Enferm Bras. 2023;22(4):438-51

doi: 10.33233/eb.v22i4.5466

ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da prática meditativa no manejo da dor pélvica crônica

 

Thomaz Jefferson Massaneiro1, Ricardo Romano1, Cleima Coltri Bittelbrunn1, Tatiana Brusamarello1, Patrícia Bhon Thomaz1, Gisela Maria Assis1, Rogério de Fraga1, Auristela Duarte Lima Moser2

 

1Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

2Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

 

Recebido em: 10 de maio de 2023; Aceito em: 3 de agosto de 2023.

Correspondência: Thomaz Jefferson Massaneiro, enf_thomaz@hotmail.com

 

Como citar

Massaneiro TJ, RomanoR, Bittelbrunn CC, Brusamarello T, Thomaz PB, Assis GM, Fraga R, Moser ADL. Efeitos da prática meditativa no manejo da dor pélvica crônica. Enferm Bras. 2023;2294):438-57. doi: 10.33233/eb.v22i4.5466

 

Resumo

Objetivo: Conhecer a percepção das mulheres sobre o efeito da meditação mindfulness no manejo da dor pélvica crônica. Métodos: Estudo qualitativo descritivo realizado com seis mulheres portadoras de dor pélvica crônica. As participantes foram submetidas a uma prática meditativa de oito semanas, com sessões semanais de duas horas. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e tratados segundo análise de conteúdo. Resultados: A meditação promoveu alívio na condição de dor, melhora no equilíbrio emocional e da conscientização do autocuidado. Conclusão: O estudo demonstrou que a meditação promoveu alívio da dor pélvica crônica por meio da percepção da integração mente e corpo. Com isso, percebe-se a importância do olhar integrativo por parte dos profissionais de saúde, uma vez que, por meio da associação da meditação ao tratamento proposto, pode-se promover melhor manejo da dor pélvica crônica.

Palavras-chave: atenção plena; dor pélvica; empatia; enfermagem; meditação.

     

Abstract

Effects of meditative practice on the management of chronic pelvic pain

Objective: To evaluate the perception of women about the effect of mindfulness meditation in the management of chronic pelvic pain. Methods: Descriptive qualitative study with six women with chronic pelvic pain. The participants underwent an eight-week meditative practice, with two-hour weekly sessions. Data were collected through semi-structured interviews and treated according to content analysis. Results: Meditation promoted pain relief, improved emotional balance and self-care awareness. Conclusion: The study demonstrated that meditation promoted chronic pelvic pain relief through the perception of mind and body integration. This study shows the importance of an integrative approach in health care. Better management of chronic pelvic pain was shown through the association of meditation and allopathic care in patients with chronic pelvic pain.

Keywords: mindfulness; pelvic pain; empathy; nursing; meditation.

 

Resumen

Efectos de la práctica meditativa en el tratamiento del dolor pélvico crónico

Objetivo: Conocer la percepción de las mujeres sobre el efecto de la meditación mindfulness en el manejo del dolor pélvico crónico. Métodos: Estudio cualitativo descriptivo realizado con seis mujeres con dolor pélvico crónico. Los participantes se sometieron a una práctica meditativa de ocho semanas, con sesiones semanales de dos horas. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas y tratados de acuerdo con el análisis de contenido. Resultados: La meditación promovió el alivio del dolor, mejoró el equilibrio emocional y la conciencia de autocuidado. Conclusión: El estudio demostró que la meditación promovió el alivio del dolor pélvico crónico a través de la percepción de la integración de la mente y el cuerpo. Con esto, se percibe la importancia de una mirada integradora por parte de los profesionales de la salud, ya que, a través de la asociación de la meditación con el tratamiento propuesto, se puede promover un mejor manejo del dolor pélvico crónico.

Palabras-clave: atención plena; dolor pélvico; empatía; enfermería; meditación.

 

Introdução

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimula o uso de medicinas tradicionais e complementares/alternativas nos sistemas de saúde de forma integrada às técnicas da medicina ocidental moderna desde 1991, de modo a fomentar o estabelecimento de um modelo integrativo de cuidado que valorize todos os avanços da medicina alopática somados à longa história de resultados das diferentes racionalidades de saúde [1].

Na Constituição Brasileira de 1998, inciso II do Art. 198, já havia uma preocupação com a integralidade da atenção à saúde da população, que foi intensificada por meio da publicação da Portaria nº 971 no ano de 2006, a qual institui a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), implementando práticas como medicina tradicional chinesa/acupuntura, homeopatia, entre outras. Em março de 2017, por meio da Portaria nº 849, o Ministério da Saúde incluiu mais quinze práticas à PNPIC, entre elas a meditação [1,2,3].

Essas práticas encontram respaldo na abordagem holística, que vê o ser humano na sua totalidade integradora e considera que os aspectos biopsicossociais são determinantes da saúde e bem-estar, devendo, assim, serem considerados nas práticas de saúde concebidas e administradas [4]. A teoria holística de Myra Estrin Levine, por exemplo, considera a pessoa como um todo, em que todos os sistemas devem estar em equilíbrio, havendo uma estreita relação entre corpo e mente, sensível ao mundo ao seu redor e a todos os componentes que o permeiam. Esta teoria tem destaque na área da saúde, pois objetiva preservar a integridade da pessoa considerando seus aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais, onde nota-se cada vez mais atendimentos realizados por especialistas em partes específicas do corpo [4,5].

Esta abordagem holística demonstra a importância da individualidade na prática da enfermagem e em outras profissões nas quais deve-se estar atento a todas as necessidades da pessoa para que um plano de cuidado individualizado e efetivo possa ser desenvolvido [5]. A presença de profissionais de enfermagem é muito importante para o apoio efetivo à pessoa que está passando por alguma situação de desequilíbrio físico e/ou mental, sendo um campo a ser explorado que fornecerá subsídios para práticas assistenciais fundamentadas em um instrumento que proporcionará um cuidado mais efetivo para uma assistência integral [6].

Torna-se necessário, portanto, de um tratamento que envolva também o aspecto mental da dor [7], como a meditação mindfulness (meditação da atenção plena), descrita na década de 80 do século passado. Parte das terapias psicológicas para o manejo da dor, que atualmente são indicadas com nível de evidência 1A pela Associação Europeia de Urologia (EAU) [8], a meditação mindfulness se mostrou efetiva na redução da dor e dos comportamentos associados a ela [9]. Trata-se de uma técnica que tem como objetivo aumentar a atenção plena e consciência do momento presente, concentrando-se na respiração e na observação dos pensamentos e sensações corporais, sem julgá-los ou envolver-se emocionalmente com eles. Para a prática desta meditação, recomenda-se que a pessoa esteja em um local calmo, em posição confortável, com as costas eretas e as mãos apoiadas no colo, que feche os olhos e respire profundamente. À medida que os pensamentos surgem, recomenda-se apenas observá-los sem envolver-se emocionalmente e, assim, conseguir o controle das emoções [9].

A meditação pode contribuir para a diminuição da dor crônica por meio da alteração da percepção da dor e da maneira como as pessoas reagem a ela. Além disso, a prática meditativa pode favorecer a aceitação sobre a importância do tratamento, bem como o entendimento do protagonismo de cada um para a melhora de sua condição de dor [10,11]. A prática da meditação é desafiadora em termos de assiduidade, principalmente com fatores externos como o estresse. A continuidade consiste em compaixão consigo mesmo e com as pessoas próximas [6].

As equipes envolvidas no cuidado a pessoas com dor pélvica crônica (DPC) podem utilizar esta técnica para promover o cuidado holístico, desempenhando um papel fundamental no tratamento, resultando em melhora da condição clínica e possibilitando que o paciente encontre o alívio da dor [11].

A DPC é definida como dor pélvica contínua ou intermitente, com duração de pelo menos seis meses [8]. A etiologia é fruto de uma complexa interação entre os sistemas gastrointestinal, urinário, ginecológico, musculoesquelético, neurológico, psicológico e endócrino, influenciados por fatores socioculturais. Afetando uma em cada seis mulheres, com prevalência de 3,8% em mulheres em idade reprodutiva, a DPC tem impacto direto na vida conjugal, social e profissional [12,13,14]. Também provoca alterações no sistema nervoso central, que fazem com que a percepção de dor seja mantida mesmo na ausência de injúria aguda. Além disso, ela pode intensificar a percepção de dor, fazendo com que estímulos não dolorosos sejam percebidos como dor (alodinía) ou ainda fazendo com que estímulos dolorosos sejam percebidos com maior intensidade (hiperalgesia) [8]. Essas alterações envolvem tanto o trato ascendente quanto o trato descendente do sistema nervoso central e periférico [15].

Diante da complexidade no mecanismo da DPC, diversos analgésicos, opioides e intervenções cirúrgicas têm sido utilizados para o tratamento da dor crônica, mas em muitos casos esses tratamentos acabam por não extinguir a dor [16,17]. A prática de mindfulness pode ajudar na redução da dor, uma vez que esta pode ser causada ou aumentada pelo estresse e pela ansiedade, sendo uma alternativa para reduzir estes fatores e contribuir para a redução da dor. É importante ressaltar que a meditação não é a cura para a DPC, mas que pode ser associada com outras abordagens terapêuticas como a fisioterapia e a terapia cognitiva comportamental [18,19].

Este estudo teve como objetivo conhecer a percepção das mulheres sobre o efeito da meditação mindfulness no manejo da DPC.

 

Métodos

 

Optou-se pela realização de um estudo qualitativo, pois a pesquisa qualitativa permite explorar a vivência e experiências dos participantes sobre um determinado tema a fim de buscar significado nas suas relações, atitudes e hábitos [20].

Dez mulheres que estavam em tratamento para DPC no ambulatório para dor crônica em um hospital público de Curitiba/PR foram convidadas aleatoriamente para esta pesquisa por meio de convite pessoal; no entanto, somente seis atenderam aos critérios de inclusão: diagnóstico de DPC e maiores de 18 anos. Foram excluídas gestantes e aquelas que estavam em tratamento para outras formas de dor cônica.

Após o aceite em participar da pesquisa, todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para garantir o anonimato, as participantes foram nomeadas com a letra P seguida de um número arábico independente da ordem da entrevista. Foram cumpridos todos os preceitos éticos, segundo a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o protocolo n° 1.758.825D.

A prática meditativa foi realizada no hospital público acima referenciado com duração de oito semanas e atividade semanal de duas horas, sempre no mesmo horário, às 14h, guiada por uma professora com formação em meditação e auxiliada por uma psicóloga, dois enfermeiros e uma aluna do curso de graduação em medicina. As práticas foram baseadas no protocolo “Mindfulness-based stress reduction”, que inclui oito sessões, cada uma com um tema principal: (1) Observar a respiração - Breathing anchor; (2) Conhecer o próprio corpo - Body Scan; (3) Estar atento à respiração e aos movimentos corporais; (4) Respiração do aqui e agora; (5) Aceitação: parar, observar e aceitar, responder e deixar ir; (6) Cooperar com as dificuldades; (7) Pensamentos e escolhas; (8) Reforçar o treinamento diário e cuidar de si mesmo. Além disso, as participantes foram orientadas a realizar a meditação diariamente por aproximadamente 15 minutos [10,12,22].

A coleta de dados ocorreu após o último encontro de meditação, por meio de entrevista semiestruturada, gravada em áudio, com duração aproximada de 40 minutos cada. O local era reservado, isolado de interferências sonoras e continha cadeiras e um aparelho de som. Como guia para a entrevista foi utilizada a seguinte questão: “Conte como foi participar desse projeto para você”.

Os dados foram tratados segundo a análise temático-categorial, que busca identificar temas e categorias a partir do conteúdo das informações coletadas mediante as fases de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Esta fase consistiu na familiarização do material pela escuta e transcrição das entrevistas gravadas e leituras exaustivas. Na exploração do material, os dados brutos foram lapidados pelos recortes dos temas de interesse e relevância para o estudo. Na etapa de tratamento dos resultados obtidos e interpretação, os dados mais relevantes foram articulados com a abordagem de tal e tal momento em que o pesquisador propôs inferências para a interpretação final e construção das categorias [23].

 

Resultados

 

Alívio da dor pela autopercepção

 

Algumas participantes externaram a importância do equilíbrio entre mente e corpo, referindo que a ausência deste equilíbrio pode intensificar a sensação de dor. As participantes relataram que a meditação proporcionou desenvolvimento da consciência corporal, de modo a conseguirem identificar fatores de melhora ou piora no seu estado de dor:

 

Eu vejo que a dor que sinto no corpo está relacionada ao meu emocional. Isso eu consegui perceber. Se eu não estiver bem emocionalmente, tudo piora. Vejo que quando estou mais equilibrada, parece que as dores são menores. Então está tudo aqui na minha mente. (P4)

      

O que eu acho é que tudo está na cabeça da pessoa [...] percebi também que quando me esforço muito, a dor piora. Acho que isso já acontecia há bastante tempo, mas quando eu comecei a fazer a meditação aqui, passei a parar para perceber melhor isso. Antes eu não sabia detalhar essa dor. Agora eu consigo perceber claramente que a dor piora quando eu caminho bastante. (P6)

 

Uma das participantes relatou maior entendimento do seu estado de adoecimento crônico, bem como a aceitação da necessidade de tratamento ao longo da vida sem uma perspectiva de cura. Além disso, mencionou que a meditação pode ser um adjuvante ao tratamento em curso:

 

Estou criando a consciência de que a dor é algo que tenho que aprender a conviver com. O meu problema tem melhora, mas cura não. Então, tenho que aprender a levar isso para o resto da vida. A meditação é uma das coisas que vai me ajudar. Talvez ela não vá resolver o meu problema, mas ela vai me ajudar bastante, com certeza. (P3)

 

 Alívio da dor pélvica crônica pelo equilíbrio emocional

 

As sessões de meditação contribuíram para a diminuição da ansiedade, pois a atividade promoveu relaxamento e desapego dos problemas diários. As participantes relatam que também foi possível tirar o foco da dor para se concentrarem nas atividades que estavam desenvolvendo, alcançando alívio da DPC naquele momento:

 

Quando eu fico nervosa e ansiosa, parece que a dor piora. Eu consegui relaxar, ficar bem [durante as sessões de meditação]. Consegui sentir que, por um instante, aquela dor parou. Por um momento eu consegui sentir isso. (P2)

      

Você vem aqui [nas sessões de meditação], relaxa e esquece dos problemas. Fica concentrada. Os problemas ficam lá fora. E as dores somem [...] melhorou bastante mesmo [a dor]. (P5)

 

A meditação lhes proporcionou tranquilidade; passaram a encarar as dificuldades com mais calma e conseguiram perceber que o equilíbrio emocional pode favorecer o alívio da dor, interferindo positivamente em todos os aspectos da vida:

 

Aquilo que me incomodava eu já estou conseguindo eliminar da minha mente. Agora eu consigo respirar mais. Ainda está sendo difícil, mas eu consigo meditar, ter mais calma, mais paciência. (P1)

 

Eu acho que a meditação é um ponto positivo para toda a vida da gente. Em todos os sentidos. Porque se eu conseguir manter o equilíbrio do meu emocional, automaticamente eu vou conseguir aliviar a minha dor. (P4)

 

Potencialização do autocuidado

 

As participantes externaram perceber a importância do autocuidado. Referiram que a meditação proporcionou compreensão da relevância da participação ativa no tratamento e, ainda, o discernimento de que o ser humano é frágil e precisa ser cuidado:

 

Eu percebi que eu tenho que cuidar mais de mim [...] ninguém vai me dar valor ou me cuidar o tanto que eu posso me cuidar ... Antes eu ficava mais irritada, brigava, descontava nas pessoas. Agora eu seguro mais, controlo mais. (P2)

 

Eu percebi que eu tenho que me ajudar. Tudo vai depender de mim. (P3)

 

A meditação me fez pensar que estou para todo mundo, mas tenho que estar principalmente para mim. Com a meditação eu consigo me perceber [...] eu vi que é a hora de começar a cuidar de mim. Pensar em mim. (P4)

 

A meditação como contribuinte na organização pessoal

 

A meditação teve impacto positivo na organização das atividades diárias, proporcionando serenidade para a realização das tarefas com mais tranquilidade. Desta forma, foi possível às participantes estabelecer prioridades e desenvolver suas atividades mais concentradas, resultando em maior produtividade e menor sofrimento:

 

Eu aprendi com a meditação a controlar mais o meu dia a dia [...] porque antes eu queria fazer tudo ao mesmo tempo. Quando eu paro para pensar, decidir o que eu vou fazer, percebo que faço as coisas de uma maneira melhor, que tudo sai melhor. (P2)

 

Eu chegava assim [em casa], tenho que fazer isso, depois isso e isso, mas primeiro é isso aqui. Na verdade, fazer o hoje e deixar o amanhã deixa para depois. (P5)

 

As participantes expressaram sentir uma transformação na maneira de enxergarem a si mesmas, referindo que a meditação proporcionou melhorias em seu bem-estar, em seu estado de ânimo e bom humor:

 

Me sinto uma outra pessoa em tudo [após as sessões de meditação]. (P1)

 

Eu achei muito bom e me senti bem melhor. Em tudo, em todos os aspectos [...] Meu humor melhorou, eu fiquei mais animada, disposta para trabalhar. (P5).

 

Eu saía bem [das sessões de meditação]. Saía bem comigo mesma, diferente. (P2)

 

Além da percepção do olhar para si mesmas, as participantes referiram que a meditação proporcionou mudanças em seus hábitos, como a realização de atividades diárias com mais calma e consciência, além da inserção de caminhadas/atividades físicas para terem um momento de dedicação e cuidado consigo mesmas:

 

Comecei a comer com mais calma, caminhar. Estou preferindo andar a ir a algum lugar perto de casa de ônibus. (P2)

 

Eu consegui tirar um tempo para mim que a princípio eu não tinha [participando das sessões de meditação]. Até a minha filha mais velha me estimulava a vir, porque ela dizia que eu cuidava de todo mundo e que não estava cuidando de mim [...] comecei a fazer exercícios logo depois que acabou a meditação, antes eu não fazia nada. (P6)

 

Discussão

 

A etiologia da DPC é complexa e envolve a interação de vários sistemas com uma influência psicológica e sociocultural importante [17]. Como citado anteriormente, o manejo psicológico da DPC já é indicado com nível de evidência 1A pela EAU; deste modo, o desenvolvimento da consciência corporal e a identificação de fatores de melhora e piora na condição de doença têm importante impacto nos resultados esperados durante o manejo da DPC [8].

As participantes relataram perceber a importância do equilíbrio entre a mente e o corpo para o manejo da dor, bem como referiram maior consciência corporal, o que resultou na identificação de fatores de melhora no seu estado de dor. Por meio da meditação mindfulness foi possível desenvolver uma maior conexão com o próprio corpo, aumentar a compreensão dos pensamentos e emoções e cultivar uma maior sensação de calma e clareza mental.

A prática meditativa proporcionou sentimentos de tranquilidade e equilíbrio emocional, permitindo que as participantes conseguissem identificar sinais de tensão física, contribuindo para prevenir a sobrecarga e promover o equilíbrio emocional. Tal fato é corroborado pelos resultados de um estudo que usou o programa de mindfulness de oito semanas e pesquisou as alterações cerebrais e imunes que a prática meditativa poderia ocasionar nas participantes [21]. Ao final da pesquisa, provou-se aumento de atividade elétrica cerebral em áreas relacionadas a emoções positivas no grupo de participantes meditadoras em comparação com o grupo controle, reforçando a ideia de que a meditação favorece melhor estado de humor e equilíbrio emocional [21]. Desta maneira, as emoções positivas podem apresentar impacto significativo na redução de dores crônicas. Consequentemente, por meio da prática meditativa pode-se ativar no cérebro áreas relacionadas com emoções positivas e, desta forma, atenuar condições de dor crônica [21].

A teoria do autocuidado foi desenvolvida pela enfermeira Dorothea Orem, sendo uma das teorias mais utilizadas na prática clínica da enfermagem [24]. É baseada no princípio de que as pessoas têm a capacidade de cuidar de si mesmas e de gerenciar sua saúde. Para o tratamento da dor, pode ser aplicada utilizando a técnica de relaxamento, como é o caso da meditação [25]. Os relatos das participantes do presente estudo descrevem essa percepção de si mesmas e a conscientização do cuidado com o corpo, sendo corresponsáveis pelo gerenciamento do tratamento de forma independente, podendo assumir a responsabilidade pelo próprio bem-estar e, desta forma, contribuindo e promovendo a conscientização da importância de sua participação e autoconhecimento para o controle da dor.

Pode-se descrever que mindfulness também é uma prática de autocuidado, já que requer o estar presente e atento a suas próprias necessidades e sentimentos e responder a eles de forma intencional. As participantes também expressaram melhor entendimento da sua condição de doença. Essa aceitação tem sido mostrada como uma importante ferramenta no processo de manejo de dores crônicas [10]. Além disso, aceitar uma condição sem julgamentos e evitar condicionamentos de aversão e luta contra determinada situação são pontos fundamentais da Redução do Estresse Baseada em Mindfulness (MBSR) ensinados nas práticas de meditação [9].

Este estudo demostrou que a meditação pode provocar sentimentos de valorização pessoal e, desta forma, estimular práticas de autocuidado, pois as participantes relataram a importância da prática meditativa como um tempo para se dedicarem a si mesmas em meio a rotinas atarefadas. Livros como “Full catastrophe living: Using the wisdom of your body and mind to face stress, pain, and illness” [26] compilaram diversos trabalhos científicos mostrando o impacto do equilíbrio mente e corpo na saúde das pessoas e relataram a necessidade do momento de autocuidado para tornar as pessoas mais ativas no processo de tratamento, condição essencial para o enfrentamento e transformação de condições crônicas [24,26].

É possível observar nos resultados do presente estudo falas que demonstram os benefícios da meditação para a organização das atividades diárias das participantes, com reflexo direto no aumento da sua produtividade. Neste sentido, cabe destacar um estudo que investigou a capacidade processual do cérebro humano e apresentou evidências de que as pessoas possuem capacidades limitadas de recursos de atenção disponível e, ainda, que o treino da meditação pode proporcionar maior controle sobre esses recursos, promovendo melhor eficiência e desempenho [27].

Além disso, a meditação proporcionou diferentes mudanças na forma de enfrentar as diversidades diárias e na maneira de perceber a necessidade de trocas saudáveis no dia a dia, como incluir atividades físicas e manter estados de bom humor, resultando em um aumento na qualidade de vida em geral. Estudos que analisaram participantes portadores de câncer submetidos à prática meditativa mostraram que a meditação promoveu melhora na qualidade de vida e diminuição nos sintomas de estresse [28], evidenciando que esta prática pode ter amplo impacto em diversas esferas da vida. A prática meditativa regular reduz o estresse e a ansiedade e seus benefícios não se limitam aos praticantes, estendendo-se também às pessoas próximas, como familiares e colegas de trabalho [29].

Os relatos de alívio da DPC reforçam o que já foi apresentado em dois estudos: o primeiro demonstra importantes resultados da meditação mindfulness na redução da dor crônica [11] e o segundo apresenta uma meta-análise em que a redução do estresse, alcançada por meio da meditação, foi efetiva para melhorias nas diversas condições de saúde dos participantes [28].

Deste modo, as participantes do presente estudo foram estimuladas a olhar para sua condição de dor por outro ângulo, com mais tranquilidade e equilíbrio. Sabe-se que a prática de mindfulness como coadjuvante no tratamento de DPC pode provocar alterações no comportamento e na percepção que as pessoas têm perante a dor, fazendo com que a experiência de dor seja diminuída gradativamente ao logo do tratamento [10].

 

Conclusão

 

A percepção das mulheres portadoras de DPC sobre o efeito da prática meditativa foi positiva, com um alívio na condição de dor, melhora no equilíbrio emocional e conscientização do autocuidado. Identificou-se que a DPC é uma condição clínica complexa e multifatorial, sendo importante reconhecer que é uma abordagem multidisciplinar e que cabe aos enfermeiros coletar informações detalhadas sobre o histórico clínico das mulheres, sintomas relacionados à dor e fatores que a desencadeiam.

A prática da meditação pode ser vista como uma abordagem complementar aos cuidados de enfermagem, que tem como objetivo o cuidado físico e emocional das pessoas, enquanto a prática meditativa se concentra na promoção do bem-estar mental e espiritual. Ao combinar estas abordagens, contribuir-se-á para uma abordagem holística e humanizada.

A meditação pode ajudar a equipe de enfermagem a enfrentar o estresse e promover seu bem-estar, ao mesmo tempo em que oferece benefícios terapêuticos às mulheres. No entanto não são todos os profissionais da enfermagem que recebem capacitação para o tratamento adequado da DPC, o que pode limitar a capacidade de fornecer um tratamento especializado.

Esses achados evidenciam a importância do olhar integrativo no manejo da DPC e apontam para o potencial da prática meditativa como um tratamento associado ao alopático, sugerindo a realização de estudos com grupos maiores para confirmar os achados e tornar a prática meditativa gradativamente mais sólida e acessível. Embora esta pesquisa tenha alcançado seu objetivo, sugere-se que novos estudos acompanhem as participantes por períodos mais longos.

 

Conflitos de interesse

Declaramos que não há conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

 

Não houve financiamento, todas as despesas foram arcadas pelos autores.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Massaneiro TJ, Romano R, Bittelbrunn CC, Fraga R; Coleta de dados: Massaneiro TJ, Romano R, Thomaz PB, Assis GM; Análise e interpretação dos dados: Massaneiro TJ, Romano R, Assis GM, Brusamarello T, Fraga R, Moser ADL; Redação do manuscrito: Massaneiro TJ, Romano R, Assis GM, Brusamarello T, Fraga R, Moser ADL; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Massaneiro TJ, Romano R, Brusamarello T, Fraga R, Moser ADL

 

 

Referências

 

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  3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM n° 971, 3 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema único de Saúde. [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União; 4 mai 2006 [citado 19 abr 2023]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0971_03_05_2006.html
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