro na VMI, de forma a permitir a análise e fragmentação em segmentos de texto, pelo software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ), versão 0.7 Alpha 2 e R Versão 3.2.3. Optou-se por utilizar no estudo, a análise de similitude, que se apoia na teoria dos gráficos e permite um estudo de relações e conexões entre as palavras do corpus textual [11].

A análise documental ocorreu a fim de servir como técnica complementar as respostas dos participantes como meio de aprofundamento do conteúdo, assim como verificar o que é oferecido pela instituição aos participantes, obtendo o nível de evidência dos documentos frente a literatura atual e comparativo entre as respostas analisadas no questionário. Os resultados da pesquisa são apresentados através de tabelas e/ou figuras.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Integração do Sertão-FIS, parecer nº 5.509.267; sendo garantido total anonimato aos participantes.

 

Resultados

 

Participaram da pesquisa 16 enfermeiros, 37,5% (n = 6) desenvolvem suas atividades laborais na UTI e 62,5% (n = 10) na unidade semi-intensiva. As características sociodemográficas dos participantes estão descritas na Tabela I.

 

Tabela ICaracterísticas sociodemográficas dos participantes do estudo (n = 16), Petrolina/PE, 2022

 

*Os participantes indicaram mais de uma especialização. Fonte: Próprio autor

 

O tempo médio de formação dos participantes foi de doze anos (DP = 3,25) e de atuação no HU-Univasf foi de cinco anos e sete meses (DP = 2). A média de tempo de atuação em UTI dos participantes do estudo foi de 7,5 anos (DP = 1,72), e de 3 anos e 4 meses (DP = 1,99) para aqueles que exercem suas atividades laborais na unidade semi-intensiva.

O tipo de vínculo empregatício CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) é comum a todos os enfermeiros do estudo e 18,75% (n = 3) informaram possuir outro vínculo empregatício.

 

 

Fonte: Próprio autor (2022)

Figura 1 - Quantitativo de horas/aulas sobre ventilação mecânica na graduação dos participantes do estudo

 

Questionados sobre à oferta de aulas sobre VMI na graduação, a maioria dos participantes (43,8%; n = 7) indicaram não ter tido aulas sobre o assunto, conforme apresentado na Figura 1.

Sobre a capacitação em serviço, 56,25% (n = 9) indicaram não ter recebido treinamento, e 43,75% (n = 7) enfermeiros receberam-na de forma teórica através de cursos ou palestras. Neste item, desconsiderou-se treinamento sobre montagem de ventilador e técnica de aspiração.

A elaboração do diagnóstico de enfermagem e a descrição das intervenções integram o processo de enfermagem, utilizado como método de trabalho pelos enfermeiros. Sendo assim, identificou-se entre os participantes que a troca de gases prejudicada foi citada por 75% deles (n = 12); o risco de infecção por 37,5% (n = 6); risco de broncoaspiração por 31,3% (n = 5); e ventilação espontânea prejudicada por 31,3% ( n= 5), como diagnósticos elencados para pacientes em VMI.

Dentre os respondentes desta pesquisa, 87,5% (n = 14) consideraram a montagem do ventilador mecânico como atividade da equipe de enfermagem e 12,5% (n = 2) discordaram.  Observou-se, na Tabela II, que todos os participantes indicaram realizar admissão do paciente na VMI, aspiração de vias aéreas e elevação da cabeceira entre 30° e 45°; as demais intervenções citadas e seus quantitativos, também estão especificadas na mesma tabela II.

 

Tabela II - Intervenções de Enfermagem na ventilação mecânica e quantitativos de profissionais que a realizam por unidade de atuação, Petrolina-PE, 2023

 

Fonte: Elaborado pelos autores a partir do questionário da pesquisa.

 

A atuação do Enfermeiro na VMI, analisada através da análise de similitude obtida pelo IRAMUTEC, possibilitou visualizar a integração entre os discursos dos participantes, conforme demostrado na Figura 2.

 

 

Fonte: Próprio autor

Figura 2 - Análise de similitude acerca da atuação dos enfermeiros, participantes do estudo, na ventilação mecânica. Petrolina-PE, 2022

 

Entre os principais achados da análise de similitude, observaram-se as intervenções de enfermagem relacionadas a monitorização dos cuidados prestados e dos parâmetros como critério para prestação de uma assistência mais qualificada.

Entre as palavras que se destacaram, observaram-se três eixos centrais: parâmetro, monitorização e aspirar secreções. A partir dos ramos semânticos criados na Figura 2, pode-se observar os principais significados da atuação do Enfermeiro na sua assistência, criando um ponto de encontro comum com o vocábulo “parâmetro”, que nesse sentido pode nortear as ações do Enfermeiro sobre as necessidades do paciente.

Os participantes da pesquisa indicaram a existência de Procedimento Operacionais Padrão (POP) nos sistemas do hospital relacionados a VMI. Na investigação documental realizada, foram encontrados POPs associados a aspiração de vias aéreas por tubo orotraqueal e traqueostomia, desmame da ventilação e intubação orotraqueal.

 

Discussão

 

O sexo feminino, como neste estudo, também foi indicado em outros estudos, como maioria nos postos de enfermagem na UTI, com idade em torno dos trinta anos [5,12,13].

Os profissionais tendem a obter a especialização em terapia intensiva para atuação na UTI, mesmo que ela seja adquirida após admissão no setor [14,15], em desacordo com esse estudo em que apenas dois (12,5%) participantes indicaram essa titulação, apesar da média de atuação ser de seis anos e seis meses entre os participantes da UTI. A variável de tempo de formação e atuação no serviço se mostrou heterogênea conforme outros estudos [12,13] sendo de dois a mais de vinte anos, podendo estes estarem ligadas ao vínculo empregatício, seja estatuário, CLT e contratos sem estabilidade.

Sobre a oferta na graduação de conteúdos relacionados a VMI, um estudo relatou que 86,4% dos enfermeiros não receberam conhecimentos suficientes para manejo dessa terapia [3]. Outra pesquisa indicou que 22,5% dos enfermeiros não tiveram nenhum acesso a esse tema em sua graduação, sendo que 45% tiveram apenas uma disciplina que abordou a temática, causando insegurança para o cuidado com o paciente em uso da VMI [13].

Achados análogos foram vistos por meio de um estudo realizado em 2018, demostrando que 86,36% dos enfermeiros relataram não ter recebido ensinamentos suficientes sobre a VMI durante a graduação [16]. Vale ressaltar a variabilidade dos cursos e campos de estágio, nos quais muitos não possuem a prática em unidades intensivas, ou disciplina de paciente crítico. Tendo, um estudo brasileiro sugerido o aprofundamento do conhecimento sobre a VMI, sob a ótica da atuação do enfermeiro, como técnica de aperfeiçoamento no país [3].

Nesse contexto, estudos mostraram estratégias para melhoria do atendimento em VMI, através de capacitações com estudos de caso, oficinas, programa de multimídias, protocolos de melhorias no atendimento, simulação realística e treinamento em serviço [13,17]. Resultados de uma pesquisa realizada com enfermeiros em um hospital público no Rio Grande do Sul evidenciaram um aumento de 35,7%  no  aproveitamento dos participantes após a capacitação realizada no serviço, demostrando assim uma estratégia ao déficit sobre a temática de VMI dos profissionais [6].

Uma pesquisa sobre cuidados na VMI questionou os participantes sobre a realização de treinamentos em serviço relacionados à pneumonia associada à ventilação mecânica, 44% responderam não ter recebido treinamentos [18]. Com resultados semelhantes, uma pesquisa [13] identificou 40% dos enfermeiros sem treinamento em serviço a respeito da VMI demostrando dados semelhantes a esse estudo.

Corroborando dados encontrados nesta pesquisa, um estudo teve em sua amostra prevalência nos diagnósticos de “Ventilação espontânea prejudicada” e “Troca de gases prejudicada”, sendo esses, apontados como aqueles mais frequentes em pacientes com quadro de cooperação diminuída, inquietação aumentada, alterações na frequência respiratória, gases sanguíneos arteriais alterados, hipóxia e uso de VM, principalmente a VM invasiva [19].

O diagnóstico de enfermagem, risco de broncoaspiração, está associado a diminuição da proteção na via aérea do paciente, assim como cuidados com cuff e dieta nasoenteral ofertada, cabendo a equipe multiprofissional realizar estratégias para prevenir essas intercorrências [3,6,13 e 20].

A respeito da percepção do enfermeiro sobre os cuidados de enfermagem, um estudo realizado em Santa Catarina questionou o enfermeiro a respeito da montagem do ventilador mecânico, no qual 96% da amostra considerou essa atividade inerente ao enfermeiro [12] mostrando resultado próximo a esse estudo. Em contrapartida um estudo mostrou em seus resultados que apenas 22,5% dos participantes relataram realizar a montagem e testagem do ventilador, desse modo a atividade poderia ser realizado pela equipe multiprofissional [13].

Diante do cuidado de enfermagem ao paciente em VMI, a aspiração de secreções pulmonares foi citada pelos profissionais em outros estudos [13,20] corroborando os dados encontrados nesta pesquisa.

Apesar da aspiração das secreções pulmonares ser uma intervenção realizada rotineiramente pelo enfermeiro em unidade de terapia intensiva, foram encontrados estudos que demostraram ser o  fisioterapeuta, o principal profissional ligado a essa intervenção, seguido do enfermeiro e médico [3], outro estudo [20] relatou em seus achados que apenas 63,6% dos enfermeiros demostraram conhecimento suficiente relacionado a essa prática, influenciado diretamente na qualidade da assistência prestada, como também no distanciamento desse cuidado.

Outro estudo [22] citou o fisioterapeuta como o profissional mais atuante na aspiração das vias aéreas, seguido do enfermeiro; entretanto, esse estudo também revelou essa mesma intervenção como a mais realizada pelos enfermeiros, seguido de elevação da cabeceira.

Referente a elevação da cabeceira, um estudo [23] sobre boas práticas de enfermagem na VMI, demostrou essa intervenção como uma das mais presentes, com 77,9% de checagem nas prescrições de enfermagem. Prevalência essa que se repetiu nesse estudo, onde todos os enfermeiros indicaram realizar essa intervenção. Um fator que justifica a prevalência da elevação da cabeceira seria o consenso e protocolos estabelecidos nas instituições sobre a Pneumonia Associada a Ventilação Mecânica-PAV, que incluem a elevação da cabeceira de 30º a 40º, como uma das medidas de prevenção dessa afecção [18].

Já a respeito da testagem do ventilador mecânico, um estudo [12] mostrou que 96% dos enfermeiros realizavam essa atividade com similaridade a este estudo onde 80% dos enfermeiros da unidade de terapia semi-intensiva realiza essa atribuição. Outra pesquisa [13] demostrou que apenas 22,5% dos enfermeiros realizavam a montagem do ventilador mecânico, com resultados semelhantes aos profissionais da UTI deste estudo.

Com resultados distintos a este estudo, a montagem e preparo do ventilador foi descrita como executava de forma efetiva por 57% dos participantes de uma outra pesquisa [24]. Entre os fatores que podem influenciar essa prática, são: dimensionamento de enfermagem, disponibilidade de equipe de fisioterapia e o conhecimento dos enfermeiros [12,13,24].

Enfermeiros de um hospital da cidade de Fortaleza, consideraram que os cuidados com os circuitos, limpeza e conservação do ventilador é função da equipe de enfermagem [3]. Outra pesquisa [23] demonstrou que 69% dos enfermeiros supervisionavam o funcionamento do ventilador, não se restringindo a sua montagem, mas também a sua preservação.

A prática do enfermeiro intensivista sobre os modos ventilatórios muitas vezes se restringem a abordagem inicial ligada a montagem e teste do ventilador [21,23]. Uma pesquisa [23], realizada em uma UTI de Porto Velho/RO, demostrou que apenas 65% dos enfermeiros possuíam conhecimento acerca dos parâmetros ventilatórios, mesmo demostrando que 85% dos profissionais programavam os parâmetros ventilatórios iniciais. Sendo questionados sobre a escolha dos modos ventilatórios, os enfermeiros, citaram o profissional fisioterapeuta, como maior ator envolvido nessa ação [3].

A relação PaO2/FiO2 e a monitorização do cuff foi a menos prevalente entre as intervenções relatadas pelos enfermeiros independentemente do nível de formação do profissional [13].

A coleta da gasometria arterial é um procedimento realizado exclusivamente pelo enfermeiro frente a equipe de enfermagem. Os enfermeiros devem estar cientes dos desequilíbrios ácido-base, devendo analisar e interpretar a gasometria arterial com conhecimento dos processos bioquímicos para tomar decisões de acordo com processo de enfermagem [22,23,25,26]. Nesse estudo, apenas 37,5% da amostra sinalizou realizar mudanças na prescrição de enfermagem de acordo com a gasometria e clínica do paciente.

A respeito da verificação do cuff, estudos [3,13,23] mostraram prevalência dessa intervenção, variando de 55% a 90%, nas prescrições de enfermagem. Entretanto, um estudo [20] apontou que 63,6% dos enfermeiros tiveram conhecimento insuficiente sobre a pressão do cuff.

A verificação de alarmes do ventilador, foi sinalizada por 75% da amostra. Em contrapartida, um estudo [13] mostrou que essa representação pode chegar a menos da metade dos profissionais enfermeiros; entre os motivos do déficit, se encontra o acúmulo de atividades e fadiga relacionados aos alarmes da UTI.

Estudo [27] sobre tempo estímulo-resposta aos alarmes do ventilador mecânico, identificou como as principais condutas dos enfermeiros frente aos alarmes: aspiração traqueal, mudança de decúbito, reposicionamento do circuito, ausculta, chamar o fisioterapeuta e, silenciar o alarme. O trabalho também citou o fisioterapeuta como o mais atuante nesse sentido, com 32%; seguido de enfermeiro com 28%.

Acerca da atuação do enfermeiro, o vocábulo “parâmetro” foi destacado de forma mais central a partir da análise de similitude, com ramificações ligadas a verificação do estado do ventilador mecânico, ajustes de parâmetros e cuidados com via aérea. A atividade do enfermeiro ligada aos parâmetros ventilatórios envolve maior conhecimento acerca de modos ventilatórios, parâmetros laboratoriais e clínicos do paciente, o que não impede de o profissional atuar como vigilante junto a equipe multiprofissional [22,24,26].

O termo “aspirar secreções”, foi apresentado com as ramificações “verificação” e “cuff” criando um cenário de prevenção e manutenção da via aérea.  Uma vez que as intervenções citadas podem estar ligadas a prevenção de PAV e lesão na traqueia [3,6,18,20]. Correlacionando com as intervenções descritas pelos participantes do estudo bem como, com a utilização dos protocolos instituídos pelo serviço em consonância com a sua realidade [13,19,21].

O vocábulo “monitorização” se ramificou em “padrão”, “respiratório” e “verificação” demostrando o cuidado com a assistência prestada e a vigilância contínua que esse paciente requer. Estudo [4] cita a inclusão da monitorização de trocas gasosas e padrão respiratório em seu protocolo de atendimento, considerando uma intervenção primordial aliada a vigilância do paciente em VMI.

 

Conclusão

 

A troca de gases prejudicada foi o diagnóstico de enfermagem mais citado pelos participantes deste estudo. Os principais cuidados de enfermagem prestados ao paciente em VMI tiveram relação com a prevenção de infecções, cuidados com a via aérea, vigilância clínica e de parâmetros ventilatórios. Os cuidados com menor prevalência envolviam um conhecimento mais complexo acerca da VMI. Entre os principais desafios encontrados pelos enfermeiros na prestação da assistência, se encontra a formação na graduação insuficiente relacionado a temática e a carência de treinamentos em serviço de maneira satisfatória. Dessa forma, os cuidados ao paciente em VMI ainda se mostram como um desafio para os enfermeiros.

Ademais conhecer a atuação do enfermeiro acerca da VMI se mostra essencial para o diagnóstico situacional da assistência prestada com a finalidade de aprimorar os serviços visando o melhor atendimento para o cliente e o desenvolvimento das práticas do enfermeiro.

 

Vinculação acadêmica

Este artigo está vinculado ao trabalho de Conclusão de Residência de José Italo Monte da Silva, orientado pela professora Doutora Katia Simoni Bezerra Lima, no Programa de Residência Multiprofissional em Intensivismo da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).

 

Conflitos de interesse

Não houve conflito de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Silva JIM, Lima KSB; Coleta de dados: Silva JIM, Damasceno CMD, Nascimento CES, Araújo BVM; Análise e interpretação dos dados: Silva JIM, Lima KSB; Análise estatística: Silva JIM, Lima KSB Moura LTR, Lacerda LCA; Redação do manuscrito: Silva JIM, Lima KSB, Moura LTR; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva JIM, Lima KSB, Moura LTR, Lacerda LCA, Damasceno CMD, Nascimento CES, ARAÚJO BVM. 

 

Referências

 

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