Enferm Bras.
2023;22(4):463-78
ARTIGO
ORIGINAL
Perfil
dos enfermeiros que cuidam de pessoas com sequelas de acidente vascular
cerebral na comunidade
Sabrina
da Silva Brasil1, Hilmara Ferreira da
Silva2, Alexmália Fiorini
da Costa Balonecker2, Amanda Sarkis Moor Santos Xavier2, Vanessa Vianna Cruz2,
Nébia Maria Almeida de Figueiredo2, Gabryelly Barros de Carvalho Silva2, Wiliam
César Alves Machado2
1Hospital Federal de Bonsucesso, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil
2Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, RJ, Brasil
Recebido
em: 25 de junho de 2023; Aceito em 15 de agosto de
2023.
Correspondência: Wiliam César Alves Machado, wily.machado@gmail.com
Como citar
Brasil SS, Silva HF,
Balonecker AFC, Xavier ASMC,
Cruz VV, Figueiredo NMA, Silva GBC, Machado WCA. Perfil dos enfermeiros que
cuidam de pessoas com sequelas de acidente vascular cerebral na comunidade. Enferm Bras. 2023;22(4):463-78. doi:10.33233/eb.v22i4.5498
Resumo
Objetivo: Identificar o perfil sociodemográfico
e a qualificação profissional dos enfermeiros que cuidam de pessoas com
acidente vascular cerebral na comunidade. Métodos: Estudo exploratório,
transversal, com abordagem quantitativa, realizado em 2020, com 11 enfermeiros
da Estratégia Saúde da Família, atuantes em município da Região Centro-Sul do
Estado do Rio de Janeiro. Resultados: Maioria dos participantes são do
sexo feminino, profissionais concursados, generalistas, cujas atividades
desenvolvidas se dividem entre atendimento, cuidado e assistência aos usuários
da Atenção Básica de Saúde, e compromissos de gestão das unidades, o que
inviabiliza o implemento sistematizado da assistência de enfermagem prestada às
pessoas com sequelas de acidente vascular, não apenas pela lacuna de
conhecimento específico, mas, sobretudo, pelo acúmulo de tarefas. Conclusão:
A assistência de enfermagem prestada às pessoas com limitações funcionais e
dependência para atividades cotidianas, na comunidade, deve ser focada no
atendimento das suas limitações para o autocuidado e carece de enfermeiros com
formação específica que lhes confiram conhecimentos inerentes aos procedimentos
de cuidados e orientação dessas pessoas, seus familiares e cuidadores
domiciliares, habilitando-os para o desempenho do cuidado de longo prazo.
Palavras-chave: atividades cotidianas; limitação da
mobilidade; acidente vascular cerebral; enfermagem de reabilitação; atenção
básica de saúde.
Abstract
Profile of nurses who care for people with stroke
sequelae in the community
Objective: To identify the sociodemographic
profile and professional qualification of nurses who care for people with
stroke in the community. Methods: Exploratory, cross-sectional study,
with a quantitative approach, carried out in 2020, with 11 nurses from the
Family Health Strategy, working in a municipality in the Center-South Region of
the State of Rio de Janeiro. Results: Most of the participants are
female, permanent professionals, general practitioners, whose activities are
divided between service, care and assistance to users of Primary Health Care,
and commitment to the management of units, which makes the systematized
implementation of nursing care, provided to people with sequelae of stroke,
unfeasible, not only due to the lack of specific knowledge, but, above all, due
to the accumulation of tasks. Conclusion: Nursing assistance provided to
person with functional limitations and dependence for daily activities, in the
community, should be focused on meeting their limitations for self-care and
lacks nurses with specific training that give them knowledge inherent in the
care procedures and guidance of these people , their family members and home
caregivers, enabling them to perform long-term care.
Keywords: activities of daily living;
mobility limitation; stroke; rehabilitation nursing; primary health care.
Resumen
Perfil
de enfermeros que atienden
a personas con secuelas de accidente cerebrovascular en la comunidad
Objetivo: Identificar el
perfil sociodemográfico y la calificación
profesional de los enfermeros que atienden a
personas con accidente
cerebrovascular en la comunidad. Métodos: Estudio
transversal, exploratorio, con
abordaje cuantitativo,
realizado en 2020, con 11 enfermeros de la Estrategia Salud de la Familia, actuando
en un municipio
de la Región Centro-Sur del Estado de Rio de
Janeiro. Resultados: La mayoría de los participantes son mujeres, profesionales
permanentes, médicos generales, cuyas
actividades se dividen
entre el servicio, la atención y asistencia
a los usuarios de la Atención Primaria de Salud, y el compromiso
con la gestión
de las unidades, lo que hace inviable la
implementación sistematizada de la
atención de enfermería
brindada a las personas con
secuelas de accidente
cerebrovascular, no solo por la falta de conocimientos específicos, sino, sobre todo, por la acumulación de tareas. Conclusión: La asistencia de enfermería brindada
a las personas con limitaciones funcionales y dependencia para las actividades diarias, en la comunidad,
debe estar enfocada a atender sus limitaciones
para el autocuidado y carece de enfermeros
con formación específica
que les proporcione conocimientos
inherentes a los procedimientos de cuidado y orientación
de estas personas, sus familiares y cuidadores domiciliarios,
permitiéndoles realizar cuidados a largo plazo.
Palabras-clave: actividades cotidianas; limitación de la movilidad; accidente
cerebrovascular; enfermería en
rehabilitación; atención
primaria de salud.
Entre
os mais desafiantes gargalos contemporâneos no campo da saúde coletiva mundial [1],
a incidência de acidente vascular cerebral (AVC) afeta cada vez mais idosos com
comorbidades e adultos jovens, elevando custos com internações hospitalares. Da
mesma forma, requerendo atendimentos nos programas de reabilitação e
intervenções da atenção primária de saúde, para suprir demandas de cuidados de
longo prazo voltados para minimizar a dependência funcional das pessoas
acometidas [1,2].
Cuidados
de longo prazo que as equipes de saúde, sob a liderança dos enfermeiros, devem
orientar essas pessoas, seus familiares e cuidadores sobre como proceder para
cuidar dessas pessoas em casa, tendo em vista que os episódios de AVC podem
causar incapacidade total ou parcial da pessoa, gerando grandes implicações na
qualidade de vida e elevados gastos financeiros para o sistema de saúde e
impactos no orçamento familiar do sujeito doente [2]. Nesse sentido, um
episódio de AVC tem habitualmente como consequência algumas disfunções nos
sinais e sintomas neurológicos, como diminuição da força muscular, descoordenação
psicomotora, alterações da linguagem (afasia motora e/ou sensorial),
comprometimento da percepção visual central e periférica ou desvio do olhar
conjugado, apraxia, ataxia, disartria, disfagia,
podendo mesmo afetar a função cognitiva e o estado de consciência [3,4].
No
Brasil, cerca de 50% dos idosos acometidos por AVC sobrevivem. Esses adultos
necessitam de auxílio para as atividades diárias e são cuidados pela própria
família em casa [5], sob a supervisão dos enfermeiros atuantes na Atenção
Básica de Saúde. As equipes profissionais atuantes na área de reabilitação
física têm alertado para a importância de se integrar esforços para atribuir
sentido de continuidade nos processos de intervenções terapêuticas e cuidados
para pessoas acometidas pelo AVC, considerando os cuidados de longo prazo por
elas requeridos [5,6].
A
enfermagem, por sua vez, pelo caráter inerente às atividades de cuidar
diretamente das pessoas nos diversos contextos de prática profissional, assume
papel cada vez mais relevante no norteamento da assistência e cuidados [5].
Devidamente integradas à Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência, as equipes
atuantes na Urgência e Emergência Hospitalar não devem poupar esforços para
investir no preparo da alta dos clientes com sequelas de AVC, tanto nos
encaminhamentos para centros especializados ou serviços de reabilitação quanto
para cobertura das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) [6].
A
bibliografia nacional e internacional indica que os desafios comuns para as
políticas de saúde atuais em todo o mundo incluem o envelhecimento da
população, o aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis,
incidência de AVC e o cuidado dessas pessoas para reduzir períodos de
dependência nas atividades cotidianas [5,6,7,8]. A manutenção da função física
dessas pessoas determina sua vulnerabilidade clínica e é fundamental para
prevenir incapacidades, hospitalizações, internações desnecessárias, consumo de
recursos sociais e de saúde e mortalidade [9].
No
caso deste estudo, buscando atender a demanda de cuidados e assistência às
pessoas com sequelas de AVC na comunidade, ainda que sem formação específica
para atuar na enfermagem de reabilitação, enfermeiros atuantes nas equipes da
ESF se utilizam dos conhecimentos de generalistas para atender as necessidades
de cuidados das pessoas por ele acometidas, familiares e cuidadores com
orientações sobre como proceder quanto a dependência funcional para atividades
cotidianas [10,11].
Variáveis
de necessidade, como aumento de deficiência física, cognitiva e dependência
funcional para o desempenho das atividades cotidianas, são fortes preditores
para a elaboração, execução e preparo dos cuidadores de pessoas com sequelas de
AVC, nos domicílios e comunidades. O enfermeiro reabilitador deve atentar para
que se procedam visitas domiciliares focadas na avaliação da acessibilidade nos
ambientes em que essas pessoas irão dispor para desempenhar com melhor
autonomia funcional suas atividades cotidianas [12,13].
Isto
posto, o objetivo deste estudo é identificar o perfil sociodemográfico e a
qualificação profissional dos enfermeiros que cuidam de pessoas com acidente
vascular cerebral na comunidade.
Tipo
do estudo
Trata-se
de estudo exploratório, transversal, com abordagem quantitativa.
Cenário
Unidades
Básicas de Saúde de Paraíba do Sul, município com 42.159 mil habitantes,
localizado na Região Centro-Sul Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.
Participantes
Onze
enfermeiros atuantes nas equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) do
município.
Critérios
de inclusão
Foram
incluídos na pesquisa os enfermeiros que atuam na ESF do município, em cujas
unidades houvesse clientes em processo de reabilitação física decorrente de
AVC, isquêmico e/ou hemorrágico, com tempo de lesão inferior a 2 anos.
Critérios
de exclusão
Foram
excluídos os enfermeiros que estiveram em gozo de férias ou licença para
tratamento de saúde.
A
coleta dos dados foi realizada entre os meses de fevereiro a março de 2020,
através de entrevistas baseadas em roteiro semiestruturado, com duração média
de 40 minutos.
As
variáveis analisadas foram as sociodemográficas (sexo, idade, qualificação profissional,
tempo de atuação no município, tempo de atuação na unidade, tempo de formado na
graduação e vínculo trabalhista) e características da clientela (quantitativo,
tipos de AVC, e sequelas apresentadas). Variáveis sociodemográficas
relacionadas à qualificação profissional dos enfermeiros que permitem
compreender como a especialidade Enfermagem de Reabilitação se mostra lacuna na
formação desses profissionais junto à clientela com sequelas de lesões
neurológicas incapacitantes, no caso deste estudo, de AVC. Ademais, a presença
de quantitativos de enfermeiros flutuantes, ou aqueles sem vínculos contínuos
de trabalho, pode comprometer ainda mais o cuidado de longo prazo desses
usuários, considerando a dependência para atividades cotidianas.
Procedimentos
de análise dos dados
Os
dados foram analisados à luz da estatística descritiva. O procedimento de
análise dos dados foi realizado com exportação das informações coletadas para o
programa Microsoft Explorer for Windows versão 2016, descritos em tabelas e
discutidos em consonância e diálogo com o conhecimento produzido e disponível
nas bases de dados da literatura nacional e internacional sobre a temática.
Aspectos
éticos
A
pesquisa foi apreciada e aprovada pela banca examinadora do Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, conforme
protocolo CAAE: 26262119.6.0000.5285, em 18 de dezembro de 2019, em consonância
com os termos da Resolução CNS nº 510/16, que aprova as diretrizes e normas
regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
Tabela
I - Perfil
sociodemográfico dos enfermeiros da Estratégia Saúde da Família, Paraíba do
Sul, RJ, Brasil
Fonte:
Os autores. 2021.
De
acordo com a Tabela I, entre os 11 enfermeiros, 9 do sexo feminino e 2 do
masculino, corroborando estudos da literatura nacional e internacional sobre a
predominância do gênero feminino na profissão.
O
tempo trabalhado dos participantes variou entre 4 meses e 10 anos. A maioria
foi contratada em virtude do último concurso realizado no município em 2013 e
não possuía vínculo algum com o serviço de ESF antes do concurso.
O
tempo médio de atuação na unidade variou entre 2 meses e 5 anos. Esse dado é de
grande relevância no estudo, pois, devido à rotatividade dos enfermeiros nas ESFs do município, pode haver descontinuidade da
assistência e quebra da confiabilidade do cliente e/ou familiar com os
profissionais da equipe que os assistem.
O
tempo de formação dos participantes como generalistas é variado, de 4 anos a 24
anos, porém este profissional com mais tempo de formação é o que possui menor
tempo de atuação no município.
Tabela
II - Número de
pacientes com AVC em relação ao número de pacientes cadastrados na unidade,
Estratégia Saúde da Família, Paraíba do Sul, RJ, Brasil
AVC
I = Acidente vascular cerebral isquêmico; AVC H = Acidente vascular cerebral
hemorrágico. Fonte: Os autores. 2021
A
Tabela II apresenta o quantitativo de clientes cadastrados nas Unidades Básicas
de Saúde, atendidos pelas equipes da ESF, em Paraíba do Sul, identificados com
AVC isquêmico ou hemorrágico, a partir dos critérios de inclusão e exclusão do
estudo.
Dentre
as 21 unidades de saúde de ESF, somente 11 foram elegíveis para a pesquisa,
contemplando os clientes com tempo inferior a 2 anos de lesão isquêmica ou
hemorrágica.
Tabela
III - Dificuldades
evidenciadas pelos enfermeiros em clientes com AVC, Estratégia Saúde da
Família, Paraíba do Sul, RJ, Brasil
AVC
I = Acidente vascular cerebral isquêmico; AVC H = Acidente vascular cerebral
hemorrágico. Fonte: Os autores. 2021
A
Tabela III identifica as dificuldades apresentadas pelos clientes acometidos
pelo AVC, isquêmico e hemorrágico, evidenciadas pelos enfermeiros durante a
rotina de visitas domiciliares. Os dados elencados nesta etapa foram todos
constituídos pela autora a partir da análise do instrumento preenchido pelos
próprios enfermeiros.
Tabela
IV - Sequelas
identificadas nos clientes acometidos pelos dois tipos de AVC, isquêmico e
hemorrágico, Estratégia Saúde da Família, Paraíba do Sul, RJ, Brasil
Direita
(D) Esquerda (E). Fonte: Os autores. 2021.
Os
resultados deste estudo corroboram as pautas prioritárias da Organização
Mundial de Saúde (OMS), que sublinha o AVC como uma das principais causas de
incapacidade e morte em todo o mundo, afetando desproporcionalmente pessoas em
países de baixa e média renda. Em todo o mundo, o AVC é a segunda principal
causa de morte e a terceira principal causa de incapacidade. Cerca de 70% dos AVCs ocorrem em países de baixa e média renda, onde sua
incidência mais que dobrou nas últimas quatro décadas e onde, em média, o AVC
ocorre em pessoas 15 anos antes do que em países de alta renda [14].
Antes
da pandemia do COVID-19, o AVC era a segunda causa de morte mais frequente, com
quase 6 milhões de mortes em todo o mundo [15]. Embora o AVC constitua a quinta
causa de morte nos Estados Unidos e a principal causa evitável de incapacidade,
ainda não existe um padrão de atendimento para essas pessoas na rede
hospitalar, tampouco recebem preparo consistente para sua alta hospitalar [16].
Doença neurológica com significativo impacto social e econômico, o AVC, na
Espanha, é a principal causa de morte entre as mulheres, a segunda principal
causa de morte em homens e a causa mais frequente de sequelas neurológicas
permanentes em ambos os sexos [17]. A incidência de AVC em países ricos e
desenvolvidos apresentou declínio nas últimas quatro décadas, porém, aumentou
dramaticamente em países de baixa e média renda, como na China [18] e no Brasil
[1,5], sobrecarregando por demais as estruturas da Atenção Primária de Saúde.
Dados
da Tabela I chamam atenção para o fato de embora predominarem enfermeiros
contratados por regime de concurso público, a rotatividade de contratados por
regime de processo seletivo, ou cargo comissionado, gera instabilidade e
ruptura na sistematização do cuidado e assistência prestada à clientela em
foco, assim como nas orientações de seus cuidadores e familiares.
Estudo
realizado com 15 enfermeiros brasileiros, com titulação acadêmica de mestres e
produção de conhecimento na área do diagnóstico de enfermagem, objetivando a
elaboração de enunciados de diagnósticos de enfermagem da Classificação
Internacional para a Prática de Enfermagem para o cuidado prestado às vítimas
de acidente vascular cerebral, sugere que os diagnósticos apresentam potencialidade
para proporcionar adaptação do indivíduo e fortalecer o registro das
necessidades identificadas pelos enfermeiros [19]. Registros que se
caracterizam essenciais para a consolidação da assistência sistematizada de
Enfermagem, sem os quais as intervenções prestadas pelos enfermeiros para
cuidar das pessoas vítimas do AVC, seja no âmbito da comunidade atendidas por
equipes da Atenção Básica de Saúde, ou institucionalizadas e desenvolvidas em
cenários hospitalares, torna-se informal e descontinuada. Nesse sentido, as
intervenções de enfermagem são importantes para a promoção da independência no
autocuidado dos clientes com sequelas de AVC ao gerarem ganhos de independência
e consequentemente melhoria da qualidade de vida dessas pessoas [20].
Como
demonstrado neste estudo, a literatura internacional confirma que
aproximadamente 70% dos sobreviventes de AVC requerem assistência nas
atividades da vida diária [18,19]. Em estudo realizado na Carolina do Norte
[21], constatou-se que essa assistência é geralmente fornecida por membros da
família que muitas vezes não recebem orientações dos profissionais de saúde
sobre como interceder para suprir as necessidades dos sobreviventes de AVC,
tampouco sobre como comunicar-se com os provedores e identificar e acessar
recursos da comunidade. Da mesma forma, na Inglaterra e no País de Gales,
sobreviventes de AVC que vivem na comunidade expressaram insatisfação com as
informações e orientações recebidas sobre doença de AVC, serviços e benefícios
disponíveis [22].
Programas
de apoio para cuidadores após a alta hospitalar são fundamentais e têm
demonstrado efeitos benéficos quando estruturados em intervenções de
treinamento para cuidadores familiares, de modo que sobreviventes de AVC possam
receber cuidados adequados em casa [5,23]. As conexões que faltam entre o
hospital e os prestadores de serviços baseados na comunidade ilustram a
abordagem fragmentada dos cuidados de saúde. As equipes profissionais que
trabalham em hospitais geralmente não entendem as experiências pós-alta dos
pacientes. Quando os pacientes recebem alta de volta para a comunidade, muitas
vezes são deixados por conta própria para identificar quais recursos e serviços
podem precisar e o que está disponível em sua área para promover sua recuperação
[8].
Dados
ilustrados na Tabela II, confirmam que cada unidade de ESF possui apenas um
enfermeiro, responsável pelas ações gerenciais voltadas para a organização da
equipe e da própria unidade de saúde, somado às funções assistenciais junto aos
usuários. Tais achados representam sobrecarga de tarefas desempenhadas por esse
profissional, uma vez que suas atribuições profissionais estão vinculadas aos
atendimentos de aproximadamente 3 mil pessoas, alinhada com os objetivos da
atenção básica, quais sejam, de prevenção e promoção da saúde.
Ademais,
os dados da Tabela II destacam que o total de clientes cadastrados nas 11 ESFs é de 27.344, dentre os quais 17 clientes foram
acometidos pelo AVC isquêmico e apenas 4 pelo AVC hemorrágico, o que representa
percentual inferior à 1% de clientes com AVC, em relação ao total de clientes
cadastrados. Mesmo em quantitativo pequeno, esses usuários carecem de cuidados
e assistência de Enfermagem, prestados por enfermeiros com formação e
conhecimentos específicos da Enfermagem de Reabilitação, área de conhecimento
em processo de consolidação no Brasil [24]. Por outro lado, os enfermeiros
generalistas deste estudo deveriam prestar cuidados e assistência sistematizada
e focada no treinamento e orientação desses clientes e seus cuidadores para o
desempenho das atividades cotidianas, com base nas suas limitações funcionais e
sensoriais afetadas.
É
importante pontuar que a reabilitação é um processo orientado para objetivos e
com tempo limitado que permite que os pacientes atinjam um nível funcional
ideal nos campos físico, mental e social, fornecendo-lhes as ferramentas
necessárias para administrar sua própria vida [17]. Para planejar o cuidado de
pessoas com sequelas de AVC, é necessário considerar as prevalências e aspectos
sociais e demográficos, juntamente com a capacidade dos recursos existentes. Ao
mesmo tempo, o sistema de saúde deve ser organizado com base nas melhores
evidências disponíveis sobre as necessidades dos pacientes e seus familiares
[9].
Corroborando
os resultados deste estudo, pesquisa realizada no Japão sobre
intervenções dos
enfermeiros que atuam no cuidado e assistência domiciliar para a
reabilitação
de pessoas com sequelas de AVC sugere que esses profissionais
interpretam os
sinais e sintomas apresentados pelos clientes com base em seu
conhecimento
especializado. Nesse sentido, chegar a um acordo sobre as
consequências das
sequelas apresentadas e os objetivos do tratamento também
é vital para a
prestação de serviços de
reabilitação eficazes. Na reabilitação
pós-AVC,
compartilhar os objetivos da reabilitação é visto
como essencial no processo de
reabilitação, pois leva à melhora da
motivação do paciente e à redução
das
limitações funcionais [25].
Os
cuidados de transição do hospital para o domicílio são o período mais
estressante para os sobreviventes de AVC e seus cuidadores aprenderem a autogerenciar as condições de saúde relacionadas ao AVC e
se engajarem na reabilitação [11]. Contudo, cabe ressaltar que os cuidadores
familiares de pessoas com sequelas de AVC enfrentam dificuldades relacionadas
ao suporte instrumental, emocional e financeiro e também a falta de
conhecimentos e habilidades para realizar as atividades de cuidado [5,26]. Os
serviços de alta precoce com devido preparo, orientação e apoio são
desenvolvidos para tentar melhorar a transição entre o hospital e a comunidade,
acelerando a alta hospitalar para casa, mas proporcionando mais continuidade da
reabilitação no ambiente doméstico [7,12].
Como
pode ser observado na Tabela III, o maior comprometimento encontrado nos
clientes deste estudo foram: deambular com dificuldade se arrastando,
dificuldade na fala, segurar objetos, deambulação com auxílio de muletas,
vestir-se, tomar banho, alimentar-se, entre outras habilidades essenciais de
autocuidado para atividades cotidianas. As dificuldades relacionadas ao sono e
repouso e esquecimento gerado pelo acometimento da memória das pessoas
acometidas pelo AVC evidencia os inúmeros pontos relevantes para os enfermeiros
da ESF priorizarem com estratégias de cuidado e assistência integral desses
clientes, familiares e seus cuidadores, com vistas a proporcionar um processo
de reabilitação mais produtivo, alcançando metas para o seu melhor desempenho
funcional, minimizando possíveis fontes de sofrimento e desgaste nas relações
estabelecidas nos espaços domiciliares.
Pessoas
com histórico de AVC que vivem com deficiência por um período prolongado, a
deficiência fica inserida em um contexto pessoal afetado por experiências de
vida, ambiente de vida e relacionamentos com pessoas próximas a eles. A
reabilitação de pacientes com AVC nos seus espaços domiciliares requer que os
terapeutas de reabilitação desenvolvam uma compreensão profunda sobre a vida
diária desses clientes e alcancem um acordo com eles, seus familiares ou
cuidadores quanto às suas percepções de deficiência [25].
A
Tabela IV apresenta demonstrativo com as principais características das
sequelas neurológicas dos clientes atendidos pelas equipes da ESF,
especificando seus respectivos comprometimentos físicos, motores, sensoriais e
emocionais, cuja variedade requer dos enfermeiros e seus responsáveis técnicos,
conhecimentos específicos da Enfermagem de Reabilitação. Domínios de
conhecimentos e práticas de difícil exercício para enfermeiros generalistas,
por mais empenho e dedicação que possam empenhar nessas unidades básicas de
saúde.
Sabe-se
que a enfermagem de reabilitação congrega um conjunto de competências
específicas, de caráter multidisciplinar, que têm por base conhecimentos e
procedimentos que permitem cuidar das pessoas com doenças agudas, crônicas ou
com as suas sequelas com o intuito de retomar a sua máxima funcionalidade e
independência [3]. O enfermeiro especialista em Enfermagem de Reabilitação, de
acordo com as suas competências, elabora, implementa, monitoriza e avalia
programas de reeducação funcional e de treino, capacitando a pessoa para o
autocontrolo e autocuidado [4,27].
Limitações
do estudo
O
estudo restrito a um cenário municipal não pode ser tomado de parâmetro para
generalizações, contudo, considerando que os enfermeiros brasileiros ainda não
dispõem de programas de formação profissional na área de Enfermagem de
Reabilitação, pode-se inferir que seus achados sejam similares aos disponíveis
nos demais contextos de prática e cuidado para com as pessoas com acidente
vascular na comunidade.
Contribuições
para a prática
Este
estudo contribui para a prática de enfermagem na medida em que desvela lacuna
na Atenção Básica de Saúde, relacionada aos cidadãos brasileiros com sequelas
de AVC que ficam sem receber cuidados, assistência e orientações específicas
para atender suas necessidades quanto ao cuidar de si. Cuidados e assistência
de Enfermagem que carecem de formação específica e promovem o bem-estar e a
qualidade de vida dessas pessoas.
O
estudo traz relevantes contribuições para o conhecimento e práticas dos
enfermeiros que atuam na linha de frente das equipes da ESF nos municípios
brasileiros, tanto quanto oferece subsídios para o aprimoramento dos processos
de criação e consolidação da especialidade de Enfermagem de Reabilitação no
Brasil. De acordo com informações dos enfermeiros que participaram do estudo,
pode-se inferir que suas atribuições gerenciais nas unidades, associadas as
demandas da assistência e cuidados diretos para com os clientes nela
cadastrados, sobrecarregam e comprometem a qualidade da assistência prestada
aos usuários dependentes, como aqueles com sequelas de AVC.
Por
fim, cabe ressaltar que o estudo evidencia que a atuação desses profissionais
nas ESF junto às pessoas com quadros de AVC carece de conhecimentos mais
amplos, melhor fundamentados através do acesso aos programas de formação
profissional de especialistas em Enfermagem de Reabilitação. O que reforça a
tese da premência de iniciativas nas esferas do ensino universitário, bem como
no âmbito das associações e conselhos de classe profissional de fomento à
consolidação da Enfermagem de Reabilitação no Brasil.
Vinculação
acadêmica
Manuscrito
extraído de dissertação de mestrado “Autonomia para pessoas com deficiência
física decorrente de sequelas de AVE: intervenções de enfermagem para resgate
da independência funcional”. Autoria de Sabrina da Silva Brasil, sob orientação
do Prof. De. Wiliam César Alves Machado. 2021. Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem (PPGENF), Universidade Federal do Estado do Rio e Janeiro
(UNIRIO), Rio de Janeiro/RJ.
Conflitos
de interesse
Não
existe conflito de interesse
Fontes
de financiamento
Recursos
próprios
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa, obtenção de dados, análise e interpretação dos dados,
análise estatística, redação do manuscrito: Brasil SS; Revisão crítica do
manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva HF, Figueiredo NMA,
Balonecker AFC, Xavier ASMS, Silva GBC, Cruz VV; Desenho
da pesquisa, análise e interpretação dos dados, análise estatística, redação do
manuscrito: Machado WCA