Enferm Bras.
2023;22(5):608-23
ARTIGO
ORIGINAL
Conhecimento
da enfermagem sobre as medidas de prevenção e controle do delirium no idoso
hospitalizado
Suellen
Karina de Oliveira Giroti1,2, Fabiana Amaral Longhi1,2,
Lucas Benedito Fogaça Rabito1,2, Flávio Marques Ventura da Silva2,3,
Vitória Regina dos Santos Silva2,3, Maria Karoline Gabriel Rodrigues2,4,
Mara Solange Gomes Dellaroza1,2,5
1Universidade Estadual de Londrina
(PPGENF/UEL), Londrina, PR, Brasil
2Hospital Universitário de Londrina,
Londrina, PR, Brasil
3Universidade Estadual de Londrina
(Graduação), Londrina, PR, Brasil
4Universidade Estadual de Londrina
(PPGSC/UEL), Londrina, PR, Brasil
5Departamento de Enfermagem da
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil
Recebido
em: 13 de maio de 2023; Aceito em: 23 de setembro de 2023.
Correspondência: Lucas Benedito Fogaça Rabito, pg404974@uem.br
Como citar
Giroti SKO, Longhi FA, Rabito LBF, Silva FMV,
Silva VRS, Rodrigues MKG, Dellaroza MSG. Conhecimento
da enfermagem sobre as medidas de prevenção e controle do delirium no idoso
hospitalizado. Enferm Bras
2023;22(5):608-23. doi: 10.33233/eb.v22i5.5471
Resumo
Objetivo: Revelar o conhecimento da equipe de
enfermagem sobre o delirium em idosos hospitalizados, após a realização de um
processo de construção e implementação de um plano assistencial de prevenção e
controle do delirium. Métodos: Trata-se de um estudo exploratório
descritivo com abordagem qualitativa, o qual utilizou como referencial
metodológico a Pesquisa Convergente Assistencial (PCA). Resultados:
Realizou-se uma entrevista semiestruturada com 28 profissionais de enfermagem
na fase de diagnóstico e 24 profissionais na fase pós-intervenção na unidade em
estudo, realizada em junho 2019 e maio de 2021. Analisou-se o desenvolvimento
do conhecimento da equipe referente ao tema com auxílio dos constructos
teóricos do educador Paulo Freire, e qual o reflexo da aquisição deste
conhecimento na assistência a população idosa hospitalizada. Conclusão:
Destaca-se que, com o uso de uma estratégia metodológica ativa de aprendizagem,
os profissionais adquiriram propriedade científica sobre delirium no idoso,
sendo capazes de correlacionar com suas práticas assistenciais, tornando-os
aptos a gerar mudanças na realidade.
Palavras-chave: delirium; saúde do idoso;
aprendizagem; cuidado de enfermagem ao idoso hospitalizado.
Abstract
Nursing knowledge about delirium prevention and
control measures in hospitalized elderly
Objective: Reveal the knowledge of the
nursing team about delirium in hospitalized elderly, after carrying out a
process of construction and implementation of a care plan for the prevention
and control of delirium. Methods: This is a descriptive exploratory
study with a qualitative approach, which used the Convergent Care Research
(PCA) as a methodological reference. Results: A semi-structured
interview was carried out with 28 nursing professionals in the diagnostic phase
and 24 professionals in the post-intervention phase in the unit under study,
carried out in June 2019 and May 2021. We analyzed the development of the
team's knowledge regarding the theme with the help of the theoretical
constructs of the educator Paulo Freire, and what is the reflection of the
acquisition of this knowledge in the assistance to the hospitalized elderly
population. Conclusion: It is noteworthy that with the use of an active
methodological learning strategy, professionals acquired scientific property
about delirium in the elderly, being able to correlate it with their care
practices, making them able to generate changes in reality.
Keywords: delirium; elderly; learning;
nursing care for the hospitalized elderly.
Resumen
Conocimientos de enfermería
sobre medidas de prevención y control
del delirio en ancianos hospitalizados
Objetivo: Revelar el conocimiento del equipo de enfermería sobre el delirio en ancianos
hospitalizados, después de realizar un proceso de construcción
e implementación de un plan de cuidados para la prevención y control del delirio. Métodos: Se
trata de un estudio descriptivo exploratorio con abordaje cualitativo,
que utilizó como referente metodológico la Investigación Convergente en Atención (PCA). Resultados:
Se realizó una entrevista semiestructurada
a 28 profesionales de enfermería
en fase de diagnóstico y 24 profesionales
en fase de pos intervención en la unidad de estudio,
realizada en junio de 2019
y mayo de 2021. Se analizó el desarrollo del
conocimiento del equipo en cuanto al tema con la ayuda
de los constructos teóricos del
educador Paulo Freire, y cuál es el
reflejo de la adquisición de esos conocimientos en la asistencia a la población anciana
hospitalizada. Conclusión: Se destaca que con el uso de una estrategia de aprendizaje
metodológico activo, los profesionales adquirieron propiedad científica sobre el delirio en el
anciano, pudiendo correlacionarlo con sus prácticas de cuidado, capacitándolos
para generar cambios en la realidad.
Palabras-clave: delirio; salud
del anciano; aprendiendo; atención de enfermería al anciano
hospitalizado.
A
população idosa tem crescido mundialmente, de maneira que, em 2050, 1 a cada 6
pessoas terá mais de 65 anos (16%). Para se ter uma comparação, em 2019, essa
quantia era 1 para cada 11 pessoas. No Brasil, até 2017, a população de idosos
já superava 30,2 milhões, e a expectativa para 2060 é que esses indivíduos
passem dos 73 milhões de pessoas [1,2].
Nota-se
que os idosos são mais propensos a desenvolver diversos problemas de saúde,
acarretando uma maior necessidade de assistência hospitalar, e, quando são
internados, estão sujeitos a manifestar alterações cognitivas e
fisiopatológicas, que podem comprometer seu estado de saúde [3].
Dentre essas alterações cognitivas,
ressalta-se o delirium, um distúrbio que afeta até 50% dos idosos internados,
podendo essa taxa ser ainda maior entre idosos em Unidades de Tratamento
Intensivo (UTI) [4,5]. Estudos comprovam que o surgimento do delirium no idoso
hospitalizado aumenta o tempo de internação e provoca readmissões, maior
mortalidade e encarecimento dos custos hospitalares [5,6,7,8].
O
delirium é conceituado como um distúrbio neurocomportamental, uma alteração
aguda e flutuante da consciência e da cognição, com alterações do ciclo
sono-vigília e da psicomotricidade, podendo variar bruscamente de
hiperatividade para hipoatividade
em seu curso.
Dentre seus sinais, estão: diminuição da
atenção, da percepção, da memória,
da
orientação e do raciocínio, frequente troca da
noite pelo dia, além de
transtornos emocionais, como depressão, ansiedade, medo,
irritabilidade,
euforia e apatia [9,10,11].
Os
profissionais de saúde subestimam o delirium, por desconhecimento e por
acreditarem ser uma síndrome inevitável e transitória. Muitas vezes, esse
distúrbio não é diagnosticado, sendo constantemente subnotificado e mal
administrado, mesmo estando associado a um importante episódio para o paciente
e para o seu cuidador, e, nomeadamente, a um mau prognóstico [12,13,14].
Dada
a relevância do delirium, em virtude de sua prevalência e, acima de tudo, das
consequências para os pacientes idosos, justifica-se a necessidade de os
profissionais de saúde entenderem esse quadro e saberem quais condutas tomar
para sua prevenção e controle.
Viabilizar
um aprendizado em que se reflita acerca do processo de trabalho e no qual
evidências científicas e vivência da prática profissional integram-se,
possibilita melhor entendimento e adesão da equipe, pois o profissional
sente-se parte da transformação da realidade [10,15]. A educação dos
profissionais de saúde com a concepção de estratégias que permitam a prevenção,
a identificação precoce do delirium e a implementação de intervenções adequadas
propicia uma assistência mais adequada aos idosos [16].
Tendo
em mente que a equipe de enfermagem é a que permanece 24 horas conferindo
assistência direta aos idosos internados, é indispensável capacitá-la e avaliar
o quanto o conhecimento absorvido sobre esse tema foi valoroso para se alcançar
uma mudança da realidade da assistência e uma redução dos impactos negativos
sobre a saúde do idoso.
Diante
do exposto, este estudo tem por objetivo desvelar o conhecimento da equipe de
enfermagem após o desfecho de um processo de construção e de implementação de
um plano de assistência de prevenção e controle do delirium no idoso
hospitalizado.
Trata-se
de um estudo exploratório descritivo com abordagem qualitativa, o qual utilizou
como referencial metodológico a Pesquisa Convergente Assistencial (PCA). Hoje,
no campo da pesquisa, particularmente na área da enfermagem, a PCA é uma
metodologia que integra o escopo da educação continuada ao foco no
aprimoramento da realidade assistencial nos serviços de saúde, tendo sido
amplamente usada como recurso para qualificação, embasada em evidências
científicas das práticas em enfermagem [17].
A
investigação foi conduzida em um hospital terciário universitário do Paraná, em
uma unidade clínica mista composta de 50 leitos, cuja população foi constituída
pela equipe de enfermagem, que totalizou 6 enfermeiros e 44 técnicos de
enfermagem.
Na
fase de diagnóstico, realizou-se uma entrevista semiestruturada, e, na fase de
pós-intervenção, elaborou-se um plano assistencial para prevenção e controle do
delirium no idoso hospitalizado, com intermédio do referencial metodológico da
PCA.
Por
intencionalidade, todos os profissionais foram convidados pessoalmente,
aderindo-se como critério de inclusão estar na assistência direta ao paciente
na unidade em que transcorreu a pesquisa por no mínimo 6 meses. Em
contrapartida, excluíram-se todos os profissionais que estavam afastados por
licença-prêmio, licença médica e férias.
Consoante
ao critério de saturação dos dados, no período da fase de diagnóstico, a
entrevista deu-se com 28 profissionais, sendo 5 enfermeiros e 23 técnicos de
enfermagem, em diferentes turnos, e, na fase de pós-intervenção, com 24
profissionais, sendo 4 enfermeiros e 20 técnicos de enfermagem. Enfatiza-se que
1 enfermeiro e 3 técnicos recusaram-se a participar e 4 estavam de em férias.
Mantendo a confidencialidade, foram identificados com as siglas “Enf”, para enfermeiros, e “Tec”,
para técnicos de enfermagem, acrescidas de uma numeração.
A
coleta dos dados ocorreu em outubro de 2019, na fase de diagnóstico, e em junho
de 2020, na fase de pós-intervenção, tendo como instrumento as seguintes
questões abertas: Você consegue me dizer quais medidas podem ser realizadas
para prevenir o delirium no idoso hospitalizado?; Você consegue me dizer quais
medidas podem ser realizadas para tratar ou controlar o delirium no idoso
hospitalizado?; Fale para mim quais seriam as consequências do delirium no
idoso hospitalizado.
As
entrevistas sucederam em uma sala reservada, na unidade de trabalho, conforme a
disponibilidade dos participantes, com a duração média de 30 minutos. Todos os
dados foram obtidos pela própria pesquisadora e gravados com aparelho manual
marca Sony ICD-PX470, com posterior transcrição na íntegra, também manual, no
programa Word, sendo analisados sem identificações.
A
organização das entrevistas contemplou os critérios de análise de conteúdo de
Bardin [18], com três etapas: pré-análise, exploração
e inferência; já os resultados foram discutidos com o referencial teórico de
Paulo Freire. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
Universidade Estadual de Londrina, sob o parecer nº 05507218.7.0000.5231 [19].
Após
análise detalhada das falas dos participantes, despontaram duas categorias
temáticas:
1) O
conhecimento da equipe de enfermagem sobre as medidas de prevenção e controle
do delirium no idoso hospitalizado antes e após uma intervenção educativa
Na
fase de pré-intervenção, muitos dos profissionais de
enfermagem, ao serem questionados a respeito das medidas de prevenção e
controle, responderam com base no senso comum e com saber limitado sobre o
tema:
[...] É
complicado, porque eles ficam agressivos, mas a gente tem que entender que não
é com a gente é a situação dele ali. [...] (Tec19)
[...] Não
tem explicação e nem o que fazer, todo idoso que interna ele fica confuso, ele
interna hoje passa bonzinho, mas amanhã você já percebe que ele começa a
delirar. [...] (Téc8)
Vários
profissionais não conheciam o processo de prevenção e controle do delirium ou
não sabiam dizer quais medidas eles poderiam executar:
[...]
No meu ponto de vista, não tem como minimizar, porque é um quadro que vem dele,
como você prevê, como você evitar. Eu acredito que seja do próprio organismo
dele mesmo que desenvolve. [...] (Tec24)
[...]
Eu acredito que não tem, nós profissionais não tem como. Porque, no meu ponto
de vista, não é científico, acredito que sair de sua zona de conforto, estar no
hospital, seu diagnóstico pra mim é um conjunto. [...] (Enf4)
Outro
ponto levantado foi em relação ao dimensionamento de recursos humanos para a
assistência ao paciente idoso, referindo uma sobrecarga de trabalho em razão do
quantitativo de pacientes que precisam atender, o que ocasiona menor atenção e
dificuldades na qualidade do serviço. Entretanto, os profissionais defenderam
que, se cuidassem de um número menor de pacientes, conseguiriam prestar um
cuidado de mais qualidade aos idosos.
[...]
como tem muitos pacientes, eu não consigo ir trabalhar com prevenção e
controle, é muito trabalho para fazer, não tenho tempo. [...] (Enf3)
[...]
Quanto menos paciente para cuidar conseguimos ter uma melhor assistência,
agora, do jeito que está, focamos no mais importante, que é medicação, curativo
e tem coisas que acabamos não dando muita atenção. [...] (Tec21)
[...]
Mais funcionários para trabalhar, porque não conseguimos dar a assistência que
gostaria. [...] (Tec10)
Quando
interrogados sobre como o familiar ou o cuidador poderiam auxiliar na prevenção
e no controle do delirium, os profissionais, na fase de diagnóstico, relataram
apenas que a presença desse acompanhante já diminui as chances de os idosos
manifestarem a síndrome, exemplificando que, quando o paciente fica agitado, o
familiar ajuda a poupar uma restrição física.
[...]
Quando tem acompanhante, conversamos com ele para ajudarmos a não deixar o
paciente restrito. [...] (Tec2)
[...]
Família estar sempre junto, estar sempre presente conversando, puxando memórias
atuais o que era, o que não era, o que está acontecendo, o que está passando
pela cabeça do idoso. [...] (Enf2)
Na
fase de pós-intervenção, por seu turno, a totalidade dos profissionais
entrevistados frisou ser fundamental a presença de familiar e/ou de cuidador
para assessorar nas instruções mais específicas com o idoso e para manter o
contato com familiares e o apoio nas pequenas tarefas do dia a dia nesse
período de internação, haja vista que, por ser uma pessoa conhecida, transmite
mais segurança ao paciente.
[...]
pedimos para o familiar ficar com o idoso, orientando-o no tempo e espaço, se o
idoso desenvolvesse delirium, conseguiríamos ir atrás de medicação antes de
restringir, porque o familiar estava ali próximo, colaborando para manter o
idoso seguro. [...] (Tec10)
[...]
Eu penso que orientar o idoso e seu acompanhante, orientamos e eles ajudam,
orientamos a manter o idoso orientado, esclarecido sobre seu estado, e
colaboram nos pequenos cuidados, isso já faz a diferença para o idoso e previne
o delirium. [...] (Enf4)
[...]
Eu lembro que entregávamos o panfleto de orientações para os familiares e
falávamos para o acompanhante conversar com o paciente o dia e o horário,
falávamos para trazer coisas que ele gostava de fazer em casa e fazer aqui com
a gente, joguinho, crochê etc. Perguntava horário, dia, se está de tarde ou de
noite, sempre orientando o idoso. [...] (Tec11)
Outras
notáveis medida de prevenção e controle do delirium citadas pelos profissionais
foram: orientar o idoso no tempo e no espaço diariamente, não estimular as ideais
delirantes, exercitar a memória, informar o idoso sobre seu estado de saúde.
Posteriormente à instauração do plano assistencial, os profissionais apontaram
como pontos positivos o uso de relógios e de calendários dentro das
enfermarias, assim como a distribuição do folder educativo para os
acompanhantes, incentivando a orientação e outros cuidados com o idoso e
sinalizando o quanto é primordial mantê-lo norteado no tempo e no espaço.
[...]
Eu acho que o mais efetivo aqui na unidade é manter o paciente orientado no
tempo e no espaço, conversando com ele em todas as oportunidades, dizendo que
dia é hoje, que período estamos. [...] (Tec7)
[...]
Sempre orientar o idoso diariamente, dizendo que dia é hoje, o horário, o
porquê ele está no hospital...também evitar reforçar ideias delirantes. [...]
(Enf3)
[...] O
calendário ajudou bastante, sempre estimulávamos os idosos, tinha idoso mais
ativo que olhava para o calendário e orientava os idosos acamados, sempre
apontávamos para o calendário quando o idoso queria saber o dia e isso
estimulava ele. [...] (Tec14)
Já
na fase de diagnóstico, somente três profissionais relataram sobre a
necessidade de orientação do idoso no tempo e espaço.
[...]
Orientar o idoso, onde ele está, explicar a situação de internação, o que está
acontecendo ao seu redor. [...] (Tec8)
O
emprego da restrição foi aludido nas duas fases. Dessa forma, na fase de
diagnóstico, os profissionais afirmaram fazer uso da restrição como primeira
opção quando o idoso está em delirium hiperativo, alegando não poder colocar o
paciente em risco de queda. Destes alguns disseram evitar a conduta na presença
do familiar, uma vez que contavam com a ajuda do acompanhante.
[...] e
ter paciência e tentar explicar, se você conseguir conversar fazer com que ele
entenda, não vai chegar restringindo, se ele não entender, tem que restringir
pelo bem dele. [...] (Enf4)
[...]
Não tenho muito ideia não, sinceramente, se a gente não restringir, a gente não
consegue cuidar, cair da cama é pior. [...] (Tec19)
[...] O
meu papel é tomar os cuidados para evitar quedas, que nem falei para você, por
isso faço restrição, eu restrinjo mesmo, muitas vezes a família fala que não
quer que restrinja, eu falo que eles têm que deixar, porque o familiar não vai
ficar 24 horas acordado. [...] (Tec6)
Já
na fase de pós-intervenção, os profissionais asseveraram que a restrição física
deveria ser poupada, pois piorava o quadro de delirium no idoso. Conforme
narraram, a prática só era consumada quando o paciente em delirium hiperativo
estava sem a presença do acompanhante e a medicação não era ministrada
rapidamente, por falta de profissional médico para receitar.
[...]
No momento em que ele estivesse bem agitado, desconectado com o ambiente, a
gente teria que medicar, neste caso, se ele não tiver acompanhante, a gente
teria que restringir também até ele se acalmar, mas a restrição tem que ser
evitada, porque é uma agressão para o paciente. [...] (Tec14)
[...]
Primeiramente, eu comunicaria a supervisora do setor, eu iria ver se ele está
muito agitado e confuso, se sim, teria que deixar as grades elevadas, e, se ele
estivesse bem agitado, bem agitado mesmo, eu teria que restringir, não teria
jeito, é para segurança dele. [...] (Tec12)
[...]
Sempre evitar restringir, restringir só em último caso mesmo, quando estiver
muito agitado e sem acompanhante. [...] (Tec13)
Ainda
no tocante aos medicamentos, na fase de diagnóstico, os profissionais
expressaram que, para o tratamento e o controle do delirium, sua prescrição
seria a primeira escolha:
[...]
na maioria das vezes, o médico acaba dando um remedinho para acalmar, mas tem
que tomar cuidado, porque dependendo do idoso ele rebaixa demais. [...] (Tec21)
[...]
Aí já é caso médico, o médico teria que fazer uma avaliação para medicar,
porque as vezes eles não são medicados. [...] (Tec6)
Na
fase de pós-intervenção, eles mencionaram o uso do medicamento como controle em
uma fase mais aguda de delirium hiperativo:
[...] e
também na fase aguda é necessário o uso de medicamento, quando ele está bem
agitado. [...] (Tec3)
[...]
chamar o médico para medicar, isso quando ele está agitado, tem que tirar o
paciente dessa fase de agitação, depois temos que tentar descobrir por que ele
desenvolveu o delirium. [...] (Enf4)
[...]
Ter rapidez, do médico vir avaliar e medicar, se for necessário, porque é uma
coisa que prejudica muito o idoso, é a espera por um medicamento que acalme
ele. [...] (Tec15)
A
utilização de tecnologias para estimular o cognitivo do idoso e mantê-lo
situado no tempo e no espaço, como celulares, relógios, computadores e rádios,
foi indicada como fator vital para o período de internação. O ambiente e a
manutenção das rotinas do idoso também apareceram como estratégias de prevenção
e controle do delirium. A maioria dos profissionais salientou a pertinência de
o idoso saber se é dia ou noite e de ficar posicionado próximo de janelas, de o
ambiente ser calmo, sem muitas interferências sonoras de aparelhos e de
monitores, e de se evitar remanejar o idoso de leito.
O
fomento aos hábitos usuais do paciente dentro do ambiente hospitalar também foi
muito reportado, sugerindo que o profissional deve procurar manter as rotinas
do idoso, como banho, alimentação, costumes do tipo leitura, crochê, música,
entre outras atividades possíveis de serem desempenhadas nesse ambiente. Além disso,
preconiza-se manter o uso de órteses e de próteses nos idosos, como óculos,
prótese dentária e aparelhos auditivos.
Falas
da fase pós-intervenção ilustram esse discernimento:
[...]
Precisamos pedir para a família trazer óculos, dentadura, aparelho de audição,
porque muitas vezes eles não levam com medo de perder, mas isso prejudica o
idoso, então precisa deixar. [...] (Tec23)
[...] O
uso do aparelho celular quando ele tem costume de usar, para ele se manter
informado, até um relógio, para saber as notícias do dia, o que está
acontecendo, estimulando o idoso. [...] (Tec3)
[...] a
prevenção se dá em um ambiente confortável, o ambiente confortável seria calmo,
sem muito barulho, com luzes acesas durante o dia e apagadas à noite, trazer
conforto do ambiente mesmo, com relação à luminosidade e ruídos. [...] (Tec2)
[...]
Manter o que ele está acostumado a fazer em casa, o mais próximo da realidade
dele, tipo sono, alimentação, se ele ouve um radinho, idoso gosta disso, então
o mais próximo do cotidiano do dia dele, melhor. [...] (Tec6)
2) O
conhecimento da equipe de enfermagem sobre as consequências do delirium no
idoso hospitalizado
Na
fase de diagnóstico, ao serem indagados acerca das consequências do delirium no
idoso hospitalizado, os profissionais trouxeram questões atinentes aos atos que
o idoso comete por estar nesse quadro, como perda de dispositivos, risco de
lesão de pele, por necessidade de restrição, e maior perigo de queda. Ademais,
os profissionais assinalaram como consequências não atribuídas às ações do
idoso: maior tempo de hospitalização, risco de agravamento do quadro clínico e
maior probabilidade de infecções oportunistas, como pneumonia, em virtude da
necessidade de restrição, como se vê nas falas abaixo.
Excertos
da fase de diagnóstico:
[...]
Ele pode cair da cama, tentar levantar, agora, em questão de sequelas, essas
coisas, só o médico, posso falar pela minha área, risco de queda, machucar,
perder uma punção, retirar uma SVD, uma sonda enteral, é o que vai de
consequências maiores para ele. [...] (Tec4)
[...] A
pior coisa que pode acontecer, que já aconteceu aqui no hospital, foi a queda,
e ter que restringir os idosos, eles não gostam. [...] (Tec17)
[...]
Retirar um dispositivo, isso pode prolongar o internamento do idoso, se ele
retira o acesso e tem que correr um antibiótico naquele horário, pode ser que a
infecção não melhore, então isso pode ocasionar mais tempo de internação. [...]
(Enf1)
[...]
em primeiro, a restrição, que vai diminuir os movimentos dele, o risco de ele
ter uma pneumonia, risco de ele vomitar e broncoaspirar.
Tem também todas as consequências de um idoso restrito, pode machucar. [...]
(Tec11)
Excertos
da fase de pós-intervenção:
[...]
Também pelo fato de ter que ficar mais restrito no leito, o idoso pode
desenvolver pneumonia, que pode prolongar ainda mais essa internação, o
paciente pode evoluir para sepse, pelas suas condições clínicas, e pode até
levar a morte. [...] (Tec2)
[...]
eu vejo que aumenta o tempo de internação do idoso, muitas vezes precisa
investigar a causa, o paciente desenvolve uma infecção, e isso só prejudica o
estado de saúde do idoso. [...] (Enf3)
[...] O
idoso tem mais chance de morrer, risco de piorar o quadro que ele entrou no
hospital, por ficar mais tempo internado, porque o médico vai ter que
investigar a causa e tentar resolver esta causa. [...] (Tec24)
Por
meio das falas extraídas na fase de diagnóstico, observou-se que os
profissionais de enfermagem apresentavam uma dificuldade de compreensão dos
efeitos do delirium em médio e em longo prazo. Dessa maneira, boa parte deles
concentrava-se somente nas ações efetuadas pelos idosos com a síndrome.
Contudo, ao mesmo tempo, constata-se uma evolução dos profissionais quanto ao
conhecimento científico e à capacidade técnica concernente à prevenção e ao
controle do delirium nos idosos hospitalizados após a realização do processo de
capacitação, de construção e de implementação de um plano assistencial.
Reparou-se a aquisição de um conhecimento mais profundo para os profissionais,
possibilitando otimizar sua prática assistencial relativa ao tema.
As
melhorias nas práticas assistenciais são vinculadas à experiência profissional
e à aquisição de conhecimento científico, uma vez que o processo educativo
pretende desencadear no profissional seu domínio sobre o assunto versado,
transformando-o em um ser capaz de ampliar sua reflexão crítica para intervir
na mudança necessária [20]. A análise do trabalho, sendo ele concretizado pela
integração dos saberes formais (evidências científicas) e informais (a
realidade vivida e trabalhada), pode dar uma visibilidade do problema aos
profissionais inseridos no processo, incentivando-os a agir na busca por
resolução [10].
Freire,
com suas teorias, elucida que o profissional desenvolve uma visão crítica
habilitada a gerar mudanças em sua realidade, despertando para uma consciência
verdadeira, por meio da apreensão do conhecimento sobre o problema nomeado e do
conhecimento de sua prática [21]. No estudo em questão, os profissionais
sensibilizados são aptos para empreender uma assistência de qualidade para
prevenção e controle do delirium no idoso hospitalizado, pois a metodologia de
ensino utilizada propiciou o desenrolar do conhecimento científico de forma
interligada à prática assistencial, instigando os profissionais a repensarem
suas atitudes em face do delirium.
Ao
depreender a demanda por mudança de uma realidade, é preciso que o profissional
se capacite cada vez mais, sendo essa capacitação auferida com mais êxito
mediante a aplicação de metodologias ativas. Assim, os protagonistas dessa
realidade de ensino podem apropriar-se do conhecimento de forma a
transformarem-se em sujeitos conscientes, críticos e reflexivos.
O
profissional consciente e capacitado expande e potencializa suas habilidades e
seus deveres com uma ponderação/ação social crítica, criando uma postura
construtivista pelo conhecimento. Desse modo, torna-se protagonista de
modificações da prática e do meio em que vive, fornecendo uma assistência mais
resolutiva para seus pacientes [22]. Quando o homem compreende sua realidade e
entende quais são as exigências de mudanças, pode planejar soluções renovadoras
e efetivas, em uma dinâmica que Freire remete à tomada da consciência crítica.
Tais mudanças iniciam-se nas relações do homem com o mundo, produzindo
alterações em si e no globo [23].
O
debate de conhecimentos técnico-científicos com a equipe de enfermagem é
crucial para direcionar e fundamentar decisões das práticas cumpridas na
assistência à saúde. Nessa perspectiva, percebe-se que, quando o profissional
assimila o tema discorrido, ele entende as consequências da aparição do
delirium no idoso hospitalizado, sensibiliza-se, capacita-se e compromete-se
com a premência de mudança.
Reduzir
a morbidade e a mortalidade atreladas ao delirium no idoso é possível com a
obtenção de conhecimento a respeito do tópico, levando em conta a
identificação, a prevenção, o tratamento e as complicações ligadas a essa
síndrome. Por conseguinte, os profissionais de saúde poderão pensar estratégias
para conter esse problema amparados em evidências científicas [24,25].
Reconhecer
que os profissionais de enfermagem são aqueles que prestam cuidados em tempo
integral aos pacientes hospitalizados denota o papel basilar dessa classe na
formulação de estratégias para evitar e controlar o delirium [10]. Fica nítido
que, no processo de mudança da prática assistencial, o conhecimento científico,
somado à objetividade do saber prático, torna-se um notório subsídio para uma
atuação clínica de excelência e com a complexidade devida, levando o
profissional a exercer a autonomia do saber e garantindo um cuidado de
enfermagem satisfatório [26]. O compromisso do profissional é conseguido por
meio da conscientização, pois é ela que o qualifica para a reflexão e a ação de
maneira correta, para transformar uma realidade [21].
É
preciso motivar os profissionais na busca pelo conhecimento acerca da temática
delirium, com um alicerce científico que exiba ações profícuas, que atenuem as
chances de o idoso hospitalizado manifestar o delirium e disponham de táticas eficientes
de controle.
Somente
com a educação o profissional modifica sua realidade e consolida um acordo com
a sociedade e com o mundo. Freire, em seus pensamentos sobre a mudança da
realidade, disserta que apenas a conscientização profissional habilita para a
desenvolução de um olhar crítico de mundo: conhecendo e comprometendo-se, para
assim transformar o ambiente ao seu redor [21].
No
mais, a limitação deste estudo refere-se à necessidade de difundir toda essa
metodologia utilizada para amplificar o conhecimento dos demais profissionais
da área da saúde, almejando proporcionar um cuidado multidisciplinar, no qual
toda a equipe esteja instruída com as medidas de prevenção e controle do
delirium no idoso hospitalizado.
Na
análise dos relatos, verificou-se que os profissionais de enfermagem tinham um
conhecimento acerca do tema investigado ancorado no senso comum, porém, após a
intervenção educativa com o uso da estratégia de aprendizagem ativa, eles
adquiriram um conhecimento científico, sendo capazes de correlacioná-lo a suas
práticas assistenciais e de gerar mudanças na realidade. Quando se adotam
metodologias ativas na aprendizagem, os profissionais são participativos em seu
processo de apreensão de conhecimento e o conteúdo é captado provocando um
movimento de reflexão sobre a realidade vivida.
Para
prevenção e controle do delirium, requer-se não só o conhecimento científico,
mas ações estruturais nos ambientes hospitalares, assim como alterações no agir
do profissional, de acordo com medidas comprovadamente eficazes para a
diminuição de eventos adversos associados a essa síndrome. Tais condutas são
alcançadas com a conscientização dos profissionais da equipe de saúde, como os
de enfermagem, que atuam mais próximos e passam mais tempo com os pacientes,
sendo, portanto, a categoria mais propícia para traçar ações de prevenção e
para detectar pequenas alterações de sinais e de sintomas de delirium nos
idosos, podendo agir o mais precocemente possível para o manejo do quadro.
Por
fim, acredita-se que sensibilizar os profissionais para que sejam agentes
participativos e conscientes do decurso de mudança contribui para o incremento
da qualidade da assistência aos idosos que necessitam de cuidados relacionados
à prevenção e ao controle de delirium.
Conflitos
de interesse
Não
há conflitos de interesses.
Fontes
de financiamento
Nenhuma.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Giroti SKO, Longhi FA, Dellaroza MSG; Coleta de dados: Giroti
SKO, da Silva FMV, Silva VRS, Rodrigues MKG; Análise e interpretação dos
dados: Giroti SKO, Longhi
FA, Dellaroza MSG; Redação do manuscrito: Giroti SKO, Longhi FA, Rabito LBF, da Silva FMV, Silva VRS, Rodrigues MKG, Dellaroza MSG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao
conteúdo intelectual importante: Giroti SKO, Longhi FA, Rabito LBF, da Silva
FMV, Silva VRS, Rodrigues MKG, Dellaroza MSG.