Enferm Bras.
2023;22(4):438-51
ARTIGO
ORIGINAL
Efeitos
da prática meditativa no manejo da dor pélvica crônica
Thomaz
Jefferson Massaneiro1, Ricardo Romano1, Cleima Coltri Bittelbrunn1,
Tatiana Brusamarello1, Patrícia Bhon
Thomaz1, Gisela Maria Assis1, Rogério de Fraga1,
Auristela Duarte Lima Moser2
1Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
PR, Brasil
2Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Recebido
em: 10 de maio de 2023; Aceito em: 3 de agosto de 2023.
Correspondência: Thomaz Jefferson Massaneiro,
enf_thomaz@hotmail.com
Como citar
Massaneiro TJ, RomanoR, Bittelbrunn CC, Brusamarello T, Thomaz PB, Assis GM, Fraga R, Moser ADL. Efeitos da prática meditativa no manejo da dor pélvica crônica. Enferm Bras. 2023;2294):438-57. doi: 10.33233/eb.v22i4.5466
Resumo
Objetivo: Conhecer a percepção das mulheres
sobre o efeito da meditação mindfulness no manejo da
dor pélvica crônica. Métodos: Estudo qualitativo descritivo realizado
com seis mulheres portadoras de dor pélvica crônica. As participantes foram
submetidas a uma prática meditativa de oito semanas, com sessões semanais de
duas horas. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e
tratados segundo análise de conteúdo. Resultados: A meditação promoveu
alívio na condição de dor, melhora no equilíbrio emocional e da conscientização
do autocuidado. Conclusão: O estudo demonstrou que a meditação promoveu
alívio da dor pélvica crônica por meio da percepção da integração mente e
corpo. Com isso, percebe-se a importância do olhar integrativo por parte dos
profissionais de saúde, uma vez que, por meio da associação da meditação ao
tratamento proposto, pode-se promover melhor manejo da dor pélvica crônica.
Palavras-chave: atenção plena; dor pélvica; empatia;
enfermagem; meditação.
Abstract
Effects of meditative practice on the management of
chronic pelvic pain
Objective: To evaluate the perception of
women about the effect of mindfulness meditation in the management of chronic
pelvic pain. Methods: Descriptive qualitative study with six women with
chronic pelvic pain. The participants underwent an eight-week meditative
practice, with two-hour weekly sessions. Data were collected through
semi-structured interviews and treated according to content analysis. Results:
Meditation promoted pain relief, improved emotional balance and self-care
awareness. Conclusion: The study demonstrated that meditation promoted
chronic pelvic pain relief through the perception of mind and body integration.
This study shows the importance of an integrative approach in health care.
Better management of chronic pelvic pain was shown through the association of
meditation and allopathic care in patients with chronic pelvic pain.
Keywords: mindfulness; pelvic pain;
empathy; nursing; meditation.
Resumen
Efectos de la práctica
meditativa en el tratamiento del dolor pélvico crónico
Objetivo: Conocer la percepción de las mujeres sobre el efecto de la
meditación mindfulness en el manejo del
dolor pélvico crónico. Métodos: Estudio cualitativo descriptivo realizado con seis mujeres con dolor
pélvico crónico. Los participantes se sometieron a
una práctica meditativa de ocho
semanas, con sesiones semanales de dos horas. Los datos fueron recolectados
a través de entrevistas semiestructuradas y tratados
de acuerdo con el análisis de contenido. Resultados: La meditación
promovió el alivio del dolor, mejoró
el equilibrio emocional y la conciencia de autocuidado. Conclusión: El estudio demostró que la meditación promovió el alivio del dolor
pélvico crónico a través de la percepción
de la integración de la mente y
el cuerpo. Con esto, se percibe
la importancia de una
mirada integradora por parte de los profesionales de la salud, ya que, a través de la asociación de la meditación con
el tratamiento propuesto, se puede promover un mejor manejo del dolor pélvico crónico.
Palabras-clave: atención plena; dolor pélvico; empatía; enfermería; meditación.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) estimula o uso de medicinas tradicionais e
complementares/alternativas nos sistemas de saúde de forma integrada às
técnicas da medicina ocidental moderna desde 1991, de modo a fomentar o
estabelecimento de um modelo integrativo de cuidado que valorize todos os
avanços da medicina alopática somados à longa história de resultados das
diferentes racionalidades de saúde [1].
Na
Constituição Brasileira de 1998, inciso II do Art. 198, já havia uma
preocupação com a integralidade da atenção à saúde da população, que foi
intensificada por meio da publicação da Portaria nº 971 no ano de 2006, a qual
institui a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)
no Sistema Único de Saúde (SUS), implementando práticas como medicina
tradicional chinesa/acupuntura, homeopatia, entre outras. Em março de 2017, por
meio da Portaria nº 849, o Ministério da Saúde incluiu mais quinze práticas à
PNPIC, entre elas a meditação [1,2,3].
Essas
práticas encontram respaldo na abordagem holística, que vê o ser humano na sua
totalidade integradora e considera que os aspectos biopsicossociais são
determinantes da saúde e bem-estar, devendo, assim, serem considerados nas
práticas de saúde concebidas e administradas [4]. A teoria holística de Myra Estrin Levine, por exemplo,
considera a pessoa como um todo, em que todos os sistemas devem estar em
equilíbrio, havendo uma estreita relação entre corpo e mente, sensível ao mundo
ao seu redor e a todos os componentes que o permeiam. Esta teoria tem destaque
na área da saúde, pois objetiva preservar a integridade da pessoa considerando
seus aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais, onde nota-se cada
vez mais atendimentos realizados por especialistas em partes específicas do
corpo [4,5].
Esta
abordagem holística demonstra a importância da individualidade na prática da
enfermagem e em outras profissões nas quais deve-se estar atento a todas as
necessidades da pessoa para que um plano de cuidado individualizado e efetivo
possa ser desenvolvido [5]. A presença de profissionais de enfermagem é muito
importante para o apoio efetivo à pessoa que está passando por alguma situação
de desequilíbrio físico e/ou mental, sendo um campo a ser explorado que
fornecerá subsídios para práticas assistenciais fundamentadas em um instrumento
que proporcionará um cuidado mais efetivo para uma assistência integral [6].
Torna-se
necessário, portanto, de um tratamento que envolva também o aspecto mental da
dor [7], como a meditação mindfulness (meditação da
atenção plena), descrita na década de 80 do século passado. Parte das terapias
psicológicas para o manejo da dor, que atualmente são indicadas com nível de
evidência 1A pela Associação Europeia de Urologia (EAU) [8], a meditação mindfulness se mostrou efetiva na redução da dor e dos
comportamentos associados a ela [9]. Trata-se de uma técnica que tem como
objetivo aumentar a atenção plena e consciência do momento presente, concentrando-se
na respiração e na observação dos pensamentos e sensações corporais, sem
julgá-los ou envolver-se emocionalmente com eles. Para a prática desta
meditação, recomenda-se que a pessoa esteja em um local calmo, em posição
confortável, com as costas eretas e as mãos apoiadas no colo, que feche os
olhos e respire profundamente. À medida que os pensamentos surgem, recomenda-se
apenas observá-los sem envolver-se emocionalmente e, assim, conseguir o
controle das emoções [9].
A
meditação pode contribuir para a diminuição da dor crônica por meio da
alteração da percepção da dor e da maneira como as pessoas reagem a ela. Além
disso, a prática meditativa pode favorecer a aceitação sobre a importância do
tratamento, bem como o entendimento do protagonismo de cada um para a melhora
de sua condição de dor [10,11]. A prática da meditação é desafiadora em termos
de assiduidade, principalmente com fatores externos como o estresse. A
continuidade consiste em compaixão consigo mesmo e com as pessoas próximas [6].
As
equipes envolvidas no cuidado a pessoas com dor pélvica crônica (DPC) podem
utilizar esta técnica para promover o cuidado holístico, desempenhando um papel
fundamental no tratamento, resultando em melhora da condição clínica e
possibilitando que o paciente encontre o alívio da dor [11].
A
DPC é definida como dor pélvica contínua ou intermitente, com duração de pelo
menos seis meses [8]. A etiologia é fruto de uma complexa interação entre os
sistemas gastrointestinal, urinário, ginecológico, musculoesquelético,
neurológico, psicológico e endócrino, influenciados por fatores socioculturais.
Afetando uma em cada seis mulheres, com prevalência de 3,8% em mulheres em
idade reprodutiva, a DPC tem impacto direto na vida conjugal, social e profissional
[12,13,14]. Também provoca alterações no sistema nervoso central, que fazem com
que a percepção de dor seja mantida mesmo na ausência de injúria aguda. Além
disso, ela pode intensificar a percepção de dor, fazendo com que estímulos não
dolorosos sejam percebidos como dor (alodinía) ou
ainda fazendo com que estímulos dolorosos sejam percebidos com maior
intensidade (hiperalgesia) [8]. Essas alterações
envolvem tanto o trato ascendente quanto o trato descendente do sistema nervoso
central e periférico [15].
Diante
da complexidade no mecanismo da DPC, diversos analgésicos, opioides e
intervenções cirúrgicas têm sido utilizados para o tratamento da dor crônica,
mas em muitos casos esses tratamentos acabam por não extinguir a dor [16,17]. A
prática de mindfulness pode ajudar na redução da dor,
uma vez que esta pode ser causada ou aumentada pelo estresse e pela ansiedade,
sendo uma alternativa para reduzir estes fatores e contribuir para a redução da
dor. É importante ressaltar que a meditação não é a cura para a DPC, mas que
pode ser associada com outras abordagens terapêuticas como a fisioterapia e a
terapia cognitiva comportamental [18,19].
Este
estudo teve como objetivo conhecer a percepção das mulheres sobre o efeito da
meditação mindfulness no manejo da DPC.
Optou-se
pela realização de um estudo qualitativo, pois a pesquisa qualitativa permite
explorar a vivência e experiências dos participantes sobre um determinado tema
a fim de buscar significado nas suas relações, atitudes e hábitos [20].
Dez
mulheres que estavam em tratamento para DPC no ambulatório para dor crônica em
um hospital público de Curitiba/PR foram convidadas aleatoriamente para esta
pesquisa por meio de convite pessoal; no entanto, somente seis atenderam aos
critérios de inclusão: diagnóstico de DPC e maiores de 18 anos. Foram excluídas
gestantes e aquelas que estavam em tratamento para outras formas de dor cônica.
Após
o aceite em participar da pesquisa, todas assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. Para garantir o anonimato, as participantes foram nomeadas
com a letra P seguida de um número arábico independente da ordem da entrevista.
Foram cumpridos todos os preceitos éticos, segundo a Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde (CNS). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa, sob o protocolo n° 1.758.825D.
A
prática meditativa foi realizada no hospital público acima referenciado com
duração de oito semanas e atividade semanal de duas horas, sempre no mesmo
horário, às 14h, guiada por uma professora com formação em meditação e
auxiliada por uma psicóloga, dois enfermeiros e uma aluna do curso de graduação
em medicina. As práticas foram baseadas no protocolo “Mindfulness-based
stress reduction”, que inclui oito sessões, cada uma
com um tema principal: (1) Observar a respiração - Breathing
anchor; (2) Conhecer o próprio corpo - Body Scan; (3) Estar atento à
respiração e aos movimentos corporais; (4) Respiração do aqui e agora; (5)
Aceitação: parar, observar e aceitar, responder e deixar ir; (6) Cooperar com
as dificuldades; (7) Pensamentos e escolhas; (8) Reforçar o treinamento diário
e cuidar de si mesmo. Além disso, as participantes foram orientadas a realizar
a meditação diariamente por aproximadamente 15 minutos [10,12,22].
A
coleta de dados ocorreu após o último encontro de meditação, por meio de
entrevista semiestruturada, gravada em áudio, com duração aproximada de 40
minutos cada. O local era reservado, isolado de interferências sonoras e
continha cadeiras e um aparelho de som. Como guia para a entrevista foi
utilizada a seguinte questão: “Conte como foi participar desse projeto para
você”.
Os
dados foram tratados segundo a análise temático-categorial, que busca
identificar temas e categorias a partir do conteúdo das informações coletadas
mediante as fases de pré-análise, exploração do
material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Esta fase
consistiu na familiarização do material pela escuta e transcrição das
entrevistas gravadas e leituras exaustivas. Na exploração do material, os dados
brutos foram lapidados pelos recortes dos temas de interesse e relevância para
o estudo. Na etapa de tratamento dos resultados obtidos e interpretação, os
dados mais relevantes foram articulados com a abordagem de tal e tal momento em
que o pesquisador propôs inferências para a interpretação final e construção
das categorias [23].
Alívio
da dor pela autopercepção
Algumas
participantes externaram a importância do equilíbrio entre mente e corpo,
referindo que a ausência deste equilíbrio pode intensificar a sensação de dor.
As participantes relataram que a meditação proporcionou desenvolvimento da
consciência corporal, de modo a conseguirem identificar fatores de melhora ou
piora no seu estado de dor:
Eu vejo
que a dor que sinto no corpo está relacionada ao meu emocional. Isso eu
consegui perceber. Se eu não estiver bem emocionalmente, tudo piora. Vejo que
quando estou mais equilibrada, parece que as dores são menores. Então está tudo
aqui na minha mente. (P4)
O que
eu acho é que tudo está na cabeça da pessoa [...] percebi também que quando me
esforço muito, a dor piora. Acho que isso já acontecia há bastante tempo, mas
quando eu comecei a fazer a meditação aqui, passei a parar para perceber melhor
isso. Antes eu não sabia detalhar essa dor. Agora eu consigo perceber
claramente que a dor piora quando eu caminho bastante. (P6)
Uma
das participantes relatou maior entendimento do seu estado de adoecimento
crônico, bem como a aceitação da necessidade de tratamento ao longo da vida sem
uma perspectiva de cura. Além disso, mencionou que a meditação pode ser um
adjuvante ao tratamento em curso:
Estou
criando a consciência de que a dor é algo que tenho que aprender a conviver
com. O meu problema tem melhora, mas cura não. Então, tenho que aprender a
levar isso para o resto da vida. A meditação é uma das coisas que vai me
ajudar. Talvez ela não vá resolver o meu problema, mas ela vai me ajudar
bastante, com certeza. (P3)
Alívio da dor pélvica crônica pelo equilíbrio
emocional
As
sessões de meditação contribuíram para a diminuição da ansiedade, pois a
atividade promoveu relaxamento e desapego dos problemas diários. As
participantes relatam que também foi possível tirar o foco da dor para se
concentrarem nas atividades que estavam desenvolvendo, alcançando alívio da DPC
naquele momento:
Quando
eu fico nervosa e ansiosa, parece que a dor piora. Eu consegui relaxar, ficar
bem [durante as sessões de meditação]. Consegui sentir que, por um instante,
aquela dor parou. Por um momento eu consegui sentir isso. (P2)
Você
vem aqui [nas sessões de meditação], relaxa e esquece dos problemas. Fica
concentrada. Os problemas ficam lá fora. E as dores somem [...] melhorou
bastante mesmo [a dor]. (P5)
A
meditação lhes proporcionou tranquilidade; passaram a encarar as dificuldades
com mais calma e conseguiram perceber que o equilíbrio emocional pode favorecer
o alívio da dor, interferindo positivamente em todos os aspectos da vida:
Aquilo
que me incomodava eu já estou conseguindo eliminar da minha mente. Agora eu
consigo respirar mais. Ainda está sendo difícil, mas eu consigo meditar, ter
mais calma, mais paciência. (P1)
Eu acho
que a meditação é um ponto positivo para toda a vida da gente. Em todos os
sentidos. Porque se eu conseguir manter o equilíbrio do meu emocional,
automaticamente eu vou conseguir aliviar a minha dor. (P4)
Potencialização
do autocuidado
As
participantes externaram perceber a importância do autocuidado. Referiram que a
meditação proporcionou compreensão da relevância da participação ativa no
tratamento e, ainda, o discernimento de que o ser humano é frágil e precisa ser
cuidado:
Eu
percebi que eu tenho que cuidar mais de mim [...] ninguém vai me dar valor ou
me cuidar o tanto que eu posso me cuidar ... Antes eu ficava mais irritada,
brigava, descontava nas pessoas. Agora eu seguro mais, controlo mais. (P2)
Eu
percebi que eu tenho que me ajudar. Tudo vai depender de mim. (P3)
A
meditação me fez pensar que estou para todo mundo, mas tenho que estar
principalmente para mim. Com a meditação eu consigo me perceber [...] eu vi que
é a hora de começar a cuidar de mim. Pensar em mim. (P4)
A
meditação como contribuinte na organização pessoal
A
meditação teve impacto positivo na organização das atividades diárias,
proporcionando serenidade para a realização das tarefas com mais tranquilidade.
Desta forma, foi possível às participantes estabelecer prioridades e
desenvolver suas atividades mais concentradas, resultando em maior
produtividade e menor sofrimento:
Eu
aprendi com a meditação a controlar mais o meu dia a dia [...] porque antes eu
queria fazer tudo ao mesmo tempo. Quando eu paro para pensar, decidir o que eu
vou fazer, percebo que faço as coisas de uma maneira melhor, que tudo sai
melhor. (P2)
Eu
chegava assim [em casa], tenho que fazer isso, depois isso e isso, mas primeiro
é isso aqui. Na verdade, fazer o hoje e deixar o amanhã deixa para depois. (P5)
As
participantes expressaram sentir uma transformação na maneira de enxergarem a
si mesmas, referindo que a meditação proporcionou melhorias em seu bem-estar,
em seu estado de ânimo e bom humor:
Me
sinto uma outra pessoa em tudo [após as sessões de meditação]. (P1)
Eu
achei muito bom e me senti bem melhor. Em tudo, em todos os aspectos [...] Meu humor melhorou, eu fiquei mais animada, disposta para
trabalhar. (P5).
Eu saía
bem [das sessões de meditação]. Saía bem comigo mesma, diferente. (P2)
Além
da percepção do olhar para si mesmas, as participantes referiram que a
meditação proporcionou mudanças em seus hábitos, como a realização de
atividades diárias com mais calma e consciência, além da inserção de
caminhadas/atividades físicas para terem um momento de dedicação e cuidado
consigo mesmas:
Comecei
a comer com mais calma, caminhar. Estou preferindo andar a ir a algum lugar
perto de casa de ônibus. (P2)
Eu
consegui tirar um tempo para mim que a princípio eu não tinha [participando das
sessões de meditação]. Até a minha filha mais velha me estimulava a vir, porque
ela dizia que eu cuidava de todo mundo e que não estava cuidando de mim [...]
comecei a fazer exercícios logo depois que acabou a meditação, antes eu não
fazia nada. (P6)
A
etiologia da DPC é complexa e envolve a interação de vários sistemas com uma
influência psicológica e sociocultural importante [17]. Como citado
anteriormente, o manejo psicológico da DPC já é indicado com nível de evidência
1A pela EAU; deste modo, o desenvolvimento da consciência corporal e a
identificação de fatores de melhora e piora na condição de doença têm
importante impacto nos resultados esperados durante o manejo da DPC [8].
As
participantes relataram perceber a importância do equilíbrio entre a mente e o
corpo para o manejo da dor, bem como referiram maior consciência corporal, o
que resultou na identificação de fatores de melhora no seu estado de dor. Por
meio da meditação mindfulness foi possível desenvolver
uma maior conexão com o próprio corpo, aumentar a compreensão dos pensamentos e
emoções e cultivar uma maior sensação de calma e clareza mental.
A
prática meditativa proporcionou sentimentos de tranquilidade e equilíbrio
emocional, permitindo que as participantes conseguissem identificar sinais de
tensão física, contribuindo para prevenir a sobrecarga e promover o equilíbrio
emocional. Tal fato é corroborado pelos resultados de um estudo que usou o
programa de mindfulness de oito semanas e pesquisou
as alterações cerebrais e imunes que a prática meditativa poderia ocasionar nas
participantes [21]. Ao final da pesquisa, provou-se aumento de atividade
elétrica cerebral em áreas relacionadas a emoções positivas no grupo de
participantes meditadoras em comparação com o grupo controle, reforçando a
ideia de que a meditação favorece melhor estado de humor e equilíbrio emocional
[21]. Desta maneira, as emoções positivas podem apresentar impacto
significativo na redução de dores crônicas. Consequentemente, por meio da
prática meditativa pode-se ativar no cérebro áreas relacionadas com emoções
positivas e, desta forma, atenuar condições de dor crônica [21].
A
teoria do autocuidado foi desenvolvida pela enfermeira Dorothea Orem, sendo uma
das teorias mais utilizadas na prática clínica da enfermagem [24]. É baseada no
princípio de que as pessoas têm a capacidade de cuidar de si mesmas e de
gerenciar sua saúde. Para o tratamento da dor, pode ser aplicada utilizando a
técnica de relaxamento, como é o caso da meditação [25]. Os relatos das
participantes do presente estudo descrevem essa percepção de si mesmas e a
conscientização do cuidado com o corpo, sendo corresponsáveis pelo
gerenciamento do tratamento de forma independente, podendo assumir a responsabilidade
pelo próprio bem-estar e, desta forma, contribuindo e promovendo a
conscientização da importância de sua participação e autoconhecimento para o
controle da dor.
Pode-se
descrever que mindfulness também é uma prática de
autocuidado, já que requer o estar presente e atento a suas próprias
necessidades e sentimentos e responder a eles de forma intencional. As
participantes também expressaram melhor entendimento da sua condição de doença.
Essa aceitação tem sido mostrada como uma importante ferramenta no processo de
manejo de dores crônicas [10]. Além disso, aceitar uma condição sem julgamentos
e evitar condicionamentos de aversão e luta contra determinada situação são
pontos fundamentais da Redução do Estresse Baseada em Mindfulness
(MBSR) ensinados nas práticas de meditação [9].
Este
estudo demostrou que a meditação pode provocar sentimentos de valorização
pessoal e, desta forma, estimular práticas de autocuidado, pois as
participantes relataram a importância da prática meditativa como um tempo para
se dedicarem a si mesmas em meio a rotinas atarefadas. Livros como “Full catastrophe living: Using the wisdom of
your body and mind to face stress, pain, and illness”
[26] compilaram diversos trabalhos científicos mostrando o impacto do
equilíbrio mente e corpo na saúde das pessoas e relataram a necessidade do
momento de autocuidado para tornar as pessoas mais ativas no processo de
tratamento, condição essencial para o enfrentamento e transformação de
condições crônicas [24,26].
É
possível observar nos resultados do presente estudo falas que demonstram os
benefícios da meditação para a organização das atividades diárias das
participantes, com reflexo direto no aumento da sua produtividade. Neste
sentido, cabe destacar um estudo que investigou a capacidade processual do
cérebro humano e apresentou evidências de que as pessoas possuem capacidades
limitadas de recursos de atenção disponível e, ainda, que o treino da meditação
pode proporcionar maior controle sobre esses recursos, promovendo melhor eficiência
e desempenho [27].
Além
disso, a meditação proporcionou diferentes mudanças na forma de enfrentar as
diversidades diárias e na maneira de perceber a necessidade de trocas saudáveis
no dia a dia, como incluir atividades físicas e manter estados de bom humor,
resultando em um aumento na qualidade de vida em geral. Estudos que analisaram
participantes portadores de câncer submetidos à prática meditativa mostraram
que a meditação promoveu melhora na qualidade de vida e diminuição nos sintomas
de estresse [28], evidenciando que esta prática pode ter amplo impacto em
diversas esferas da vida. A prática meditativa regular reduz o estresse e a
ansiedade e seus benefícios não se limitam aos praticantes, estendendo-se
também às pessoas próximas, como familiares e colegas de trabalho [29].
Os
relatos de alívio da DPC reforçam o que já foi apresentado em dois estudos: o
primeiro demonstra importantes resultados da meditação mindfulness
na redução da dor crônica [11] e o segundo apresenta uma meta-análise em que a
redução do estresse, alcançada por meio da meditação, foi efetiva para
melhorias nas diversas condições de saúde dos participantes [28].
Deste
modo, as participantes do presente estudo foram estimuladas a olhar para sua
condição de dor por outro ângulo, com mais tranquilidade e equilíbrio. Sabe-se
que a prática de mindfulness como coadjuvante no
tratamento de DPC pode provocar alterações no comportamento e na percepção que
as pessoas têm perante a dor, fazendo com que a experiência de dor seja
diminuída gradativamente ao logo do tratamento [10].
A
percepção das mulheres portadoras de DPC sobre o efeito da prática meditativa
foi positiva, com um alívio na condição de dor, melhora no equilíbrio emocional
e conscientização do autocuidado. Identificou-se que a DPC é uma condição
clínica complexa e multifatorial, sendo importante reconhecer que é uma
abordagem multidisciplinar e que cabe aos enfermeiros coletar informações
detalhadas sobre o histórico clínico das mulheres, sintomas relacionados à dor
e fatores que a desencadeiam.
A
prática da meditação pode ser vista como uma abordagem complementar aos
cuidados de enfermagem, que tem como objetivo o cuidado físico e emocional das
pessoas, enquanto a prática meditativa se concentra na promoção do bem-estar
mental e espiritual. Ao combinar estas abordagens, contribuir-se-á para uma
abordagem holística e humanizada.
A
meditação pode ajudar a equipe de enfermagem a enfrentar o estresse e promover
seu bem-estar, ao mesmo tempo em que oferece benefícios terapêuticos às
mulheres. No entanto não são todos os profissionais da enfermagem que recebem
capacitação para o tratamento adequado da DPC, o que pode limitar a capacidade
de fornecer um tratamento especializado.
Esses
achados evidenciam a importância do olhar integrativo no manejo da DPC e
apontam para o potencial da prática meditativa como um tratamento associado ao
alopático, sugerindo a realização de estudos com grupos maiores para confirmar
os achados e tornar a prática meditativa gradativamente mais sólida e
acessível. Embora esta pesquisa tenha alcançado seu objetivo, sugere-se que
novos estudos acompanhem as participantes por períodos mais longos.
Conflitos
de interesse
Declaramos
que não há conflitos de interesse.
Fontes
de financiamento
Não
houve financiamento, todas as despesas foram arcadas pelos autores.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Massaneiro TJ, Romano R, Bittelbrunn
CC, Fraga R; Coleta de dados: Massaneiro TJ,
Romano R, Thomaz PB, Assis GM; Análise e interpretação dos dados: Massaneiro TJ, Romano R, Assis GM, Brusamarello
T, Fraga R, Moser ADL; Redação do manuscrito: Massaneiro
TJ, Romano R, Assis GM, Brusamarello T, Fraga R,
Moser ADL; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual
importante: Massaneiro TJ, Romano R, Brusamarello T, Fraga R, Moser ADL