Enferm Bras. 2023;22(6):886-902

doi: 10.33233/eb.v22i6.5464

ARTIGO ORIGINAL

Qualidade do sono e sonolência diurna dos cuidadores de pessoas com Parkinson e/ou Alzheimer

 

Bruna da Silva Leão, Yasmin Lorrane de Souza Araújo, Tainá Cristine Vilhena de Lima, Marlucilena Pinheiro da Silva, Bárbara Luiza Duarte Sales, Demilto Yamaguchi da Pureza, Lorane Izabel da Silva Hage-Melim, Débora Prestes da Silva Melo

 

Universidade Federal do Amapá, Macapá, AP, Brasil

 

Recebido em: 9 de maio de 2023; Aceito em: 28 de dezembro de 2023.

Correspondência: Débora Prestes da Silva Melo, debora.melo@unifap.com

 

Como citar

Leão BS, Araújo YLS, Lima TCV, Silva MP, Sales BLD, Pureza DY, Hage-Melim LIS, Melo DPS. Qualidade do sono e sonolência diurna dos cuidadores de pessoas com Parkinson e/ou Alzheimer. Enferm Bras. 2022;23(6):886-902. doi: 10.33233/eb.v22i6.5464

 

Resumo

Objetivo: Caracterizar a qualidade do sono e os impactos da sonolência diurna vivenciados por cuidadores familiares de pessoas idosas com Doença de Parkinson e/ou Doença de Alzheimer. Métodos: Pesquisa do tipo exploratório e descritivo com abordagem quantitativa, desenvolvida no Município de Macapá do Estado do Amapá, com 15 cuidadores familiares de pessoas idosas com Parkinson e/ou Alzheimer. Utilizaram-se dois instrumentos, o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh e a Escala de Sonolência de Epworth. Resultados: Houve prevalência de cuidadores que classificaram sua qualidade de sono como ruim e a maioria apresentou na soma das suas respostas da escala de Epworth o resultado de sonolência anormal durante o seu dia a dia. Além disso, observaram-se correlações significativas entre as variáveis: Horas de sono por noite e Qualidade do sono; Horas de sono por noite e Escala de sonolência; Dificuldade para ficar acordado no dia a dia e Dificuldade para manter o entusiasmo no dia a dia; Escala de sonolência e Qualidade do sono. Conclusão: Observou-se prevalência de aceitação por cuidadores familiares do sexo feminino que se dispuseram a participar da pesquisa. Além disso, a partir deste estudo, conclui-se que os cuidadores familiares avaliados possuem, em sua maioria, um padrão ruim de qualidade de sono, além de apresentarem sonolência diurna anormal, fatores preocupantes para a saúde e bem-estar geral deste público.

Palavras-chave: privação do sono; distúrbios do sono; cuidador familiar.

 

Abstract

Sleep quality and daytime sleepiness of caregivers of people with Parkinson's and/or Alzheimer's disease

Objective: To characterize the quality of sleep and the impacts of daytime sleepiness experienced by family caregivers of elderly people with Parkinson's and/or Alzheimer's disease. Methods: Exploratory and descriptive research with a quantitative approach developed in the city of Macapá, Amapá State, Brazil, with 15 family caregivers of elderly people with Parkinson's and/or Alzheimer's disease. Two instruments were used, the Pittsburgh Sleep Quality Index and the Epworth Sleepiness Scale. Results: The majority of caregivers classified their quality of sleep as poor and most of them presented in the sum of their Epworth scale answers the result of abnormal sleepiness during their daily lives. In addition, significant correlations were observed between the following variables: Hours of sleep per night and Quality of sleep; Hours of sleep per night and Sleepiness Scale; Difficulty staying awake on a daily basis and Difficulty maintaining enthusiasm on a daily basis; Sleepiness Scale and Quality of sleep. Conclusion: The prevalence of acceptance by female family caregivers who were willing to participate in the research was observed. Moreover, from this study, it is concluded that the evaluated family caregivers have, in their majority, a bad sleep quality pattern, besides presenting abnormal daytime sleepiness, worrying factors for the health and general well-being of this public.

Keywords: sleep deprivation; sleep disorders; family caregiver.

 

Resumen

Calidad del sueño y somnolencia diurna de los cuidadores de personas con enfermedad de Parkinson y/o Alzheimer

Objetivo: Caracterizar la calidad del sueño y los impactos de la somnolencia diurna experimentada por cuidadores familiares de ancianos con enfermedad de Parkinson y/o Alzheimer. Métodos: Investigación exploratoria y descriptiva con abordaje cuantitativo desarrollada en el Municipio de Macapá, Estado de Amapá, con 15 cuidadores familiares de ancianos con enfermedad de Parkinson y/o Alzheimer. Fueron utilizados dos instrumentos, el Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh y la Escala de Somnolencia de Epworth. Resultados: Hubo una prevalencia de cuidadores que clasificaron su calidad de sueño como mala y la mayoría de los cuidadores presentó en la suma de sus respuestas a la escala de Epworth el resultado de somnolencia anormal durante su vida diaria. Además, se observaron correlaciones significativas entre las siguientes variables: Horas de sueño por noche y Calidad del sueño; Horas de sueño por noche y Escala de somnolencia; Dificultad para mantenerse despierto durante el día y Dificultad para mantener el entusiasmo durante el día; Escala de somnolencia y Calidad del sueño. Conclusión: Se observó prevalencia de aceptación por parte de las cuidadoras familiares que se mostraron dispuestas a participar en la investigación. Además, de este estudio, se concluye que las cuidadoras familiares evaluadas tienen, en su mayoría, mala calidad del sueño, además de presentar somnolencia diurna anormal, factores preocupantes para la salud y el bienestar general de este público.

Palabras-clave: la privación del sueño; trastornos del sueño; cuidador familiar.

 

Introdução

 

Nos últimos anos ocorreu o aumento da população idosa no Brasil acarretando, consequentemente, o chamado envelhecimento populacional [1]. Nesse contexto, conforme a expectativa de vida aumenta, observa-se maior frequência de doenças crônicas e degenerativas que afetam as habilidades físicas, habilidades cognitivas e a qualidade de vida (QV) da pessoa idosa, necessitando de cuidados especiais, sendo esses cuidados geralmente prestados por um familiar que toma voluntariamente para si as responsabilidades de proteção e suporte para a pessoa dependente [2-4].

É comum observar relatos de sobrecarga de cuidadores familiares devido às demandas assistenciais e preocupações contínuas relacionadas à saúde da pessoa cuidada, havendo implicações à saúde do cuidador como lombalgias, dores articulares, hipertensão arterial, alterações psicológicas e distúrbios na qualidade do sono. Isso ocorre porque, à medida que a doença evolui, o cuidado dispensado à pessoa idosa torna-se cada vez mais complexo [5,6].

Segundo a Pirâmide das Necessidades Humanas hierarquizada por Abraham Maslow e a Teoria das Necessidades Humanas Básicas (TNHB) desenvolvida por Wanda Horta, o sono é uma necessidade fisiológica indispensável para a sobrevivência humana e responsável pela restauração e bom funcionamento do organismo como um todo. Hodiernamente, os efeitos negativos apresentados diante de uma quantidade de sono insuficiente são considerados uma preocupação de saúde pública [7,8].

Assim, o sono tem grande influência no sentimento de bem-estar do indivíduo e na sua qualidade de vida, uma vez que é responsável pela restauração de energia, concentração, consolidação da memória e, ainda, pelos processos que envolvem a aprendizagem [9]. Intercorrências no ciclo do sono podem refletir em alterações significativas no funcionamento físico, ocupacional, cognitivo e social do indivíduo, comprometendo sua habilidade de adaptação, humor, comportamento, função psicológica e desempenho em atividades diurnas, afetando sua qualidade de vida [10].

A sonolência diurna é um dos sintomas mais comuns principalmente em pessoas idosas e é caracterizada pelo aumento de sono ou incapacidade de se manter acordado e/ou alerta durante o dia, resultando em sonolência e lapsos de sono não intencionais [11]. A má qualidade do sono, horário de acordar, condições médicas que podem ter impacto no sono, medicações ou presença de hipersonia primária são fatores que contribuem para a sonolência diurna excessiva [12].

Desse modo, o estudo apresenta como relevância acadêmica a contribuição para novas descobertas e informações pertinentes sobre o tema no Estado do Amapá, considerando a carência de pesquisas e dados sobre este público no cenário regional, além da busca para incentivar e fomentar o interesse de outros profissionais e acadêmicos quanto à pesquisa e busca de dados a respeito do sono de cuidadores, visando expandir a temática na esfera científica. Como relevância social, apresenta o intuito de, a partir do fomento de novas pesquisas, proporcionar posterior desenvolvimento de planos e estratégias destinados a amenizar intercorrências no ciclo do sono e, consequentemente, ajudar na melhoria da qualidade de vida dessa população.

Em suma, diante do crescente número de pessoas idosas com Doença de Parkinson e/ou Doença de Alzheimer dependentes de cuidados somado ao consequente aumento no número de cuidadores informais sobrecarregados e ao fato de que o sono é considerado uma necessidade humana básica, percebe-se a necessidade de investigar acerca da qualidade do sono e impactos deste na rotina dos cuidadores familiares. Assim, emergiu o seguinte questionamento: Qual a relação da qualidade do sono e o nível de sonolência diurna de cuidadores familiares de pessoas idosas com Parkinson e/ou Alzheimer?

Por conseguinte, definiu-se como objetivo de estudo caracterizar a qualidade do sono e os impactos da sonolência diurna vivenciados por cuidadores familiares de pessoas com Doença de Parkinson e/ou Doença de Alzheimer.

 

Métodos

 

Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratório e descritivo com abordagem quantitativa. A pesquisa quantitativa dispõe que tudo pode ser quantificável, ou seja, pode-se traduzir informações e opiniões em números para, em seguida, serem classificados e analisados, demandando do uso de alguns recursos e técnicas estatísticas, como a porcentagem, média, coeficiente de correlação, entre outros [13].

A pesquisa exploratória visa uma maior proximidade com o tema, delimitando um campo de trabalho, buscando explorar um problema e ajudando o pesquisador a compreender determinado assunto, de modo que seus resultados possam levar a outras pesquisas com novas abordagens [14]. A pesquisa descritiva tem o intuito de observar, registrar e descrever características de um determinado evento sucedido em uma amostra, sem, no entanto, analisar o mérito de seu conteúdo [15,16].

O público alvo do estudo foram os cuidadores familiares de pessoas idosas com Doença de Parkinson (DP) e/ou Doença de Alzheimer (DA) atendidos pelo projeto de pesquisa e extensão Reviver, da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), composto por 51 cuidadores familiares.

Como critérios de inclusão, foram utilizados: a assinatura do Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE), exercer a função de cuidador familiar de pessoa idosa com Doença de Parkinson e/ou Doença de Alzheimer há no mínimo 3 meses e ter capacidade para ler e/ou compreender os aspectos da pesquisa. Sendo excluídos da pesquisa os componentes que não cumpriram os critérios citados acima, pacientes sem diagnóstico médico da DP ou DA, famílias que não é possível identificar o cuidador principal, aqueles indivíduos que não aceitaram participar da pesquisa, e cuidadores profissionais. Restando, assim, uma amostra de 15 cuidadores familiares que aceitaram participar desta pesquisa.

A parcela de cuidadores participantes do estudo realizou a leitura e assinatura do TCLE utilizando de alguns métodos para obtenção das assinaturas, como: imprimir o documento em sua residência, assinar e enviar escaneado pelo WhatsApp ou assinar o documento presencialmente. Nesse termo, foi esclarecido o objetivo do estudo, mencionando os procedimentos realizados em sua execução e enfatizando a total privacidade quanto a identificação dos dados obtidos. Nesse contexto, para assegurar a privacidade e a não identificação dos participantes foram utilizadas as iniciais e números para identificar cada participante da pesquisa.

A coleta de dados foi composta pelos seguintes instrumentos: o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (Pittsburgh Sleep Quality Index - PSQI) (Anexo A), o qual foi utilizado para avaliar a qualidade do sono e identificar possíveis distúrbios no mês anterior a sua aplicação, e a Escala de Sonolência de Epworth (Anexo B), voltada para medir a sonolência diurna de um indivíduo através de um questionário curto que pode auxiliar no diagnóstico de distúrbios do sono, cada resposta possui um número e a partir da soma das respostas pode-se ter um sono normal, média sonolência ou sonolência anormal (possivelmente patológica). Os resultados da Escala de Sonolência de Epworth se dão da seguinte forma: valores de 1-6 pontos, considera-se um sono normal, de 7-8 pontos uma média de sonolência e de 9-24 pontos considera-se uma sonolência anormal.

Após a realização da coleta de dados, as informações foram tabuladas no programa de planilha digital Microsoft Office Excel® versão 2019 e, posteriormente, no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 29.0.1.0 de 2023. Os resultados foram submetidos à análise estatística para verificação das frequências absolutas e relativas de cada variável.

Para avaliar as associações entre as variáveis, foram utilizados os coeficientes de correlação de Spearman, adotando-se o nível de significância de p ≤ 0,05. Quando o nível de significância for maior que 0,05 entende-se que não houve correlação entre as variáveis, portanto, neste estudo foram utilizadas somente as correlações com significância menor que 0,05. Além disso, considera-se uma correlação fraca se o valor for de 0,001 a 0,3, moderada de 0,4 a 0,6 e forte de 0,7 a 0,9. Os resultados foram apresentados sob a forma de tabelas e analisados com base em referências científicas.

Este estudo possui aprovação pelo Comitê de Ética sob parecer Nº 4.696.849, CAAE N° 66758017.0.0000.0003. Seguem todos os critérios éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que trata da regulamentação de pesquisas envolvendo seres humanos.

Os procedimentos realizados durante o estudo estão de acordo com os princípios éticos dispostos na declaração de Helsinki, que dispõe sobre o bem-estar do ser humano, formulário de consentimento livre e esclarecido apresentado por escrito, dentre outros aspectos que regem a pesquisa com seres humanos.

Após a análise estatística os resultados foram interpretados e confrontados com as literaturas disponíveis, a fim de sustentar a discussão entre os achados e evidências científicas.

 

Resultados

 

A Tabela I apresenta as frequências absolutas e relativas de cada variável do índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh. Os resultados desta análise demonstraram prevalência de cuidadores que vão dormir entre 22h-00h, acordam pela manhã entre 7 e 9 horas e, consequentemente, possuem somente de 3 a 6 horas de sono por noite, além de classificarem sua qualidade de sono como ruim. Não foram incluídas nos resultados as alternativas que não obtiveram respostas válidas.

 

Tabela I - Resultados da aplicação do Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh nos cuidadores familiares, n = 15

 

Fonte: Próprio autor, 2023

Verifica-se ainda que 53,3% classificaram como tendo pouca dificuldade para ficar acordado durante o dia. Entretanto, na tabela II, observa-se que a maioria dos cuidadores apresentaram na soma das suas respostas da escala de Epworth o resultado de sonolência anormal durante o seu dia a dia.

 

Tabela II - Resultados da aplicação da Escala de Sonolência de Epworth aos cuidadores familiares, n = 15

 

Fonte: Próprio autor, 2023

 

Dentre os itens questionados na escala de Epworth como a probabilidade de cochilar nas situações de sentar e ler, assistir à TV, ficar sentado sem fazer nada em local público, como passageiro de um carro por 1hora, deitar para descansar a tarde, sentar e conversar com alguém, ficar em silêncio após o almoço e em um carro parado por alguns minutos, a situação mais referida, com maior chance de cochilo pelos cuidadores familiares foi a de deitar para descansar à tarde e, logo em seguida, o item sentar e ler.

Os coeficientes de Spearman apontaram correlações significativas entre as variáveis: Horas de sono por noite e Qualidade do sono; Horas de sono por noite e Escala de sonolência; Dificuldade para ficar acordado no dia a dia e Dificuldade para manter o entusiasmo no dia a dia; Escala de sonolência e Qualidade do sono. Os demais marcadores não tiveram correlação estatisticamente significativa, uma vez que apresentaram valor maior que o nível de significância de 0,05, inferindo-se, portanto, que não houve correlação. Além disso, dentre as correlações selecionadas, obteve-se magnitudes moderadas (0,4 a 0,6) e fortes (0,7 a 0,9), conforme mostra a Tabela III.

 

Tabela III - Correlações entre variáveis com teste de significância de p ≤ 0,05

 

Fonte: Próprio autor, 2023

 

Conforme se observa ainda na Tabela II, ao realizar o teste de correlação de variáveis, constatou-se uma correlação positiva, forte e significativa (r = ,768**) entre a variável Horas de sono por noite e qualidade do sono. Esse resultado indica que maiores valores no índice de horas de sono por noite estão associados a maiores valores de índices de qualidade do sono. O mesmo acontece com a correlação entre as variáveis Dificuldade para ficar acordado no dia a dia e Dificuldade para manter o entusiasmo no dia a dia, nas quais tem-se uma correlação positiva, moderada e significativa (r = ,546*).

Ademais, as correlações entre as variáveis Horas de sono por noite e Escala de sonolência (r = -,958**); Escala de sonolência e Qualidade do sono (r = -,824**) apresentaram resultados negativos, fortes e significativos. Este dado mostra que quanto menor as horas de sono por noite e a qualidade do sono, maior a sonolência dos cuidadores.

 

Discussão

 

A qualidade do sono entre cuidadores de pessoas idosas é um tema que vem sendo explorado em diversos estudos, principalmente levando em consideração as repercussões na qualidade de vida desta população. O sono é resultado do sistema circadiano, que promove e mantém a vigília durante o dia, e do processo homeostático, que ocorre devido ao acúmulo de sono resultante da duração da vigília e da quantidade e qualidade do sono, caracterizando a necessidade de dormir [17]. Assim, a intensidade da sonolência será determinada pela combinação do sistema circadiano e do processo homeostático.

A priori, os cuidadores familiares apresentaram variáveis de sono que podem prejudicar a sua qualidade de sono e as suas tarefas diárias do cotidiano. A amostra global deste estudo apresentou que 60% dos cuidadores possuem de 3 a 6h de sono por noite, quantidade significativamente menor que a média geral da população adulta (7 a 9h) [18]. Como contribuinte para esta realidade, está o fato de que 73,3% dos cuidadores, relatam ir para a cama entre 22h e 00h e 53,3% acordam pela manhã entre 7h e 9h, somado a despertares repentinos durante a madrugada, fazendo com que tenham menor quantidade de sono por noite. Isso está, muitas vezes, relacionado com a experiência de cuidar de uma pessoa dependente, sendo uma tarefa exaustiva ao cuidador, que precisa adequar sua rotina para conseguir suprir as necessidades de um familiar, visto que a forma de viver, fatores fisiológicos e a idade podem afetar a duração do sono [19,20].

De acordo com alguns estudos [21,22], a qualidade do sono e a qualidade de vida estão intimamente relacionados, além de que prejuízos significativos no funcionamento cognitivo podem advir de perturbações do sono. Nesta pesquisa, 46,7% dos cuidadores consideraram ter uma qualidade de sono ruim. Esse é um achado preocupante, visto que a experiência de um sono insatisfatório mostra reflexos negativos no desempenho, no comportamento e no bem-estar durante as atividades de vida diária, além do comprometimento cognitivo e estado de saúde [22].

Ainda neste contexto, este estudo demonstrou correlação positiva, forte e significativa entre a quantidade de horas de sono por noite e a qualidade do sono. Esta correlação pode ser encontrada também em um estudo voltado para a qualidade do sono, cronotipos e estados emocionais, o qual afirmou que os sujeitos com boa qualidade de sono acordam mais tarde e tem mais horas de sono em comparação com os que apresentaram qualidade de sono ruim [23].

Neste estudo, 93,3% dos cuidadores revelaram apresentar dificuldade para dormir, 13,3% relataram interrupção do sono durante a noite, 20% alegam ter insônia e 60% revelou acordar durante a noite para ir ao banheiro. Esse achado se assemelha aos resultados de outro estudo feito em um grupo de apoio a cuidadores familiares de pessoas idosas [24], no qual identificou-se a dificuldade para adormecer, insônia e interrupção do sono noturno como principais distúrbios do sono deste público. Ademais, os autores afirmaram que a interrupção noturna ocorria por agitação do paciente ou para ir ao banheiro, o que está em linha com os resultados deste estudo. Ainda nesse contexto, um estudo evidenciou que os cuidadores que revelaram apresentar insônia estavam imensamente sobrecarregados com cuidados, tarefas e funções diárias, além de apresentar sintomas depressivos [25].

Diante destas conjunturas, avaliou-se também a dificuldade em manter o entusiasmo no dia a dia. Nesses componentes, o cuidador é convidado a responder com que frequência teve dificuldade para manter o ânimo diário, parte da amostra (33,33%) relatou ter um grande problema. Esse dado pode justificar-se tanto pela má qualidade do sono já identificada, quanto pelos desafios vivenciados na sua rotina, na demanda de cuidados ininterruptos do paciente e tarefas domésticas que geram sobrecarga e consequente esgotamento físico e emocional do cuidador durante o dia a dia [26].

Nesse sentido, após realizada a correlação entre as variáveis Dificuldade para ficar acordado no dia a dia e Dificuldade para manter o entusiasmo no dia a dia, pôde-se perceber que são variáveis significativas, com força de relacionamento moderada e que estão associadas entre si, ou seja, quanto mais observamos cuidadores apresentarem a problemática de manter-se acordado durante o seu dia, também podemos encontrar a problemática de manter-se entusiasmado. Esse fato pode ser explicado tendo em vista que o sono é um processo vital para nosso organismo e um dos momentos mais relaxantes, de descanso físico e mental, do cotidiano, a privação dele, que é uma das causas para a dificuldade de ficar acordado durante o dia, pode acarretar ao indivíduo irritabilidade, cansaço, dores de cabeça, visão turva e ainda alterações no metabolismo fazendo assim com que perca o ânimo [27].

Um dado interessante foi que, quando investigado sobre a dificuldade para manter-se acordado no dia a dia durante atividades habituais no Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh, os resultados foram divididos entra ter pouca dificuldade (53,3%) e nenhuma dificuldade (40%), indo de encontro com o achado apresentado na Escala de Sonolência de Epworth, onde demonstrou que 53,3% dos cuidadores possuem sonolência anormal, pois tiveram mais de 9 pontos na aplicação da escala. Isso demonstra a discordância entre a autopercepção do cuidador em relação ao seu nível de sonolência durante o dia e a realidade.

Ainda nesse sentido, é importante ressaltar que o padrão de sono tende a conter alterações diante de diversos fatores como o avançar da idade, mudanças no padrão social e familiar, diminuição dos ciclos de amizades, inatividade física e profissional, contribuindo para a diminuição da qualidade do sono noturno e consequente aumento da sonolência diurna [28].

Com o aumento da sonolência, surge também maior probabilidade de cochilos durante o dia. Apesar de, na maioria das vezes, o cochilo ter potencial para ser benéfico, pode também estar associado a sono noturno perturbado, idade, comorbidades e estilo de vida. Além disso, o cochilo pode beneficiar os indivíduos dependendo do momento do dia e da sua duração. Longos cochilos podem não ser benéficos, uma vez que encurtam o sono noturno e aumentam a probabilidade de insônia, afetando a restauração e regulação do organismo como um todo [29].

Neste estudo, houve correlação negativa, forte e significante entre as variáveis Horas de sono por noite e Escala de sonolência, ou seja, quanto mais horas de sono, menor a sonolência diurna do indivíduo. Corroborando este dado, um estudo feito na Universidade Federal de Alfenas constatou fatos semelhantes, afirmando que diante de um decréscimo do número de horas de sono por noite houve um aumento da sonolência diurna dos indivíduos estudados [30].

Além disso, o maior percentual de cuidadores com uma qualidade de sono ruim (46,7%) pode ainda ser relacionado com o resultado obtido na escala de sonolência, a maioria demonstrou que possui uma sonolência anormal. Nesse contexto, feita a correlação entre essas variáveis, escala de sonolência e qualidade do sono, observou-se que são variáveis significantes, fortes e inversamente proporcionais, quanto maior o resultado da escala de sonolência menor a qualidade de sono do indivíduo. Corroborando a isto, outros autores também demonstraram existir em seus estudos uma relação pequena, mas significativa entre estas duas variáveis [31]

A sonolência diurna anormal e seus consequentes cochilos durante o dia diminuem o sono homeostático durante a noite seguinte, resultando no aumento da vigília noturna e diminuição da eficiência e da qualidade do sono, o que produz cansaço no dia seguinte, mantendo esse padrão por meio de um processo vicioso de feedback positivo [29].

Observou-se no estudo uma prevalência de aceitação por cuidadores familiares do sexo feminino que se dispuseram a participar da pesquisa, quando comparados aos cuidadores do sexo masculino. Além disso, a partir deste estudo, conclui-se que os cuidadores familiares avaliados possuem, em sua maioria, um padrão ruim de qualidade de sono. Tendo em vista que possuem somente de 3 a 6h de sono por noite, havendo ainda interrupções do sono por seu familiar idoso ou por outros motivos; fazendo com que não atinjam todos os estágios do ciclo do sono necessários para restauração e manutenção do seu equilíbrio biopsicossocial.

Para mais, os cuidadores apresentaram sonolência diurna anormal, fator preocupantes para a saúde e bem-estar geral deste público, uma vez que esta realidade pode limitar o desempenho nas atividades de vida diária, prejudicar o cuidado oferecido e, assim, interferir na qualidade de vida tanto do cuidador, quanto da pessoa cuidada [32,33]. Assim, os achados neste estudo possibilitaram a associação da qualidade do sono noturno e o nível de sonolência diurna, visto que quanto menor a qualidade do sono durante a noite, maior a sonolência que este cuidador apresentará durante o dia. Entretanto, a qualidade do sono dos cuidadores pode estar também relacionada à questão de dependência e da demanda de atenção que seu familiar exige.

 

Conclusão

 

A pesquisa conseguiu alcançar o objetivo de caracterizar a qualidade do sono e os impactos da sonolência diurna vivenciados por cuidadores familiares de pessoas com Doença de Parkinson e/ou Alzheimer. Contudo, durante a pesquisa, notou-se a carência de materiais a respeito desta temática, mais especificamente voltada para o cuidador familiar, visto que a maior parte dos artigos encontrados estavam direcionados a outras populações.

Diante disso, chama-se atenção para a necessidade de produção de futuros trabalhos voltados para a investigação desta temática, tendo como foco principal o cuidador familiar. Ademais, considerando a qualidade do sono de cuidadores familiares como uma ferramenta para melhorar a qualidade de vida deste público e qualidade do cuidado prestado, aponta-se para a pertinência de investir esforços em planejamento e implementação de intervenções assertivas realizadas com o intuito de minimizar impactos negativos na vida deste público.

Finalmente, a título de conclusão, espera-se que este estudo sirva de inspiração à comunidade científica para a realização de posteriores pesquisas e projetos voltados para o sono de cuidadores de pessoas com doenças neurodegenerativas, com propostas de modificação de comportamentos de saúde adotados para melhorar, por exemplo, a higiene de sono. Ademais, sugere-se a implementação de escalas de avaliação relacionadas ao sono nos atendimentos à cuidadores de pessoas idosas, realizados pelas equipes multiprofissionais na Atenção Primária, para que possam ser feitas atividades que visem a melhoria da qualidade do sono dos cuidadores e diminuição da sonolência diurna deste público, levando em consideração que o sono é uma necessidade humana básica e que se pode obter resultados diferentes a cada 30 dias em uma nova avaliação.

 

Conflitos de interesse

Não houve conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve fonte de financiamento

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Leão BL, Araújo YLS, Melo DPS. Obtenção de dados: Leão BL, Araújo YLS, Lima TCV; Coleta de dados: Leão BL, Araújo YLS, Lima TCV; Análise e interpretação dos dados: Leão BL, Araújo YLS, da Pureza DY, Melo DPS; Análise estatística: Leão BL, Araújo YLS, da Pureza DY, Melo DPS; Redação do manuscrito: Leão BL, Araújo YLS, Melo DPS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Melo DPS, Silva MP, Sales BLD, Hage-Melim LIS.

 

Referências

 

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Anexo A - índice de qualidade do sono de Pittsburgh

Durante o último mês, quando você geralmente foi para a cama à noite?

Entre 18 e 21 horas (  ) Entre 22 e 00 horas (  ) Após as 00 horas (  )

Durante o último mês, quanto tempo (em minutos) você geralmente levou para dormir à noite?

10 a 20 minutos (  ) 30 a 50 minutos (  ) Mais de 1 hora (  )

Durante o último mês, quando você geralmente levantou de manhã?

Entre 4 e 6 da manhã (  ) Entre 7 e 9 da manhã (  ) Após as 10 horas da manhã (  )

Durante o último mês, quantas horas de sono você teve por noite? (Esta pode ser diferente do número de horas que você ficou na cama)

 Entre 3 e 6 horas (  ) Entre 7 e 9 horas (  ) Mais de 10 horas (  )

Durante o último mês, com que frequência você teve dificuldade para dormir porque você:

Não conseguiu adormecer em até 30 minutos ou acordou no meio da noite ou de manhã cedo

Precisou levantar alguma vezes para ir ao banheiro ou sentiu muito frio

Não conseguiu respirar confortavelmente ou tossiu ou roncou forte

Outras razões, por favor descreva:

Durante o último mês como você classificaria a qualidade do seu sono de uma maneira geral:

Muito Boa / Boa / Ruim / Muito ruim

Durante o último mês, com que frequência você tomou medicamento (prescrito ou por conta própria) para lhe ajudar a dormir:

Uma vez na semana (  ) Mais de uma vez na semana (  ) Todos os dias (  )

No último mês, que frequência você teve dificuldade para ficar acordado enquanto dirigia, comia ou participava de uma atividade social (festa, reunião de amigos)

Muita dificuldade / Pouca dificuldade

Prefiro não participar de atividades sociais / Não possui dificuldades

Durante o último mês, quão problemático foi pra você manter o entusiasmo (ânimo) para fazer as coisas (suas atividades habituais)?

Nenhum problema / Um problema leve / Um problema razoável / Um grande problema

Outras alterações (inquietações) enquanto você dorme, por favor descreva:

 

Fonte: Adaptado de Bertolazi AN. Tradução, adaptação cultural e validação de dois instrumentos de avaliação do sono: escala de sonolência de Epworth e índice de qualidade de sono de Pittsburgh [Dissertação]. Porto Alegre: Curso de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2008. 93 p.

 

 

Anexo B- Escala de sonolência de Epworth

Qual a probabilidade de você cochilar ou adormecer nas seguintes situações, em contraste com sentir-se apenas cansado? Isso se refere ao seu costume, modo de vida nos últimos tempos. Mesmo que você não tenha feito algumas dessas coisas recentemente, tente descobrir como elas teriam afetado você. Use a seguinte escala para escolher o número mais adequado para cada situação:

 

0 = nunca iria cochilar

I = pequena chance de cochilar

2 = mudança moderada de cochilo

3 = alta chance de cochilar

Probabilidade de cochilar:

Sentar e Ler

Assistir a TV

Ficar sentado sem fazer nada em um local público (por exemplo um cinema)

Como passageiro de um carro por 1 h sem parar

Deitar para descansar a tarde, quando as circunstâncias permitem

Sentar e conversar com alguém

Sentado em silêncio após um almoço sem álcool

Em um carro, enquanto parado por alguns minutos no trânsito

Fonte: Johns, MW. A new method for measuring daytime sleepiness: the Epworth sleepiness scale. Sleep [Internet]. 1991 dec [cited 2023 Mar 8];13(6):540-45. Available from: https://academic.oup.com/sleep/article/14/6/540/2742871. doi: 10.1093/sleep/14.6.540